Resumo: O presente artigo aborda a questão relativa a concessão de anuência prévia, por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em pedidos de concessão de patentes para produtos farmacêuticos e os problemas decorrentes das diversas competências administrativas envolvidas.
Palavras-chave: saúde, patentes, concessão
Abstract: This article is about the procedure before the Brazilian Health Surveillance Agency, in patent requirements related to pharmaceutical products and the problems that emerge because of the duties of the Federal Agencies involved.
Keywords: health, patents, concession
O processo de concessão de patentes, no Brasil, possui uma peculiaridade, que até onde posso inferir, o torna único no mundo, que consiste na escolha de determinada modalidade de produto e submetê-lo a anuência prévia de uma Agência Governamental, que não venha a ser o próprio ente autárquico responsável pela concessão dos direitos patentários em geral. O certo é que as normas legais devem dar sustentáculo para esta ação administrativa. Nos termos do Decreto nº 3029, de 16 de abril de 1999, tem-se como competência da Anvisa a atuação nas seguintes áreas:
“Art. 4° Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.
§ 1° Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:
I – medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias;
II – alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários;
III – cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes;
IV – saneantes destinados à higienização, desinfecção ou desinfestação em ambientes domiciliares, hospitalares e coletivos;
V – conjuntos, reagentes e insumos destinados a diagnóstico;
VI – equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos, hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem;
VII – imunobiológicos e suas substâncias ativas, sangue e hemoderivados;
VIII – órgãos, tecidos humanos e veterinários para uso em transplantes ou reconstituições;
IX – radioisótopos para uso diagnóstico in vivo, radiofármacos e produtos radioativos utilizados em diagnóstico e terapia;
X – cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco;
XI – quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde, obtidos por engenharia genética, por outro procedimento ou ainda submetidos a fontes de radiação”.
Da leitura do normativo regulamentar não se verifica a atribuição de competência para a área de propriedade industrial e, como ressabido um dos pressupostos de validade do ato administrativo é a competência. Outro ponto fraco se situa no momento em que é exarada esta anuência prévia. Para tanto, mister é observar, dentro da sistemática legal, os momentos referentes ao deferimento e a concessão de uma patente; para tanto dispondo os artigos 37 e 38 da Lei nº 9279/96:
“Art. 37. Concluído o exame, será proferida decisão, deferindo ou indeferindo o pedido de patente.
Art. 38. A patente será concedida depois de deferido o pedido, e comprovado o pagamento da retribuição correspondente, expedindo-se a respectiva carta-patente.
§ 1º O pagamento da retribuição e respectiva comprovação deverão ser efetuados no prazo de 60 (sessenta) dias contados do deferimento.
§ 2º A retribuição prevista neste artigo poderá ainda ser paga e comprovada dentro de 30 (trinta) dias após o prazo previsto no parágrafo anterior, independentemente de notificação, mediante pagamento de retribuição específica, sob pena de arquivamento definitivo do pedido.
§ 3º Reputa-se concedida a patente na data de publicação do respectivo ato.”
Do texto legal observa-se que, uma vez concluído o exame do pedido de patente este será deferido ou indeferido. Em função do preceito do §2º artigo 212 do mesmo Diploma Legal, somente é cabível recurso, quando do indeferimento daquele pedido. Portanto, uma vez deferido o pedido este será concedido se satisfeita uma única condição, isto é o pagamento da retribuição respectiva. Portanto, parece-me fora da previsão legal que uma concessão possa estar subordinada a uma anuência prévia, sem que esta venha a ser regulamentada por Decreto. Em face desta dificuldade, poder-se-ia, em uma análise apressada, imaginar que esta anuência prévia poderia ver a ser outorgada em momento anterior ao deferimento do pedido de patente. Entretanto, a legislação pertinente não condiciona o deferimento, mas sim a concessão a anuência prévia. Por seu turno, inexiste no normativo legal vigente qualquer possibilidade de o INPI negar a concessão de uma patente, estando esta deferida e tendo sido recolhida a respectiva contribuição. Mesmo admitindo esta hipótese, isto é, o indeferimento de um pedido de patente, já tendo este sido deferido e a respectiva retribuição em vias de pagamento, decorrente da não concessão de anuência prévia, por força do §2º do artigo 212 da Lei de Propriedade Industrial, caberia a interposição de recurso, que será decidido pelo Presidente da Autarquia. Duas questões daí surgem: a primeira é quanto a hierarquia; como pode um recurso hierárquico ser decidido por uma Autoridade que não dispõe de poder desta jaez em função do ente administrativo (Anvisa) que negou a anuência prévia. A segunda e talvez mais complexa, se centra em que todo o indeferimento de pedido de patente viabiliza a interposição de um recurso e este pode ser desprovido ou provido. Em sendo provido, como ficaria a anuência prévia, na medida em que a decisão seria no sentido de deferir o pedido de patente? A legislação, por seu turno, não define que nestes casos estaria ultrapassada a questão da anuência prévia.
Por seu turno, tentando suprir esta falha, editou a Anvisa a Resolução DC/ANVISA Nº 21 DE 10/04/2013, que trata da anuência prévia. Esta norma, contém uma norma bastante interessante:
“Art. 4º Após recebimento dos pedidos de patente encaminhados pelo INPI, a Anvisa analisará tais pedidos à luz da saúde pública, mediante decisão consubstanciada em parecer técnico emitido pela unidade organizacional competente no âmbito da Agência.
§ 1º: Considera-se que o pedido de patente será contrário à saúde pública quando:
I – O produto ou o processo farmacêutico contido no pedido de patente apresentar risco à saúde; ou
II – O pedido de patente de produto ou de processo farmacêutico for de interesse para as políticas de medicamentos ou de assistência farmacêutica no âmbito do SUS e não atender aos requisitos de patenteabilidade e demais critérios estabelecidos pela Lei nº 9.279, de 1996”.
Ora, de acordo com o inciso II acima, um pedido que seja do interesse para a política de medicamentos ou de assistência farmacêutica no âmbito do SUS será considerado como contrário a saúde pública. Quanto a questão relativa aos critérios de patenteabilidade mencionados, parece-me que este ponto extrapola da competência legal da ANVISA, uma vez que se trata de ponto cuja competência exclusiva é do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Ademais, como já dito, a Lei nº 9279/96 estabelece que a concessão da patente é que dependerá de anuência prévia e este ponto é posterior ao exame do requisitos de patenteabilidade.
Muito embora a referida Resolução dê um contorno administrativo a matéria, ainda cabe perguntar qual o seu alcance. Questionável é a sujeição do requerente de pedido de patente a seus termos. Uma análise jurídica evidenciará a questão. Inicialmente, merece destaque o preceito do inciso II do artigo 5º da Constituição Federal:
“Art, 5º(…)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
Desta norma constitucional advém o princípio de que o cidadão está sujeito ao cumprimento da Lei. Uma Resolução Administrativa, nos termos da melhor doutrina, se constitui em ato administrativo com repercussão interna, não podendo gerar obrigações para o administrado. A matéria já foi objeto de deliberação do Supremo Tribunal Federal, merecendo destaque os seguintes acórdãos:
"O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal. O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua contra legem ou praeter legem, não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República e que lhe permite ‘sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (…)’. Doutrina. Precedentes (RE 318.873-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.)." (AC 1.033-AgR-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-5-06, Plenário, DJ de 16-6-06)
"A reserva de lei em sentido formal qualifica-se como instrumento constitucional de preservação da integridade de direitos e garantias fundamentais. O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal. O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua contra legem ou praeter legem, não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República e que lhe permite ‘sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (…)’. Doutrina. Precedentes (RE 318.873-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.). Plausibilidade jurídica da pretensão cautelar deduzida pelo Estado do Rio Grande do Sul. Reconhecimento de situação configuradora do periculum in mora. Medida cautelar deferida." (ACO 1.048-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-8-07, Plenário, DJ de 31-10-07)
Em relação a este último acórdão sobreleva enfatizar que o direito a obtenção de proteção patentária constitui um dos direitos assegurados pelo artigo 5º da Constituição Federal.
Algumas destas falhas acabaram sendo apontadas pela Advocacia-Geral da União, quando da lavra de parecer, analisando a questão:
“A atuação da ANVISA, como visto, infelizmente não encontra eco nem mesmo, na doutrina dos poderes implícitos; em verdade, sua atuação vai de encontro ao principio da legalidade,e de conseqüência, ao da finalidade (institucional).(…)
Estando certo de que ANVISA e INPI têm atribuições diversas. mas que não são excludentes em face da necessidade da prévia anuência estabelecida pelo art. 229-C da Lei n° 9.279, de 1996 e, ainda seguindo in totum a linha já traçada pela Advocacia-Geral da União ("42. Por fim, Sr. Advogado-Geral. para os casos futuros. é fimdamental que seja criado ou. se já existente, seja aprimorado mecanismo de integração institucional envolvendo INPI e ANVISA. para a concessão de patentes de que trata o art. 229-C da Lei n. 9.279, de 1996. que exige a manifestação de vontade das duas entidades públicas federais" – cf. fls. 79), mas que até o momento não foi cumprida, sugere-se a edição imediata de Decreto regulamentador ou ainda que seja firmado um Convênio para que se fixe especificamente os procedimentos e as obrigações das Entidades com a finalidade de dar cumprimento ao citado dispositivo (art. 229-C, introduzido na Lei n° 9.279, de 14.5.1996, pela Lei n. 10.196, de 2001).”
De toda a sorte, em recente parecer a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu, através de parecer, entendimento no sentido de definir a competência do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no que se refere a anuência prévia. A ação da ANVISA se restringe a aferição de um efetivo dano à saúde, na forma do artigo 18, inciso I da Lei n. 9279/96. Em que pese tal entendimento, não resolve o deslinde de eventuais problemas decorrentes do procedimento administrativo. Por outro lado, deve ser separado o requerimento de concessão de uma patente de invenção de um produto ou processo farmacêutico, de eventuais questões decorrentes de uma autorização de comercialização. São questões distintas que não deveriam obstaculizar o direito do depositante, preenchidos os requisitos legais para a concesão patentária. O requerimento de comercializar o produto atende a requisitos não insculpidos no sistema de proteção de patentes e não é requisito para a sua concessão, sob pena de se criar um requisito adicional, que não encontra guarida nos compromissos internacionais firmados pelo Brasil.
Outrossim, mesmo que se ultrapasse esta questão, decorrente da finalidade do pedido de concessão de patentes, ainda temos a questão processual-administrativa, na medida em que continua em aberto o ponto relativo ao indeferimento do pedido de patente, em face da negativa de anuência prévia por parte da ANVISA, em que o depositante interponha recurso. Este recurso, como já anteriormente exposto, será decidido pelo Presidente do INPI que pode, eventualmente concluir pela procedência da argumentação expendida. Neste caso, a reforma do ato administrativo implicará na concessão final do pedido de patente, haja vista que não está prevista em Lei que o exame pela ANVISA ocorra na fase recursal, o que seria também incabível, em decorrência da estruturação administrativa do INPI e pela ausência de vinculação hierárquica entre a Presidência do INPI e a ANVISA.
O que evidente há de se questionar é no tocante a necessidade deste exame, em fase de concessão do pedido de patente que, ao que seja do meu conhecimento, é singular, não encontrando paradigma em nenhum outro País. Esta singularidade aparente pode trazer inconvenientes ao sistema de proteção patentária, por torná-lo mais burocrático e extrapolar os requisitos básicos de concessão do privilégio, quais sejam: a novidade, aplicação industrial e atividade inventiva. Tradicionalmente são estes os pressupostos de concessão, nao se imiscuindo a Autoridade competente em questões relativas a comercialização de produtos que leva em conta a exames que nao figuram como necessários para o procedimento concessivo.
O ponto nodal da questão poderia indagar qual o sentido de incluir outro Agente Governamental em procedimento administrativo, cujo objeto se limita a concessão de direitos e não tem por escopo a comercialização de produto. Ora, se o objetivo for a justa proteção do consumidor em face de produto que cause dano a sua saúde, o que efetivamente constitui uma das obrigações do Estado, o atingimento desta meta não se relaciona com o ato concessivo do INPI. Independentemente de um direito concedido, a comercialização de determinado produto estará proibida. O eventual titular de direito de patente não poderá comercializar o seu produto no Brasil, da mesma forma que nenhum outro comerciante; entretanto, o que não é crível é que se proíba a concessão de uma determinada patente, sob a alegação de dano a saúde e, posteriormente, um terceiro venha a obter o direito a comercializar o mesmo produto, levando-se em conta fatores de ordem econômica.
Toda esta argumentação também pode ser questionada sob o âmbito do Direito Administrativo. Os atos em comento, de natureza administrativa, têm que atender aos princípios constitucionais, podendo ser apontados os da finalidade e o da eficiência. Todo o ato administrativo deve atender ao fim público. O ato que não atenda ao fim público, dele se desvia, mesmo que sob o eventual manto de legalidade, padece de vício de legalidade. O ato administrativo não tem função, nem tampouco subsistência tão somente pela sua forma, mas sim pela sua destinação. Ora, no presente caso, a falta de anuência prévia não traz nenhum benefício para a sociedade, uma vez que, como já exposto, são searas de atuação diversas. A anuência em comento não se coaduna com o exame concessivo.
Por outro lado, o procedimento administrativo deve ser eficiente, ou seja, evitar o desperdício. Nesse ponto, impende indagar o que significa a adoção desse princípio. Ser eficiente significa adotar procedimentos que não sejam desprovidos do fim de atender ao interesse público. A eficiência impõe ao Estado o dever de que os procedimentos adotados tenham por fim uma decisão administrativa que ofereça a necessária estabilidade das relações jurídicas. Esta estabilidade é obtida através da adoção de atos de forma concatenada que tenham esta meta e não que estes sejam exarados sem que se tenha a noção de suas metas. Analisar os efeitos de eventual produto a ser protegido, tornando o procedimento administrativo em uma prévia análise de futuro requerimento de comercialização implica em misturar esferas sem trazer nenhuma vantagem para a sociedade. Um ponto que deve ser destacado é que em nenhuma outra esfera, impõe-se ao depositante de um pedido de patente um exame prévio de que o seu objeto não causará dano a saúde. É incabível conceber que somente produtos farmacêuticos possam causar algum dano à saúde e que estejam submetidos a um prévio exame para fins de comercialização; tal exame também tem lugar com relação a produtos alimentícios, cosméticos e toucador, sem que haja, quando do exame de um pedido de patente, uma prévia anuência prévia. Por outro lado, qualquer produto, seja químico, mecânico são eventualmente comercializados, podendo causar algum dano a saúde, mas, quando do exame de patenteabilidade, não estavam sujeitos a nenhuma anuência prévia, em um claro tratamento diferenciado para produtos farmacêuticos, o que, de per se, já constitui em uma violação a obrigações internacionalmente assumidas, através do ADPIC.
A ausência de uma decisão administrativa que seja célere e que atenda a necessária eficiência é questionável, em especial quando a mesma não atende aos fins a que o procedimento de concessão se destina, misturando searas distintas e compelindo a comercialização de um produto ao titular de um direito, em momento em que esta obrigação não lhe pode ser exigida e cuja negativa impedirá qualquer outro de também colocar o produto no comércio, porém colocando o seu objeto em domínio público, o que poderia levar a falsa conclusão de que o mesmo encontra-se franqueado a qualquer interessado. Esta ilação estaria certa se a negativa de concessão, que veio a impedir o privilégio de patente e desta forma inserindo o seu objeto em domínio público não fosse calcada em dano a saúde pública. Ao se aduzir o dano a saúde pública, a sua comercialização estará sendo vedada, fator este que poderá não ser suficiente para vedar a sua comercialização de forma ilegal, através do contrabando ou produção por terceiros não autorizados, colocando em risco a saúde da coletiva, em especial em um Estado onde os controles e o combate ainda não se dá com a necessária e esperada eficiência.
O ponto nodal da questão se refere agora a possível negativa de anuência prévia, por parte da Anvisa, com base em falta de requisitos de patenteabilidade. Os pareceres exarados pela Procuradoria-Geral Federal, devidamente aprovados pelo Advogado-Geral da União, não são, entretanto cogentes para a Agência, na medida em que não obteve efeito normativo pela Presidência da República. Cria-se o impasse, na medida em que o ato formal de anuência prévia não foi concedido, porém este decorreu de fundamento que extrapola a competência da Anvisa. Uma primeira possibilidade seria considerar o ato administrativo em comento nulo, por lhe faltar a necessária competência. Não acredito ser esta a melhor solução, na medida em que todo o ato administrativo tem a presunção de validade e a Lei nº 9279/96 exigir a ocorrência da anuência prévia como condição para a concessão de patentes para o setor farmacêutico.
Nesse ponto, parece-me razoável imaginar que a controvérsia tenha que ser submetida ao crivo do Poder Judiciário. A uma por se ter um ato administrativo válido e a duas por não haver nenhuma subordinação hierárquica entre o INPI e a Anvisa, de forma a que nenhum desses dois entes têm o poder de supervisionar atos administrativos exarados, como também não detêm a competência de rever os aludidos procedimentos. Desta forma, incumbe ao Poder Judiciário decidir se o ato, relativo a uma anuência prévia, que adentre nos critérios de patenteabilidade, é legal ou não. Somente o Poder Judiciário poderá, anulando um determinando ato administrativo, decidir que a Administração emita outro, isto porque a Justiça somente compete examinar a legalidade dos atos proferidos, não podendo substituí-la no exercício de suas atribuições. Portanto, reconhecida a nulidade da anuência prévia, por extrapolar de sua competência, caberá a Anvisa a exaração de nova, não sendo possível que esta venha a ser concedida pela Justiça. Nesse sentido, vale transcrever algumas decisões jurisprudenciais:
“Ementa: ADMINISTRATIVO. Pedido de alvará para realização de evento no Município (Feira dos Fabricantes do Brás). Indeferimento por ausência de legislação específica. Inadmissibilidade. Ato administrativo desprovido de motivação. Ofensa aos princípios da livre iniciativa e da concorrência, bem como aos da razoabilidade e proporcionalidade. Impossibilidade de o Judiciário substituir-se à Administração na prática de ato de sua competência, limitando-se sua atuação à restauração da ordem jurídica violada. Anulado o ato por defeito de fundamentação, outro haverá de ser emitido em seu lugar pela autoridade competente. Segurança concedida. Preliminares rejeitadas. Recursos parcialmente providos.” (TJ-SP – Apelação APL 30004516120138260246 SP 3000451-61.2013.8.26.0246 (TJ-SP) Data de publicação: 29/07/2014)
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO DISCIPLINAR EM TRÂMITE. EVENTUAL APLICAÇÃO DE PENALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE O JUDICIÁRIO SUBSTITUIR A ADMINISTRAÇÃO NO JULGAMENTO. MÉRITO ADMINISTRATIVO.
1. O mandado de segurança preventivo visa proteger o patrimônio jurídico do indivíduo de ato ameaçador ou prejudicial a ser praticado que configure o justo receito de lesão ao direito líquido e certo invocado, consubstanciado em grave ameaça, objetiva e atual.
2. Em sede de processo administrativo onde há um procedimento consistente em série de atos que levam a uma decisão final , todos os atos que possam atingir diretamente o administrado podem ser objeto de mandado de segurança, não sendo necessário que se aguarde o proferimento da decisão final para o manejo do remédio constitucional.
3. Hipótese em que o mandado de segurança preventivo foi impetrado com o intuito de obstar a decisão final a ser proferida pela autoridade competente, o que se mostra inviável. Não houve questionamento acerca de qualquer irregularidade no procedimento, sendo todos os fundamentos da impetração com exceção da alegada prescrição dirigidos à demonstração de que não teria ocorrido qualquer conduta punível, bem como de que seria injusta e desproporcional a eventual aplicação da pena máxima.
4. A Lei n. 8.112/1990 estabelece o procedimento a ser adotado no julgamento do processo disciplinar, bem como as competências para a aplicação das penalidades disciplinares. O procedimento regular de processo administrativo exige que a autoridade competente profira a decisão final, não cabendo ao Poder Judiciário substituir o administrador no julgamento.
5. Diante da inexistência de decisão administrativa, não há justo receio – iminente e atual – de que a autoridade impetrada proceda à aplicação de penalidade disciplinar, motivo pelo qual não se justifica a impetração do writ de caráter preventivo.
6. Compete ao Ministro de Estado, após analisar o compêndio administrativo, aplicar ou não a penalidade de cassação de aposentadoria, podendo, inclusive, isentar de responsabilidade o servidor, caso entenda que a prova dos autos está contrária às conclusões exaradas, sempre com motivação suficiente e adequada à hipótese, nos moldes estabelecidos no art. 168 da Lei n. 8.112/1990. 7. É inviável a verificação da ocorrência de prescrição intercorrente da pretensão punitiva da administração, tendo em vista que somente após a definição do enquadramento legal das condutas praticadas poderá ser analisada a questão, ante os diversos prazos previstos na Lei n. 8.112/1990, de acordo com cada penalidade. 8. O controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar é exercido para apreciar a legalidade e a regularidade do procedimento à luz dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa , não sendo possível, na via eleita, a apreciação de todo o compêndio processual para inocentar o servidor e tampouco para decidir se é justa ou não a pena sugerida na conclusão do processo, sendo essas questões de mérito administrativo, ainda pendentes de apreciação pela autoridade julgadora. 9. Ordem denegada, com a cassação de liminar anteriormente deferida”. (STJ – MANDADO DE SEGURANÇA MS 15032 DF 2010/0024402-3 (STJ) Data de publicação: 06/05/2015)
O que se observa destas decisões é que ao Poder Judiciário cabe tão-somente o controle de legalidade dos atos administrativos emitidos. Uma vez reconhecida a ilegalidade não cabe a Justiça emitir o ato, na medida em que haveria uma invasão indevida nas atribuições da Administração Pública, restando portanto ser determinado a expedição de novo ato administrativo, no caso em exame, de novo exame de anuência prévia, elemento indispensável para a concessão de patentes farmacêuticas.
Conclusão
Da leitura dos fatos anteriormente narrados, têm-se da necessidade imperiosa de ser regulamentado o procedimento administrativo para a concessão da anuência prévia, inclusive para dotar o sistema da necessária estabilidade, no que se refere ao seu marco regulatório, evitando-se que questões, como as aventadas no artigo, sejam decididas pelo Poder Judiciário, no exame concreto de cada caso, estabelecendo-se a instabilidade do quadro geral.
Informações Sobre o Autor
Ricardo Sichel
Procurador Federal junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Professor Adjunto de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO Professor do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes RJ