Notícia muito festejada no meio jurídico foi a edição da Lei n.º 11.441/2007, que permitiu a separação consensual e divórcio consensual de cônjuges, que não possuem filhos menores ou incapazes, em Cartório, por escritura pública, sem a necessidade de homologação judicial, quando respeitadas as exigências legais, especialmente, com relação ao prazo.
Pois bem. Em sendo possível a separação consensual ou divórcio consensual, por intermédio de escritura pública, infere-se da lei que os cônjuges farão constar as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia, bem como a situação do nome de casado, seja pela sua manutenção ou exclusão. Concluída e devidamente formalizada, a escritura pública constituirá título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
Há, também, que se acrescentar a indispensabilidade de advogado assistindo as partes para o ato em questão e, quanto aos pobres na forma da lei, há dispositivo assegurando a gratuidade dos atos notariais.
Com efeito, realizadas as explicações preliminares, questão bastante interessante é se, após a edição da Lei n.º 11.441/2007, haveria interesse processual no ajuizamento, no Poder Judiciário, de ações de separação consensual na hipótese por ela prevista.
Nas lições preciosas de Wambier, tem-se que o “interesse processual nasce, portanto, da necessidade da tutela jurisdicional do Estado, invocada pelo meio adequado, que determinará o resultado útil pretendido, do ponto de vista processual” (in WAMBIER, L. R., ALMEIDA, F. R. C. e TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil. 3. ed. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. v. 1. Grifo nosso).
Moacyr Amaral dos Santos explica, ainda, que “há o interesse de agir, de reclamar atividade jurisdicional, consistente no interesse ou necessidade de obter uma providência jurisdicional do Estado, para que este tutele o interesse primário, que de outra forma não seria protegido.” (in SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 1. 1998. Grifo nosso).
Nesse prisma, tem-se que, inquestionavelmente, inexistiria interesse processual, pois o meio adequado seria a invocação de escritura pública, no Cartório, ou, ainda, porque o interesse ou necessidade pode ser protegido de outra forma que não o acionamento do Judiciário.
A questão, porém, não é tão harmônica nos debates jurídicos.
Verbi gratia, a OAB/SP relatou, em 14 de março de 2007, em seu site, que recebeu mais de 400 (quatrocentas) reclamações de advogados, relatando que diversos juízes estavam extinguindo feitos de aludida natureza, por falta de interesse processual (in http://www.oabsp.org.br/destaque_principal/oab-sp-alerta-corregedoria-do-tj-sobre-extincao-de-processos-com-base-na-lei-11-441-07/)
O presidente daquela entidade, Luiz Flávio D’Urso, na aludida notícia, argumenta que “acarretaria um prejuízo moral e econômico injustificado para as partes, até porque a lei faculta que os cônjuges possam optar por uma decisão judicial ou não”.
O posicionamento de D’Urso provavelmente estaria, ao que se compreendeu, calcado na utilização do verbo “poder” na Lei n.º 11.441/07, induzindo, assim, certa “facultatividade” na opção de ajuizamento da ação ou na confecção de escritura pública, senão vejamos:
“Art. 3o A Lei no 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.124-A:
“Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11441.htm – grifo nosso)
Assim, mesmo com o aparente “ar” de facultatividade, não há explicação para a necessidade de ajuizamento de ação no Judiciário, pois, ainda assim, a tutela pretendida pode ser alcançada por outra forma, o que enfraquece significativamente o argumento em questão.
No mesmo toar, leciona o Juiz de Direito José de Andrade Neto:
“A propósito, a análise mais apressada do texto legislativo em testilha, mormente a realização de sua simples interpretação literal (quase nunca recomendada), enseja o intérprete a concluir que a novel legislação pretendeu instituir uma faculdade ao jurisdicionado, permitindo-lhe a realização extra ou judicial do inventário, da partilha, da separação e do divórcio consensual. E tal se dá em virtude de ter constado na nova redação dada ao art. 982 e no recém criado art. 1124-A do Código de Processo Civil a expressão “poderá”. Todavia, a análise mais acurada dos dispositivos da Lei 11.441/07, mormente o seu confronto com institutos bases do processo civil, evidencia que, a partir de agora, a única opção para a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensual é a via administrativa, extrajudicial.” (http://www.tjms.jus.br/noticias/artigos/20070206083235.pdf)
Outrossim, também, não se pode admitir que o Judiciário se curve aos indigitados e subjetivos prejuízos morais e econômicos e, assim, no intuito de preservá-los, atue à margem da lei.
Entretanto, ante a provocação da OAB/SP (pelo Ofício GP 352/07), a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pelo Desembargador Corregedor, Gilberto Passos de Oliveira, emitiu o comunicado de n.º 236/2007, alertando os magistrados que pensam pela falta de interesse processual em demandas como tais, ressalta também a facultatividade (já anteriormente rebatida), além de descrever que o interesse pode restar resumido ao fato de que as partes prefiram o ajuizamento da ação com fulcro no art. 155, II do CPC.
O aludido artigo 155, II do CPC traz a previsão de que:
“Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça, os processos: (…)
II – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.”
O argumento, também, não pode prosperar por razão bastante simples: por inovação da legislação, os procedimentos de separação consensual ou divórcio consensual, sem filhos menores ou incapazes, deixam de ser tratados por meio processual, passando ao meio cartorário.
Não há o que se falar, pois, em ato processual, mas sim ato notarial.
Pensar dessa forma seria admitir que, exempli gratia, o procedimento de habilitação e a própria realização do casamento fosse vindicada para acontecer no âmbito processual, por meio de ação manejada para tal fim.
Vale dizer, ainda, que não há razão para se discutir qualquer imposição de segredo de justiça em demandas como tais, já que, após a realização da separação consensual ou divórcio consensual, os atos necessariamente deverão ser averbados em Cartório.
D’outra quadra, a lei também não faz qualquer exigência (e, por esse motivo, deve ser repelido qualquer ato em sentido contrário) que se conste, na escritura pública, os motivos da separação ou divórcio ou questões que possam, então, expor de forma sobremaneira os cônjuges. Registre-se que tal recomendação já vigorava nas mais renomadas doutrinas quanto à própria ação judicial.
Por fim, há de se anotar que a solução trazida pela Lei n.º 11.441/2007 deve ser festejada e o zelo na sua aplicação e observância sempre ressaltadas, já que inquestionavelmente o Judiciário será desafogado com tais demandas, podendo, assim, desempenhar cada vez melhor o papel que dele é efetivamente esperado.
Doutor em Direito pela Faculdade Autnoma de Direito de São Paulo; Mestre em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso; Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso; Líder do Grupo de Pesquisa Direito Civil Contemporneo da FD/UFMT; Sócio-Diretor do Escritório Silva Neto e Souza Advogados
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