Alienação fiduciária de coisas móveis: Proibição ao pacto comissório

Resumo: Trata-se o presente artigo de estudo acadêmico, em todas as fontes do Direito, sobre o instituto do Direito Civil denominado Alienação Fiduciária de Coisas Móveis. Conforme será demonstrado, a origem desta garantia real para as obrigações contratuais se deu com a entrada em vigor da Lei 4.728/1965. Dessa forma, o artigo abordará o conceito e as características da Alienação Fiduciária de Coisas Móveis. Por fim, será analisada a proibição ao pacto comissório nos contratos que envolvam Alienação Fiduciária de Coisas Móveis, os fundamentos e as críticas para esta cláusula proibitória.

Palavras-chave: Alienação Fiduciária Móveis. Pacto Comissório.

Sumário: 1. Introdução. 2. História e conceito da alienação fiduciária de coisas móveis. 3. Características da alienação fiduciária de coisas móveis. 4. Pacto comissório. 5. Conclusões. Referências bibliográficas.

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1. Introdução

O presente artigo foi desenvolvido com a intenção de realizar breve estudo sobre a Alienação Fiduciária de Coisas Móveis e a proibição ao pacto comissório.

A Alienação Fiduciária de Coisas Móveis foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro em 1965 com o intuito de viabilizar empréstimos das instituições financeiras aos consumidores. O instituto nada mais é do que a transferência, temporária e resolúvel, da propriedade de um bem do devedor, ao credor, para garantia do cumprimento da obrigação contratada.

Não há dúvidas que o instituto dinamizou as relações comerciais. Todavia, a utilização da Alienação Fiduciária foi resguardada pelo Direito Civil, sobretudo em benefício da parte fraca do contrato, com o objetivo de impedir abusos dos credores que receberam o bem dado em garantia pelo cumprimento da obrigação principal.

Desde 1916, o Código Civil vigente à época encarava o pacto comissório como um acordo feito entre as partes do contrato, com a possibilidade de aquisição, pelo credor, do bem dado em garantia, no caso de inadimplência do devedor. Conforme artigo 765 do Código Civil de 1916, esta situação era proibida pela legislação pátria. Em seguida, da mesma forma, com o advento do Código Civil de 2002, houve a continuação da proibição ao pacto comissório, sobretudo em razão da proteção ao devedor que se encontra fragilizado no estado de inadimplência.

Dessa forma, a legislação brasileira prevê a proibição à retenção, pelo credor, do bem dado em garantia, nos casos de descumprimento da obrigação principal pelo devedor.

Contudo, alguns doutrinadores do Direito Civil brasileiro vêm criticando tal proibição, haja vista ausência de fundamentos e princípios de direito que justifiquem a norma jurídica vigente.

Diante disso, objetiva o presente artigo a compor conclusão crítica sobre a utilização do pacto comissório nas relações contratuais que envolvam a Alienação Fiduciária de Bens Móveis. Ressalta-se que o estudo sobre a proibição ao pacto comissório é de grande valia, sobretudo na prática jurídica.

2. História e Conceito da Alienação Fiduciária de Coisa Móveis

O surgimento do instituto da Alienação Fiduciária, no Brasil, está relacionado com as influências advindas do direito romano, alemão e anglo-saxão.

Nestes povos, desde a Antiguidade, a ideia de garantia ao cumprimento de determinada obrigação, era atrelada a um compromisso de ordem moral, inexistindo meios de sanção em caso de descumprimento da obrigação principal.

Nesse sentido, Maria Helena Diniz comenta a origem da Alienação Fiduciária: “No direito romano havia a fiducia cum amico e a fiducia cum creditore. No direito alemão empregou-se pela primeira vez o termo negócio jurídico fiduciário. E no direito anglo-saxão apresentaram-se o trust receipt e o chattel mort gage.”[1]

Conforme Arnold Wald, a Alienação Fiduciária de Coisas Móveis entrou no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 4.728/1965, como a primeira modalidade deste instituto, tendo como função a garantia do cumprimento das obrigações, por meio da transferência resolúvel da propriedade de um bem do devedor para o credor.

Posteriormente, o Decreto-Lei 911/1969 trouxe mecanismos processuais que permitiram a rápida obtenção do bem pelo credor, no caso da inadimplência do devedor, por meio da utilização da Ação de Busca e Apreensão.

Hoje, além da legislação especial (Lei 4.728/1965 e Decreto-Lei 911/1969), a Alienação Fiduciária também é regulada pelos artigos 1.361 até 1.368 do Código Civil. Depois do ano de 2004, com a inclusão do artigo 1.368-A no Código Civil pela Lei 10.931/2004, o instituto da Alienação Fiduciária contempla tanto bens fungíveis, quanto bens infungíveis.

Aliás, a Lei 10.931/2004 incluiu o artigo 66-B na Lei 4.728/1965, e consequentemente revogou os artigos 66 e 66-A desta mesma legislação. Nesta oportunidade, também ficou prevista na Lei 4.728/1965 a possibilidade de utilização da Alienação Fiduciária para Coisas Móveis fungíveis e infungíveis.

Contudo, conforme consta no § 3˚ do artigo 66-B da Lei 4.728/1965, na Alienação Fiduciária de Coisas Móveis fungíveis, tais como os títulos de crédito, tanto a posse direta quanto a posse indireta do bem deve ficar com o credor. E nessa linha, no caso de inadimplência do devedor, o credor pode dispor do bem para satisfação do seu crédito.

Em 1997, a Lei 9.514[2] trouxe a Alienação Fiduciária de Coisas Imóveis. Após, as regras de utilização da garantia real para bens imóveis foram alteradas pela Lei 10.931/04 e da Lei 11.481/07.

O artigo1˚ do Decreto-Lei 911/1969 traz o conceito da Alienação Fiduciária:

“Art 1º O artigo 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, passa a ter a seguinte redação:

Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal. (…)”

Para Luiz Augusto Beck da Silva, a Alienação Fiduciária é:

“Negócio jurídico, bilateral, oneroso, acessório (o principal é o contrato de mútuo ou de financiamento, seguindo-lhe o de alienação fiduciária) e formal (escrito público ou particular), através do qual uma das partes da relação, o credor, adquire o domínio resolúvel e a posse indireta de bem móvel durável, infungível, inconsumível e alienável, recebido em garantia de financiamento efetuado pelo alienante ou devedor, possuidor direto e depositário da coisa com todas as responsabilidades e encargos que lhe são inerentes…[3]

Segundo Arnold Wald, o instituto da Alienação Fiduciária ingressou no Brasil no contexto de dinamização das relações econômicas, sobretudo para servir como garantia ao credor, na liberação de crédito aos consumidores para obtenção de bens móveis.

“Para assegurar melhores garantias ao crédito direto ao consumidor, concebeu-se a alienação fiduciária, como operação não tributada, na qual o devedor (alienante fiduciário) adquire o bem, que é revendido fiduciariamente ao financiador, ou seja, à instituição financeira adquirente fiduciária.[4]

Dessa forma, seguindo o conceito trazido por Arnold Wald, a Alienação Fiduciária é o negócio jurídico que permite, a uma das partes contratantes (devedor), a alienação resolúvel da propriedade de uma coisa, à outra parte (credor), como garantia de que haverá o pagamento do contrato principal.

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Assim, conforme dizeres de Arnold Wald, “caracteriza-se a Alienação Fiduciária pelo fato de constituir, em favor do credor, uma propriedade resolúvel e onerada com encargos.”[5]

Ademais, para Caio Mário da Silva Pereira, a Alienação Fiduciária veio para atender às necessidades das relações jurídicas modernas e “… se trata de um novo direito real de garantia.”[6]

Conforme Silvio de Salvo Venosa, verifica-se que a partir da formalização da Alienação Fiduciária, independente da tradição da coisa móvel, há a transferência de propriedade do bem para o credor, como garantia real ao pagamento prometido pelo devedor: “O contrato de alienação fiduciária é instrumento para constituição da propriedade fiduciária, modalidade de garantia real. A eficácia real decorrente do contrato torna-se palpável, porque a propriedade é transferida sem a entrega da coisa.”[7]

Contudo, a transferência da propriedade fica vinculada a uma condição resolutiva, qual seja o pagamento integral da obrigação principal. Assim, ocorrendo o pagamento da obrigação assumida, a propriedade do bem volta ao âmbito da esfera jurídica do devedor.

Ademais, a transferência da propriedade do bem dado em garantia permite ao devedor (alienante) a utilização do bem, por meio do gozo da posse direta.  Contudo, Arold Wald explica que “A partir do momento em que houver, de sua parte, mora ou inadimplemento, a posse do devedor deixa de ser legítima, e ele se transforma num esbulhador ou turbador da posse, contra quem podem ser utilizadas as medidas possessórias.”[8]

Deve-se, ainda, salientar que o advento do instituto da Alienação Fiduciária de Coisas Móveis serviu como solução para as ineficácias do penhor e da venda com reserva de domínio. Isso porque, diferente da Alienação Fiduciária, em ambos os institutos retromencionados, a coisa dada em garantia permanece na propriedade do devedor, dificultando uma eventual e necessária obtenção do bem pelo credor.

Para Silvio de Salvo Venosa, a Alienação Fiduciária “não se confunde com os demais direitos reais de garantia, penhor, hipoteca e anticrese, porque nestes existe o direito real limitado, enquanto na alienação fiduciária opera-se a transferência do bem. Existe alienação e não gravame.”

Sendo assim, a Alienação Fiduciária de Coisas Móveis se constitui por ser uma garantia de direito real para o cumprimento de obrigação principal. Geralmente, o instituto é utilizado por meio de cláusula, no próprio contrato que prevê a obrigação principal.

3. Características da Alienação Fiduciária de Coisas Móveis

Conforme dito, a Alienação Fiduciária de Coisas Móveis nasceu com a Lei 4.728/1965, diploma que disciplinou o mercado de capitais. Dessa forma, até a entrada em vigor do Código Civil/2002, somente podiam ser partes no contrato de Alienação Fiduciária, ou mesmo no contrato que continha cláusula dispondo sobre a Alienação Fiduciária, a instituição financeira e o financiado, podendo este ser uma pessoa jurídica de direito publico ou privado, ou mesmo uma pessoa física (artigo 66-B da Lei 4.728/1965).

Hoje é permitido aos particulares realizar contratos, entre si, que tenham obrigações garantidas pela Alienação Fiduciária. Contudo, para estas relações, a regulação dos direitos e obrigações é feita somente pelo Código Civil/2002.

Inclusive, as diferenças entre as Alienações Fiduciárias feitas com a presença das instituições financeiras, e aquelas nas quais se tem a presença apenas de particulares, são justamente as legislações reguladoras de determinada relação.

Por exemplo, caso se trate de uma relação de Alienação Fiduciária que envolva como parte uma instituição financeira, deve-se obedecer às disposições contidas na Lei 4.728/1965 e suas alterações, tais como a necessidade de previsão contratual de juros, cláusula penal, correção monetária, entre outros.

Independente do tipo de legislação a ser aplicada em determinada relação que envolva Alienação Fiduciária, esta garantia de direito real é sempre acessória e condicionada à obrigação principal. Isso porque, considerando que a Alienação Fiduciária se constitui como garantia pelo cumprimento de uma obrigação principal, tem-se a característica da acessoriedade.

Conforme o conceito de Alienação Fiduciária de Coisas Móveis, verifica-se que são essenciais a existência de: o contrato principal, o bem móvel, e a condição resolutiva. Por fim, a Alienação Fiduciária deve vim lastreada em um contrato formal e oneroso.

4. Pacto Comissório

Entende-se que pacto comissório é a possibilidade de o credor ficar com o bem dado em garantia, quando ocorre a inadimplência do devedor em relação à obrigação principal do contrato. O Código Civil/2002, repetindo a regra disposta no Código Civil/1916, proíbe a existência do pacto comissório nos contratos que envolvam garantia real, tal como o de Alienação Fiduciária de Coisas Móveis.

Além disso, para Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe, “essa proibição alcança o sub-rogado, de modo que também o coobrigado pagante da dívida está obrigado à venda de excussão sub-rogada e a prestar contas ao devedor avalizado ou afiançado.”[9]

O parágrafo sexto do artigo 1˚ do Decreto-Lei 911/1969 que deu nova redação ao artigo 66 da Lei 4.728/1965, respeitando a redação dada pela Lei 4.728/65, dispõe que: “É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no seu vencimento.”

Ademais, os artigos 1.364, 1.365 e 1.428 do Código Civil/2002[10] também dispõem que, no caso de inadimplemento do devedor-fiduciário, o credor fica obrigado a vender o bem, não podendo adquirir a coisa dada em garantia ao cumprimento da obrigação principal.

Inclusive, o pacto comissório já vinha sendo tratado desta forma desde o Código Civil de 1916, conforme se verifica no artigo 765[11].

A ideia da proibição é justamente proteger o devedor da eventual pressão do credor para ficar com o bem por um preço muito abaixo do valor de mercado. Nesse sentido, são os esclarecimentos de Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe: “… a proibição do pacto comissório tem por finalidade evitar que o devedor por qualquer modo ficasse coagido e, sob a pressão da necessidade, fosse levado a convencionar o abandono do bem ao credor por quantia irrisória.”[12]

Dessa forma, ocorrendo o vencimento antecipado da dívida, com o inadimplemento do devedor, o credor tem o direito de apreender a coisa dada em garantia para vendê-la a terceiros, e nunca para ficar com a coisa para si em pagamento. Nestes casos, para o direito do credor em apreender a coisa, existe o dever do devedor em entregar a coisa.

Não obstante exista da proibição ao pacto comissório como proteção ao devedor contra a renúncia prévia de direito e interesse, pode o devedor optar, livremente, pela entrega da coisa ao credor, como pagamento de sua dívida. A diferença entre as situações que permitem ou não a aquisição do bem pelo credor é que na primeira ocorre a entrega voluntária pelo devedor, já na segunda situação há a apreensão do bem, pelo credor.

Ademais, a proibição do pacto comissório também tem como objetivo o impedimento de abusos do credor que ficaria com a coisa, independente de o valor da dívida ser muito inferior ao da coisa dada em garantia.

Inclusive, até mesmo após a sentença que julga procedente a ação de busca e apreensão, o autor da demanda judicial (o credor) deve vender a coisa para satisfazer o seu crédito no contrato principal.

“Por via de sentença que julga procedente a ação de busca e apreensão reúnem-se na pessoa do credor os direitos deste (posse indireta e domínio provisório) e os do alienante (posse direta). Nesta fase subsiste ainda o resíduo da natureza fiduciária da propriedade. A consolidação destina-se exclusivamente a propiciar ao credor condições de fato e de titularidade de direito para proceder à disposição da coisa através da venda de caráter satisfativo, em segurança do terceiro adquirente, que é alheio à relação fiduciária interna existente entre credor e devedor.[13]

Verificou-se que a proibição ao pacto comissório, tanto no Código Civil de 1916, quanto no vigente Código Civil de 2002, serviu e serve para proteger a parte mais fraca e vulnerável do contrato (devedor), contra o arbítrio exclusivo do credor.

Assim, “a única solução cabível, com exclusão de qualquer outras, no caso de apreensão do objeto por inadimplemento do devedor, é a da venda de excussão, pelo proprietário que alcançou por sentença a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva (direta e indireta) em suas mãos.”[14]

Todavia, para alguns autores, como, por exemplo, Pontes de Miranda, a proibição ao pacto comissório não se justifica sob nenhum fundamento de direito. Nesse sentido, seguem os dizeres de Maria Helena Diniz:

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“Em que pese a tudo isso, autores há, como Pontes de Miranda, que entendem que não há por que proibir a cláusula comissória, pois, na alienação fiduciária em garantia, o credor já tem o domínio e a posse indireta do bem, descabendo a proibição de vir ele a ser seu proprietário; no penhor há essa proibição, porque a coisa empenhada é do devedor e dele continua sendo, embora gravada do ônus real.”[15]

Até porque, segundo o raciocínio acima, o parágrafo único do artigo 1.365 e o parágrafo único do artigo 1.428 relativizam a proibição ao pacto comissório, sendo permitida a aquisição do bem pelo credor, nos casos de vontade de entrega pelo devedor e anuência expressa do credor.

De qualquer forma, cabe esclarecer que o pacto comissório até então estudado nada tem a ver com o pacto acessório do contrato de compra e venda. Alguns estudiosos do direito tratam os dois institutos com o mesmo nome de “pacto comissório”.

A proibição ao pacto comissório está prevista nos artigos 1.364, 1.365 e 1.428 do Código Civil/2002, e a permissão ao pacto acessório do contrato de compra e venda está prevista no artigo 474 do Código Civil/2002. No primeiro caso, há a proibição à aquisição, pelo credor, do bem dado em garantia pelo devedor, em casos de inadimplência no contrato que tenha garantia real de Alienação Fiduciária. Já no segundo caso, há apenas a repetição de regra já disposta no artigo 1.163 do Código Civil de 1916, que é a possibilidade de desfazimento da venda em caso do atraso no pagamento das prestações do valor total do imóvel.

Dessa forma, não se pode confundir os dois institutos do Direito Civil. Tanto no Código Civil de 1916 quanto no Código Civil de 2002 existe a proibição ao pacto comissório, ou seja, é a previsão expressa de nulidade da perda da garantia real de Alienação Fiduciária em favor do credor.

Da mesma forma, com relação ao pacto acessório, que nada mais é do que uma causa de extinção do contrato, o Código Civil de 2002 validou o mesmo sentido da regra já usada na vigência do Código Civil de 1916.

Embora ambas as regras, do pacto comissório e do pacto acessório, tenham se mantido no Código Civil/2002, cada instituto regula uma determinada e distinta situação.

Por fim, segue uma das únicas jurisprudências encontradas sobre o tema, que ilustra a norma expressa no Código Civil/2002 sobre a proibição ao pacto comissório.

AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. TERMO DE CONFISSÃO E RECONHECIMENTO DE DÍVIDA GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PACTO COMISSÓRIO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. NULIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO (ART. 267, VI e § 3º, DO CPC). RECURSOS PREJUDICADOS.  É nula a cláusula que, visando assegurar o cumprimento de dívida preexistente, estipula garantia fiduciária, vinculando bem pertencente ao devedor, por traduzir a avença antecipação de pacto comissório, vedado nos artigos 765 e 1.428 dos Códigos Civis de 1916 e 2002, respectivamente. (TJSC – Apelação Cível n. 2005.034090-9, de Tubarão – Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva – Publicação: DJSC n. 11.934, edição de 30.06.06, p. 39)

Sendo assim, o número reduzido de julgados sobre esse tema pode ser explicado pela clareza do artigo 1.428 do Código Civil/2002, além da repetição da norma sobre a regra já prevista no artigo 765 do Código Civil/1916.

Diante disso, demonstrada a diferença entre o pacto comissório e o pacto acessório, pode-se chegar à conclusão crítica a respeito da validade ou não da proibição ao pacto comissório nos contratos de Alienação Fiduciária de Coisas Móveis.

Mesmo considerando os argumentos de doutrinadores que não concordam com a proibição ao pacto comissório, deve-se atentar para ao fato de que esta proibição é uma proteção à parte mais fraca e vulnerável do contrato, tendo a sua explicação pautada no princípio do equilíbrio contratual entre as partes. Dessa forma, não se pode admitir que sejam atenuadas as diferenças de situações dos contratantes.

5. Conclusões

Conforme o conciso estudo desenvolvido, verificou-se que a Alienação Fiduciária de Coisas Móveis foi criada, no Brasil, em 1965, pela Lei 4.728, como a primeira modalidade deste instituto do Direito Civil. Já que esta lei entrou em vigor com o objetivo de regular o mercado de capitais, a garantia da Alienação Fiduciária de Coisas Móveis somente poderia ser usada em contratos nos quais tinham como parte uma instituição financeira.  Após, conforme visto, o instituto passou por diversas alterações e ampliações.

Primeiro, permitiu-se que tanto os bens móveis fungíveis, quanto os bens móveis infungíveis fossem utilizados como garantia real no âmbito da Alienação Fiduciária. Posteriormente, o próprio Código Civil passou a regular a Alienação Fiduciária como um instituto geral de garantia pelo cumprimento de determinada obrigação principal, podendo ser utilizada em contratos firmados entre particulares.

Em seguida, a Alienação Fiduciária de Coisas Móveis foi vista como um fundamento para o surgimento da Alienação Fiduciária de Coisas Imóveis, mudança introduzida pelos artigos 22 e 23 da Lei 9514/97, com as alterações da Lei 10.931/04 e da Lei 11.481/07.

De qualquer forma, a Alienação Fiduciária, como um todo, deve respeitar a proibição ao pacto comissório. Tal proibição é a impossibilidade de o credor adquirir, sem a vontade expressa do devedor, o bem dado em garantia por Alienação Fiduciária, nos casos de inadimplência no contrato principal. Cabe lembrar que o pacto comissório não pode ser confundido com o pacto acessório ao contrato de compra e venda.

Por fim, conforme mencionado, mesmo existindo críticas à proibição ao pacto comissório, este impedimento está pautado nos mais importantes princípios da teoria geral dos contratos, tais como o princípio do equilíbrio contratual, o princípio da boa-fé objetiva, e a função social do contrato.

Sendo assim, conforme regra prevista no Código Civil/1916 e repetida no Código Civil/2002, deve-se prevalecer o respeito à proibição ao pacto comissório, e, se necessário, deve-se considerar nula a cláusula que traga o pacto como válido.

 

Referências bibliográficas
DA SILVA, Luiz Augusto Beck. Alienação Fiduciária em Garantia. 5ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense. 2001.
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 6ª edição. Volume 5. São Paulo. Editora Saraiva. 2006.
NETO, Paulo Restiffe e RESTIFFE, Paulo Sérgio. Garantia Fiduciária. 3ªedição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª edição. Volume IV. Editora Forense. Rio de Janeiro. 2007
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 7ª edição. Volume 3. São Paulo. Editora Atlas S.A. 2007.
WALD, Arnold. Direito Civil, Contratos em Epécie. 18ª edição. Volume 3. São Paulo. Editora Saraiva. 2009.
 
Notas:
[1] DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 6ª edição. Volume 5. São Paulo. Editora Saraiva. 2006. página 154.
[2] Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.
[3] DA SILVA, Luiz Augusto Beck. Alienação Fiduciária em Garantia. 5ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense. 2001.página 49.
[4] WALD, Arnold. Direito Civil, Contratos em Epécie. 18ª edição. Volume 3. São Paulo. Editora Saraiva. 2009. página27.
[5] WALD, Arnold. Direito Civil, Contratos em Epécie. 18ª edição. Volume 3. São Paulo. Editora Saraiva. 2009. página28.
[6] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª edição. Volume IV. Editora Forense. Rio de Janeiro. 2007. página 425.
[7] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 7ª edição. Volume 3. São Paulo. Editora Atlas S.A. 2007. página 77.
[8] WALD, Arnold. Direito Civil, Contratos em Epécie. 18ª edição. Volume 3. São Paulo. Editora Saraiva. 2009. página29.
[9] NETO, Paulo Restiffe e RESTIFFE, Paulo Sérgio. Garantia Fiduciária. 3ªedição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000. página 502.
[10]Art. 1.364. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.
Art. 1.365. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.
Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento desta.
Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.
Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.
[11] Art. 765. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrédito ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.
[12] NETO, Paulo Restiffe e RESTIFFE, Paulo Sérgio. Garantia Fiduciária. 3ªedição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000. página 504.
[13] NETO, Paulo Restiffe e RESTIFFE, Paulo Sérgio. Garantia Fiduciária. 3ªedição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000. página 507.
[14] NETO, Paulo Restiffe e RESTIFFE, Paulo Sérgio. Garantia Fiduciária. 3ªedição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000. página 508.
[15] DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 6ª edição. Volume 5. São Paulo. Editora Saraiva. 2006. página 85.

Informações Sobre o Autor

Rafaela Cabral Ferreira

Graduada pela Faculdade de Direito da UFMG (2011). Advogada com experiência na área de Direito Civil, Empresarial e Processual Civil, sobretudo no âmbito da recuperação de crédito. Orientadora voluntária na Divisão de Assistência Judiciária da Faculdade de Direito da UFMG (2011). Pós-Graduada em Direito de Empresa pela Faculdade de Direito Milton Campos (2012)


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