Amamentação no cárcere: as entrelinhas para mães e filhos como sujeitos de Direito

Resumo: Trata-se de um relato de experiência oriundo de um projeto de extensão realizado em uma instituição prisional destinada a mulheres. O direito à amamentação tem previsões legais na Constituição Federal, bem como na Lei de Execução Penal e Estatuto da Criança e do Adolescente. É um processo natural da vida, que possibilita uma aproximação entre mãe e bebê, fortalecendo o vínculo afetivo e promovendo um desenvolvimento saudável. Quando se trata da amamentação no ambiente prisional, vem à tona uma série de dificuldades (falta de estrutura, ineficácia de informações, ambiente inapropriado) que podem ser empecilhos que podem levar a mãe a abrir mão da convivência com seu filho. O direito a amamentar é cabível a mulher em qualquer situação, mesmo esta se encontrando privada de sua liberdade. Corroborando para que isso de fato torne-se possível, existe o arcabouço jurídico constitucional e infraconstitucional que preza pela efetividade dessa ação, muito embora a realidade mostre incoerência quanto à garantia das peculiaridades a cerca da digna amamentação no sistema prisional[1].

Palavras-chave: Mulheres. Prisões. Aleitamento materno. Direito.

Abstract: This is an experience report from an extension project carried out in a prison intended for women. The right to breastfeed have legal provisions in the Federal Constitution and the Penal Execution Law and Statute of Children and Adolescents. It is a natural process of life, which allows for a rapprochement between mother and baby, strengthening the emotional bond and promoting healthy development. When it comes to breastfeeding in the prison environment, comes up a number of difficulties (lack of infrastructure, information inefficiency, inappropriate environment) that can be obstacles that can lead mothers to give up living. The right to breastfeed is applicable to women in any situation, even if this finding deprived of his liberty. Confirming that it indeed becomes possible, there is a constitutional and legal framework that values ​​the effectiveness of this action, although the reality show inconsistency as to guarantee about the peculiarities worthy of breastfeeding in the prison system.

Keywords: Women. Prisons. Breast Feeding. Law.

Sumário: Introdução. 1. Aspectos jurídicos quanto ao ser mãe na prisão. 2. A relevância do aleitamento materno em ambiente prisional. 3. A Experiência na promoção do aleitamento materno em uma instituição prisional feminina. Conclusão.

Introdução

O aleitamento materno caracteriza-se como processo natural e ideal de prover alimento a uma criança inicialmente nos primeiros dias de vida, visto que este se constitui como alimento necessário para o desenvolvimento biológico e psicológico do concepto. Conforme a realização da 55º Assembleia Mundial de Saúde, governos e instituições de saúde propuseram-se estimular a promoção do aleitamento materno exclusivo como a única fonte de alimento para lactentes com até seis meses de idade (RIOS; SILVA, 2010).

O direito de amamentar é regido por bases legais, a saber: a Constituição Federal Brasileira (art. 5º, L) determina que as presidiárias devem  permanecer com seus filhos durante seis meses para amamentação, aliada a Lei de Execução Penal (LEPl) cujo artigo 83, § 2º, versa sobre o ambiente prisional feminino, para que os mesmos sejam dotados de berçários como o intuito de prover às detentas e seus filhos local ideal para a pratica de amamentação. Corroborando com essas nuances, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que o poder público, instituições e empregadores propiciem condições favoráveis ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade (art. 9º).

Esse estudo visa relatar experiência resultante das práticas vivenciadas durante o projeto de extensão realizado em uma instituição prisional destinada a mulheres, no que diz respeito à relação mãe e filho no período de lactação.

1. Aspectos jurídicos quanto ao ser mãe na prisão

A Organização das Nações Unidas (1955) prevê que as ações e serviços dispensados aos indivíduos sujeitos à pena privativa de liberdade devem ter por objeto a promoção do seu desenvolvimento, do respeito próprio e do sentido de responsabilidade. Nesse tocante, a Regra 23 cita que nos estabelecimentos destinados à população feminina devem existir instalações especificas para o tratamento das presas grávidas bem como das parturientes (BRASIL, 1995).

As disposições jurídicas brasileiras que dizem respeito às especificidades da mulher presa efetuam-se especialmente na Constituição de 1988 e na Lei de execução Penal de 1984. A Carta Magna dispõe que a mulher privada de sua liberdade deverá cumprir pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo da apenada (CF, art. 5º, inciso XLVIII). A LEP também especifica esse direito quando se trata de mulheres gestantes ou em processo de amamentação, ou seja, tais locais deverão ser compostos por berçário, a fim de que essas mulheres possam amamentar seus filhos dignamente (art. 83) (RIOS; SILVA, 2010). Esses dispositivos, de modo peculiar, amenizam o sofrimento das gestantes ou mulheres que amamentam em situação de prisão. Entretanto, consideram os aspectos da maternidade de forma homogênea, abstendo-se por vezes em garantir serviços de saúde específicos a essa população aliado a profissionais capacitados para atender o binômio mãe-filho dentro dos próprios presídios.

Cabe mencionar que estudos realizados pelo Departamento Penitenciário Nacional acerca da incidência de mulheres no ambiente prisional cresceram nos últimos quatro anos aproximadamente 37,47%, que representa uma taxa média de crescimento anual de aproximadamente 11,19%. Desse modo, a estimativa de crescimento assinala que até dezembro 2012, os homens encarcerados representarão 92,35% da população presidiária total do país, enquanto que as mulheres encarceradas, no mesmo ano, representarão 7,65% dessa população (DEPEN, 2008).

Essa afirmativa torna-se impactante, principalmente quando se percebe a possibilidade de tais mulheres serem gestantes ou que estejam com seus filhos na prisão e que, diante disso, os atos ilícitos praticados por elas acabam por estender-se até as crianças que nascem em penitenciarias, podendo permanecer em situação de prisão na fase inicial de sua vida.

2. A relevância do aleitamento materno em ambiente prisional

O leite materno constitui-se como alimento essencial para crescimento saudável do bebê, visto que o mesmo contém proteínas, anticorpos, gordura, vitaminas, ferro, açúcar, enzimas e fatores que propiciam o crescimento, aliado a resistência contra infecções e problemas cardiovasculares quando adulto; aumenta a capacidade cognitiva da criança, favorecendo o desenvolvimento intelectual. Infere-se que a literatura aponta para a existência do processo de amamentar como a melhor forma de contribuir para o desenvolvimento da criança (TOMA; REA, 2004; QUADROS; SANTA RITA, 2008).

Embora o leite materno apresente em sua composição aspectos nutritivos, denota-se que o processo de amamentar intensifica o vinculo afetivo entre mãe-bebê, pois o contato pele a pele imediatamente após o nascimento, aliado à amamentação, induz o desenvolvimento do vinculo maternal, bem como amortiza o índice de rejeição e abandono dos conceptos (REGO, 2006).

Corroborando com essas afirmações compreende-se que a prática da alimentação exclusiva ao seio materno engloba também benefícios para a mulher, uma vez que promove o retorno do peso adquirido na gestação mais rapidamente, evita episódios hemorrágicos no pós parto, age como contraceptivo natural, bem como contribui para diminuir a incidência de câncer de mama (BARRERA, 2007).

Salienta-se que todas as mulheres tanto têm o direito de amamentar, como também o dever de promover esse alimento à criança e, nesse contexto, as mães que se encontram em ambiente prisional elucidam a dualidade desse fato no sistema carcerário.

A mulher que vivencia o processo de amamentação também experimenta de sentimentos que envolvem preocupação e insegurança. Mulheres inseridas em ambiente prisional apresentam tal sintomatologia de forma mais intensa, uma vez que as más condições oferecidas na grande maioria dos presídios femininos contribuem com a pratica do desmame precoce, visto que as apenadas sentem-se inseguras e muitas vezes não conseguem alimentar seus bebês. Segundo King (2001), as principais causas relacionadas a dificuldades em amamentar ocorrem em decorrência da ansiedade, bem como da não confiança de que o leite materno por si só seja suficiente para o seu filho. Ressalta-se que as ações dos hormônios envolvidos na amamentação, prolactina e ocitocina, responsáveis pela produção e ejeção do leite, respectivamente, estão inter-relacionados como o estado emocional da mulher, podendo de fato diminuir a produção de leite em decorrência de estresse físico ou psíquico, como ansiedade, tensão, dor, dúvida, medo, insegurança e cansaço (LANA, 2008).

Diante das dificuldades enfrentadas no ambiente prisional, tanto pela falta de estrutura física, ineficácia de informações prestadas, bem como por todo o contexto que assola os ambientes prisionais, muitas reeducandas acabam por entregar seus filhos aos cuidados de parentes ou instituições como o intuito de que a criança não sofra pela falta de assistência que elas sofrem, resultando no desmame precoce e consequentemente déficit de desenvolvimento físico e intelectual dos conceptos (OLIVEIRA 2011).

3. A Experiência na promoção do aleitamento materno em uma instituição prisional feminina

Na instituição referida no estudo, as detentas foram assistidas individualmente no consultório médico e de enfermagem, entre o período de março a novembro de 2012. As atividades desenvolvidas envolviam: consulta de enfermagem; coleta de materiais para exames; orientações a respeito de questões de prevenção de doenças e promoção da saúde; oficinas e palestras educativas; consulta de enfermagem gineco-obstrétrica dispensadas às gestantes e puérperas, aliado aos cuidados com o processo de amamentação, sendo este último a ênfase desse estudo.

O processo de amamentar surge na perspectiva de contribuir com a díade mãe-filho. No sistema penitenciário, essas ações são de notória importância, visto que as mulheres que vivenciam o processo de amamentar sofrem duplamente, uma vez que existe a necessidade de desenvolverem cuidados com o neonato, entre eles prover a amamentação, ao passo que não suportam a dura realidade a qual impõe aos seus filhos, ou seja, viver em cárcere submetido às situações de extremo do meio prisional.

Cabe destacar que a penitenciaria em estudo não conta com as disposições imputadas pela Lei de Execução Penal, como já relatas desse estudo. As gestantes e parturientes dividem a cela com outras detentas, não gozando dessa forma da especificidade do local disposto na lei.

Em relação aos cuidados de promoção ao aleitamento materno, são realizados durante as consultas de enfermagem quando as gestantes e mesmo as mulheres em fase de aleitamento dirigem-se ao consultório para realização do acompanhamento do pré-natal ou pós parto, sendo importante frisar que a mesma segue como auxilio a consulta obstétrica realizada pelo obstetra.

As ações de promoção ao aleitamento materno exclusivo na penitenciaria em estudo versam sobre orientações a cerca do beneficio do leite materno para o bebê, associado à importância do mesmo para a mãe. Para o bebê, no sentido de contribuir para o desenvolvimento e crescimento saudável, uma vez que o mesmo está exposto a diversos riscos, pois como não existe ambiente especifico, o convívio com outras detentas possibilita contato com diferentes patologias e principalmente com as decorrentes de distúrbios respiratórios, uma vez que as apenadas fazem uso indiscriminado de cigarros, acarretando danos a saúde do concepto. Cabe salientar que se trata de uma situação extrema, pois o que é garantido em lei não se cumpre na realidade do sistema prisional brasileiro fato este que ratifica do sistema penitenciário do nosso País.

Em relação aos aspectos positivos da amamentação para mulher, dispõe para as apenadas que o ato de alimentar a criança exclusivamente ao seio implica em ações favoráveis para recuperação no pós parto, como a involução uterina, que garante proteção quanto aos riscos de hemorragia, sendo esse fato relevante, já que as mesmas indispõem de cuidados familiares no cárcere. Outro fator apreciado durante as informações dispensadas a essas mulheres é a contracepção natural garantida pela amamentação exclusiva ao seio, pois as mesmas têm o direito à vista intima com seus parceiros, o que chama atenção para o aconselhamento em relação ao planejamento familiar.

Os cuidados com a higienização das mamas também são repassados para as nutrizes, objetivando prevenir as infecções mamárias, rachaduras e fissuras que podem comprometer a saúde da mulher e por ventura impossibilitar o provimento de leite à criança. As detentas são orientadas a realizar limpeza do mamilo apenas com o leite oriundo do próprio seio, bem como realizar a lavagem das mãos antes de oferecer o seio à criança.

A ‘’pega correta’’ alia-se às orientações ofertadas às detentas que amamentam. Recorre-se a realização de “técnicas” no próprio consultório, de forma a permitir a mãe que execute o ritual do posicionamento e pega do bebê ao seio de forma adequada, pois a observação da mamada permite que a equipe de saúde atue de forma direta no sentido de identificar em qual momento a mãe necessita de ajuda, possibilitando a eficácia no processo de amamentar.

Conclusão

O leite materno é o alimento primordial para o crescimento e desenvolvimento de uma criança, sendo também por meio da amamentação que se efetiva o vinculo entre mãe-filho.

O direito a amamentar é cabível a mulher em qualquer situação, mesmo esta se encontrando privada de sua liberdade. Corroborando para que isso de fato torne-se possível, existe o arcabouço jurídico constitucional e infraconstitucional que presa pela efetividade dessa ação, muito embora a realidade mostre incoerência quanto à garantia das peculiaridades a cerca da digna amamentação no sistema prisional.

Por meio desse estudo, identificou-se a real importância tanto para a criança quanto para a nutriz da efetividade do processo de amamentação no cárcere, uma vez que a incidência de mulheres no ambiente prisional constitui condição sine qua non para que os órgãos competentes atentem para o provimento de ambientes adequados para a realização do cuidado da mãe para com o filho na prisão, não se tratando apenas da legitimidade dessas ações, mas assistindo a díade mãe-filho como sujeitos de direito referidos na Constituição, na Lei de Execução Penal, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nessa perspectiva, infere-se que a atuação de profissionais da saúde, em especial dos enfermeiros, atentos a realidade da mulher inserida no ambiente prisional, aliado à amamentação no cárcere, contribui de forma positiva para atenuar as entrelinhas que assolam a expectativa da vivência do processo de amamentar no sistema carcerário.

 

Referências
BARRERA, M.M.G.R. Vantagens para mães. Como e porque amamentar. [Monografia]. Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2007. cap. 2, p. 2-22.
BRASIL. Constituição (1988). Texto consolidado até a Emenda Constitucional nº 52 de 08 de março de 2006. Brasília, DF, Senado, 1988.
______. Regras mínimas para o tratamento dos presos no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 1995.
______. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jul. 1984.
________. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990: Estatuto da criança e do adolescente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1990.
KING, F.S. Como ajudar as mães a amamentar / F. Savage King; Tradução de Zuleika Thomson e Orides Navarro Gordon. 4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
LANA, A.P.B. Leite Materno: como mantê-lo sempre abundante. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2008.
OLIVEIRA, V.S. Presidiária do Amapá: percepção sobre a importância de Amamentar. Macapá, v. 1, n. 2, p. 127-141, 2011.
QUADROS, P. O.; SANTA RITA, R,P.Amamentação: direito da mãe ou da criança? Um olhar sobre as práticas do encarceramento feminino.Tese(Relativa ao Bloco Temático 3-Direito à vida, à saúde e a condições dignas de sobrevivência). Florianópolis (SC), 2008.
REGO, J.D. Aleitamento materno. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2006.
RIOS, G.S; SILVA, A.L. Amamentação em presídio: estudo das condições e práticas no Estado de São Paulo, Brasil. BIS, Bol. Inst. Saúde, v.12, n.3,  2010.
TOMA, T. S.; REA, M. F.Benefícios da amamentação para a saúde da mulher e da criança: um ensaio sobre as evidências.Cad. Saúde Pública, v.24, n.2, 2008.
 
Nota:
[1] Trabalho orientado pela Profa. Fernanda Maria de Jesus Sousa Pires de Moura. Enfermeira. Bacharel em Direito. Doutoranda em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas.


Informações Sobre os Autores

Éricka Maria Cardoso Soares

Acadêmica de Enfermagem na Universidade Federal do Piauí.

Augusto Everton Dias Castro

Acadêmico de Direito no Centro de Ensino Superior do Vale do Parnaíba. Acadêmico de Enfermagem na Universidade Federal do Piauí


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