Renato Andrioli Jr
Resumo: Este artigo objetiva examinar os limites da soberania sob a perspectiva do Direito Internacional do Meio Ambiente. Com base em revisão bibliográfica e doutrinas jurídicas existentes, parte-se da análise de perspectivas gerais e origem do que se denomina Direito Internacional do Meio Ambiente, na continuação, a peça acadêmica procura tecer considerações sobre o meio ambiente visto como valor comum da humanidade e objeto de interesse dos entes membros da sociedade internacional; dadas estas considerações fica possível estabelecer as bases sobre o que viria a ser a tutela do meio ambiente comum a Estados soberanos, o que viabiliza o aprofundamento da discussão sobre a soberania no âmbito do Direito Internacional do Meio Ambiente, Direito Internacional e Direito Ambiental Interno, passando às considerações finais.
Palavras-chave: soberania, Direito Internacional, Direito Internacional do Meio Ambiente, Direito Ambiental, soberania nacional.
Abstract: This piece aims at examining the limits of sovereignty under the perspective of International Environmental Law. Based on the existing bibliography and doctrine, this academic piece starts looking at the origins of the so called International Environmental Law, next, focuses at bringing considerations on the environment seen as a common value of mankind and object of international community’s interest; with this background being given, it makes possible to cast light upon the protection of the communal sovereign States environment and look deeper into the sovereignty under the lenses of international Environmental Law, International Law and Brazilian Environmental Law, concluding the written piece with the final considerations.
Keywords: sovereignty, International Law, International Environmental Law, Environmental Law, national sovereignty.
Sumário: Introdução. 1. O Direito Internacional do Meio Ambiente. 2. O Meio Ambiente como Valor Comum da Humanidade. 3. A Tutela do Meio Ambiente Comum a Estados Soberanos. 4. A Soberania Estatal. 5. A Soberania no Direito Internacional. 6. A Soberania no Direito Internacional do Meio Ambiente. Conclusão. Referências
Introdução
Inegável é o fato de que o bem ambiental vem, nos últimos anos, e mais ainda recentemente, ganhando relevância nas discussões no âmbito do direito interno, internacional e internacional do meio ambiente. É verdade que passamos por uma situação de “interregno”[1]. O que alguns estudiosos definem de “crise ambiental” gera bastante insegurança quanto ao futuro do meio ambiente como receptáculo da vida humana, vislumbram especialistas que o planeta pode se tornar ambiente hostil para a vida humana na nova era geológica em que vivemos, que nasceu, diga-se de passagem, por causa da intervenção do homem na natureza, o período Antroproceno. (ARAGÃO, 2015).A situação se agrava, quando nossas florestas tropicais sofrem queimadas e devastação e a repercussão alcança a sociedade internacional acarretando implicações na seara da Diplomacia Ambiental. Declarações recentes do presidente da França, despertaram questões e fomentaram o debate sobre os limites da soberania dos Estados frente ao dano ambiental, o que será visto em mais pormenores nas próximas linhas. A reflexão se faz, mais do que necessária, no âmbito de um ordenamento relativamente novo, como veremos adiante, como é o caso do Direito Internacional do Meio Ambiente que compartilha das bases e princípios do Direito das Gentes de cujas leis, que regulam o bem ambiental, têm força cogente branda dado aos vários interesses postos à mesa quando a questão é se discutir usos, proteção, preservação, exploração e conservação do bem ambiental. (LEITE, SILVEIRA e ROSA, 2018).
Matéria que circulou, sob a manchete “A Amazônia, bem comum universal” no editorial do Le Monde, jornal de grande relevância no ambiente internacional afirmou que “a multiplicação alarmante dos incêndios na floresta amazônica não concerne somente ao Brasil, que abriga 60% dela, mas a todo o planeta, pois que é parte integrante do regramento global do sistema climático”[2] (LE MONDE, 2019). A informação veio à tona após a declaração do presidente da França Emmanuel Macron no mesmo sentido. Tais afirmações despertaram discussões quanto à tutela do bem ambiental amazônico e também quanto à soberania do Brasil no que se relaciona ao bioma amazônico espraiado em seu território. Este escrito objetiva analisar a Amazônia como bem ambiental com vistas no Direito Internacional do Meio Ambiente e colocar a soberania dos Estados em perspectiva no que diz respeito à tutela do bem ambiental contido em seus territórios. Para tanto analisaremos aspectos fundantes do Direito Internacional do Meio Ambiente, passando pela conceituação do bem comum ambiental a fim de procurar entender melhor como ele se apresenta e quais os limites das soberanias dos entes da sociedade internacional na tutela, conservação e exploração destes referidos bens.
Embora as principais fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente sejam principalmente as normativas editadas a partir das conferências e convenções internacionais, seguidas pelas fontes jurisprudenciais e doutrinárias, para iniciar os debates em torno do bem ambiental no âmbito do Direito Internacional do Meio Ambiente, recorreremos à contribuição de Francisco Rezek (2011) que nos ensina que cada Estado subordina-se a normas convencionadas quase sempre multilaterais. Também explica o autor que isto se dá pela interdependência dos entes da sociedade internacional no que se refere ao bem ambiental, uma vez que um dano ambiental que aflige um Estado muito provavelmente tenderá a repercutir em outros Estados quando não no conjunto de todos eles. Como é o caso das florestas tropicais, em especial a, floresta amazônica que representa um vinte avos da superfície do planeta, é habitat de 1,8 milhão de espécies de plantas, animais, micro-organismos e engloba um terço da área tropical além de representar a maior biodiversidade do mundo onde se pode encontrar a bacia hidrográfica mais importante do planeta contendo 17% de toda água doce existente na Terra (BEZERRA, 2012).
Também aponta Rezek (2011) que os regramentos relacionados ao meio ambiente estabelecidos no plano internacional, assim como as normas hoje vigentes no que concerne à economia e ao desenvolvimento correspondem a direitos humanos de terceira geração. Ressalva o autor, entretanto que estas normas, têm status de soft law, uma terminologia empregada no Direito das Gentes para se referir a leis que não têm imperatividade, antes porém, figuram como ‘diretrizes’, ‘recomendação de prática’. Varella (2009) entende que o Direito Internacional do Meio Ambiente é constituído pelo conjunto de normas e princípios que regulam a proteção da natureza na esfera internacional, também explica que o referido diploma não cuida somente de assuntos relacionados à poluição transfronteiriça ou mudanças climáticas que são temas que podem atingir mais que um Estado simultaneamente, mas que também tem por objeto olhar para elementos de proteção da natureza no âmbito interno dos Estados. Isto ocorre, segundo ele, por causa da preocupação global com a tutela do bem ambiental independentemente do território geográfico onde ele se encontre. Para este autor, diferentemente do que aponta Rezek (2011) sobre a imperatividade da normativa em âmbito internacional, não se pode determinar o “nível de cogência” das referidas normas, ademais, aponta como características de Direito o fato de haver uma profusão de normas de diferentes níveis e características, produzidas por múltiplas fontes sobre os mesmos assuntos embasadas, ora numa lógica antropocêntrica, ora biocêntrica, e conclui que todo este cenário “contribui à formação de um direito de predeterminação difícil” para o qual “não existe uma instituição coordenadora, mas uma profusão de instituições que regulam vários acordos internacionais de maneira heterogênea. Dessa maneira, tem-se um direito de delicada implementação prática, principalmente no tocante aos países menos preparados’. Sobre o nascimento do Direito Internacional do Meio Ambiente aduz que começou a surgir entre os anos 50s e 60s quando surgiram normas no âmbito do Direito Internacional Público estabelecendo parâmetros para o tema do meio ambiente; altas taxas de crescimento populacional, melhoria das condições sanitárias, o desenvolvimento da medicina, o uso em grande escala dos recursos ambientais, destruição de vários ecossistemas em todo o mundo, a chegada do homem à Lua que permitiu a visualização do planeta como uma estrutura frágil, o prenúncio do esgotamento de recursos biológicos e energéticos fazem parte dos fatores que contribuíram para o fortalecimento do que hoje, na doutrina, se denomina Direito Internacional do Meio Ambiente.
Ressonante em vários teóricos da doutrina como Rezek (2011), Maljean-Dubois (2009), Verella (2009) e Bezerra (2012) para citar alguns, devido ao fato de as normativas se enquadrarem na categoria de soft laws, que são leis com baixo poder vinculante, como vimos anteriormente e à grande complexidade e variedade de interesses envolvendo o bem ambiental é que se torna difícil a implantação de regras bem definidas. Dos autores citados aqui, pelo menos dois deles – Varella (2009) e Maljean-Dubois (2009) – atribuem também à profusão normativa. De modo, que este novo ramo do Direito, que é o Direito Internacional do Meio Ambiente, representa um desafio para a técnica jurídica no sentido do que se busquem técnicas específicas e efetivas de sua implementação.
O Direito Internacional do Meio Ambiente partilha das mesmas dificuldades próprias à ordem jurídica Internacional, que se define no fato de não ser a estrutura jurídica internacional uma hierarquizada, a sociedade internacional funciona numa estrutura de entidades soberanas justapostas. Na ordem jurídica internacional os Estados, seus principais atores, estão encarregados da execução do Direito, estes mesmos Estados são livres para aderir ou não a uma normativa, i.e., aceitar uma norma externa na qual se autolimitarão, ou, simplesmente não aceitá-la. Para Maljean-Dubois (2009), o voluntarismo dos entes da sociedade internacional tem grande participação para o fracasso no reconhecimento do meio ambiente como “valor comum da humanidade inteira cuja preservação é da responsabilidade da comunidade internacional no seu conjunto” (MALJEAN-DUBOIS, 2009, p. 102). Rezek (2011) explica que na tradição doutrinária a expressão domínio público internacional serve para designar espaços pelos quais se interessa mais de um Estado, se não todos, entretanto, enfatiza que para que uma circunscrição qualquer do planeta seja juridicamente entendida como de ‘domínio público internacional’ é preciso que haja uma disciplina normativa regulando-a. Esclarece Maljean-Dubois (2009) que elaborar regramento sobre o meio ambiente, bem de interesse geral da comunidade internacional também significaria uma responsabilização subjetiva e consequentemente aceitação de obrigações supraestatais que prevaleceriam sobre os interesses individuais.
No que se refere ao reconhecimento do bem de ‘domínio público internacional’ temos os continentes gelados do Polo Norte e Antártica que são objeto de regulação do Direito das Gentes, o primeiro deles pela distância, clima, precariedade de recursos biológicos e porque se constitui de água marinha perenemente congelada conta com tratamento jurídico modesto, já que não desperta o interesse da comunidade internacionalsenão por ser um corredor aéreo alternativo para encurtar distâncias nas rotas aéreas percorridas desde a Europa até países do extremo oriente, ademais subjaz à massa congelada o alto mar. Não ocorre o mesmo com a Antártica, já que o continente de superfície gelada é uma grande ilha que se espraia por todo o círculo polar antártico. No caso deste continente diversas pretensões de diversos Estados tomaram corpo dos debates do direito internacional e originaram, dentre outras, quatro teorias principais. A teoria dos setores, que visava dividir o continente em inúmeras fatias triangulares resultantes da projeção não só de litorais relativamente próximos, mas também de alguns outros situados a grandes distâncias como é o caso do México e do Paquistão. A teoria da descoberta, invocada por países de tradição navegatória como a Grã-Bretanha e a Noruega; a teoria do controle do litoral antártico invocada pelos Estados Unidos e a teoria da continuidade da massa geológica aventada pela Argentina. Firmou-se o Tratado da Antártica (1959) que entrou em vigor em 1961. Seus signatários à época foram a Argentina, o Chile, a Austrália, a Noruega, a França, o Reino Unido, os Estados Unidos e a União Soviética, vindo o Brasil a nele ingressar mediante adesão em 1975. O tratado, deixa claro que nenhum dos países signatários renuncia suas pretensões de domínio sobre parte do continente e nem reconhece pretensões alheias. O tratado estabeleceu apenas a não militarização do continente que só deve ser utilizado para fins pacíficos, como a pesquisa científica e a preservação de recursos biológicos, sendo proibido o estabelecimento de bases ou fortificações, manobras militares, testes com armas de qualquer natureza e o lançamento de resíduos radioativos.
O que se tem hoje, como forma de tutela ambiental na seara internacional é o regramento, ao qual os Estados aderem ou não, que vincula os Estados à obrigação de empenhar seus cuidados e diligências para evitar a ocorrência de dano ambiental, o que acaba por eximi-los de responsabilidade pela autoria do dano propriamente dito dentro de seu território (SADELEER, 2009).
Embora a ideia de bem ambiental comum não esteja claramente nem imperiosamente positivada no ordenamento internacional não se pode negar que o valor do bem ambiente interessa a todos os habitantes do planeta e não é diferente na sociedade internacional. Há, no que tange às iniciativas que visam a tutelar o bem ambiental em comum, a necessidade de que haja uma cooperação entre os Estados, isto se dá dentro do Direito Internacional do Meio Ambiente com base nos institutos tradicionais do Direito Internacional Público e conta os Estados e as organizações internacionais intergovernamentais como principais partícipes para proteger e garantir a preservação do bem ambiental (VEIGA, 2017). Em que pesem as críticas acerca do Direito Internacional do Meio Ambiente, é ele que se apresenta, como instituto apto para regular, controlar e responsabilizar por danos ao meio ambiente. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) contou com a presença de cento e setenta e oito delegações nacionais, cento e dezessete delas lideradas pelo próprio chefe de Estado ou de governo; dela resultaram duas convenções sendo uma sobre mudanças climáticas e outra sobre a diversidade biológica, duas declarações, sendo uma geral e outra sobre florestas, além de um amplo plano de ação que se chamou de Agenda 21.
Outro exemplo de como a tutela do meio ambiente demanda cooperação entre pares na comunidade internacional é o Tratado de Cooperação Amazônica – TCA (1978), o acordo assinado pelas países que abrigam a floresta tropical amazônica objetiva “conjugar esforços para o desenvolvimento harmônico da Amazônia, com equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente (MINISTÉRIOS DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2019), é um bloco sócio-ambiental formado pelo Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Este grupo de países buscou, com a assinatura do Tratado, fortalecer a cooperação regional como meio para alcançar objetivos de desenvolvimento em comum. Um exemplo de sua atuação em conjunto foi o que aconteceu na Conferência de 1992, que também é conhecida como Rio+20, sobre o que emprestamos de Rezek (2011), as palavras, para ilustrar,que disse que “em traços muito sumários, o binômio (desenvolvimento e preservação) resultava de uma justificada resistência dos países em desenvolvimentoa que o tema ambiental fosse tratado de modo singular, como se todos os povos, havendo já prosperado, pudessem entregar-se com igual fervor aos cuidados do meio ambiente. Reconhecendo implicitamente as próprias culpas por quanto havia custado à saúde do planeta sua prosperidade, os países pós-industriais não se opuseram a essa forma de tratamento da matéria. (RESEK, 2011, p.281)”. Nas considerações de Rezek (2011), ‘países em desenvolvimento’ incluiu o bloco de cooperação dos países do TCA, também conhecidos como países ‘pan-amazônicos’.
Surge dos movimentos de cooperação internacional o inevitável debate em torno da soberania e são as seguintes questões que se apresentam: há que se falar em limitação, divisão ou alienação das soberanias estatais frente aos acordos de cooperação no âmbito da comunidade internacional? A inabilidade de um Estado em tutelar seu bem ambiental evitando-lhe danos serve como motivador para que a comunidade internacional intervenha a despeito de sua soberania? São questões sobre as quais, doravante, nos debruçaremos com o intuito de esclarecer.
A soberania dos Estados pode classificada como um conceito político-jurídico relacionado à circunscrição do poder, no Direito Internacional, como “exclusividade de jurisdição de um Estado em seu território” (MACHADO, 2007). O termo se consolidou no âmbito jurídico a partir das conceituações de Jean Bodin (1530-1596) e significa poder absoluto de uma República, desde Bodin, a matéria foi examinada também por outros nomes importantes dentro das ciências sociais, política e do direito como Jean-Jacques Rousseau e Hobbes. A questão da soberania vem ganhando destaque no Direito Internacional do Meio Ambiente, em face, da crise ambiental pela passamos no planeta. Os estudiosos do tema, em sua grande maioria concordam que a soberania é inalienável, indivisível, imprescritível, perpétua e absoluta. Há alguns, entretanto que pensam diferente no que se refere a inalienabilidade e indivisibilidade em face dos acordos de cooperação e tratados, pois para estes, a soberania se divide ou é transferida para entes autorizados pelos Estados para intervir em seus territórios, entretanto, ficamos com a corrente majoritária que entende que ao assinar um tratado ou participar de um acordo de cooperação ou definir ações em comum os Estados signatários não transferem nem dividem seu poder soberano vez que podem retirar-se dos acordos quando desejarem e quando se vinculam a ele, o fazem deliberadamente. Ademais, ainda que se submetam à normativas estabelecidas internacional o fazem também porque assim desejam. (SILVA, 2014; MACHADO, 2007 e OLIVEIRA, 2015). A soberania de um Estado pode ser interna e externa, é interna quando definida pelo Direito Público Interno de soberania nacional e significa que o Estado tem o poder exercido por meio da edição de leis e de ordens direcionadas a todos os indivíduos que habitam seu território e não pode ser limitada por nenhum poder, já a soberania externa se relaciona ao Direito Internacional e significa que o Estado é livre para pautar compromissos que assume em âmbito internacional numa relação recíproca onde há igualdade, respeito e não dependência. Ademais, a soberania também é considerada elemento constitutivo do Estado juntamente com seu território, povo e governo, pois estes três elementos sós, sem soberania, não podem, denominar-se Estado (REZEK, 2011).
A Carta da ONU diz no artigo 2, §1º que a organização se baseia no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros, a carta da OEA, em seu artigo 3, alínea f, define que a ordem internacional se constitui essencialmente pelo respeito à personalidade, soberania e independência dos Estados, além disso, em toda a jurisprudência internacional onde encontramos a Corte de Haia, não faltam inúmeras afirmações no sentido de que a soberania e a igualdade soberana regem a convivência. O professor Miguel Rale (1960 apud OLIVEIRA, 2005) a definiu como “o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões, nos limites dos fins éticos de convivência” atribuindo à soberania um valor ético.
No que diz respeito ao meio ambiente, há uma necessidade de cooperação entre Estados, vez que um dano ambiental, não raro, não vê fronteiras entre Estados, o Direito Ambiental do Meio Ambiente se funda no Direito Internacional Público e conta com os Estados e as organizações internacionais intergovernamentais para regular a relação entre seus sujeitos e o meio ambiente, a normativa internacional do meio ambiente visa garantir a preservação e proteção do bem ambiental (VEIGA, 2017). Também, se trata de um dos princípios fundamentais do Direito Internacional do Meio Ambiente o princípio da exclusividade jurisdicional do Estado em seu território que prevê as garantias das atividades dentro de sua jurisdição sem prejudicar outros Estados. Assim, embora seja pacífico que o bem ambiental é de interesse de todo o planeta, também é pacífico na comunidade internacional que o Direito Internacional do Meio Ambiente é o meio apto para regular as relações sem violar a soberania dos Estados.
A importância das conferências internacionais é reconhecida por toda a sociedade internacional. Como vimos anterioremente a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992)teve repercussões importantes no âmbito internacional do meio ambiente. Inclusive foi nessa convenção que ocorreu a edição da Declaração sobre o meio Ambiente e Desenvolvimento que entre outras coisas definiu em seu Princípio 2, o seguinte: “Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e de desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sus jurisdição ou seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.” (DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE O MEIO AMBIENTE, 1992)
Em âmbito interno a Lei n. 6.938/81 que define as bases da política nacional do meio ambiente objetivou a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental com vistas a assegurar também o desenvolvimento socioeconômico no Brasil sem deixar de lado os interesses da segurança nacional. À época o conceito de segurança nacional formulado pelas Forças Armadas tinha enunciado no artigo 2º da Lei Federal 6.620/78, revogada mais tarde pela lei 7.710/83 que definia segurança nacional como “o estado de garantia proporcionado à Nação, para a consecução de seus objetivos nacionais, dentro da ordem jurídica vigente”. Os critérios constitucionais apareciam expressos entre os artigos 86 a 89 da Carta de 1969 e atribuíam à União (artigo 8º) a tarefa de “planejar e promover” o desenvolvimento da segurança nacional. Obviamente a proteção dos bens ambientais e a proteção da dignidade da vida humana (artigo 2º da Lei 6.938/81) estavam adaptados aos interesses do Conselho de Segurança Nacional estruturado juridicamente pela EC n. 1/69. Note-se que os recursos ambientais, já entendidos nesta época como a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora (artigo 3º, V, Lei, 6.938/81) tinham sua natureza jurídica orientada pelo artigo 8º, XVII alíneas “c”, “h” e “i”, que os definia como “bens de absoluto uso, gozo e fruição do Estado”. Entretanto com o restabelecimento da democracia, os bens ambientais passaram a ser entendidos como de uso comum do povo e a Política Nacional do Meio Ambiente passou a ser interpretada sob a perspectiva da existência de um Estado Democrático de Direito.
Fundamentado pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana e pelos valores sociais do trabalho e livre iniciativa o novo sistema constitucional consagrou a interpretação da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) em seus artigos 225 e 23, VI e VII; assim vejamos:“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Como se pode ver, a ideologia do novo diploma aponta para a dignidade da pessoa humana como o mais importante vetor interpretativo, pois a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental passaram a ser objetivos destinados à tutela de uma vida digna da pessoa humana com vistas a assegurar as condições necessárias para o desenvolvimento sustentável observando os interesses de uma segurança nacional compatível com o Estado Democrático de Direito. Do artigo supracitado também se depreende que os recursos ambientais, como “bens de uso comum do povo” devem guardar compatibilidade com o novo conceito de segurança nacional, fundamental para assegurar na democracia não somente os interesses de brasileiros e estrangeiros residentes no País, mas também, adaptado à defesa dos bens ambientais postos como bens diretamente relacionados à nossa soberania nacional (CF, Art. 1º, I), independência (CF Art. 4º, I) e a defesa do próprio Estado Democrático de Direito (CF. Art. 1º, caput). Tanto é assim, que o diploma constitucional estabeleceu a criação do Conselho Nacional de Defesa Nacional (CF. Art. 91), que é o órgão de consulta do Presidente da República sobre assuntos relacionados com a soberania nacional como a defesa do Estado Democrático e o estabelecimento de “critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional (…) seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo” (CRFB, 1988, Art. 91, §1º, inciso, III), o que indubitavelmente, inclui os recursos ambientais.
Conclusão
Segundo que foi apresentado foi possível identificar a relevância da discussão em torno do bem ambiental o que vem ganhando espaço nos últimos anos e resultou no surgimento do Direito Internacional do Meio Ambiente, vimos aspectos importantes deste relativamente novo diploma jurídico que tem por fim regular as relações entre a sociedade internacional e o meio ambiente, identificamos que há consenso entre os autores pesquisados que a questão da cogência branda das leis no que se relaciona ao regulamento em torno do bem ambiental é parte da problemática envolvendo a proteção do meio ambiente. Também foi possível notar que há entre o Direito Internacional do Meio Ambiente e o Direito das Gentes instrumental em comum para a gestão jurídica de seus bens como é o caso das normativas oriundas dos tratados, convenções e conferências além dos princípios nestas editados ratificados e aceitos em toda a comunidade.
Identificamos que se referir ao meio ambiente como bem comum universal significa antes tratar –se de um bem de interesse da sociedade internacional visando o equilíbrio planetário que ser entendido na acepção jurídica do termo que o coloca sob a responsabilidade e jurisdição de mais de um Estado soberano. Neste quesito que se refere à tutela do meio ambiente entendemos que cabe a cada Estado proteger e garantir a preservação do bem ambiental compreendido em seu espaço jurisdicional, foi possível também lançar luz sobre outros tipos de bens ambientais considerados ‘bens comuns’ como é o caso dos espaços ártico e antártico. Aprofundamos conhecimento sobre o Tratado de Cooperação Amazônica e vimos como países que partilham de um mesmo bem ambiental podem cooperar entre si para tutelar seu bem e defender sua soberania.
No que se refere à soberania, identificamos suas principais características e como ela é tratada no Direito Internacional e no Direito Internacional do Meio Ambiente que partilham dos mesmos princípios neste quesito. Finalmente trouxemos as discussões para o âmbito do Direito Interno brasileiro que defende a soberania nacional, dispõe de regulamento para proteger, preservar e defender seu bem ambiental e ainda se funda no princípio da Dignidade da Pessoa Humana e estabelece o conceito de bem ambiental de uso comum do povo. E concluímos finalmente, que dentro da discussão jurídica, não há que se falar em ameaça à soberania de Estado visto que esta se apresenta como um valor reconhecido, enaltecido, positivado e consagrado nos ordenamentos jurídicos internacionais e ante a sociedade internacional.
Referências
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BEZERRA, Joana. A Amazônia na Rio+20: as discussões sobre florestas na esfera interncional e seu papel na Rio+20. In: FGV. Cadernos EBAPE.BR. v. 10, no. 3, artigo 4. Rio de Janeiro. Set.2012.
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LEITE, José Rubens Morato, SILVEIRA, Paula Galbiatti e ROSA, Belisa Bettegada. A Evolução do Estado de Direito Ambiental para a Proteção da Natureza no seu Valor Intrínseco e Fundamental. In CUNHA, Belinda Pereira da; MELO, Melissa Ely e BRUZACA, Ruan Didier (orgs.). Direito, Ambiente e Complexidade: estudos em homenagem ao Ministro Herman Benjamin. Capítulo 4, Formato ePub. Jundiaí: Paco Editorial. 2018.
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES.Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Ministérios das Relações Exteriores. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/integracao-regional/691-organizacao-do-tratado-de-cooperacao-amazonica-otca> Acessado em: 29.08.2019;
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 13. ed. ver., aumen. e atual: São Paulo: Saraiva. 2011.
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VEIGA, Flávia Lana Faria da.Principio da soberania permanente sobre os recursos naturais: os limites do Direito Ambiental Internacional. Virtuajus – Belo Horizonte, v.13, n.1, p. 472 – 495 – 1º. sem. 2017.
[1] Interregno é um termo originado do latim interregnum para designar um estado de “sede vacante”, empregado no texto figurativamente para definir um momento no tempo em que a problemática é conhecida, mas sua solução ainda é por vir.
[2] As citações atribuídas ao Jornal “Le Monde” foram traduzida para português em tradução livre realizada pelo autor do artigo.
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