Resumo: Considerando a importância social dos Alimentos Gravídicos é correto que a Lei n. 11.804, de 5 de novembro de 2008, tem caráter extremamente protecionista, tanto em relação à mulher grávida quanto ao nascituro. Com isso, esta Monografia tem como objetivo demonstrar que a titularidade dos alimentos ao nascituro, prevista no art.1° da Lei dos Alimentos Gravídicos é do próprio nascituro possuindo a gestante legitimidade extraordinária ativa para pleitear em juízo este instituto, que após o nascimento com vida, será convertido em pensão alimentícia em favor do menor. Busca ainda realizar uma análise sobre a presunção juris tantum de paternidade, aplicada por esta Lei e pela jurisprudência pátria, e enfatizar que tal presunção não viola o Princípio da Presunção de Inocência consagrado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5°, LVII, tendo em vista que é uma presunção relativa e que admite prova em contrário. Diante do exposto, objetiva-se estudar a complexidade da questão com base em levantamento bibliográfico de doutrinas e trabalhos nacionais publicados na internet, bem como uma pesquisa jurisprudencial sobre esta problemática[1].
Palavras- Chave: Pessoa. Personalidade jurídica. Nascituro. Direitos. Alimentos Gravídicos. Presunção. Paternidade.
Abstract: Considering the social importance of food gravidarum is correct that the Law 11804 of November 5, 2008, has an extremely protectionist, both in relation to pregnant women and the unborn. Thus, this monograph aims to demonstrate that the ownership of food for the unborn child, under art.1 of Law Food gravidarum is having the unborn child's own mother extraordinary active legitimacy to plead in court this institute, which after birth with life, will be converted to alimony in favor of the minor. Search still perform an analysis on the rebuttable presumption of paternity, administered by the Law and jurisprudence country, and emphasized that such a presumption does not violate the principle of presumption of innocence enshrined in the 1988 Constitution in its Article 5, LVII, and in mind that a presumption is relative and that admits evidence to the contrary. Given the above, this study focuses on the complexity of the issue based on literature from the doctrines and national studies published on the Internet, as well as a research case law on this issue.
Keywords: Person. Legal personality. Unborn child. Rights. Food gravidarum. Presumption. Fatherhood.
Este trabalho monográfico busca analisar a pertinência da Lei dos Alimentos Gravídicos, n. 11.804, de 5 de novembro de 2008, que inseriu, de forma expressa, no ordenamento jurídico pátrio os “alimentos gravídicos”, ou seja, aqueles alimentos necessários ao período da gravidez, da concepção ao parto.
O objetivo geral é definir qual o titular do direito aos alimentos gravídicos, se a gestante ou o nascituro, a partir de uma interpretação lógico- sistemática da Lei. Tem-se ainda, como objetivo principal da pesquisa, entender se a presunção juris tantum de paternidade em face do suposto pai do nascituro ofende o princípio da presunção de inocência garantido pela Constituição Federal de 1988.
A pesquisa foi desenvolvida com base no método dedutivo cujas técnicas utilizadas foram a Documentação Indireta de modo que, a investigação foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica, recorrendo-se, também, à pesquisa jurisprudencial.
Assim, apresenta-se a pesquisa em quatro capítulos incluindo várias pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais sobre cada tema presente em cada capítulo.
O primeiro capítulo denomina-se “Tutela jurídica do nascituro”. Inicialmente busca a apresentação da acepção jurídica dos termos “pessoa”, “personalidade” e “nascituro” bem como os fundamentos das três teorias existentes acerca do início da personalidade civil (natalista, personalidade condicional e concepcionista) e qual delas é aplicada no ordenamento jurídico brasileiro.
Ao final procura-se demonstrar os princípios constitucionais de Direito de Família que tutelam os direitos do nascituro, de modo que a Dignidade da Pessoa Humana é o valor exordial de todos eles.
Já no segundo capítulo, verifica-se “Obrigação Legal de Alimentos” no qual procura a acepção do termo “alimentos”, demonstrando sua natureza jurídica e a atribuição-obrigação da família em prover os alimentos aos seus filhos desde a concepção.
Finalmente, assevera que o nascituro tem direito a alimentos expressamente com a Lei dos Alimentos Gravídicos (Lei 11.804/08) e que esse direito é baseado no direito à vida.
Em seguida, no terceiro capítulo denominado de “Alimentos Gravídicos e a Lei 11.804/2008” objetiva demonstrar as definições de “alimentos gravídicos” na doutrina pátria e a pertinência da criação desta Lei, tendo em vista, que uma vez que reconhecemos a personalidade do nascituro, natural se mostra a defesa da tese do direito deste aos alimentos. Ao final buscamos esclarecer uma incoerência da Lei 11.804/08, estabelecendo uma inteligência do artigo 1° desta Lei, de quem seria o titular dos alimentos gravídicos e a legitimidade para pleitear esse direito em juízo.
Finalizando a pesquisa, no quarto e último capítulo denominado “Presunção juris tantum de paternidade e suas controvérsias” enfatizou-se uma questão de grande interesse do ponto de vista prático no qual refere-se ao reconhecimento de paternidade e sobre esse instituto ser reconhecido por meros indícios fáticos-probatórios.
Concluindo a pesquisa, foram demonstrados com lições de doutrinadores renomados e através de jurisprudência atualizada que a presunção reativa de paternidade não fere o princípio da presunção de inocência do suposto pai, tendo em vista que trata-se de uma presunção relativa e que a qualquer momento as partes poderão contestar havendo prova em contrário. Assim com a finalidade de verificar qual o entendimento jurisprudencial sobre o tema, colacionam-se alguns julgados do Tribunais de Justiça dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, e, ainda, dos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça).
1 TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO
A proteção adequada e devida ao nascituro pressupõe compreender a disciplina jurídica das pessoas adotada pelo sistema constitucional e pela codificação civil, enquanto sujeitos de direitos e obrigações. No Direito Brasileiro, o nascituro é considerado pessoa, um ser concebido (gerado) e que está para nascer, tendo seus direitos fundamentais de proteção garantidos pela legislação pátria.
A proteção da pessoa humana é o tema do momento do Direito Civil Brasileiro e, por isso, não nos cansamos de pregar a prevalência de um Direito Civil amparado na proteção da pessoa, distanciado de uma visão anterior, que era essencialmente patrimonialista.
Prima facie é imprescindível a pesquisa na tentativa de conceituar e, portanto não definir, pessoa, nascituro e sua personalidade jurídica, bem como a sua dimensão no Direito Civil atualmente.
1.1.1 Conceito de pessoa
Já se afirmou que o Direito existe como ordenamento das relações entre os homens. O conceito de pessoa é, portanto, estrutural para o direito, já existindo no Direito Romano, embora com diferente significado. Contudo, a doutrina revela diferentes concepções, não obstante forte correlação, entre os conceitos de pessoa, personalidade e ser humano, apto a ser sujeito de direitos e deveres, mesmo não tendo em algumas circunstâncias possibilidade de exercê-los.
O sujeito de direito se diz pessoa. Sujeito de direito é aquele que é investido de poder jurídico, aquele que se encontra em condição de fazer valer a norma, invocando a realização a próprio favor. Por conseguinte, pessoa e homem não coincidem.
O homem é pessoa enquanto é reconhecido sujeito de direitos e obrigações. A personalidade por isso é sinônimo de capacidade jurídica, é um produto da ordem jurídica. O homem não por natureza, mas por força do reconhecimento do direito objetivo é pessoa: não se tem um direito inato e primordial à personalidade.
Pessoa, em sentido jurídico, é todo ser com capacidade de gozo de direitos: pessoa e sujeito de direito são a mesma coisa. Com os requisitos exigidos, em princípio, é o nascimento o determinante da personalidade. Esse o entendimento que tem predominado, igualmente, na doutrina brasileira. A idéia de personalidade está intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica, hoje reconhecida a todo ser humano, para adquirir direitos e contrair obrigações.
1.1.2 Conceito de nascituro
É imprescindível, inicialmente, conceituar o termo nascituro, já que a lei brasileira não define o seu exato alcance.
Derivada da palavra latina nasciturus, o termo nascituro indica “o ser humano já concebido, cujo nascimento é dado como certo”.[2]
França, citado por Amaral, define o nascituro, em sentido etimológico, como sendo “o que está para nascer, mas já concebido no ventre materno”.[3] Portanto, ente já concebido (onde já ocorreu a fusão dos gametas, a junção do óvulo ao espermatozóide formando o zigoto ou embrião), nidado (implementado nas paredes do útero materno), porém não nascido.
A Lei Civil trata do nascituro quando, posto não o considere pessoa, coloca a salvo os seus direitos desde a concepção.[4]
Nascituro “é pessoa condicional, pois a aquisição da personalidade depende do nascimento com vida. A rigor, o nascituro, à exceção do direito de nascer, não tem direito adquirido, mas apenas expectativas de direitos”.[5]
O direito objetivo (norma) tem como escopo regular a sociedade. “Quando um indivíduo se torna titular de um direito ganha a facultas agendi, […] o ser humano é guindado à posição de sujeito de direito”.[6]
A faculdade de agir é adquirida, em nosso ordenamento jurídico, no nascimento com vida. Contudo, o nascituro, desafia a regra prevista no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a lei põe a salvo os direitos do nascituro.
No entanto, para que o nascituro tenha aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, ou seja, para que seja sujeito de direito, é preciso que seja dotado de personalidade jurídica. Ora, esse entendimento vai depender da teoria adotada (teoria natalista, teoria concepcionalista, teoria condicional).
A categorização criada pela doutrina clássica do direito privado aponta a pessoa natural, o nascituro e a prole eventual como sujeitos de direitos dentro do sistema jurídico.
Nem sempre a personalidade jurídica foi universalmente reconhecida a todos os seres humanos. No direito romano, o escravo era considerado coisa, desprovido da aptidão para adquirir direitos; se participasse de uma relação jurídica, fazia-o na qualidade de objeto, não de sujeito. A condição do escravo não foi muito diferente ao longo da história, enquanto persistiu aquele instituto. Todavia, ao longo da história, alguns países previam o término da personalidade devido à "morte civil", que ocorria quando uma pessoa perdia a aptidão para adquirir direitos, por exemplo, ao tornar-se escravo (caso da capitis deminutio maxima romana) ou ao adotar uma profissão religiosa (na Idade Média).[7]
Pessoa natural é todo ser humano considerado como sujeito titular de direitos e obrigações. Desta forma, dispôs o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 2o, quando determinou que a personalidade civil da pessoa começa com seu nascimento com vida. Assim, nota-se a íntima relação entre deter personalidade jurídica e ser sujeito de direitos e obrigações:
Personalidade jurídica, portanto, para a Teoria Geral do Direito Civil, é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, ou, em outras palavras, é o atributo necessário para ser sujeito de direito. Adquirida a personalidade, o ente passa a atuar, na qualidade de sujeito de direito (pessoa natural ou jurídica), praticando atos e negócios jurídicos dos mais diferentes matizes. A pessoa natural, para o direito, é, portanto, o ser humano, enquanto sujeito/destinatário de diretos e obrigações[8].
Dessa forma, a junção dos pressupostos – nascimento e vida – implica na constatação da existência da personalidade jurídica, de maneira que, ainda que uma criança nasça com vida e depois venha a falecer, terá a adquirido. Assim, o nascimento é a separação daquele que está por nascer do ventre de sua mãe e a ocorrência do elemento vida está condicionada à verificação do fenômeno fisiológico da respiração, que, sinteticamente, é a entrada de ar nos pulmões.
Quanto à prole eventual, o Código Civil admite que os filhos ainda não concebidos (portanto, ainda não existentes) de pessoas indicadas pelo testador, possam suceder por testamento conforme dispõe o artigo 1.799, inciso I, do Código Civil Brasileiro de 2002. Mas este mesmo artigo, faz ainda uma ressalva de que estes filhos não concebidos necessitem estar vivos à época de abertura da sucessão.
A pessoa natural se extingue com a morte, e não poderia ser diferente com a personalidade, pois a mesma acompanha o indivíduo durante toda sua vida, tendo início com o nascimento e logicamente tendo fim com sua morte.
1.2.1 Teorias acerca da Personalidade Jurídica
Para explicar, porém, a personalidade jurídica do nascituro, a doutrina se divide em três entendimentos: teoria concepcionista; teoria da personalidade condicional e teoria natalista.
A princípio, importa salientar que a discussão acerca da condição jurídica do não nascido também pressupõe identificar o momento em que o ordenamento determina como o início da existência da pessoa, titular de direitos e obrigações.
A exegese do artigo 2o do Código Civil, já mencionado, condiciona a aquisição da personalidade ao nascimento com vida, mas adverte que os direitos do não nascido serão salvaguardados pela lei. Assim, surgem questionamentos quanto ao reconhecimento do nascituro como pessoa, uma vez que a lei não o reconhece, mas, garante a observância de direitos que são genericamente inerentes a essa condição, configurando um sistema de proteção conferido aos entes dotados de personalidade civil.
Para a linha concepcionista, influenciada pelo direito francês, o nascituro tem personalidade jurídica, ou seja, o feto, desde a sua concepção, pode figurar como sujeito de direitos e obrigações, possuindo a mesma natureza que a pessoa natural. Dessa forma, a nidação (momento de instalação do embrião nas paredes do útero configurando a possibilidade de vida viável) seria o termo inicial de existência do nascituro, protegido desde então como pessoa, titular de direitos personalíssimos, e mesmo, patrimoniais. Assim, para essa teoria, não se deve discutir a titularidade dos direitos patrimoniais do não nascido, mas, tão somente os efeitos desses direitos, que evidentemente dependeriam do seu nascimento com vida.
Almeida diz que:
“A personalidade do nascituro não é condicional; apenas certos efeitos de certos direitos dependem do nascimento com vida, notadamente os direitos patrimoniais materiais, como a doação e a herança. Nesses casos, o nascimento com vida é elemento do negócio jurídico que diz respeito à sua eficácia total, aperfeiçoando-a”.[9]
A doutrina concepcionista tem como base o fato de que, ao se proteger legalmente os direitos do nascituro, o ordenamento já o considera pessoa, na medida em que, segundo a sistematização do direito privado, somente pessoas são consideradas sujeitos de direito, e, conseqüentemente, possuem personalidade jurídica. Dessa forma, não há que se falar em expectativa de direitos para o nascituro, pois estes não estão condicionados ao nascimento com vida, existem independentemente dele.
A teoria da personalidade condicional sustenta a personalidade do nascituro (ou seja, desde a concepção) sob a condição de que nasça com vida. Sem o implemento da condição – nascimento com vida – não haverá aquisição da personalidade. Conclusivamente, a aquisição de certos direitos (como os de caráter patrimonial) ocorreria sob a forma de condição suspensiva, ou seja, se o não nascido nascer com vida, sua personalidade retroage ao momento de sua concepção. Assim, o feto tem personalidade condicional, pois tem assegurado a proteção e gozo dos direitos da personalidade, mas, somente gozará dos demais direitos (os de cunho patrimonial) quando nascer com vida, ou seja, quando restar implementada a condição capaz de conferir a sua personalidade plena.
Assim, Wald aprecia que:
“O nascituro não é sujeito de direito, embora mereça a proteção legal, tanto no plano civil como no plano criminal. A proteção do nascituro explica-se, pois há nele uma personalidade condicional que surge, na sua plenitude, com o nascimento com vida e se extingue no caso de não chegar o feto a viver”[10].
Sob esse liame, durante a gestação, o nascituro é tutelado pela lei (o curador ou seu representante legal será responsável pelo zelo de seus direitos), que lhe garante direitos personalíssimos e patrimoniais sujeitos à condição suspensiva, que é o nascimento com vida.
Dentre as teorias, a natalista é a que reflete a interpretação extraída da exegese do artigo 2o do Código Civil. Só existe personalidade jurídica a partir do nascimento com vida. Assim, o não nascido não tem personalidade, mas, tão somente, expectativa de direito. Nascendo com vida, adquirirá personalidade e será titular em plenitude de direitos e obrigações, incluindo os de natureza patrimonial.
Nesse aspecto, observa Pereira que:
“O nascituro não é ainda pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se se frustração, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já ele é sujeito de direito”[11].
Adotada a teoria natalista, segundo a qual a aquisição da personalidade opera-se à partir do nascimento com vida, seria razoável o entendimento no sentido de que, não sendo pessoa, o nascituro possui mera expectativa de direito.
Nesse sentido, ensina Fiúza que:
“O nascituro não tem direitos propriamente ditos. Aquilo a que o próprio legislador denomina “direitos do nascituro” não são direitos subjetivos. São na verdade, direitos objetivos, isto é, regras impostas pelos legislador para proteger um ser que tem a potencialidade de ser pessoa e que, por já existir pode ter resguardados eventuais direitos que virá a adquirir ao nascer.”[12]
Mas a questão, como visto, não é simples.
Embora o nascituro não seja pessoa, ninguém discute que tenha direito à vida, e não mera expectativa. Almeida, respeitável defensora da tese concepcionista, preleciona que:
“juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código chinês, art.1.). Ora, quem diz direitos, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade.”[13]
Independentemente da corrente adotada, é certo que há para o feto uma expectativa de vida humana, uma pessoa em formação. A lei não pode ignorá-lo e por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos.
Desta forma, o ordenamento jurídico reconheceu a necessidade da tutela do nascituro, fazendo tanto no campo das relações civis (garantindo a ele direitos personalíssimos)[14], quanto no âmbito penal (criminalizando e proibindo o aborto, ressalvadas a exceções legais)[15].
Cabe ressaltar ainda que, no direito comparado, há grande diversidade quanto ao termo inicial da personalidade jurídica do nascituro:
“Algumas legislações aludem ao nascimento (verbi gratia: Código Civil alemão, art. 1°; Código Civil português, art. 66; e o Código Civil italiano, art. 1°). Outros adotam a concepção (início da vida intra-uterina) como termo inicial da personalidade, a exemplo do que dispõe o Código Civil argentino, em seu art. 70. Ainda, corrente diversa adota solução eclética: se a criança nasce com vida, a sua capacidade remonta à concepção (Código Civil francês). E outros sistemas apegam-se à viabilidade da vida: o Código Civil espanhol fixa um prazo de vinte e quatro horas para que o recém nascido adquira personalidade.”[16]
A despeito de toda essa profunda controvérsia doutrinária, o fato é que, nos termos da legislação em vigor, inclusive com o advento da Lei dos Alimentos Gravídicos (Lei 11.804/08), o nascituro tem a proteção legal dos seus direitos desde a concepção.
A personalidade do nascituro só advém com o nascimento com vida. Esta foi a corrente (ou teoria) adotada pelo Código Civil brasileiro e que pode ser verificada no art. 2º no ordenamento jurídico civilista.
A Constituição Federal de 1988 em seu conteúdo traduz normas programáticas que consagram, em sua estrutura, fundamentos e princípios, que, reunidos, evidenciam a essência do ordenamento jurídico, refletindo seu caráter predominantemente axiológico e seus objetivos programados.
Dessa forma, trouxe consigo grande evolução no direito de família, corolário da absorção de conceitos de defesa dos direitos humanos, notadamente a dignidade e a igualdade entre homem e mulher que se traduz na igualdade de direitos dos cônjuges, além da igualdade entre os filhos.
Cabe aqui tratar dos princípios constitucionais de Direito de Família, que tutelam os direitos do nascituro.
Efetivamente, à partir da Constituição da República de 1988 que promoveu a "constitucionalização do direito civil" , colocando o ser humano como causa e fim únicos de todo o ordenamento jurídico, não parece razoável que se continue a "construir" conceitos, em especial os que têm papel estrutural, sob uma ótica patrimonialista. O exame dos "direitos" reconhecidos ou resguardados ao nascituro pela Lei Civil, ainda quando se lhe confere representante, tutelam interesses patrimoniais.
Tepedino enfatiza que qualquer lei que, mesmo cumprindo os ditames constitucionais específicos para certas matérias (exemplifica com a norma sobre transplantes), desatendesse a preocupação do constituinte relativamente à realização da personalidade e à dignidade da pessoa humana, padeceria do vício da inconstitucionalidade.[17]
Nessa linha, o tratamento legal quer do nascituro, quer do embrião humano, há de ser harmônico com os princípios constitucionais, privilegiando os direitos extrapatrimoniais. A interpretação das regras existentes e das que venham a ser editadas, deve ser feitas sob essa orientação. No que respeita ao embrião humano, na ausência de normas específicas, impõe-se observar os princípios constitucionais pertinentes, vedando e condenando toda prática que lhes for contrária.
1.4.1 Dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana é preceito fundamental de todo o ordenamento jurídico positivo do Estado Democrático de Direito (C.F., art. 1º, III) e além disso, é preceito globalizado, conforme as Declarações Internacionais de Direitos do Homem.
Gonçalves[18] ressalta que este princípio é decorrente do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e, citando Tepedino, destaca que:
“A milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.”
Para Moraes a dignidade da pessoa humana consiste em “conceder unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas; é um valor espiritual e moral inerente à pessoa”[19].
De acordo com a Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, o respeito à vida, é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, logo é um direito fundamental no qual guia as relações regidas pelo Direito Civil.
Dessa forma, a projeção desse princípio, nas palavras de Azevedo, é:
“no caso da dignidade humana, o conceito, além de normativo, é axiológico porque a dignidade humana é valor – a dignidade é a expressão do valor da pessoa humana. Todo "valor" é a projeção de um bem para alguém; no caso, a pessoa humana é o bem e a dignidade o seu valor, isto é, a sua projeção.”[20]
Mas, observa a Constituição Federal de 1988 que o caput do art. 5º do texto constitucional assegura a todos a inviolabilidade do direito à vida, mas não definiu expressamente a partir de que momento se daria essa proteção, atribuição que caberá a legislação ordinária.
No entanto, se mantido está o debate quanto ao início da existência humana, parece razoável considerar que, independentemente da corrente que se adote, há concordância quanto ao valor que é inerente ao indivíduo pertencente à espécie humana: a dignidade.
E a vida assim, significa em sua extensão a integridade física e psíquica, consiste em atributo inerente à espécie do homem.
Constitucionalmente, o feto assim constituído está protegido tanto pelo princípio da dignidade da pessoa humana que pressupõe o direito à vida, quanto pelo caput do art. 5°, da Lei Maior. Esse posicionamento,fica claro quando no inciso XXXVII, do referido artigo, incluiu o aborto no rol taxativo de crimes dolosos contra a vida, submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Desse modo, na medida em que um novo enfoque sobre a pessoa humana passa a ser transportado para o direito privado, os direitos da personalidade ganham um contorno mais constitucional, delineado pelo paradigma da dignidade como fundamento da ordem jurídica.
1.4.2 Igualdade jurídica dos filhos
Plasmado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6º, e repetido no Código Civil de 2002, nos artigos 1.596 a 1.629, e, ainda, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio em questão iguala a condição dos filhos.
Com base nesse princípio regulador do Direito de Família, permitiu-se a igualdade entre os filhos matrimoniais, não matrimoniais ou adotivos quanto ao poder familiar, nome, alimentos e sucessão; proibindo-se que, no assento de nascimento, revele a ilegitimidade, e ainda qualquer discriminação entre eles.
Destarte, conforme Gama leciona:
“Tal norma constitucional, que acolheu expressamente o princípio da isonomia entre os filhos, representa a encampação expressa pelo constituinte de 1988 do novo perfil de relações familiares, com a nova tábua axiológica que traduz todos os efeitos imediata e concretamente em todo o ordenamento jurídico. Há, por assim dizer, o novo perfil da filiação introduzido pelo texto constitucional a impor ao intérprete o importante trabalho de proceder à releitura das normas infraconstitucionais a respeito do tema, de modo a verificar sua compatibilidade (ou não) com a tábua de valores e de normas constitucionais.”[21]
Desta forma, em analogia, esse princípio também garante ao nascituro a mesma igualdade jurídica do filho menor, tendo em vista que já é considerado pessoa e que possui direitos e obrigações.
Nas palavras de Diniz “a única diferença entre as categorias de filiação seria o ingresso, ou não, no mundo jurídico, por meio do reconhecimento”.[22]
Destarte, veda-se a discriminação em detrimento do nascituro, privando-o da expectativa de direito em razão de sexo, da idade, da etnia, da religião e origem ou da deficiência física ou mental.
1.4.3 Princípio da Solidariedade Familiar
A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil pelo art. 3º, inc. I, da Constituição Federal de 1988, no sentido de buscar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Por tais razões, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais, inclusive, no que se destaca, ao nascituro e os alimentos gravídicos. Dessa forma, isso justifica, entre outros, o pagamento dos alimentos no caso de sua necessidade, nos termos do art. 1.694 do Código Civil Brasileiro.
Mas vale lembrar que a solidariedade não é só patrimonial, quando tratamos de alimentos gravídicos, é afetiva e psicológica. Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, o Estado se livra do encargo de prover os direitos assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado, conforme previsão constitucional em seu art. 227.
Entretanto, mesmo assim, o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações, o que consagra também a solidariedade social na ótica familiar, conforme dispõe o art. 226, § 8º, da CF/88..
Por fim, vale frisar que o princípio da solidariedade familiar também implica respeito e consideração em relação ao nascituro, já considerado membro da família e detentor de direitos.
1.4.4 Medidas de proteção ao nascituro
É dever da família e do Estado assegurar ao nascituro, o direito à vida, á saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e até mesmo direito à imagem.
Invocando esse magistério, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) protege o nascituro e a gestante, em seu art. 7.º, já mencionado e no art. 8.º, §3º, que “incumbe ao Poder Público propiciar apoio alimentar a gestante e a nutriz que dele necessitem”. Portanto, é dever do Estado disponibilizar à gestante todo o pré-natal, vendando a qualquer indivíduo causar dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum dos genitores estatais, bem como emprego de métodos de diagnóstico pré-natal que façam a mãe ou o nascituro correrem riscos desproporcionais ou desnecessários.
Desde a concepção o ser humano é protegido pelo direito, que mostra assim considerações pelo feto, isto é, por um ser humano ainda não desprendido das entranhas maternas.
O nascituro está apto para adquirir direitos que se tomam cristalizadamente seus, com o nascimento com vida. Mas caso venha a nascer morto, configura-se condição resolutiva tal situação, resolvem-se os direitos que se pretendia adquirir.
A circunstância de se falar em condição resolutiva significa que os direitos adquiridos, enquanto nascituro, tem forma resolutória, na hipótese de não nascer com vida; ou, nascendo com vida, terá adquirido efetivamente esses direitos, desde a sua concepção não há solução de continuidade entre ter sido nascituro e vir a ser pessoa.
Nesse ponto, ressalta-se que quando o Código Civil estatui, na segunda parte do art. 2º que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, não há o legislador de ter empregado impensadamente, sem compromisso com a propriedade terminológica, a palavra “direitos”. Poderia ter usado a palavra “interesses”; não o fez, preferiu dizer “direitos” e a opção não pode deixar de ter significação.
Neste entendimento, o nascituro possui direitos personalíssimos, inclusive o direito à preservação de sua imagem.
Chaves esclarece que
“A ultra-sonografia permite a reprodução do nascituro, o que importa a necessidade de consentimento do titular, por seu representante legal, o pai, a mãe ou o curador, conforme o caso, residindo à hipótese de ofensa ao direito de imagem na utilização inautorizada de captação da imagem por este método. Com efeito, conclui-se que o nascituro é protegido pelo direito à imagem.”[23]
É reconhecido ao nascituro “personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos da personalidade, visto ter carga genética diferenciada desde a concepção”, passando a ter “personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais e obrigacionais, que se encontram em estado potencial, somente com o nascimento com vida”.[24]
Assim, os direitos de natureza patrimoniais (apreciáveis economicamente), como a doação, a herança e o legado, somente serão adquiridos pelo nascituro com o nascimento com vida, porquanto a plenitude da eficácia desses direitos patrimoniais fica a este evento condicionada.
Com alicerce nos argumentos apresentados não resta dúvidas quanto ao reconhecimento dos direitos da personalidade ao nascituro. Desta forma, independente da atribuição da personalidade apenas a seres que nasçam com vida, o ordenamento jurídico reconheceu a necessidade da tutela do nascituro, garantindo a ele uma série de direitos, conforme demonstrado.
2 OBRIGAÇÃO LEGAL DE ALIMENTOS
O primeiro direito fundamental do ser humano é de sobreviver e para realizá-lo precisa de meio materiais, principalmente os alimentos.
Prima Facie, desde a concepção, o ser humano – por sua estrutura e natureza – é carente por excelência; ainda no colo materno, ou já fora dele, a sua incapacidade ingênita de produzir os meios necessários à sua manutenção faz com que lhe reconheça, por um principio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido pelos responsáveis por sua geração.
Tornou-se fácil compreender essa primeira e definitiva inserção do encargo alimentar, no contexto das relações familiares, à medida que o dever moral de prestação de socorro foi se transformando em obrigação jurídica de assistência. Dessa forma, a tendência moderna é a de impor ao Estado o dever de socorro dos necessitados, tarefa que ele se desincumbe, ou deve desincumbir-se, por meio de sua atividade assistencial. Mas, no intuito de aliviar-se desse encargo, ou na inviabilidade de cumpri-lo, ele o transfere por determinação legal, aos parentes, cônjuge ou companheiro do necessitado, cada vez que aqueles possam atender a tal incumbência.
Derivada da palavra latina alimenta, o termo alimentos indica “tudo o que é necessário para satisfazer os reclamos da vida”[25]; são as pretensões com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si.
Nas palavras de Diniz, os alimentos têm conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, nos quais compreendem o que é “imprescindível à vida da pessoa como alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico, transporte, diversões e, se a pessoa alimentada for menor de idade, ainda verbas para sua instrução e educação”.[26]
Neste sentido, também pensa Rodrigues[27], ao remeter o conceito de alimentos como sendo toda prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro, ou em espécies, para que esta possa atender as necessidades da sua vida. Para ele o significado da palavra alimentos também tem conotação mais expressiva e extensiva, reforçando ainda mais a idéia defendida anteriormente.
O Código Civil vigente, no capítulo específico ao tema, presente nos arts. 1.694 a 1.710, não definiu o que se entende por “alimentos”. Contudo, no art. 1.920, do referido código, encontra-se o conteúdo legal de alimentos quando a lei se refere ao legado, da seguinte forma: “O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”.
Logo, verifica-se que a conotação da palavra alimentos, destacando-se no seu âmbito, a obrigação alimentar em sentido amplo, compreende não só a prestação de alimentos propriamente ditos (alimenta naturalia), como também os seus agregados como vestuário, moradia, saúde (alimenta civilia).
Portanto, em sentido jurídico, os alimentos são o conteúdo ou prestação alimentar, compondo-se dos itens acima mencionados, e tendo como fim o sustento de qualquer ser humano que se encontre impossibilitado de manter-se independente de assistência alheia. Assim, sua prestação pode ocorrer na forma periódica, tendo o credor o direito subjetivo sobre o devedor de ser sustentado por este, e a mesma obrigação se extinguindo com a morte ou a maioridade do alimentando.
2.1.1 Natureza jurídica dos alimentos no Código Civil vigente
Bastante controvertida é a questão da natureza jurídica dos alimentos. Há os que consideram como um direito pessoal extrapatrimonial, em virtude de seu fundamento ético-social e do fato de que o alimentando não tem nenhum interesse econômico, visto que a verba recebida não aumenta seu patrimônio, nem serve de garantia a seus credores, apresentando-se, então, como uma das manifestações do direito à vida, que é personalíssimo.
Outros, como Gomes e Diniz, nele vislumbram um direito, com caráter especial, com conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, conexa a um interesse superior familiar, apresentando-se como uma relação patrimonial de crédito-débito, uma vez que consiste no pagamento periódico de soma de dinheiro ou no fornecimento de víveres, remédios e roupas, feito pelo alimentante ao alimentando, havendo, portanto, um credor que pode exigir de determinado devedor uma prestação econômica.[28]
No tocante à sua natureza jurídica, convém pontuar que, de acordo com o entendimento de Farias e Rosenvald[29], os alimentos se prestam à manutenção digna da pessoa humana, assim, concluem que a sua natureza “é de direito da personalidade, pois se destina a assegurar a integridade física, psíquica e intelectual de uma pessoa humana”.
Contudo, o tema não é pacífico, havendo, em sede doutrinária, quem prefira atribuir-lhes uma natureza mista, eclética, com conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, apresentando-se, nos termos de Maria Helena Diniz, “como uma relação patrimonial de crédito-débito”.[30]
2.1.2 Pressupostos e finalidades
Certos requisitos que deverão existir no momento da concessão dos alimentos. Eles são divididos em pressupostos objetivos: necessidade de quem pleiteia e possibilidade de cumprimento da obrigação pela pessoa obrigada; proporcionalidade; e pressuposto subjetivo: existência de uma ligação de parentesco entre o reclamante e o reclamado.
A obrigação de prestar alimentos, para existir, precisa da troca de haver recursos econômicos do alimentante e necessidades reais de assistência do alimentando, conforme disposição prevista no texto do artigo 1.965 do Código Civil Brasileiro[31] e do parágrafo 1° do artigo 1.694[32] do mesmo Código. Nota-se que todas essas disposições legais vêm tratar da regra fundamental do binômio necessidade-possibilidade.
O binômio necessidade e possibilidade trata-se de uma implicação fundamental para a obrigação alimentícia. Tem como finalidade de não retirar de um para dar ao outro sendo que aquele fique em estado de miséria.
Venosa em sua obra demonstra que:
“não podemos pretender que o fornecedor de alimentos fique entregue à necessidade, nem que o necessitado se locuplete a sua custa. Cabe ao juiz ponderar os dois valores de ordem axiológica em destaque. Destarte, só pode reclamar alimentos quem comprovar que não pode sustentar-se com seu próprio esforço. Não podem os alimentos converter-se em prêmio para os néscios e os descomprometidos com a vida. Se, no entanto, o alimentando encontra-se em situação de penúria, ainda que
por ele causada, poderá pedir alimentos. Do lado do alimentante, como vimos, importa que ele tenha meios de fornecê-los: não pode o Estado, ao vestir um santo, desnudar outro.”[33]
Nota-se que o ordenamento jurídico, justamente para atingir a verdadeira essência dos alimentos, busca amparar a quem necessita. Não poderia se coligar com entendimento que aqueles que possuem bens e rendas, bem como capacidade para nutrir sua própria subsistência teria – ou no caso do nascituro, a saúde a gestante – a chance de ainda perceber ajuda financeira de outro. Como já dito, a finalidade é amparar e não cultivar a ociosidade daqueles que não se interessam em traçar uma carreira profissional e com ela prover sua auto subsistência.
Portanto, alimentos é apenas uma segunda opção, ou seja, é subsidiária, vez que somente emana a obrigação quando a pessoa que precisa não puder prover o que precisa como qualidade de ser humano através do seu próprio labor.
Cahali[34] diz que o artigo 1695 do Código Civil:
“não pode ser interpretado na sua literalidade para uma sumária exclusão da pretensão de alimentos em favor daquele que os reclama, inobstante demonstrada a sua condição de possuidor de bens de qualquer natureza.”
A concepção extraída do pensamento do autor é que não é apenas quaisquer bens que retiram do interessado o direito de se exigir alimentos, aqueles deverão ter alguma produtividade financeira ou através de rendas mensais, como a exemplo de um aluguel, ou pela possibilidade da venda se conseguir dinheiro suficiente para a mantença.
In casu, fica configurada a necessidade podendo ser pleiteados os alimentos em desfavor dos ascendentes, na falta, os descendentes, e em seguida os colaterais.
Assim dispõe Yussed Said Cahali: “Mesmo o exercício de atividade compatível com as condições do alimentando não lhe retira o direito de reclamar complementação do necessário para manter-se”[35].
De outra ótica, há o alimentante que não poderá ser compelido a prestar tal obrigação se não possuir meios para cumpri-la já que apenas possui o relativo para se próprio manter-se. Seria a obrigação injusta se tirasse de alguém, colocando-o em situação de penúria, para suprir a necessidades de outrem. Estando o parente mais próximo impossibilitado de prestar alimentos caberá ao parente mais remoto que tenha capacidade de arcar com as prestações suprir as necessidades do alimentando.
Exposta regra fundamental da obrigação alimentícia, conseqüência se faz o estudo da proporcionalidade, este que também se trata de pressuposto objetivo da obrigação. Tal pressuposto se caracteriza pelas ponderações utilizadas pelo juiz no momento em que arbitrar o valor dos alimentos, devendo agir imparcialmente e em observância às possibilidade financeiras do reclamado e as necessidades do reclamante. No entanto, esse requisito permite ao juiz a possibilidade de atuar em um extenso campo, enquadrando cada caso concreto como acreditar ser mais justo, analisando todo o contexto fático.
Os pressupostos subjetivos são classificados em: obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes (advindo de vínculo sanguíneo existente entre pais, avós e filhos); e obrigação alimentar entre os colaterais (irmãos germanos – advindos do mesmo genitor e da mesma genitora – ou inilaterais – genitor ou genitora diferente).
A obrigação alimentícia advinda do vínculo sanguíneo existente entre as partes, nasce em virtude do fato de que nesse núcleo familiar o dever de assistência e socorro se faz presente entre os membros. Como demonstra a disposição legal do art. 1.696 do Código Civil, a prestação de alimentos é recíproca entre pais e filhos, e que quando estes não possuírem condições financeiras suficientes para cumprir essa obrigação de prestar alimentos, tal responsabilidade será estendida aos avós (alimentos avoengos).
A obrigação alimentar encontrada entre os colaterais, que são os irmãos, podem ser vindos do mesmo genitor e mesma genitora (irmãos germanos) ou vindos de um genitor ou genitora diferente (irmão unilateral), sendo que ambas as classificações ocupam o mesmo espaço na linha de preferência. Dessa forma, pela leitura do art. 1.697, percebe-se que o legislador não diferencia as espécies de irmãos (germanos, unilaterais ou mesmo adotivos).
Os alimentos, na sua função ou finalidade visam assegurar ao necessitado aquilo que é preciso para a sua manutenção, entendida esta em sentido amplo, propiciando-lhe os meios de subsistência, se o mesmo não tem de onde tirá-los ou se encontra impossibilitado de produzi-los.
Logo, o fundamento desta obrigação de prestar alimentos é o principio da preservação da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e o da solidariedade social e familiar (CF, art. 3º) [36], pois vem a ser um dever personalíssimo, devido pelo alimentante, em razão de parentesco, vínculo conjugal ou convivencial que o liga ao alimentando.
2.1.3 Obrigação alimentar e o modo de sua satisfação
Como vimos, a prestação de alimentos possui cunho essencialmente assistencial, sendo dever de ambos os cônjuges prover sustento, guarda e educação dos filhos (art. 1.566, III, Código Civil Brasileiro). Com a equiparação de direitos e deveres entre marido e mulher, estabelece o artigo 1.568 que “os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens, e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime matrimonial”.
No sistema anterior, tal como no direito francês[37], a obrigação de alimentos entre marido e mulher estava compreendida apenas no dever de mútua assistência entre os cônjuges ou no dever de manutenção da família pelo marido, submetendo-se, assim, a um regime particular, pois ela não era senão um dos efeitos do casamento.
Beviláqua procurava justificar a disparidade de tratamento entre os cônjuges que remarcava o CC/1916, referindo-se à preponderância da responsabilidade do marido, pois lhe cabia proteger a mulher, embora a mulher não estivesse eximida desse dever quando tivesse recursos para coadjuvar o marido, especialmente quando ela possuísse haveres e o marido se apresentasse com moléstia grave.[38]
No entanto, o primado da responsabilidade marital pelos encargos familiares, compatível com os usos e costumes dominantes à época da elaboração do Código Civil Brasileiro de 1.916, como compensação à chefia da sociedade conjugal, foi-se diluindo paulatinamente a partir de meados do século passado em razão das novas posturas reconhecidas à mulher na sociedade moderna. E, ajustando-se à nova realidade, a Constituição de 1.988 afirmou, no seu art. 226, §5º, que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
No entanto, quando se fala em alimentos, fala-se no direito de exigí-los e na obrigação de prestá-los.
A obrigação de prestar alimentos é recíproca entre ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau. Logo, o direito de exigi-los corresponde ao dever de prestá-los. Essas pessoas são potencialmente sujeitos ativo e passivo pois, quem pode ser credor, também pode ser devedor.[39]
O art. 1.701 do Código Civil permite que o alimentante satisfaça sua obrigação dando uma pensão pecuniária ao alimentando, efetuando depósitos periódicos em conta bancária ou judicial, ou dando-lhe, em sua própria casa (mesmo alugada), moradia e sustento. O devedor poderá escolher a forma que melhor caberá às suas condições.
Todavia, esse direito de escolha não é absoluto, visto que o juiz, pelo art. 1.701, parágrafo único, poderá fixar a maneira de prestação devida, se as circunstâncias exigirem, procedendo sempre com cautela a fim de evitar atritos.
Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, tendo em vista que, uma vez pagos, não serão restituídos, qualquer que tenha sido o motivo da cessação do dever de prestá-los. Isso, no entanto, deixa claro que o obrigado que satisfaz obrigação alimentar não desembolsa soma suscetível de reembolso, mesmo que tenha havido extinção da necessidade aos alimentos.[40]
2.2 DIREITO DO NASCITURO A ALIMENTOS
Com o advento da Lei 11.804/2008, foi reconhecido em nossos Tribunais o direito do nascituro aos alimentos, inclusive o pedido de alimentos pela gestante, representando o nascituro, sobretudo fora da relação de casamento ou união estável. Assim, se o nascituro tem assegurado, desde a concepção, seus direitos, dentre eles o de nascer, é conclusão lógica que se reconheça direito a alimentos, pois, caso contrário, o comando legal se tornaria letra morta.
O direito a alimentos é baseado no direito à vida, sendo o primordial direito da personalidade, vislumbrando que sua condição, demonstra que o direito alimentar é um direito personalíssimo e importantíssima para a manutenção de uma vida com o mínimo de dignidade. Com o reconhecimento de paternidade o nascituro, conseqüentemente, goza do direito a alimentos com a finalidade de proteger o seu direito à vida e a dignidade da pessoa humana.
É notório que o nascituro tem o direito a alimentos, por ser inerente a sua condição de ente concebido no ventre materno, possuindo necessidades próprias, sejam estas: despesas médicas, eventuais cirurgias fetais, despesas com o parto e nutrição, dentre outras que poderão surgir no decorrer da gestação. Todavia, tais necessidades devem ser supridas através da prestação de alimentos.
3 ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A LEI 11.804/2008
Uma vez que reconhecemos a personalidade do nascituro, natural se mostra a defesa da tese do direito deste aos alimentos, enquanto corolário do direito ao desenvolvimento de sua personalidade, com base no princípio da solidariedade e do afeto, mesmo antes da entrada em vigor da Lei 11.804/2008, que dispõe sobre os alimentos gravídicos.
Alimentos Gravídicos são aqueles reclamados durante a gravidez a fim de assegurar condições para preservação da vida do nascituro. Quando se faz a análise da Lei 11.804/08 pode-se ter diferentes entendimentos, afinal, quem é o alimentado? Se, lido o Art. 1°[41], dirá que é a gestante, mas em contrapartida, ao ler o Art. 6°[42] entende-se que é o nascituro.
Abaixo, não será analisado artigo por artigo da Lei em questão, o objetivo é enfatizar os direitos e garantias expressos do protegido com o advento da Lei de Alimentos Gravídicos, tendo em vista que, os mesmos, sob o prisma jurisprudencial, já haviam sendo aplicados no ordenamento jurídico, mesmo sem uma lei que determinasse a existência desses direitos expressamente.
3.1 CONCEITO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS
Não está sedimentada na doutrina ou mesmo na jurisprudência uma definição de alimentos gravídicos, porém existe a manifestação de vários autores sobre o assunto.
Um conceito plausível dos alimentos gravídicos é que são todos os custos adicionais decorrentes de todo tempo em que se desenvolve o embrião no útero, desde a concepção até o nascimento, custeados pela mulher grávida e pelo suposto pai de forma proporcional ao recurso de ambas as partes, em adequação ao binômio utilidade e necessidade.
A própria Lei de Alimentos Gravídicos (11.804/2008) dispõe em seu art. 2°:
“Art. 2o. Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos”.
Ainda que inquestionável, a responsabilidade parental desde a concepção, o silêncio do legislador sempre gerou dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro. Dessa forma, a Justiça teve a oportunidade de reconhecer a obrigação alimentar antes do nascimento, pois a Lei de Alimentos exige prova do parentesco ou da obrigação. O máximo a que se chegou foi, nas ações investigatórias de paternidade, deferir alimentos provisórios quando há indícios do vínculo parental ou após o resultado positivo do teste de DNA, o que demoraria muito para a concessao desses alimentos, a nao ser por via de tutela antecipada.
Nota-se que a gestante é necessitada para adquirir nova roupas já que, com a gestação, seu corpo passa por várias modificações. Assim, a quantia deve ser fixada pelo juiz auxiliado por documentos médicos para demonstração de necessidades adicionais especiais da gestante, principalmente de alimentos que mantenham a saúde do bebê que está para nascer. Todavia, pode o operador responsável à aplicabilidade da lei incluir outras despesas que considere necessárias ou mesmo no momento da alegação dos fatos pode a gestante requerer necessidades que nao estão previstas em lei, desde que seja comprovado e que o magistrado entenda aquele quantum necessário para o nascituro.
3.2. A TITULARIDADE DO DIREITO AOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS
Vimos que Alimentos Gravídicos são aqueles reclamados durante a gravidez a fim de assegurar condições para preservação e qualidade da vida do nascituro. Se, lida a Lei dos Alimentos Gravídicos, em especial o Art. 1°[43], dirá que é a gestante a titular do direito em baila, mas em contrapartida, ao ler o Art. 6°[44] entende-se que é o nascituro.
Este debate envolve a legitimidade do nascituro para a propositura de ação de investigação de paternidade, tendo em vista que a discussão não é nova no Direito Civil Brasileiro, sendo precipuamente exposta pela Professora Silmara J. Chinelato.[45]
A partir do momento em que o Estado passou a proibir a autotutela, a jurisdição virou monopólio Estatal. Assim, para a pretensão do autor (no caso em baila o nascituro) ser satisfeita, se faz necessário o ajuizamento de uma ação em face do Estado e contra o réu, formando uma relação triangular (autor, réu e Estado), tendo como objeto a ação.
Todavia sabemos que toda pessoa maior e capaz pode ter capacidade para a causa (legitimidade ad causam). Os incapazes, porém, terão que integrar suas capacidades pelos mecanismos da representação e da assistência; os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores.
O menor impúbere é aquele que possui menos de 16 anos, sendo representado para figurar no pólo ativo da ação, por meio de patrono (pois este possui capacidade postulatória, conforme inteligência do Código Civil em seu art. 3º). A representação supre a incapacidade processual dos absolutamente incapazes. E, ainda, no caso do menor púbere (aquele que possui mais de 16 e menos de 18 anos) este deverá ser assistido, conforme disposição legal do artigo 4º do Código Civil Brasileiro.
Contudo, no que diz respeito ao caso do nascituro, para Gonçalves[46], “a aquisição de direitos e obrigações na ordem civil está sujeita a um evento futuro e incerto (condição suspensiva), qual seja, o seu nascimento com vida. É titular, pois, de direitos eventuais”. Destarte, deve ser aplicado ao nascituro, o artigo 130 do Código Civil que prevê “ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-los”.
Vê-se que o direito material assegura ao nascituro figurar no pólo ativo, podendo, no caso em epígrafe, ser parte legítima da ação de alimentos e combinada com reconhecimento de paternidade, desde que seja devidamente representado, nos termos do artigo 8º do Código de Processo Civil Brasileiro.
Fazendo pesquisa em jurisprudência recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, encontramos julgado pelo qual somente o nascituro teria a legitimidade para promover a ação investigatória, devidamente representado pela mãe.[47] Por óbvio, concordamos com o julgado, pois a ação investigatória é personalíssima e o nascituro deve ser considerado pessoa, conforme já foi demonstrado em capítulos anteriores. Mas, para outro entendimento, a ação deve ser proposta pela mãe, sendo substituído o pólo ativo da ação após o nascimento da criança, sendo convertidos os alimentos gravídicos em pensão alimentícia.[48] Alguns julgados acabam adotando a corrente natalista, ao prever que a ação, inicialmente, deve ser proposta pela mãe. Com ele, portanto, não concordamos.
Dessa forma, é evidente o entendimento de que o nascituro pode figurar no pólo ativo da Ação Civil de Alimentos somente, ou esta combinada com Ação de Investigação de Paternidade. O nascituro pode ser sim titular da ação de alimentos, desde que, devidamente representado pelos seus pais ou, na falta deles, pelo curador.
3.2.1. Sujeito ativo e passivo da obrigação alimentar
Do art. 1.694 do Código Civil Brasileiro, surgem os princípios que ditam a titularidade de pleitear alimentos. Da sua leitura, infere-se que os alimentos são devidos, reciprocamente, entre parentes, bem como entre cônjuges e companheiros, após a dissolução da relação matrimonial ou convivencial respectivamente.
Contudo, conforme o que foi dito no capítulo anterior, entende-se que são legitimados ativamente para a ação de alimentos e também de investigação de paternidade o Investigante, o Ministério Público e o nascituro, representado pela mãe gestante. Dessa forma, antes de se criar um empecilho processual (ligado à legitimidade ad causam), é preciso imaginar formas de efetividade do direito material.
Relativamente aos alimentos gravídicos, deve-se considerar que, na maioria das vezes, a mãe e o suposto pai não são casados, tiveram apenas uma, ou esporádicas relações sexuais, o que não lhes erige à situação de companheiros e, portanto, a mulher gestante não está, evidentemente, na linha de responsabilidade fixada pelo Código Civil, não subsistindo a obrigação em favor dela.
Ademais para a constituição de união estável, alguns pressupostos devem ser preenchidos, quais sejam, convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição de família, consoante prevê o art. 1.723 do Código Civil Brasileiro. [49] No entanto, as relações sexuais de que se trata, em geral, são mantidas em 67 caráter sigiloso, com o único objetivo de satisfação física de ambos, ou seja, sem o propósito de constituir família.
Assim, conquanto a redação do art. 1º da Lei n. 11.804/08 dê margem à interpretação no sentido de que o credor dos alimentos gravídicos, ainda que sem relação de conjugalidade com o devedor, é a mulher gestante, o verdadeiro titular desses alimentos é o nascituro quem tem direito à percepção de alimentos.
Corroborando tal entendimento, Dal‟Oglio Júnior e Copetti[50] asseveram que “malgrado se mostre inequívoca a redação do dispositivo (art. 1º da Lei 11/804/08), temos que os alimentos previstos em lei são de titularidade do nascituro, como forma de resguardar o seu direito à vida, e não de sua genitora”.
Cabe demonstrar a inteligência do ensinamento de Pereira[51] que, com relação aos alimentos ao nascituro, diz:
“Se a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, é de se considerar que o seu principal direito consiste no direito à própria vida e estar seria comprometida se à mão necessitada fossem recusados os recursos primários à sobrevivência do ente em formação em seu ventre.”
A propósito, dissertando sobre a legitimidade para a propositura da ação investigatória, afirma Venosa:
“São legitimados ativamente para essa ação o investigante, geralmente menor, e o Ministério Público. O nascituro também pode demandar a paternidade, como autoriza o art. 1.609, parágrafo único do Código Civil Brasileiro (art. 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente, repetindo disposição semelhante do parágrafo único do art. 357 do Código Civil de 1.916).”[52]
Almeida reconhece que são devidos ao nascituro os alimentos em sentido lato (alimentos civis) para que ele possa nutrir-se e desenvolver-se com normalidade, objetivando o nascimento com vida. Na hipótese de reconhecimento anterior ao nascimento , não se pode excluir a legitimidade do nascituro para a ação de alimentos.[53]
Terão legitimidade passiva, conforme o caso concreto, os demais herdeiros que disputam a herança, o doador quando houver doação em favor de prole eventual que, conforme artigo 542 do Código Civil, “a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal”. Ainda, o testamenteiro na hipótese de legado em favor do nascituro que, conforme artigo 1.799 do Código Civil, “na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão”.
A jurisprudência pátria já demonstra sinais de aplicação do novel instituto, conforme exemplificado nas ementas colacionadas, embora incipiente, devido ao fato de se tratar de legislação recente.
“Agravo de instrumento – Investigação de paternidade – Alimentos gravídicos – Art.6º, Lei 11.804/08 – Presença dos indícios de paternidade – Ausência de provas acerca da alegada impossibilidade financeira – Desprovimento do Recurso.[54]
Direito de Família – Alimentos gravídicos – Lei nº 11.804/2008 – Gravidez – Situação atual – Possibilidade de aplicação da lei nova em ação ajuizada anteriormente à vigência da referida lei – Formalismo Jurídico – Instrumentalidade das formas – Celeridade processual. Se antes as disposições concernentes à concessão de alimentos exigiam prova de parentesco ou da obrigação, atualmente, com o advento da Lei nº 11.804/2008, especificamente das disposições contidas em seu artigo 6º, para a concessão de alimentos gravídicos, basta a existência de indícios da paternidade. Presumindo-se que a autora ainda está grávida, a situação é atual, pelo que a lei nova não estará retroagindo, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade jurídica do pedido, pelo o único motivo da ação ter sido ajuizada antes da vigência da Lei 11.804/2008. A moderna concepção de processo, sustentada pelos princípios da economia, instrumentalidade e celeridade processual, determina o aproveitamento máximo dos atos processuais, principalmente quando se trata de ação de cunho alimentar e, quando, não há prejuízo para a defesa das partes.”[55]
Dessa forma, observa-se que, ainda que em breves artigos, e, em certos casos questionáveis, não há como se reconhecer o mérito da regulamentação legislativa, que, regimentando expressamente a possibilidade de concessão de alimentos em decorrência de gravidez, diante de meros indícios de paternidade, representa a compreensão e aplicação do princípio da solidariedade já conceituado em capítulos anteriores, em sua expressão máxima.
A jurisprudência sobre a matéria dos alimentos gravídicos ainda é incipiente, devido ao fato de se tratar de legislação recente, posta em vigor à apenas 03 (três) anos. Todavia, os julgados já se mostram firmes na aplicação do novel instituto sem exigência de prova concreta da paternidade, demonstrando a exata compreensão da solidariedade familiar que norteia o tema.
Nesse contexto, caso a gestante tenha sido cônjuge ou companheira do suposto pai e sejam preenchidos os demais pressupostos legais, quais sejam, a necessidade ou incapacidade de se sustentar por si próprio e a possibilidade de fornecer alimentos por parte do obrigado, nada impede que, além dos alimentos gravídicos, titularizados pelo nascituro, postule alimentos para si própria.
3.2.2 Legitimidade extraordinária ativa da gestante
A legitimidade ativa é atribuída à mulher que tem o nascituro no ventre. Reza o art. 877, caput do Código de Processo Civil, o seguinte: “A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de gravidez (…)”.
O fato de que a investidura na posse dos direitos do nascituro é providência judicial que expressa a garantia consagrada pelos artigos 2° e 1.779 do Código Civil, de sorte que permita que a mãe, ou um curador, exerça todos os direitos que caibam ao que ainda não nasceu para a sua salvaguarda. Quanto à legitimação ativa, o fato de a lei empregar o termo “mulher” permite a conclusão de que não só a casada, mas também a convivente ou, a mulher solteira que não conviva em união estável pode ir a juízo pleitear a investidura (a interdita é representada pelo seu curador), desde que consiga meios de provas suficientes para provar a necessidade de alimentos e a paternidade.[56]
Na hipótese de mulher incapaz que não tenha curador, será legitimado a propor a ação o Ministério Público. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior.[57]
No plano da legislação especial, o art. 1º da Lei n. 11.804/08, ao dispor que nela será disciplinado “o direito de alimentos da mulher gestante” trouxe hipótese de substituição processual, legitimando extraordinariamente a genitora a propor a ação de alimentos no interesse do nascituro, que é o verdadeiro titular dos alimentos gravídicos.
No campo do Direito Processual Civil, há duas espécies de legitimidade: legitimação ordinária e legitimação extraordinária. Aquela ocorre quando “coincidem as figuras das partes com os pólos da relação jurídica, material ou processual, real ou apenas afirmada, retratada no pedido inicial”, ou seja, aquele que defende em juízo um interesse pessoal como maior interessado na causa[58].
Excepcionalmente, entretanto, o direito objetivo atribui legitimação a outras pessoas que não são titulares da relação jurídica de direito material hipotética, sem, contudo, excluir a legitimidade desses titulares. Denomina-se extraordinária essa legitimidade, em oposição à legitimidade ordinária, porque ela é outorgada em caráter excepcional e não comporta ampliações. Compete ao legislador a determinação dos casos em que se concede essa legitimidade, consoante prevê o art. 6º do CPC[59] e ele o faz sempre em virtude de alguma espécie de relação entre o sujeito e o conflito[60].
O legitimado extraordinário, também chamado por alguns autores de substituto processual, sempre é o destinatário de algum benefício indireto ligado à iniciativa que tomar, porque sem esse benefício e sem poder esperar qualquer utilidade do provimento que pede, não haveria motivo para instituir sua legitimidade ad causam. Em razão de o legitimado extraordinário atuar em nome próprio, defendendo direito alheio, recebe da lei a qualidade de parte principal no processo, ou seja, não é representante do titular do direito controvertido.
A partir do estudo das principais características do instituto da legitimação extraordinária, observa-se que a mulher gestante recebeu da Lei n. 1.804/08 legitimidade para atuar em juízo defendendo interesse alheio, no caso, o direito do nascituro à percepção de alimentos.
Contudo, caso a mulher não estivesse grávida, não haveria interesse em pleitear ação de alimentos gravídicos, ou seja, o nascituro é o principal interessado, mas a gestante não deixa de ser indiretamente beneficiada.
Destarte, é importante salientar que a intervenção do Ministério Público é obrigatória em decorrência do que dispõe do artigo 877 do CPC, intervindo no fetio em decorrência do interesse do incapaz envolvido na causa. Assim, se a presente regra não existisse, incidiria o disposto no art. 82, I deste Código.
4 PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE PATERNIDADE E SUAS CONTROVÉRSIAS
Outra questão de grande interesse do ponto de vista prático refere-se ao reconhecimento da paternidade do nascituro. De início, quanto ao tema, vale dizer que o Código Civil de 2002 continua trazendo as presunções de paternidade, no seu polêmico art. 1.597 [61], inclusive no que diz respeito a presunção relativa (juris tantum) de paternidade. É certo, como veremos a seguir que a mesma possui controvérsias mas a jurisprudência pátria tem entendido pelo seu acolhimento nas ações em que pleiteia-se alimentos gravídicos.
4.1 CONCEITO DE PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE PATERNIDADE
As presunções são deduções lógicas feitas pela lei ou pelo aplicador do Direito, que parte de algo conhecido para chegar a algo desconhecido. O fato conhecido é a existência de casamento ou união estável.[62] O fato desconhecido é a paternidade do marido ou companheiro, que no caso é presumida.
A doutrina há muito tempo concorda com a existência de dois tipos de presunção: a legal e a hominis. A presunção legal, a qual interessa a presente pesquisa, subdivide-se em duas espécies: presunção juris tantum (relativa) e presunção juris et de jure (ou jure et de jure – absoluta).
O dispositivo está amparado na velha máxima latina mater semper certa est et pater is est quem nuptiae demonstrant, que pode ser resumida da seguinte forma: a maternidade é sempre certeza, a paternidade é presunção. Ao trazer a presunção de paternidade, seja absoluta ou relativa, o dispositivo, de forma indireta, acaba reconhecendo o direito à paternidade em favor do nascituro. Isso, mesmo com a certeza de que o comando legal perdeu parte de sua efetividade prática, diante da busca da verdade biológica pelo exame de DNA.
O inc. I do art. 1.597 do CC prevê que se presume a paternidade dos filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal. Como se vê, a presunção leva em conta o início do casamento, havendo uma presunção relativa (iuris tantum), que admite prova em contrário, via exame de DNA.
Outra presunção relativa de paternidade consta do inc. II, quanto aos filhos nascidos nos 300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, separação judicial, nulidade ou anulação do casamento.
O inc. III do art. 1.597 do CC prevê que haverá presunção de paternidade dos filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo quando falecido o marido. Vale dizer que a fecundação homóloga é aquela efetuada com o material genético dos próprios cônjuges.
O inc. IV também prevê a presunção de paternidade quanto aos filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes também de concepção artificial homóloga. Tais embriões são aqueles decorrentes da manipulação genética, mas que não foram introduzidos no ventre materno, estando armazenados em entidades especializadas, em clínicas de reprodução assistida.[63] A fecundação, em casos tais, ocorre in vitro, na proveta, por meio da técnica ZIFT, ou seja, a fecundação ocorre fora do corpo da mulher.[64]
Por fim, o inc. V traz a presunção de paternidade dos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, técnica de reprodução assistida em que se utiliza material genético de terceiro, desde que haja prévia autorização do marido. A situação é do marido que autoriza a mulher a fazer uma inseminação artificial em banco de sêmen, com material genético que não lhe pertence. Para que exista a presunção de paternidade, há necessidade dessa prévia autorização, caso contrário a presunção não existe.
Quando das Jornadas de Direito Civil, realizadas pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), alguns enunciados foram aprovados visando resolver alguns problemas de Bioética e Biodireito decorrentes do novel dispositivo. Alguns desses enunciados acabam trazendo como conteúdo a teoria concepcionista.
O Enunciado n. 107, da I Jornada de Direito Civil, pelo qual:
“finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões.”
Assim, no caso do marido ou companheiro que dá a autorização para a inseminação heteróloga e depois pretende revogá-la, deve ser aplicada a vedação do comportamento contraditório, a máxima venire contra factum proprium non potest, que é relacionada com a boa-fé objetiva.[65] Para impossibilitar essa revogação, também podem ser invocados os princípios do melhor interesse da criança (best interest of child) e da proteção integral constante do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990). No caso em questão, a proteção é dos direitos do nascituro, pois a criança ainda não nasceu.
Ora, ao prever a possibilidade de reconhecimento do filho não nascido, que, para os concepcionistas, deve ser considerado pessoa, claramente consagra direitos ao nascituro. Por óbvio, somente é possível reconhecer a paternidade de uma pessoa, não de uma coisa.
4.2 PRINCÍPIO DA GARANTIA DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL
Paternidade é muito mais que prover alimentos ou causa de partilha de bens hereditários; envolve a constituição de valores e da singularidade da pessoa e de sua dignidade humana, adquiridos principalmente na convivência familiar durante a infância e a adolescência. A paternidade é múnus, direito-dever e assume os deveres de realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação, isto é, à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar (art. 227 da Constituição).
Com isso, a Constituição procurou realçar o princípio da paternidade responsável quando elegeu prioridade absoluta a proteção integral a crianças e adolescentes, estendendo-se ao nascituro, delegando não só a família mas também ao Estado, inclusive do Poder Judiciário esse compromisso e que, não pode desonerar o genitor dos encargos decorrentes do poder familiar. Ainda, assim, na ação de ação de investigação de paternidade deverá responsabilizá-lo desde a citação pois, é certo que, as obrigações surgem desde a concepção do filho, especialmente no que tange à obrigação alimentar.
Assim, para Diniz[66]:
“Esta é a única forma de dar efetividade ao princípio constitucional que impõe tratamento isonômico aos filhos, vedando tratamento discriminatório (CF, art. 227, § 6.º). O pai responsável acompanha o filho desde sua concepção, participa do parto, registra o filho, o embala no colo. Deve a Justiça procurar suavizar essas desigualdades e não acentuá-las ainda mais.”
Destarte, em clara aplicação do princípio da parternidade responsável pelo ordenamento jurídico atual, através do Enunciado n. 127 do CJF[67], também da I Jornada de Direito Civil, há proposta de alterar o inc. III do art. 1.597 para constar apenas “havidos por fecundação artificial homóloga”, retirando-se a menção ao falecimento do marido. Foram as justificativas da proposta de alteração legal: “Para observar os princípios da paternidade responsável e dignidade da pessoa humana, porque não é aceitável o nascimento de uma criança já sem pai”. A proposta encontra-se muito bem fundamentada nos princípios que protegem a criança. De forma indireta, há a tutela dos direitos do nascituro, o que confirma a teoria concepcionista.
4.3 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
O princípio da presunção de inocência, hoje convertido em garantia fundamental do indivíduo pela Constituição Federal de 1988, no inciso LVII, do art. 5º, estabelece que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."
Os alimentos gravídicos são devidos em razão de parentesco, de casamento, da união estável ou mesmo do namoro, exigindo-se, portanto, a prova do parentesco ou da obrigação, mas também podem ser devidos pela simples existência de indícios de paternidade. É justamente esse um dos pontos mais questionados em relação a essa legislação.
Para Pimenta os alimentos gravídicos concedidos em meros indícios de paternidade fere veementemente o Princípio da Presunção de Inocência, previsto na Constituição Federal[68].
Sabiamente, contrária a essa linha de intelecção, os Tribunais Superiores, em entendimento pacífico, lecionam:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. RECUSA IMOTIVADA. REEXAME DE PROVAS.SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em face do nítido caráter infringente das razões recursais Aplicação dos princípios da fungibilidade recursal e da economia processual. 2. Não ocorre omissão quando as questões submetidas ao Tribunal de origem são enfrentadas fundamentadamente. 3. No caso, tem-se que o eg. Tribunal de origem julgou procedente o pedido de investigação de paternidade considerando todo o contexto fático-probatório dos autos, e não apenas o fato de o ora recorrente ter se esquivado da realização do exame de DNA por duas vezes, sem qualquer justificativa plausível, o que gera presunção relativa. Desse modo, a inversão do julgado encontra óbice no enunciado nº 7/STJ.4. Agravo regimental a que se nega provimento.”[69]
Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto fático-probatório. Nesse sentido, garante a Súmula n. 301 do Superior Tribunal de Justiça que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.
Desta forma, o suposto pai não tem obrigação, mas o ônus probatório de realizar o exame de DNA, cuja recusa terá como conseqüência a presunção relativa de paternidade contra ele. Tal questão não pode ser aplicada absolutamente ao nascituro tendo em vista que o exame de DNA ocasiona vários riscos, inclusive de vida, para o feto, podendo assim perder a causa da ação de alimentos gravídicos.
França[70] esclarece que "a presunção só pode ser considerada dentro de um conjunto de indícios e desde que esses elementos sejam criteriosamente avaliados".
Por conseguinte, tem o nascituro também a possibilidade de investigar a paternidade do marido de sua genitora, seu suposto pai, gerando-lhe efeitos, como estabelecimento de uma relação de parentesco, direito a um sobrenome, submissão ao poder familiar, direitos sucessórios, direito à obrigação de alimentos. Portanto, saber a verdade sobre a sua paternidade é um legítimo interesse do nascituro.
Cumpre salientarmos que, em sendo a investigatória ação de estado, tratando-se, portanto, de direito indisponível, não somente as partes, mas também o Ministério Público e o Poder Judiciário têm o dever legal de levar aos autos a prova do direito material. Como não é realizado o exame de DNA, o juiz tem o dever de determinar a formação da prova, isso porque os direitos de personalidade não são, apenas, direitos constitucionais, mas, sobretudo, direitos naturais do ser humano.
Destarte, em pesquisa realizada na jurisprudência brasileira, observamos que, principalmente, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é pacífico o entendimento de que cabe ao juiz decidir sobre a fixação de alimentos com base em meros indícios de paternidade, tendo em vista que esses alimentos, uma vez fixados, permanecem em vigor até que ocorra o nascimento com vida, ocasião em que serão convertidos em pensão alimentícia em favor do filho, podendo ser revistos por provocação de qualquer das partes.
In casu, para que fique melhor ilustrado, este entendimento encontra-se fundamentado nas decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça Estaduais, a saber:
“Ementa: ALIMENTOS GRAVÍDICOS. LEI Nº 11.804/08. DIREITO DO NASCITURO. PROVA. POSSIBILIDADE. 1. Havendo indícios da paternidade apontada, é cabível a fixação de alimentos em favor do nascituro, destinados à gestante, até que seja possível a realização do exame de DNA. 2. Os alimentos devem ser fixados de forma a contribuir para a mantença da gestante, mas dentro das possibilidades do alimentante e sem sobrecarregá-lo em demasia. Recurso provido em parte.[71]
Ementa: ALIMENTOS GRAVÍDICOS. LEI Nº 11.804/08. DIREITO DO NASCITURO. PROVA. POSSIBILIDADE. 1. Havendo indícios da paternidade apontada, é cabível a fixação de alimentos em favor do nascituro, destinados à gestante, até que seja possível a realização do exame de DNA. Recurso desprovido. [72]
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. FILHO MENOR. NASCITURO. DESEMPREGO DO ALIMENTANTE. O fato de estar desempregado não libera o pai de pagar alimentos ao filho menor, além de não autorizar que a verba alimentar seja reduzida a patamar ínfimo. Inteligência do art. 1.699, CC. Agravo de instrumento parcialmente provido, de plano. [73]
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. REINTEGRAÇÃO AO LAR. Ausência de verossimilhança das alegações da parte. Inviabilidade de concessão da medida liminar. Necessidade de dilação probatória. MANUTENÇÃO DO PLANO DE SAÚDE. Comprovada a gravidez e necessidade da agravante, deve ser mantido o plano de saúde, a fim de garantir a saúde do nascituro e segurança da parturiente. DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. [74]
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E ALIMENTOS PROVISÓRIOS. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DOS ALIMENTOS NO CASO CONCRETO. PAGAMENTO PRÉVIO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL QUANDO DA CONCEPÇÃO DO NASCITURO, AGORA AGRAVANTE. VALOR DOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS QUE DEVE SER MANTIDO, CONFORME O PAGAMENTO QUE JÁ VINHA SENDO EFETIVADO POR OCASIÃO DA GESTAÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA, INCLUSIVE COM REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, A AUTORIZAR OU NÃO A MANUTENÇÃO DO PAGAMENTO E A ALTERAÇÃO DO VALOR DOS ALIMENTOS. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.[75]
Ementa: AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. LEI Nº 11.804/08. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DA PATERNIDADE. LIMINAR INDEFERIDA. CRIANÇA NASCIDA NO CURSO DA AÇÃO. CONVERSÃO EM AÇÃO DE ALIMENTOS. INADMISSIBILIDADE. EXTINÇÃO DA AÇÃO. Segundo o art. 2º da supra citada Lei 11804/08, alimentos gravídicos dizem com a condição de grávida da mãe do nascituro e os gastos inerentes ao período gestacional, não podendo ser confundidos com alimentos em favor de filho menor. Tendo a criança nascido no curso da ação, não é possível a transformação em `ação de alimentos, por `economia processual, já que essa depende de ser intentada pelo menor, enquanto a de alimentos gravídicos era da genitora, com outra causa de pedir e outras provas. Extinção da ação mantida, devendo o menor promover a competente ação de alimentos. NEGARAM PROVIMENTO A APELAÇÃO.”[76]
Nota-se que a concessão de alimentos gravídicos embasada em meros indícios de paternidade não fere o princípio da presunção de inocência, de modo que, há um juízo de ponderação na aplicação deste feito. O princípio da proporcionalidade é o fio condutor de toda e qualquer ponderação, uma vez que as decisões devem ser razoáveis, proporcionais, equilibradas e adequadas. Assim, há uma ponderação entre o princípio da presunção de inocência, direito garantido constitucionalmente, e a tutela do direito à vida combinado com o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que trata-se de alimentos para manutenção de uma vida saudável e digna ao nascituro. Deve, dessa forma, o princípio de maior peso ser aplicado, ou seja, o direito à vida, nada impedindo que ora prevaleça o princípio que restou afastado.
É de suma importância ainda, ressaltar que, pela referida Lei, um homem pode ser obrigado a pagar pensão por indícios de paternidade e depois vir a comprovar-se que ele não é o pai. Como foi vetado o art. 10 [77] que dispunha sobre a responsabilidade da autora da ação quanto aos danos morais e materiais causados ao réu, no caso de resultado negativo do exame de DNA, tem-se que suprir essa lacuna buscando outro amparo jurídico.
O veto ao artigo 10 foi realizado porque o mesmo estabelecia a responsabilidade objetiva da autora da ação, o que lhe imporia o dever de indenizar independentemente da apuração da culpa e iria de encontro ao impedimento do livre exercício do direito de ação. Com isso, permanece a aplicação da regra geral da responsabilidade subjetiva constante do art. 186 do Código Civil[78], onde a autora poderá vir a responder pela indenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja, que esta agiu com dolo ou com culpa em sentido estrito ao promover a ação de alimentos.[79]
Portanto, não ficará desamparado aquele que for demandado em uma ação de alimentos gravídicos, no caso de não ser ele o pai, estando amparado pelo direito à reparação de danos morais e materiais com embasamento na regra geral da responsabilidade civil.
Com isso a Lei de Alimentos Gravídicos atinge o seu maior escopo que é o de preservar a dignidade do nascituro, garantindo o melhor interesse do mesmo e vencendo os impasses vividos diante da lacuna que existia sobre o assunto até então em nosso ordenamento jurídico.
Por fim, salienta-se que leis não despertam a consciência do dever, mas geram responsabilidades, o que é imprescindível para quem está por nascer, porquanto mesmo sendo fruto de uma relação desfeita, ainda assim terá a certeza de que foi amparado por seus pais desde a concepção, o que já é uma garantia de respeito à sua dignidade da pessoa humana.
A lei que trata dos alimentos gravídicos, sem dúvida permite que as mulheres detenham a garantia de quando grávidas o nascituro tenha assegurado uma gestação saudável e, para que isso ocorra, o fornecimento de subsídio financeiro do suposto pai e da mãe de forma proporcional a condição de ambos em uma devida aplicacao do binômio necessidade e possibilidade.
Verifica-se que os indícios de paternidades são frágeis, contudo o convencimento do magistrado é cauteloso, mesmo com tais indícios não sendo fundamentados de forma sólida, e sendo evidenciada a necessidade da genitora não é acolhido seu pedido caso não conste o mínimo de veracidade em tais indícios, tendo em vista a observância do Princípio da Presunção de Inocência e aplicação da Súmula n. 301 do Superior Tribunal de Justiça.
Restou demonstrado que o nascituro possui personalidade jurídica e é notório que apesar da lei de alimentos gravídicos deixar claro que são alimentos para a mulher gestante, de forma subsidiária o nascituro goza de tais benefícios, visto que a gestação saudável diretamente beneficia ao nascituro. A teoria concepcionista além de ser uma corrente majoritária a cada dia é reconhecida com a mais plausível pois, o nascituro, já possui um enorme reconhecimento no ordenamento jurídico.
Isto posto, conclui-se que a Lei 11.804 de 06 de novembro de 2008, com cunho social, busca resgatar o amparo a mulher grávida para que no decorrer da gestação não fique desamparada até o nascimento com vida do nascituro, mesmo com frágeis indícios de paternidade, o abrigo gerado por esta norma jurídica se sobrepõe, de modo a optar pela aplicabilidade do princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a tutelar o Direito à Vida. A evolução da sociedade é notadamente superior a evolução do Direito, porém as tentativas para acompanhar tais evoluções tem sido validas para toda sociedade.
Assim, pode-se dizer que a Lei dos Alimentos Gravídicos surge para solucionar conflitos anteriores ao ano de 2008 e posteriores à ele, tornando-se protetora integral dos direitos assegurados ao nascituro. Destarte, conforme previsão Constitucional, os alimentos gravídicos não visam solucionar apenas prévias discussões, servem para que a aplicabilidade de princípios e garantias como os de isonomia e proteção à vida sejam devidamente cumpridos.
Graduada em Direito. Pós Graduada em Direito Constitucional. Professora de Direito
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