Resumo: O texto faz uma análise da figura do amicus curiae e sua regulamentação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015. A origem, conceito, a natureza jurídica e quais são os limites e os direitos que o abarcam, com especial análise do artigo 138 do Código de Processo Civil.
Palavras-chave: amicus curiae; processo civil.
Abstract: The text analyzes the figure of the amicus curiae and his regulation brought by the Code of Civil Procedure of 2015. The origin, concept, legal nature and the limits and the rights that cover it, with special analysis of article 138 of the Code of Civil Procedure.
Keywords: amicus curiae; civil procedure.
Sumário: Introdução. 1. Origem. 1.1 Amicus curiae no direito estrangeiro. 1.2 Amicus curiae no direito brasileiro. 2. Amicus curiae no Código de Processo Civil. 2.1 Natureza jurídica. 2.2 Conceito. 2.3 Condições subjetivas do sujeito interveniente; 2.4 Condições objetivas – requisitos que autorizam a admissão do amicus curiae. 2.5 Cabimento formal e momento da intervenção. 2.6 Irrecorribilidade da decisão que aprecia o ingresso do amicus curiae. 2.7 Interesse institucional do amicus curiae.
INTRODUÇÃO
A tradução literal da expressão latina amicus curiae para a língua portuguesa é “amigo da Corte”. Porém, no direito brasileiro não se encontra a participação no processo de figura que atue como um “amigo” da Corte. É mais adequado indicar e denominar o amicus curiae como um representante de interesses moral e institucional e que atuará como um colaborador do juízo, fornecendo subsídios, prestando informações e esclarecimentos em causas de matéria relevante ou que permeiam temas complexos que demandam conhecimentos específicos.
Oriundo do direito anglo-saxônico, o amicus curiae possuía conhecimento jurídico, auxiliando o juízo com matérias especificas do direito. Com o tempo, passou a atuar em prol de interesses públicos, auxiliando com o fornecimento de informações de modo geral.
No ordenamento jurídico brasileiro, foi com a legislação da regulamentação do processo e julgamento de ações de controle de constitucionalidade (Lei Federal 9.868/99) que o instituto foi recepcionado como de fato é o amicus curiae. Admitiu-se a intervenção de terceiros com representatividade, órgãos ou entidades, nas ações de controle de constitucionalidade para manifestarem em causas de matéria relevante.
Com o Código de Processo Civil de 2015, o amicus curiae foi regulamentado como um todo, admitido em qualquer processo, independentemente do rito ou fase, desde que preenchidos os pressupostos previstos no artigo 138.
Sem precedente no Código de Processo Civil de 1973, o instituto do amicus curiae passa a integrar uma das formas de intervenção de terceiro prevista no atual Código de Processo. Trata-se de um instituto que possui raiz democrática, ao permitir que um terceiro, pessoa jurídica ou física, possa intervir no processo para servir como fonte de conhecimento, a fim de melhor subsidiar a decisão final.
1. ORIGEM
Amicus curiae é uma expressão do latim que significa na tradução literal “amigo da corte”. É uma figura antiga no direito. Ao que consta, surgiu no direito romano, mas a figura se desenvolveu no direito inglês medieval. Porém, a origem do instituto é controversa entre os doutrinadores.
No direito romano existia a figura do consilliarius romano, que eram recrutados pelos magistrados e também pelos juízes populares para emitirem a sua opinião acerca do caso concreto. Esta figura somente poderia intervir no processo mediante convocação do magistrado e assumia obrigatoriamente uma posição neutra.
A função do amicus curiae no direito romano era a de um colaborador neutro dos magistrados nos casos em que sua resolução envolvia questões não estritamente jurídicas, além de atuar no sentido de os juízes não cometerem erros de julgamento. [1]
Por sua vez, no direito inglês, desde à origem, o amicus curiae poderia comparecer espontaneamente perante o juízo e fornecer elementos de acordo com o seu próprio convencimento, sem a obrigatoriedade da neutralidade.
Esta característica da intervenção espontânea e liberdade de atuação do amicus curiae que, segundo Giovani Criscuoli, citado por Scarpinella Bueno[2], diferencia da figura adotada pelo direito romano. A atuação do consilliarius, individualmente (como “iuris peritus”) ou como componente do consilium, era marcada basicamente por duas notas principais: sua intervenção dependia de convocação do magistrado e seu auxílio era prestado de acordo com o seu próprio e livre convencimento, observando os princípios do direito. [3]
Frank Covey Jr.[4] entende que o consilium, que seria um oficial da Corte Romana indicado pelo juiz para auxiliá-lo em eventuais pontos sobre os quais subsistisse dúvida, não poderia agir de ofício, ou por sua própria vontade, como deve fazer o amicus curiae. Além disso, aquele poderia atuar contra réu criminal, ao passo que este último jamais poderia fazê-lo. No entanto, apesar destas diferenças, o autor menciona que ainda assim, tais diferenciações não poderiam ser preclusivas da possibilidade de que esta prática do consilium fosse, de fato, a fonte primeira do instituto que ora se debate.
Entretanto, com a função de auxiliar a corte no esclarecimento de questões de modo a qualificar as decisões, não há como negar aos ‘conselheiros’ a figura de amicus curiae no direito romano. Afinal, não era advogado e nem parte. A atuação desinteressada e a intervenção por convocação não retiram a característica principal do instituto que é a de fornecer subsídios ao julgador para possibilitar uma decisão mais justa.
De todo modo, o instituto se desenvolveu e sistematizou no direito inglês, com o formato que se solidificou e expandiu para outros países. Assim, é possível concluir que a figura no direito inglês é uma derivação do que já existia no direito romano.
Historicamente, o amicus curiae participava do processo apontando precedentes jurisprudenciais não mencionados pelas cortes ou ignorados pelo julgador, atuando em benefício de menores, chamando a atenção do juízo para certos fatos, como o erro manifesto, a morte de uma das partes, o descumprimento do procedimento correto ou a existência de norma específica regulando a matéria. Cumpria o papel de auxiliar, informar e assessorar o juízo, sem manifestar interesse direto para a vitória de uma das partes da relação processual.
Com o tempo, o instituto passou gradativamente a deixar de ser instrumento de um terceiro desinteressado para assumir uma função mais comprometida. O amicus curiae passou a assumir uma função mais parcial e interessada. O interesse, neste caso, possui o sentido de pertencer a uma coletividade. Com o aprimoramento do instituto, nos dias de hoje temos que o amicus curiae é um instrumento de participação em processos cuja questão discutida possua relevância social e interesse público, ainda que se trate de um processo individual. Assim, a importância da causa deve superar o interesse exclusivo das partes que litigam no processo. Não obstante, nos Estados Unidos, não está no regulamento do instituto a exigência da relevância social da questão debatida, muito embora a presença do interesse coletivo ou social constituam o pano de fundo mais comum para a atuação do amicus curiae.
1.1 Amicus curiae no Direito Estrangeiro
No direito inglês, o desenvolvimento do instituto deu-se muito pelo sistema adotado da Common Law, no qual as decisões jurisprudenciais vinculam os casos semelhantes que venham a ocorrer no futuro. Forma-se, portanto, o precedente que tem força judicial para produzir efeitos em futuros processos da mesma natureza. Daí a importância da atuação do amicus nos casos em que as decisões podem afetar o coletivo, ainda que se trata de um litígio particular, permitindo-se que sejam trazidos ao processo elementos relevantes para uma decisão mais justa.
As peculiaridades do Common Law fizeram com que o instituto ganhasse tratamento em outros países que adotam o mesmo sistema, como o Canadá, onde a regra n. 92 do Regimento Interno da Suprema Corte permite que o tribunal ou um de seus membros possa nomear um amicus curiae. Também na Austrália, onde ainda há carência de sistematização do amigo da corte, mas o instituto é aplicado mesmo sem previsão legal. [5]
No Direito inglês antigo, o amicus curiae atuava nos casos em que não houvesse questões de interesse governamental. Ele comparecia perante as Cortes como attorney general[6] e sua função era a de “apontar e sistematizar, atualizando, eventuais precedentes (cases) e leis (statutes) que se supunham, por qualquer razão, desconhecidos para os juízes”.[7] Desse modo, verifica-se que o amicus possuía um conhecimento jurídico, ou seja, tinha trato com as leis vigentes e precedentes, sendo que o seu auxílio ao juízo estava relacionado especificamente ao Direito.
Com o tempo, o amicus curiae passa a atuar em prol de interesses públicos ou para a tutela dos interesses da Coroa inglesa. Nesse sentido, a intervenção do amicus tem por objetivo fornecer esclarecimentos de modo geral, ainda que a questão versasse sobre matéria de direito.
O amicus curiae contribuiu para reduzir a dependência que os juízes tinham em relação às provas produzidas pelas partes, enriquecendo o contexto probatório trazido aos autos. A sua manifestação ocorre mediante o amicus curiae brief[8], documento em que apresenta informações fáticas e jurídicas para auxiliar o julgamento.[9]
Foi no direito norte-americano que o instituto do amicus curiae ganhou maior publicidade e repercussão, sendo posteriormente adotado por outros ordenamentos. Nos Estados Unidos, o Amicus Curie se encontra disciplinado pela Regra (Rule) nº 37 do Regimento Interno da Suprema Corte dos Estados Unidos. Admite-se a intervenção do amicus curiae desde que este traga à Corte matéria relevante, exercendo de fato a função de ajudar a corte.[10] Como já mencionado, não há a exigência de que a causa verse sobre matéria de repercussão social. Entretanto, sua participação somente é admitida nas Supremas Cortes e nos tribunais de apelação.[11]
Na regra norte americana, o requerente para intervir como amicus curiae tem o dever de apresentar o consentimento das partes envolvidas no litígio, inclusive se pretender fazer sustentação oral de seus argumentos. Em não havendo o consentimento das partes, o amicus curiae deverá juntar ao seu pedido de admissão as razões da não anuência, pois não é parte formal do processo. Contudo, independentemente do consentimento das partes litigantes, a Suprema Corte poderá admitir o ingresso do amicus curiae no processo, e ainda determinar uma audiência prévia com as partes para resolver a questão.[12]
No direito americano, o amicus curiae não assume a posição de neutralidade e de desinteressado. Ao contrário, age em auxílio de uma das partes.[13] Portanto, há o interesse do amicus curiae na decisão e na vitória da parte que almeja colaborar.
Na França, não obstante a ausência de previsão legal expressa, admite-se a participação do amicus curiae por orientação jurisprudencial, embasada no entendimento de que ao juiz cabe a livre investigação dos elementos do convencimento necessários para o proferimento da decisão.[14] No direito francês o instituto não está positivado, ou seja, não há um regramento das condições e requisitos de admissão. Está vinculado, ao que ilustra, ao juízo diretamente, e não às partes, exercendo a função de auxiliar o magistrado de forma desinteressada.
Nos mesmos moldes à jurisprudência francesa, o direito italiano admite o amicus curiae com fundamento na norma que concede ao juiz amplos poderes para dispor sobre os meios de prova, autorizando a intervenção de terceiros para esclarecimentos envolvendo questões debatidas na causa.[15]
Assim, mesmo nos ordenamentos do Civil Law e não obstante a inexistência de previsão legal, o amicus curiae está presente. Tanto na França como na Itália, a admissão do amicus curiae está relacionada à colaboração ao juízo, em benefício da Justiça, e não em interesse direto às Partes.
Portanto, a figura do amicus curiae pode assumir funções diferentes de acordo com ordenamento jurídico do país.
1.2 Amicus curiae no Direito Brasileiro
O instituto do amicus curiae não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Apesar de não ter sido denominado expressamente como amicus curiae nas leis esparsas, a situação jurídica descrita nas leis se identifica como casos de amicus curiae, uma vez que se extrai dos dispositivos um núcleo comum: permitir a colaboração de um terceiro, no intuito de prestar esclarecimentos e fornecer subsídios, sem que exerça ou titularize a posição de parte no processo.
A quem entenda que a intervenção que se enquadra na moldura geral de amicus curiae já estava presente desde a Lei 4.726/1965[16], que dispõe sobre o registro de empresas mercantis, revogada pela Lei 8.934/1994. Entretanto, discordamos, uma vez que o dispositivo desta lei prevê uma situação diversa[17], em que confere à Procuradoria a atribuição de fiscalizar, como legalmente é a sua função, e promover o cumprimento das normas, oficiando em feitos judiciais que envolvam matéria do interessa da Junta Comercial. O ato de intervir em feitos judiciais como fiscalizador não qualifica a dimensão do amicus curiae.
Por sua vez, a Lei Federal n.º 6.385/1976, que determina a obrigatoriedade da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para apresentar parecer ou esclarecimentos em processos judiciais que tratem de temas afetos à sua competência, aproxima-se das hipóteses de intervenção de amicus curiae.[18] A CVM é intimada após a contestação, e ao se manifestar nos autos (oferecendo parecer ou prestando esclarecimentos) será intimada de todos os atos processuais, sendo-lhe conferida legitimidade para interpor recursos, sem figurar no processo como parte.
Outras legislações em que há previsão de intervenção de terceiros: o art. 118 da Lei nº 12.529/2011, que indica a manifestação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) nos processos judiciais em que se discuta a aplicação da referida lei; a Lei nº 9.469/97 (art. 5º, parágrafo único), segundo o qual as pessoas jurídicas de direito público podem intervir nos processos judiciais cuja decisão possa ter reflexos (diretos ou indiretos) de natureza econômica; o art. 31 da Lei nº 9.784/1999 que admite a manifestação de terceiros no processo administrativo federal quando a matéria abranger assunto de interesse geral e não existir prejuízo para a parte interessada; a Lei 9.279/96 que impõe a intervenção obrigatória do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) nos casos em que se discute a nulidade dos registros de marcas e patentes.
A Lei Federal 9.868/99, que trata do processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, admitiu no controle de constitucionalidade a intervenção de terceiros (órgão ou entidades) para manifestarem em causas de matéria relevante e representatividade dos postulantes.[19]
Antes mesmo desta Lei, o Supremo Tribunal Federal já havia admitido a manifestação de órgão estatal sem integrar a relação processual, em ação de direta de inconstitucionalidade, de modo exclusivamente a colaborar com a corte.[20]
No mesmo sentido, mas já com o advento da Lei 9.868/99, no processo de julgamento da ADIn 2.223, foi permitida pelo Supremo Tribunal Federal a manifestação do amicus curiae no processo constitucional, mediante juntada de documentos e apresentação de novos argumentos, mas não foi autorizada a sustentação oral “considerando a relevância da matéria e a representatividade da postulante, admito a sua manifestação (artigo 7º, § 2º, citada Lei), que deverá ser juntada aos autos.”[21].
Em Mandado de Segurança, alguns julgamentos mais recentes admitiram a participação de amici curiae. No Recurso Extraordinário em Mandado de Segurança julgado pelo Tribunal Pleno do STF, por exemplo, o relator deferiu monocraticamente o pedido de manifestação do amigo da Corte e permitiu a apresentação de sustentação oral no julgamento pelo Plenário.[22] De acordo com o Enunciado n. 249 do FPPC: “A intervenção do amicus curiae é cabível no mandado de segurança”.
No tocante à participação do amicus curiae nas ações de controle de constitucionalidade, Cassio Scarpinella Bueno diz que o § 2º, art. 7º, da Lei Federal n.º 9.868/99, trouxe de novidade a alteração radical de perspectiva em que a questão pode e deve ser analisada. Não se trata de reconhecer que há, na ação direta de inconstitucionalidade, “direitos subjetivos” capturáveis ou fruíveis diretamente pelos interessados. Bem diferentemente, o que passou a ser admitido é que “terceiros” possam vir perante os Ministros do Supremo Tribunal Federal e tecer suas considerações sobre o que está para ser julgado, contribuindo, com sua iniciativa, para a qualidade da decisão.[23]
Assim, em questões de relevância social, como é o caso das ações de controle de constitucionalidade, a presença do amicus curiae tornou-se um meio de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.
Nas leis suscitadas da intervenção da CVM, INPI e CADE nas causas indicadas em respectivas legislações, é de se notar que não se trata de natureza idêntica ao amicus curiae previsto no CPC. Primeiro, há uma obrigatoriedade da intimação de tais órgãos nas causas definidas em suas respectivas leis. Ou seja, não há uma facultatividade, uma vez que se referidos órgãos não forem intimados, o processo poderá ser declarado nulo. Segundo, os poderes de atuação conferidos a tais órgãos são mais amplos, por exemplo, pode recorrer e produzir provas. Portanto, não possuem as mesmas características do amicus curiae.
Nesse sentido, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro entende que “a partir da vigência do novo Código, nas hipóteses previstas nas leis ora em estudo, a CVM, o INPI e o CADE não podem ser considerados como amicus curiae pela absoluta incompatibilidade entre a forma por meio da qual são admitidos, como também em decorrência dos poderes que exercerão no processo”.[24]
Outros dispositivos do CPC também tratam da intervenção de terceiros na qualidade de amicus curiae: o art. 1.038, inciso I e II, que permitem ao relator, no procedimento dos recursos extraordinário e especial repetitivos, considerando a relevância da matéria, “solicitar ou admitir a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia”, ou, mesmo, que tome “depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria” em audiência pública. No mesmo sentido: art. 1.035, 4º, que dispõe “o relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do regimento interno do STF”.
2. AMICUS CURIAE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
2.1 Natureza jurídica
O art. 138 do vigente CPC que dispõe sobre a forma e os requisitos do amicus curiae é o último artigo do Título da Intervenção de Terceiros. Logo, pela estrutura do código, o amicus curiae está inserido como uma nova categoria de terceiro. Entretanto, a natureza jurídica do amicus curiae é alvo de controvérsia, ora sendo apontado como auxiliar do juízo, ora como assistente qualificado, ou como nova espécie de intervenção de terceiro. Compreendemos que não há como negar ao amicus a condição de terceiro no processo, uma vez que não possui a prerrogativa de condução o processo, ou seja, parte não é. Cabe, portanto, desvendar qual a função que ele exerce no processo.
Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, analisando a natureza jurídica do instituto em momento anterior ao CPC de 2015, afirma que considera o amicus curiae terceiro interveniente e auxiliar do juízo. Para explicar, classifica o amicus em duas espécies, o que intervém no processo de forma voluntária e os que manifestam por iniciativa do juiz. Neste último caso, não agirão, portanto, voluntariamente, mas em razão de requisição do juiz da causa. Cita como exemplo as hipóteses previstas na Lei do CADE, CVM e INPI. Estes terceiros exercerão a função semelhante ao do auxiliar do juízo. E, nas outras hipóteses de intervenção voluntária, os terceiros assumirão a qualidade de terceiros intervenientes, como exemplo, a admissão do amicus nas ações de controle de constitucionalidade prevista na Lei 9.868/99. [25]
Como indica Candido Rangel Dinamarco[26], o conceito da figura do terceiro pode ser verificado a contrário sensu da definição de parte processual. Ou seja, será terceiro todo aquele que não for parte. Antônio do Passo Cabral define parte como sendo “aquele que formula ao Estado-juiz pedido em seu nome ou em nome de outrem (autor) e aquele em face de quem a atuação estatal deverá incidir (réu), aquele que pede e aquele em relação a que se pede a tutele jurisdicional”.[27]
Luiz Guilherme Marinoni defende que terceiro é puramente de direito processual e que parte, ao menos em princípio, está relacionada ao direito material. Desse modo, Marinoni define que:
“será parte no processo aquele que demandar em seu nome (ou em nome de quem for demandada) a atuação de uma ação de direito material e aquele outro em face de quem essa ação deve ser atuada. Terceiro interessado será, por exclusão, aquele que não efetivar semelhante demanda no processo, mas, por ter interesse jurídico próprio na solução do conflito (ou, ao menos, afirmar possuí-lo), é autorizado a dele participar sem assumir a condição de parte.”[28]
Não se insere na condição de parte no processo, pois o amicus curiae não pleiteia a tutela jurisdicional e nem a tem contra ele requerida, atuando tão somente no esclarecimento de fatos e na defesa de tese que lhe seja relevante em razão de seus fins institucionais.[29]
O amicus curiae de fato não assume a condição de parte. Não possui poderes que a parte possui no processo, não vai investigar fatos e conduzir o processo, pois sua função será limitada a de fornecer subsídios ao juízo. Também não pode ser inserido nas demais modalidades de intervenção de terceiros descritas no CPC, pois não possui interesse jurídico na causa. O interesse é institucional, coletivo. Diferentemente da assistência, o amicus curiae não se fundamenta no interesse jurídico na vitória de uma das partes e não assume poderes processuais para auxiliar.
A possibilidade do amicus curiae recorrer no processo, conferida pelo §3º do art. 138 do CPC, o aproxima do assistente simples. No entanto, são figuras distintas. O assistente possui adesão espontânea ao processo e nunca provocada, ao contrário do amicus, que pode intervir no processo de ofício ou a requerimento das partes. Ao assistente é facultada a participação ativa na relação processual, podendo colaborar na produção de provas, no oferecimento de memoriais, ou seja, atua com poderes que são da parte processual.
O que o distingue do assistente (que também intervém por ter interesse em que uma das partes obtenha sentença favorável) é a natureza do interesse que legitima a intervenção. Consoante Cássio Scarpinella Bueno, o assistente ingressa em juízo no intuito de tutelar interesse ou direito seu o qual poderá sofrer prejuízos presente ou futuramente; o amicus curiae, por sua vez, tende a atuar de forma altruísta já que o direito ou interesse a ser defendido não tem destinatário individualizado.[30]
Trata-se de uma intervenção que pode ser voluntária (nos termos do art. 138 do CPC, aquele que pretenda manifestar-se como amicus curiae pode requerer seu ingresso no processo), e pode se dar, também, por requerimento das partes ou de ofício pelo juiz ou relator. Isto, por si só, já é suficiente para diferenciá-la de todas as demais modalidades de intervenção de terceiros.[31] Outra diferença apontada: enquanto o assistente pode recorrer de todas as decisões judiciais, o amicus curiae tem severas limitações recursais. Além disso, o assistente tem os mesmos poderes processuais que o assistido, enquanto o amicus curiae só tem os poderes que a decisão que admite sua intervenção lhe outorgar.
Cumpre também ressaltar que o amicus curiae não possui a função de auxiliar o juízo com finalidade probatória. Tampouco exercerá a função de fiscalizar ou de investigar os fatos da causa. Seguramente, sua função não se confunde com a do perito, Ministério Público e testemunhas. É uma modalidade de terceiro com características próprias, regulado pelo art. 138 do CPC, que deve ter representatividade adequada e fornecer subsídios à solução da causa revestida e especial relevância ou complexidade, no sentido de trazer mais elementos para uma decisão qualificada.
Portanto, entendemos que o amicus curiae apresenta-se como uma modalidade de intervenção de terceiros com características próprias. Além dos requisitos previstos no art. 138 do CPC para admissão do amicus curiae, uma característica que diferencia esta figura das demais modalidades de intervenção é o interesse institucional. A atuação é uma contribuição democrática ao poder jurisdicional, de modo a conferir maior interação do magistrado com a realidade dos fatos que norteiam a causa.
2.2 Conceito
O Código de Processo Civil é o primeiro diploma legal no ordenamento jurídico brasileiro que regulamenta expressamente o instituto do amicus curiae. De acordo com o art. 138, o amicus pode ser pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, que poderá intervir, de ofício ou mediante requerimento das partes, ou ainda a pedido do próprio terceiro, nas causas que trate de matéria relevante ou repercussão social, ou que demandam conhecimentos específicos que justifiquem sua admissão.
É um terceiro admitido no processo para fornecer subsídios instrutórios (probatórios ou jurídicos) à solução de causa revestida de especial relevância ou complexidade, sem, no entanto, passar a titularizar posições subjetivas relativas às partes. Auxilia o órgão jurisdicional no sentido de que lhe traz mais elementos para decidir. [32]
A intervenção do amicus curiae se justifica pela ampliação do contraditório, possibilitando que questões relevantes sejam dialogadas com a sociedade de modo que se tenha a prolação de uma decisão mais justa possível. Aliás, em razão do interesse envolvido na demanda, que vai além dos limites subjetivos das partes, a contribuição de alguém especialmente qualificado para fornecer subsídios úteis ao processo, com interesse institucional, qualifica sobremaneira a decisão. Por sua vez, a condução do processo no que tange a participação do amici curiae[33], o interesse institucional, os argumentos trazidos, a pluralidade de tais sujeitos e a individualidade das partes litigantes serão fundamentais para gerar mais benefícios que transtornos.
Nos comentários ao Código de Processo Civil, o Professor Nelson Nery cita que o amicus curiae é um instituto do direito interno anglo-americano que tem por função atribuir a uma personalidade ou a um órgão, que não seja parte no processo judicial, a faculdade de intervir para manifestar-se dando informações e opiniões destinadas a esclarecer o juízo ou o tribunal a respeito de questões de fato e de direitos discutidas no processo, tudo em prol da boa administração da justiça.[34]
No conceito de Luís Antônio Giampaulo Sarro, amicus curiae é uma espécie peculiar de intervenção de terceiros em processo, em que uma pessoa, entidade ou órgão com interesse em uma questão jurídica levada à discussão junto ao Poder Judiciário, intervém, a priori como parte neutra, na qualidade de terceiro interessado na causa, para servir como fonte de conhecimento tendo como função histórica chamar a atenção da corte para fatos ou circunstancias que poderiam não ser notados, a fim de melhor subsidiar a decisão final.[35]
2.3 Condições subjetivas do sujeito interveniente
O art. 138, caput, do Código de Processo Civil, prevê que tanto pessoas naturais como pessoas jurídicas podem ser amici curiae. Dentre as pessoas jurídicas, incluem-se os entes públicos, privados e órgãos sem fins lucrativos. Sendo assim, não há restrição quanto à natureza do sujeito interveniente.
A admissão de pessoa física como amicus curiae, antes do CPC/2015, gerava controvérsias. Isto porque, a referência normativa acerca do amicus curiae na Lei 9868/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, menciona, expressamente, que a habilitação deve ser formulada por órgão ou por entidade (art. 7o, §2º). Nesse sentido, foi o entendimento no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3695/DF[36], da Relatoria do Ministro Teori Zavascki, como se depreende do trecho exposto a seguir:
“A simples invocação de interesse processual no deslinde de discussão constitucional submetida na ADI não é apta a ensejar a habilitação automática do postulante José Augusto de Castro. Além disso, por ser pessoa natural (e não jurídica), não possui a representatividade exigida pelo § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99. Apesar de, excepcionalmente, em questão de ordem no MS 32033, o Plenário ter admitido por maioria a admissão de uma pessoa natural como amigo da Corte, referido dispositivo legal restringe apenas às pessoas jurídicas, e não pode ser confundido com § 1º do art. 9º da Lei 9.868/99, que permite a oitiva de pessoas naturais em audiência pública.”
Em decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 659424/RS[37], o Ministro Relator Celso de Mello declara entendimento no sentido de negar, por falta de representatividade adequada, a intervenção de pessoas físicas como amicus curiae:
“(…) Não assiste razão ao pleito de Humberto Monteiro da Costa, Isabella Spínola Alves Corrêa, Luiz Antônio Ferreira Pacheco da Costa e Emmanuel Lopes Tobias, que requerem admissão na condição de amici curiae. É que os requerentes são pessoas físicas, terceiros concretamente interessados no feito, carecendo do requisito de representatividade inerente à intervenção prevista pelo art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868, de 10.11.1999, o qual, aliás, é explícito ao admitir somente a manifestação de outros “órgãos ou entidades” como medida excepcional aos processos objetivos de controle de constitucionalidade (…)”
No Mandado de Segurança nº 32.033[38], em que foi tema de discussão o controle preventivo da constitucionalidade material das normas em curso de formação, houve pedido de ingresso de pessoa física na condição de amicus curiae. Em decorrência do interesse dos terceiros que pretendiam intervir na causa, a admissão gerou entendimentos divergentes. O Ministro Teori Zavascki, vencido na decisão, proferiu voto no sentido de negar a admissão dos terceiros, pois entendeu que as pessoas tinham interesse próprio. Entretanto, restou decidido pela admissão do amici curiae, inclusive de pessoa naturais.
Com a vigência do CPC de 2015 tornou-se mais esclarecida a questão, uma vez que a norma autoriza expressamente a participação de pessoas naturais na condição de amicus curiae. A novidade foi bem recebida. Entretanto, não é qualquer pessoa física ou jurídica que poderá ser admitida como amicus curiae. É necessário que o terceiro (natural ou jurídica) possua representatividade adequada, conforme condição prevista no próprio art. 138. Trata-se de requisito subjetivo para admissão do amicus no processo. Ou seja, deve ser alguém especialmente qualificado para fornecer subsídios úteis ao processo.
A representatividade adequada significa que o terceiro deve ter capacidade objetiva de contribuir com o julgador na solução do conflito. Deve ser útil de tal modo que a intervenção permita uma adequada solução à causa. Sendo assim, apesar da nomenclatura ‘representatividade’ utilizada pela lei, não é necessário que o terceiro seja um porta voz de algum grupo ou segmento social. Pode-se apresentar como exemplo cientistas, professores, sacerdotes, entre outros, que tenham interesses institucionais e que podem vir a contribuir para o debate que se trava em determinado processo. Tais exemplos de pessoas naturais que não estariam legitimadas, por si só, a intervir como assistentes, podem ser admitidas como amicus curiae uma vez que possuem potencial de contribuir para o debate que se trava em processo de repercussão social ou que envolva matéria tecnicamente complexa.
O elemento essencial para admitir o terceiro como amicus é a sua potencialidade de aportar elementos úteis para a solução do processo ou incidente. Essa demonstração faz-se pela verificação do histórico e atributos do terceiro, de seus procuradores, agentes, prepostos etc. A lei aludiu a “representatividade adequada”, mas não se trata propriamente de uma aptidão do terceiro em representar ou defender os interesses de jurisdicionados. A representatividade não tem aqui o sentido de legitimação, mas de qualificação (adequada aptidão em colaborar).[39]
A participação do amicus curiae intimado pelo juízo não é obrigatória. O caput do art. 138 do CPC prevê que o juiz ou relator “poderá” de ofício ou a requerimento das partes solicitar ou admitir a participação do amicus. De modo diverso, a Lei do CADE e da CVM, impõe a participação de tais órgãos quando preenchidos os requisitos. Também acerca da participação do amicus curiae, cumpre observar o Enunciado n. 127 do FPPC que preconiza: “A representatividade adequada exigida do amicus curiae não pressupõe a concordância unânime daqueles a quem representa”.
2.4 Condições objetivas – requisitos que autorizam a admissão do amicus curiae
Conforme já enunciado, a lei confere ao juiz, de ofício ou atendendo ao requerimento das partes ou espontaneamente do próprio terceiro, a decisão de admitir ou não o amicus curiae no processo. As partes ou o próprio interessado necessita justificar o pedido e, o juízo, fundamentar a decisão de ingresso do amicus curiae. Na fundamentação, caberá ao Magistrado observar os requisitos de admissão descritos no caput do art. 138 do CPC: quando houver “relevância da matéria, especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia”.
Tais requisitos são alternativos, e não cumulativos, uma vez que o próprio dispositivo legal assim indica ao utilizar a conjunção ‘ou’. Nesse sentido, o Enunciado 395 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) destaca: “Os requisitos objetivos exigidos para a intervenção do amicus curiae são alternativos.”
Por relevância da matéria entende-se a causa que versar questão importante à ordem jurídica, impondo que outros elementos de fato e/ou de direito sejam levados aos autos. A repercussão social possui o sentido de amplitude da aplicação da decisão, uma vez que a matéria discutida extrapolará os contornos do processo e a decisão formará precedente. Portanto, estarão presentes a relevância da matéria e a repercussão social quando a importância da causa supera o interesse exclusivo das partes que litigam no processo.
Consoante observa Eduardo Talamini, a relevância da matéria é o “aspecto qualitativo” e a repercussão social da controvérsia o “quanto quantitativo”. Por vezes, a solução da causa tem repercussão que vai além do interesse das partes porque será direta ou indiretamente aplicada a muitas outras pessoas (ações e controle direto, processos coletivos, incidentes de julgamento de questões repetitivas, edição, revisão ou cancelamento de sumula dos tribunais ou mesmo a simples formação de um precedente relevante etc.).[40]
A especificidade do tema está relacionada à complexidade da matéria, justificando a admissão de terceiro com capacidade de contribuir com o julgador, uma vez que poderá apresentar conhecimentos específicos que são imprescindíveis ao deslinde da controvérsia.
A complexidade da matéria justificadora da participação do amicus tanto pode ser fática quanto técnica, jurídica ou extrajurídica. Ao avaliar a necessidade de subsídios técnico-jurídicos o juiz deve estar investido da humildade que é indispensável a todo aquele que investiga. Os possíveis subsídios devem sempre ser considerados bem-vindos pelo julgador, na medida em que o ajudem na solução da causa. Isso se aplica inclusive a possíveis contribuições de conteúdo estritamente jurídico. A ideia de que o “juiz conhece o direito” (jura novit curia) não pode servir de fundamento para o magistrado negar-se a receber subsídios dessa natureza; pelo contrário: tal brocardo presta-se a indicar que o juiz tem o dever de aplicar corretamente o direito, e, portanto, tem o dever de empreender os esforços para esse fim, valendo-se de todos os mecanismos que o ordenamento oferece, inclusive, a colaboração do amicus curiae.[41]
Preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos, o amicus curiae deve ser admitido. No sistema jurídico brasileiro, a admissão depende de autorização do magistrado. Entretanto, não se trata de uma faculdade concedida ao julgador. O juízo deve fundamentar a decisão que negar o ingresso do amicus curiae, indicando o não preenchimento dos requisitos objetivos (relevância da matéria, especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia) e subjetivo (representatividade adequada).
2.5 Cabimento formal e momento da intervenção
Até o CPC de 2015 regras esparsas tratavam de hipóteses específicas de intervenção de amicus curiae, consoante já indicadas. Com a regulamentação do art. 138 do CPC, restou incontroverso que é cabível o ingresso do amicus curiae em todas as formas processuais e tipos de procedimento, eis que não há qualquer proibição em sentido contrário no dispositivo.[42]
A atuação do amicus curiae é cabível inclusive em procedimentos especiais regulados por leis específicas em que há vedação genérica à intervenção de terceiros, como exemplo, o juizado especial e mandado de segurança. Tal proibição deve ser interpretada como aplicável apenas às formas de intervenção em que o terceiro torna-se parte ou assume subsidiariamente os poderes da parte, ou seja, não é o caso do amicus curiae. [43]
No tocante ao momento da intervenção, em tese, admite-se o ingresso do amicus curiae em qualquer fase processual ou grau de jurisdição. Nesse sentido, o Prof. Arruda Alvim diz que há limitação lógica para o momento de intervenção, que é o da prolação da decisão, já que sendo o amicus curiae, efetivamente, aquele que busca influenciar a formação da decisão, sentido lógico não haveria em admitir seu ingresso depois desse momento. Portanto, sua intervenção pode ocorrer em qualquer processo, independentemente do rito processual ou mesmo da fase em que se encontrar o feito, mas desde que ainda seja útil ao juízo a contribuição que puder prestar o amicus curiae. Em caso de já proferida a decisão e pendente embargos de declaração (contra a sentença ou acórdão), seja em razão de omissão, contradição ou da obscuridade, deverá ser avaliado o caso concreto de modo a verificar a necessidade da intervenção do amicus para prestar informações fáticas ou a defesa de tese de interesse do terceiro.[44]
O art. 138 dispõe que o amicus curiae terá o prazo de 15 (quinze) dias da intimação para manifestar-se e realizar sua primeira intervenção em juízo. Evidente que tal prazo será aplicado quando o requerimento do amicus se der por decisão de ofício do juízo ou a pedido das partes. Caberá ao juiz avaliar se aceita ou não a manifestação fora do prazo estabelecido. Por um lado, deve ser observado o princípio da duração razoável do processo, não podendo as partes serem prejudicadas. Por outro lado, deve ser analisado o interesse público que envolve a causa. O juízo pode mudar seu entendimento ao avaliar a importância da colaboração do amicus curiae diante de complexidade ou a repercussão do objeto da causa. Portanto, esse prazo não é preclusivo.
O Supremo Tribunal Federal já admitiu o ingresso do amicus curiae fora do prazo com fundamento na relevância do caso ou, ainda, em face da notória contribuição que a manifestação poderia trazer para o julgamento da causa:
“Em princípio, a manifestação dos amici curiae há de se fazer no prazo das informações. No entanto, esta Corte tem evoluído para admitir exceções a essa regra, especialmente diante da relevância o caso ou, ainda, em face da notória contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa. Nesse sentido, é possível cogitar de hipóteses de admissão do ingresso, ainda que fora desse prazo.”[45]
2.6 Irrecorribilidade da decisão que admite ou não o ingresso de amicus curiae
O caput do art. 138 é expresso ao determinar que a decisão do juiz que admitir ou inadmitir o amicus curiae é irrecorrível. O §1º do dispositivo acentua que o amicus curiae não possui autorização para interpor recursos, salvo embargos de declaração e quando tratar de decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.[46]
O amicus curiae não possui prerrogativas de conduzir o processo e poderes que são exclusivos das partes. Trata-se do conceito geral do instituto e o art. 138, ao que indica, pretendeu reforçar. Sobre o tema, Cassio Scarpinella Bueno entende que:
“É de se lamentar, apenas, que o dispositivo rotule a decisão respectiva de irrecorrível. (…) A solução, restritiva, quanto ao descabimento do recurso pelo amicus curiae, salvo nos dois casos indicados, afina-se com a jurisprudência que vem predominando, mas, com o devido respeito não é a melhor. O ideal seria permitir expressamente que o amicus curiae recorresse em prol do interesse (sempre e invariavelmente o ‘interesse institucional’) que justifica a sua intervenção. Até porque, bem entendida a razão de ser da sua intervenção, pode ser que as informações por ele aportadas ao processo não tenham sido devidamente compreendidas pelo magistrado, a justificar a sucumbência autorizadora do recurso.”[47]
De outro modo, há entendimento que defende a irrecorribilidade da decisão. Primeiro, o amicus curiae não exerce faculdades processuais plenas; segundo, o ingresso do amicus curiae e sua participação na relação processual estariam comprometidos pelo tumulto processual, principalmente com a possibilidade de pluralidade de amici curiae, afetando o andamento do feito quanto à celeridade a efetividade. Por fim, o poder do juiz de admitir o amicus curiae no processo não é discricionário, devendo ser obrigatoriamente fundamentada, qualquer que seja a decisão. E, como é possível o cabimento dos embargos de declaração, as partes ou o terceiro pode embargar da decisão.[48] Cumpre observar que na decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas é cabível recurso do amicus curiae, conforme previsão do art. 138, §3º do CPC. O incidente de resolução de demandas repetitivas, trazido pelo novo Código, permite que os tribunais possam identificar as demandas que assumem repercussão econômica e social relevante, ante a multiplicidade de ajuizamentos (art. 976 do CPC).
2.7 Interesse do amicus curiae
Em regra, o que define a admissão do amicus curiae no processo é a sua capacidade de colaborar com o julgador na solução do conflito. Trazer elementos ao caso de modo que sua participação seja útil. Além disso, deve ser alguém especialmente qualificado, com capacidade objetiva para fornecer subsídios ao processo, definido legalmente como representatividade adequada. O interesse, portanto, não é requisito para admitir ou inadmitir a participação do amicus.
Nesse sentido, a existência de interesse jurídico ou extrajurídico do terceiro na solução da causa não é um elemento relevante para a definição do cabimento de sua intervenção como amicus curiae. O que importa é a sua capacidade de contribuir com o Judiciário.[49]
Em decisão monocrática, o STJ já rejeitou a participação de terceiro como amicus curiae fundada na mera indicação de um interesse jurídico.[50]
O amicus curiae não tem obrigação de ser imparcial. É o caso, por exemplo, de entidades de classe que intervém como terceiro no processo para defender interesses dos seus membros. Neste caso, há interesse do amicus no resultado do julgamento. Entretanto, não se trata de interesse individual, mas um interesse institucional que uma das partes tenha sucesso na causa.
O Professor Arruda Alvim entende que o amicus curiae não tem interesse na lide particular, não busca que autor ou réu sagrem-se vitoriosos, sendo ele imparcial (a ponto de se aplicarem até mesmo as regras de suspeição e impedimento, previstas no art. 144 e seguintes do CPC). Acrescenta que a relação do amicus é unicamente com a tese jurídica, e não com a parte que eventualmente também a defende no processo. E corrobora que este é o ponto tangenciante entre a parte e o amicus curiae: a tese defendida pelo amicus pode coincidir com aquela defendida pela parte, por integrar sua causa de pedir. E destaca que se houver interesse jurídico próprio do terceiro, seja em razão da influência da lide sobre a relação mantida por ele e a parte contrária à tese que pretende defender, seja porque o resultado da demanda o atingirá no plano empírico, impossível será o deferimento da intervenção como amicus curiae.[51]
Acerca do interesse do amicus curiae, Cassio Scarpinella Bueno define que:
“Medida importante para aquilatar o “interesse institucional” é a imparcialidade do amicus curiae. A hipótese é de imparcialidade, vale a pena frisar, e não de neutralidade. Neutro quem deve ser é o magistrado e só ele. O amicus curiae deve ser imparcial no sentido de que o processo não o afeta (e não deve afetar) diretamente; no sentido de que não afeta (e não deve afetar) direito seu. É evidente que o amicus curiae pretende ver tutelado o interesse (institucional) que justifica sua intervenção. Não há como desconsiderar essa realidade e, menos ainda, negar que a intervenção se dê justamente diante da existência, que pode ser mais ou menos discreta, deste interesse. O que não pode haver é direito seu, do próprio amicus curiae, no processo em curso. Se houver, a hipótese é de intervenção de terceiro nas modalidades tradicionais e, a depender da intensidade do direito, de o interveniente pretender seu ingresso em juízo como parte. A imparcialidade deve ser compreendida, assim — e sem receio de empregar um neologismo nem a tautologia — como institucionalidade”.[52]
Portanto, o interesse institucional, característico do instituto, é voltado ao coletivo, entendido como um interesse que ultrapassa a esfera individual, como os grupos ou segmentos sociais que possuem tal titularidade. Não obstante, entendemos que não há obrigatoriedade de um interesse despretensioso a qualquer uma das partes e que tal condição não retira a institucionalidade pretendida pelo instituto.
CONCLUSÃO
Apesar de já existente no ordenamento jurídico brasileiro, o Código de Processo Civil de 2015 regulamentou e inovou a figura do amicus curiae. Havia bastante restrição à intervenção de terceiro na moldura do amicus curiae. De modo gradual, o instituto foi recebendo maiores atenções da doutrina e jurisprudência. E com o CPC de 2015 as hipóteses de admissão do amicus curiae ampliaram sobremaneira.
Sua intervenção não depende exclusivamente de requerimento de qualquer das partes ou do juízo. Aquele que possui interesse em atuar como amicus curiae pode-se fazer espontaneamente. Ao juiz caberá averiguar os requisitos do art. 138 do CPC: objetivos (relevância da matéria, especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia) e subjetivos (representatividade adequada). Portanto, não depende do consentimento dos envolvidos.
O amicus curiae é um terceiro especial no processo. Sua função é colaborar com o juízo e com o fim de se obter um julgamento mais justo e qualificado em causas complexas ou de repercussão geral. Tratando-se de um procedimento de interesse de uma coletividade, nada mais correto que haja melhor representação da sociedade no processo, inclusive como representante de minorias. Assim, entendemos como um instrumento de democratização do processo judicial. Eliminar um processo civil autoritário é uma das intenções do Código de Processo Civil de 2015. É preciso que juiz e partes, de forma cooperativa, trabalhem para construir, juntos, o resultado final do processo. E o amicus curiae pode ser um elemento bastante importante neste resultado.
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Informações Sobre o Autor
Apoliana Rodrigues Figueiredo
Advogada. Mestranda em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. MBA em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Empresarial (pós-graduação lato sensu) pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus