Resumo: A Lei nº 13.104/16 incluiu no art.121, §2º do Código Penal, uma nova qualificadora ao crime de homicídio, qual seja, o feminicídio, praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino. Igualmente, acrescentou ao inciso I da Lei 8.072/90, o feminicídio no rol dos Crimes Hediondos. Dessa forma, o presente artigo científico pretende mostrar todas as modificações ocorridas com a referida lei, levando em consideração todos os entendimentos até agora elencados sobre o tema.
Palavras-chaves: Lei 13.104/16; feminicídio, Lei dos Crimes Hediondos.
Abstract: The Law nº. 13.104 / 16 included in art.121, paragraph 2 of the Criminal Code, a new qualifying the crime of murder, namely femicide, practiced against women on the grounds of the female condition. Also added to item I of Law 8.072 / 90, femicide in the list of Heinous Crimes. Thus, this research paper aims to show all the changes that have occurred with such law, taking into account all the understandings so far listed on the topic.
Keywords: Law 13,104 / 16; femicide, Law of Heinous Crimes.
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2. Feminicídio como nova qualificadora do homicídio e seus requisitos típicos; 3. Hediondez do crime de feminicídio; Considerações Finais. Referências.
1. Introdução:
A violência no Brasil vem aumentando a cada dia e para que seja controlada, ao menos em tese, se torna necessário o endurecimento de certas modalidades penais. Nesse sentido, foi o que ocorreu com a Lei nº 13.104/16, promulgada no dia 09 de março de 2015.
A referida lei possui o condão de aumentar a punição dos crimes de homicídio praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio), acrescentando ao artigo 121, §§ 2º, inc. VI e 2º-A ao Código Penal. Ao mesmo tempo, caracterizou esse homicídio como hediondo, uma vez que, acrescentou o inciso VI ao final do inciso I do art.1º da Lei 8.072/90.
Essa a tipificação tem como finalidade a apuração de forma mais específica de procedimentos e rotinas de investigação e julgamento com a finalidade de coibir os assassinatos em detrimento do sexo feminino.
É nesse sentido que, o presente artigo, pretende demonstrar todas as modificações ocorridas com a Lei 13.104/16, e a repercussão que esta terá na sociedade, levando em consideração todos os entendimentos até agora elencados pela doutrina.
2. Conceito:
Essa inovação é fruto de um contexto histórico marcado pela discriminação à mulher.
De acordo com o Instituto Avante Brasil uma mulher morre a cada hora no Brasil. Quase metade desses homicídios são dolosos praticados em violência doméstica ou familiar através do uso de armas de fogo. 34% são por instrumentos perfuro-cortantes (facas, por exemplo), 7% por asfixia decorrente de estrangulamento, representando os meios mais comuns nesse tipo ocorrência.[1]
Gerardo Landrove Díaz, analisando espeficamente as situações de infrações penais praticadas no interior dos lares, nos esclarece que:
“Dentro das tipologias que levam em conta a relação prévia entre vítima e autor do delito (vítima conhecida ou desconhecida) temos que ressaltar a especial condição das vítimas pertencentes ao mesmo grupo familiar do infrator; tratam-se de hipóteses de vulnerabilidade convivencial ou doméstica. Os maus tratos e as agressões sexuais produzidos nesse âmbito têm, fundamentalmente, como vítimas seus membros mais débeis: as mulheres e as crianças. A impossibilidade de defesa dessas vítimas – que chegam a sofrer, ademais, graves danos psicológicos – aparece ressaltada pela existência a respeito de uma elevada cifra negra.”[2]
Além disso, de acordo com Julio Jacobo, a violência contra as mulheres tem deixado uma ferida intensa e dolorida. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Sangari, com base nos dados do Sistema Único de Saúde, denominada Mapa da Violência no Brasil 2012 demonstrou que entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres foram assassinadas no Brasil; ou seja, em média 10 mulheres foram assassinadas por dia.[3]
Conforme já se saber, o Decreto nº 1973 de 1996, foi o primeiro documento que dispôs sobre a violência doméstica contra a mulher, proclamando sua vulnerabilidade nas relações familiares. Dispõe o art. 1º da referida Convenção:
“Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.
Dez anos depois, foi publicada a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal. Esta estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Apesar de muitos acharem que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) tipificava crimes, esta não trouxe um rol de crimes em seu texto, muito pelo contrário, ela apenas trouxe regras processuais para proteger a mulher vítima de violência doméstica, mas sem tipificar novas condutas. Dessa forma, esse novo tipo penal não era previsto na Lei 11.340/06.
Assim, antes da Lei n.° 13.104/2015, não havia nenhuma tipificação legal pelo fato de o homicídio ser praticado contra mulher, sendo punível na forma do homicídio simples.
Agora, de acordo com o art.121, inciso VI, §2º do Código Penal, feminicídio é matar mulher por “razões da condição de sexo feminino”. Somado a essa definição, o §2º do mesmo artigo afirma que: “Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.”
Nota-se que, não é qualquer assassinato que será considerado feminicídio. Deve estar presente uma das hipóteses elencada no §2º-A, art.121 do Código Penal.
A primeira hipótese diz respeito a violência doméstica e familiar, nos remetendo ao art.5º e 7º da Lei 11.340/06, que assim nos diz:
“Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
Da conjugação dos artigos 5º e 7º da Lei nº 11.340/2006 temos que: 1) a violência doméstica e familiar somente pode ter como vítima a mulher, independente de sua condição pessoal ou preferência sexual; 2) pode ocorrer em qualquer local em que a ofendida resida, ou mesmo fora dele, desde que praticada por pessoa que consigo conviva ou conviveu, com ou sem vínculo familiar, por familiares, por pessoas unidas por laços naturais, de afinidade ou por vontade expressa, ou, ainda, em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação e de orientação sexual; 3) as formas de agressão podem ser de índole corporal, psicológica, moral, patrimonial ou sexual, cometidas por ação ou omissão baseada no gênero.[4]
Nesse caso, é fácil constatar que a mulher encontra-se em situação de vulnerabilidade, motivo pelo qual deve ser amparada pela qualificadora, de natureza objetiva.
Por outro lado, a segunda hipótese é difícil de ser caracterizada, pois trata-se de uma circunstância subjetiva. Nos dizeres de Antônio Lopes Monteiro[5]: “menosprezo é a falta de apreço por alguém, no caso em razão do gênero; é desprezar, desdenhar da mulher; é tratá-la com desdém, desconsideração, desprezo. Não fazer caso, enfim, tratar a mulher de forma desprezível, sem lhe dar a devida atenção.”
Dessa forma, deve-se ressaltar que, somente nos casos do §2º-A, inciso I do Código Penal será permitido a figura do homicídio privilegiado-qualificado, uma vez que trata-se de qualificadora de natureza objetiva.
Por fim, cabe dizer que, apesar de serem utilizados como sinônimos, feminicídio e femicídio possuem significados diferentes. O primeiro significa praticar homicídio contra a mulher por razões de gênero; já femicídio significa praticar homicídio contra a mulher.
3. Principais modificações trazidas pela Lei 13.105/15:
Conforme já dito, a Lei 13.105, sancionada no dia 09 de março de 2015, inaugurou mais um tipo penal que foi o feminicídio, entendido como morte de mulher em razão da condição do sexo feminino, alterando o art.121 do Código Penal.
Essa lei é de autoria da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Investigação da situação da violência contra a mulher no Brasil. E, conforme já dito, esta se justifica, pelo fato de que, inúmeras infrações penais são praticadas no interior dos lares, no seio das famílias, desde agressões verbais, ofensivas às honras subjetiva e objetiva das pessoas, passando por ameaças, lesões corporais, crimes contra o patrimônio, violências sexuais, homicidios e tantos outros crimes.
Na América Latina, vários são os países que tipificaram o feminicídio. Na Costa Rica, no Chile e no Peru as legislações punem o homicídio de mulher por alguém que com ela tenha mantido relacionamento íntimo (cônjuge, companheiro, ou até mesmo namorado, como no caso do Peru). Já em El Salvador, Guatemala e México o crime é punido porque a morte da mulher ocorreu em razão de seu gênero. Em todos esses países o crime é punido de forma autônoma, dando-lhe especial tratamento.[6]
Passando a análise dos aspectos principais da Lei em estudo, vamos analisar as principais modificações.
Conforme se sabe, o rol de qualificadoras do homicídio encontra-se previsto no § 2º do art. 121 do CP, é nele que foi inserido o inciso VI, prevendo o feminicídio, conforme se vê pelo artigo:
“Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido: (…)
Feminicídio
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.”
Com relação ao sujeito ativo, o crime será comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Já o sujeito passivo, por óbvio, deverá ser uma pessoa do sexo feminino. Nesse sentido, a doutrina diverge em três posições com relação a identificação da mulher com a finalidade de ser aplicada a qualificadora do feminicídio:
“1) O critério psicológico: Existirá defesa no sentido de que se deve desconsiderar o critério biológico para identificar como mulher, toda aquela em que o psíquico ou o aspecto comportamental é feminino. Adotando-se esse critério, matar alguém que fez a cirurgia de redesignação de gênero ou que, psicologicamente, acredita ser uma mulher, será aplicado a qualificadora do feminicídio. 2) O critério jurídico cível: Deve ser considerado o sexo que consta no registro civil, ou seja, se houver decisão judicial para a alteração do registro de nascimento, alterando o sexo, teremos um novo conceito de mulher, que deixará de ser natural para ser um conceito de natureza jurídica. 3) 3) O critério biológico: Deve ser sempre considerado o critério biológico, ou seja, identifica-se a mulher em sua concepção genética ou cromossômica. Neste caso, como a cirurgia de redesignação de gênero altera a estética, mas não a concepção genética, não será possível a aplicação da qualificadora do feminicídio”.[7]
A maioria da doutrina vem entendendo que o Código Penal adotou o critério biológico para considerar o conceito de mulher. Dessa forma, a lei não pode ser aplicada a transexual, pois não pode o intérprete, a pretexto de respeitar a livre expressão sexual do transexual, valer-se de analogia para punir o agente.
Assim, a transexual, sob o ponto de vista estritamente genético, continua sendo pessoa do sexo masculino, mesmo após a cirurgia. Enfim, a transexual que realizou a cirurgia e passou a ter identidade sexual feminina é equiparada à mulher para todos os fins de direito, menos para agravar a situação do réu. Isso porque, em direito penal, somente se admitem equiparações que sejam feitas pela lei, em obediência ao princípio da estrita legalidade.[8]
Ademais, partindo do mesmo caráter biológico adotado, não se pode aplicar a referida lei, aos companheiros homoafetivos, porque a vítima deve ser do sexo feminino.
Para Márcio André Cavalcante:
“A expressão escolhida é péssima. A redação é confusa, truncada e não explica nada. No projeto de lei, a locução prevista para o tipo era: se o homicídio é praticado “contra a mulher por razões de gênero”. Ocorre que, durante os debates, a bancada de parlamentares evangélicos pressionou para que a “gênero” da proposta inicial fosse substituída por “sexo feminino”, com objetivo de afastar a possibilidade de que transexuais fossem abarcados pela lei. A bancada feminina acabou aceitando a mudança para viabilizar a aprovação do projeto. Melhor seria se tivesse sido mantida a redação original, que, aliás, é utilizada na Lei Maria da Penha: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero” (art. 5º) e nas legislações internacionais.”[9]
Com relação a conduta, esse crime admite sua forma tentada e consumada, é podendo ser praticado com dolo direto ou eventual. A qualificadora possui natureza subjetiva, relacionada com a esfera interna do agente, portanto, no caso de concurso de pessoas, essa não se comunicará com os coautores ou partícipes, salvo se eles também tiverem a mesma motivação. Sendo a qualificadora subjetiva, não é possível que haja o feminicídio privilegiado conforme preceitua o art.121, §1º do Código Penal.[10]
Além disso, a lei previu três causas de aumento de pena:
“Aumento de pena: § 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima”. (NR)
O primeiro inciso afirma que a pena será aumentada de 1/3 até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos 03 meses posteriores ao parto.
Nessa hipótese, pode ocorrer as seguintes situações: a) morte do feto e da vítima: aqui, deverá responder pelo feminicídio consumado e pelo aborto consumado; b) o feto sobrevive, mas a vítima falece: nessa hipótese, teremos um feminicídio consumado, em concurso com uma tentativa de aborto; c) o feto morre e a vítima sobrevive: in casu, será responsabilizado pelo feminicídio tentado, em concurso com o aborto consumado; d) tanto o feto quanto a vítima sobrevivem: nesse caso, o agente deverá responder pela tentativa de feminicídio e pela tentativa de aborto.[11]
A doutrina diverge com relação ao início do parto, para a caracterização do prazo de 03 meses configurado da causa de aumento.
Alfredo Molinario entende que o nascimento é o completo e total desprendimento do feto das entranhas maternas. Para Soler, inicia-se desde as dores do parto. Para E. Magalhães Noronha, mesmo não tendo havido desprendimento das entranhas maternas, já se pode falar em início do nascimento, com a dilatação do colo do útero.[12]
O segundo inciso prevê que a pena será aumentada se praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência. A vítima, nessas três hipóteses, apresenta uma vulnerabilidade maior, de forma que a conduta do agente se revela com alto grau de covardia.
O Decreto 3.298/99, traz o conceito de pessoa portadora de deficiência nos é arts. 3º e 4º , in verbis:
“Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; II – deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias: I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz; III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e segurança; f) habilidades acadêmicas; ) lazer; e h) trabalho; V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.”
Observa-se que, deve o sujeito ativo conhecer a situação de portador de deficiência da vítima, sob pena de não incidir a causa de aumento de pena.
Além disso, em ocorrendo a hipótese de feminicídio contra uma criança (menor de 12 anos de idade) ou uma mulher maior de 60 (sessenta), não será aplicada a circunstância agravante prevista na alínea “h”, do art. 61 do Código Penal, pois, caso contrário, estaríamos levando a efeito o chamado bis in idem, onde um mesmo fato estaria incidindo duas vezes em prejuízo do agente. Nesses casos, terá aplicação o inciso II, do §7º do art. 121 do Código Penal, também devido à sua especialidade.[13]
Por fim, o último inciso, prevê que, a pena imposta ao feminicídio será aumentada se o delito for praticado na presença de descendente ou de ascendente da vítima. O fundamento desse inciso é o sofrimento provocado aos descendentes ou ascendentes.
Ao exigir que o comportamento criminoso ocorra na “presença”, parece dispensável que o descendente ou o ascendente da vítima esteja no local da agressão, bastando que esse familiar esteja vendo (ex: por skype) ou ouvindo (ex: por telefone) a ação criminosa do agente.[14]
3.2. Hediondez do crime de feminicídio
Outra alteração implementada pela Lei 13.104/15, foi a inclusão do delito de feminicídio, no rol dos crimes hediondos (1º., I, da Lei 8.072/90), conforme dispôs o art.2º:
“Art. 2º O art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:
“Art. 1º (…)
I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI); (…)” (NR)
Trata-se de crime formalmente hediondo e não equiparado como o de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, drogas afins e o terrorismo. Além disso, por ser uma lei mais gravosa, não retroage, por isso aplica-se essa qualificadora somente a partir do dia 10 de março de 2015.
Não obstante, sabe-se que o feminicídio já poderia ser classificado como homicídio qualificado por motivo torpe ou fútil, afinal, não há como negar torpeza na ação de matar uma mulher por discriminação de gênero. Mas esse entendimento não era uniforme. Daí a pertinência da nova lei, para dizer que todas essas situações configuram indiscutivelmente crime hediondo.
A intenção do agente em matar a mulher em razão do gênero deve ficar evidentemente comprovada, pois, caso contrário haverá in dúbio pro reo, e o agente responderá apenas pelo delito de homicídio (ou outra qualificadora se devidamente comprovado). Além disso, comprovada a qualificadora do feminícidio, não se pode mais invocar o motivo torpe: uma mesma circunstância não pode ensejar duas valorações jurídicas (está proibido o bis in idem).
As conseqüências, por óbvio, serão as da Lei 8.072/90, não seja, não se admite graça, indulto ou anistia, tampouco, se admite fiança. Além disso, o regime inicial de cumprimento da pena será o fechado.
A prisão temporária, conforme já se sabe, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. O livramento condicional exigirá o cumprimento de mais de dois terços da pena, conforme o dispõe o art. 83, V, do CP.
É importante ressaltar que não se trata de uma lei inconstitucional, até mesmo porque, o STF, em outras ocasiões, já enfrentou o tema, decidindo que é possível que haja uma proteção penal maior para o caso de crimes cometidos contra a mulher por razões de gênero (STF. Plenário. ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9/2/2012). Assim, é evidente, que não haverá violação ao princípio constitucional da igualdade.
Por fim, conforme já foi aqui explanado, a Lei n.° 13.104/2015 entrou em vigor no dia 10/03/2015. Dessa forma, tendo em vista que se trata de uma lei mais gravosa, somente a partir dessa data é o agente responderá por feminicídio, ou seja, homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2º, VI, do CP. Não obstante, nada impede, que antes desse período seja ao agente imputado a qualificadora do motivo torpe ou fútil (art.121, §2º, inc. I e II), por cometer o crime em razão de ser a vítima do sexo feminino.
Considerações finais
Nota-se que ainda é cedo para avaliar o resultado da Lei que instituiu no ordenamento jurídico a figura do feminicídio. Sem dúvidas, como não poderia deixar de ser, ela possui inúmeras críticas e elogios.
Elogios, porque dará maior proteção à figura da mulher, que no seio da sociedade ainda se encontra num processo de fragilização. Já, por outro lado, as críticas demonstram que não podemos utilizar o Direito Penal para assegurar todos os direitos humanos.
De fato, o legislador sempre vem incidindo no mesmo erro para combater a criminalidade violenta, pois acreditam que vão diminuir a criminalidade com o endurecimento das leis.
O Direito Penal de forma isolada, não é capaz de oferecer proteção integral ao cidadão. Dessa forma, o endurecimento desse crime, pouco contribuirá para diminuição da criminalidade, sem a implantação de políticas pública.
Assim, para uma efetivação da lei de maneira plena, é necessário que nossos governantes trabalhe mais com a prevenção do que com a remediação, pois só assim, teremos um Direito Penal mais efetivo.
Advogada e pós graduada em Direito Ambiental pela Universidade Cândido Menezes
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