Resumo: O presente trabalho tem como finalidade a analise da ADI 3510, que levou a um novo entendimento da utilização das células troncos embrionárias na Ação Direta de Inconstitucionalidade, teve como Relator Ministro Ayres Brito.
Palavras Chave: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Células Troncos Embrionárias.
Abstract: This work aims to analyze the ADI 3510, which led to a new understanding of the use of embryonic stem cells in the unconstitutionality lawsuit, Rapporteur Minister Ayres Brito.
Keyword: Direct Action of Unconstitutionality, Trunks Embryonic Cells.
Sumário: Introdução. 1 A ação direta de inconstitucionalidade nº. 3.510/05. 2 Utilização de células-tronco. 3. Constitucionalidade formal. 4. Constitucionalidade material. Referências.
Introdução
O presente trabalho foi apresentado a UBA – Universidade de Buenos Aires – Faculdade de Direito sobre orientação do Ilustre Doutor Renato Rabbi-Baldi Cabanillas, professor de TEORÍA DEL DERECHO, teve como finalidade a analise da ADI 3510, Ação Direta de Inconstitucionalidade teve como Relator Ministro Ayres Brito, o qual em seu voto prolatou a Ementa:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. I – O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA”.
Abriu-se recentemente uma discussão sobre a lei de biossegurança que permite a pesquisa científica com células-tronco embrionárias. Alguns defendem a inconstitucionalidade do art. 5º desta lei porque consideram que o embrião tem vida, enquanto parte das comunidades científica e jurídica garantem que os embriões no estágio que serão utilizados ainda não podem ser vistos como seres vivos. A Igreja Católica tem usado todo seu poder para impedir o avanço das pesquisas, argumentando que ao considerar este artigo constitucional estar-se-á desrespeitando a vida humana e abrindo uma brecha para a legalização do aborto.
Nesse cenário tem sido polêmica a discussão em volta da biossegurança, da engenharia genética e do uso de suas técnicas sendo que o primeiro texto legal a regular esses termos no Brasil foi a Lei 8.974, de 1995, revogada através da Lei 11.105, de 2005, esta no intuito de normatizar melhor o assunto.
A Lei 11.105/05 mal tinha entrado em vigor, quando o Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, ainda em 2005, propôs junto ao STF a ADI 3510/600, conhecida como sendo a “ADI das Células-Tronco”, alegando assim a inconstitucionalidade do art. 5° argumentando que os dispositivos dessa lei afrontariam os preceitos constitucionais no tocante ao direito à vida e dignidade humana.
A repercutida decisão do Supremo Tribunal foi somente proferida em 29 de maio de 2008, quando os ministros concluíram pela constitucionalidade do art. 5° e seus parágrafos onde esperava-se que, como produto dessa decisão da Corte, pudesse ser apresentado um parâmetro sólido que favorecesse dirimir as controvérsias que circundam a matéria.
Enfim, seria possível ter as devidas respostas para as perguntas que já há tempos permeavam verdadeiramente a problemática dos embriões. Contudo, a partir da apreciação dos votos dos 11 Ministros, analisou-se que muitos pontos não foram realmente tratados de maneira pacífica, o que mostra que ainda existe abertura para debates.
ADI 3510/600 deixa a entender que a ciência tem evoluído e é capaz de curar o que antes se dizia incurável. Assim como surgem novas doenças devido à evolução da humanidade, ao desmatamento e as constantes mutações da natureza, da mesma forma deve-se poder empreender soluções mais eficazes com o aprendizado acumulado, e que não eram possíveis em épocas anteriores. Com o grande desenvolvimento tecnológico e as mais variadas descobertas envolvendo o ser humano, passou a ser uma necessidade a instituição de mecanismos que deem proteção àqueles que possam ser atingidos pelas pesquisas, impedindo as atrocidades cometidas no passado em nome da ciência.
Para aqueles que elaboraram, e também, para os que aprovaram a lei de biossegurança, ela é uma forma de se realizar estas pesquisas, mas com limites que impeçam a ciência de avançar sobre qualquer pretexto.
1. A ação direta de inconstitucionalidade nº. 3.510/05
Em março de 2005 foi aprovada a Lei 11.105/05, conhecida como Lei de Biossegurança, que inicialmente, trataria de atividades envolvendo organismos geneticamente modificados e seus derivados. No entanto, ao longo da tramitação do projeto na Câmara, este recebeu artigos relativos à clonagem humana e à obtenção de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapêuticos. A inclusão destes artigos gerou muita discussão em alguns setores da sociedade, tendo como resultado a proibição da clonagem humana, mas permitindo as pesquisas com células-tronco (OLIVEIRA, 2007).
Em maio do mesmo ano, o Procurador Geral da República propôs uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3.510), justamente contra o artigo que tratava da aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. Partindo da premissa de que o embrião é um ser humano, pois no seu entendimento, a vida começa na fecundação, o autor da ação alegou que o art. 5º da referida lei afrontava os princípios constitucionais de inviolabilidade do direito a vida e da dignidade da pessoa humana.
Na ação direta de inconstitucionalidade, o Procurador Geral da República “faz referência positiva à pesquisa com células-tronco adultas”, além de citar vários doutrinadores e cientistas que tem a sua concepção a respeito do início da vida, demonstrando assim as fortes divergências que cercam o assunto (OLIVEIRA, 2007).
Para uma melhor visualização do problema, destaca-se que a lei de biossegurança permite a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias, exigindo, no entanto, que:
a) os embriões tenham resultado de tratamentos de fertilização in vitro (art. 5º, caput);
b) os embriões sejam inviáveis (art. 5º, I) ou que não tenham sido implantados no respectivo procedimento de fertilização, estando congelados há mais de três anos (art. 5º, II);
c) os genitores dêem seu consentimento (art. 5º, § 1º);
d) a pesquisa seja aprovada pelo comitê de ética da instituição (art. 5º, § 2º) (BARROSO, 2008).
Barroso (2008) menciona ainda que a lei proíbe a comercialização de embriões, células ou tecidos, a clonagem humana e a engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano. Importante destacar que a lei também proíbe a produção de embriões apenas para pesquisa, só podem ser utilizados os resultantes das fertilizações in vitro, que seriam descartados pelas clínicas de fertilização. Após um longo debate, que envolveu o meio jurídico e científico, a ação direita de inconstitucionalidade nº. 3510 foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), porém a discussão está longe de chegar a um consenso.
O relator, Ministro Carlos Ayres Britto, em seu voto, considerou vida humana possuidora de capacidade civil, e, portanto, sujeito de direito, aquela que ocorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral.
E mais:
“[…] que a escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião in vitro, menos ainda um frio assassinato, porém uma mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio.”
O voto do relator foi acompanhado pela maioria dos ministros, no entanto, cinco deles tentaram dar a determinados artigos da lei uma interpretação conforme, são eles o Ministro Menezes de Direito, Ministro Ricardo Lewandowski, Ministro Eros Grau, Ministro César Peluso e Ministro Gilmar Mendes, contudo restaram vencidos (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008).
Para melhor compreensão dos elementos que envolvem a pesquisa com células-tronco embrionárias e a polêmica que se criou ao seu redor, faz-se necessário a obtenção de conceitos pertinentes ao ramo da biologia, sobretudo no que diz respeito à reprodução humana e à biotecnologia.
2 Utilização de células-tronco
Células-tronco são células primárias que tem a capacidade de transformar-se em vários tipos de células especializadas. Estão presentes no organismo humano desde a fase embrionária até a sua morte, e são responsáveis, além da formação do embrião, pela renovação e manutenção de todas as células deste organismo (ROCHA, 2008).
Oliveira (2007) ao conceituá-las, aborda duas características atribuídas a estas células:
a) auto-conservação ilimitada, podendo reproduzir-se durante muito tempo sem diferenciar-se;
b) capacidade de produzir outras células-tronco de transição, com limitado poder de proliferação, das quais derivam uma variedade de linhas de células bastante diferenciadas, quais sejam as células musculares, hemáticas, nervosas, dentre outras.
As pesquisas com essas células datam da década de 60, mas apenas na década de 70 começaram a tomar corpo. Elas podem ser extraídas do cordão umbilical, do organismo adulto ou do embrião (ROCHA, 2008).
De acordo com a autora, as células encontradas no cordão umbilical e também na placenta estão sendo largamente utilizadas, principalmente em crianças portadoras da doença de Gunther, as síndromes de Hunter, de Hurler e a leucemia linfócita aguda (ROCHA, 2008).
As células-tronco adultas são células especializadas, usadas inicialmente para substituir células mortas ou enfermas dos órgãos de onde se originam. Atualmente, as pesquisas têm avançado no sentido da utilização destas mesmas células na recuperação de outros órgãos, que não os originais, como por exemplo, as encontradas no sangue, na medula óssea, no cérebro, nos vasos sangüíneo, músculos, intestinos, fígado, pâncreas, sistema nervoso e pele (ROCHA, 2008).
As células-tronco embrionárias, por sua vez, estão presentes nos embriões, e tem a capacidade de se transformar em qualquer órgão do corpo humano. Quanto à capacidade de produzir outras células, as células-tronco podem ser totipotentes, pluripotentes, multipotentes e unipotentes (ROCHA, 2008).
As células-tronco totipotentes são aquelas que podem produzir todas as células embrionárias e extra-embrionárias, ou seja, são capazes de desenvolver um organismo completo (ROCHA, 2008).
A manipulação destas células tornou-se possível graças às técnicas de reprodução assistida, mas especificamente da fertilização in vitro, que consiste “na retirada de óvulo da mulher, na sua fecundação em proveta, com sêmen do marido ou de outro homem, e na introdução do embrião no útero da mulher ou no de outra.” (ROCHA, 2008, p. 46)
Os embriões excedentes desta técnica de reprodução, obedecidos os critérios estipulados pela lei de biossegurança, sãos os utilizados nas pesquisas com fins terapêuticos. Para a obtenção das células-tronco necessárias a esta pesquisa, é preciso que se instaure o seguinte procedimento: primeiro, há o desenvolvimento do embrião até o estágio do blastocisto, quatro dias após a concepção, para então retirar as células da cavidade interna, o embrioblasto; a seguir são realizadas culturas dessas células, sobre uma camada de nutrientes e finalmente são feitas “repetidas culturas das colônias de células até a formação de linhas de células capazes de se multiplicar indefinidamente.” (OLIVEIRA, 2007, p. 78)
As pesquisas com as células-tronco embrionárias têm por objetivo encontrar a cura de doenças como “as atrofias espinhais progressivas, as distrofias musculares, as ataxias, a esclerose lateral amiotrófica, a esclerose múltipla, as neuropatias e as doenças de neurônio motor, a diabetes, o mal de Parkinson”, entre outras (BARROSO, 2008, p. 7).
3. Constitucionalidade formal
Uma lei é formalmente constitucional quando obedece os procedimentos prescritos na Constituição para sua elaboração, e, posterior sanção. O conjunto de atos previstos na Constituição para a criação de leis denomina-se processo legislativo, composto por cinco fases: iniciativa legislativa, emendas, votação, sanção e veto, e por fim, promulgação e publicação (SILVA, 2006).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece em seu art. 64 que “os projetos de lei de iniciativa do Presidente da República terão início na Câmara dos Deputados.”
A lei de biossegurança é uma lei ordinária, resultado de um projeto de lei de iniciativa do Presidente da República que foi encaminhado a Câmara dos Deputados em 03.10.03. Inicialmente elaborada para regulamentar organismos geneticamente modificados e seus derivados, recebeu durante sua tramitação na Câmara mais de trezentas sugestões de emendas, no entanto, a “proposta do Ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, permitindo a pesquisa de células-tronco embrionárias, foi engavetada.” (OLIVEIRA, 2007, p. 79)
A Câmara dos Deputados aprovou o texto de lei em que constava a proibição do uso de células-tronco embrionárias para pesquisa terapêutica, contudo, ao chegar no Senado, “muitos senadores mostraram-se favoráveis a derrubar esta proibição”, sendo apresentada emenda para liberação da pesquisa pelo senador Tasso Jereissati […] (OLIVEIRA, 2007, p. 80).
No mês de outubro de 2004, o projeto de lei voltou a Câmara, após aprovação no Senado, contudo o texto aprovado permitia apenas a utilização “para pesquisa de embriões congelados a mais de três anos em clínicas de fertilização”, a utilização terapêutica estava vedada. […] (OLIVEIRA, 2007, p. 80).
Quando a matéria seria votada novamente na Câmara, em março de 2005, “o Ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, acompanhado do médico Dráuzio Varela e da geneticista Mayana Zats”, com o auxílio de organizações não governamentais que também tinham interesse nestas pesquisas, encontraram-se com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, no intuito de esclarecê-lo quanto aos benefícios da liberação da pesquisa com células-tronco com fins terapêuticos. Finalmente, em 24 de março de 2005 a lei foi sancionada e publicada em 28.03.05 (OLIVEIRA, 2007).
A suprema corte atua como intérprete da razão pública, impondo o respeito aos consensos mínimos consubstanciados na Constituição, mas respeitando a deliberação política majoritária legítima. Pois bem: no caso específico, a manifestação do Congresso foi inequívoca, mediante votação expressiva na Câmara dos deputados (85% dos parlamentares presentes votaram favoravelmente) e no Senado Federal (53 votos favoráveis contra).
A lei em questão recebeu corretamente o status residual de ordinária, por seu conteúdo não estar mencionado na Constituição como de atribuição de qualquer norma específica, como lei complementar ou emenda constitucional, por exemplo.
Quanto à legitimidade de iniciativa do projeto de lei, de acordo com o art. 61 caput do texto constitucional o Presidente da Republica está apto para tal função. O projeto de lei passou em diversas comissões, sendo realizadas, inclusive, “sessões conjuntas da Comissão de Assuntos Econômicos, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e da Comissão de Assuntos Sociais”. Nestas comissões foram ouvidos vários especialistas a fim de dar subsídios para a elaboração dos pareceres.
A referida lei foi votada nas duas casas, com amplo debate no plenário, por maioria simples, conforme previsto no art. 47 da CRFB/88, disposição esta também residual, visto não ser previsto quorum especial (maioria absoluta) para lei ordinária.
Portanto, da análise dos dados apresentados, verifica-se que a Lei nº. 11.105/2005 é formalmente constitucional, uma vez que não apresenta qualquer vício de procedimento entre a iniciativa do projeto de lei e sua sanção.
4. Constitucionalidade material
Verificada a constitucionalidade formal da Lei de Biossegurança, passar-se-á a análise da sua constitucionalidade material, mais especificamente, a constitucionalidade material do art. 5º e §§ desta, atacado pela ADI 3510.
Ao falar sobre o princípio fundamental da constitucionalidade dos atos normativos, Canotilho (2003, p. 890) assevera:
“Os actos normativos só estarão conformes com a constituição quando não violem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido, da produção desses actos, e quando não contrariem, positiva ou negativamente, os parâmetros materiais plasmados nas regras ou princípios constitucionais.”
A tese do Procurador Geral da República aduz que a vida se inicia com a fecundação (penetração do espermatozóide no óvulo) e que, portanto, a utilização de embriões congelados para pesquisa com fins terapêuticos, e consequente destruição destes embriões, violaria dois pilares do ordenamento jurídico brasileiro, o direito à vida e a dignidade da pessoa humana.
O primeiro ponto a ser ponderado, em oposição aos argumentos apresentados na ação, é sobre quando se inicia a vida. O direito brasileiro estabelece que o fim da vida ocorre com a morte cerebral, por conseguinte, adotando-se a mesma linha de pensamento, o início da vida se daria com pelo menos algum rudimento de atividade cerebral, que acontece após 14º dia depois da fecundação. Os embriões, contudo, são congelados “no estágio do zigoto unicelular, (ii) clivados (2 a 8 células) ou (iii) em blastocisto (a partir do 5º dia do desenvolvimento in vitro) e nunca depois do 14º dia”, portanto sem qualquer atividade cerebral (BARROSO, 2008).
Uma análise do código civil demonstra que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres”, sendo pessoa aquele que nasce com vida, assegurando todavia o direito do nascituro, que para muitos civilistas é aquele que tem o nascimento como “fato certo” e deve “estar em desenvolvimento no útero da mãe”, como já demonstrado (BARROSO, 2008).
Logo, se o embrião congelado não é pessoa, pois não nasce e também não é nascituro, visto que não foi implantado no útero materno, inconcebível dar-lhe os mesmos direitos assegurados ao homem.
A esse respeito reflete Vieira (2007, p. 24):
“Reconhecer que o embrião tem vida significa que estejamos dispostos a equipará-lo moral e juridicamente a uma pessoa. Seria como comparar uma semente de jacarandá encontrada no chão da floresta com uma árvore centenária que protegemos com nossa legislação ambiental. A dor de ver uma semente sendo comida por um passarinho não é equiparável àquela de ver uma árvore derrubada por um raio […]”
Vale lembrar que aqui não se fala de embriões com expectativa de vida, mas de embriões inviáveis que serão descartados pelas clínicas de fertilização, nem tão pouco, que embriões não devam ser protegidos pelo Estado, o que se defende é que esta proteção não deve ser a mesma dada ao ser humano (VIEIRA, 2007).
No dizer de Barroso (2008, p. 9-10), existem inúmeras concepções a respeito do início da vida, baseadas em vários critérios, sem que haja um consenso, ocorrendo o que “a filosofia moderna denomina de desacordo moral razoável” e salienta:
“Em situações como essa, o papel do Estado deve ser o de assegurar o exercício da autonomia privada, de respeitar a valoração ética de cada um, sem a imposição externa de condutas imperativas. Foi exatamente isso que o fez a Lei nº. 11.105/2005 ao exigir, em qualquer caso de pesquisa com células-tronco, “o consentimento dos genitores” […] o Congresso Nacional assegurou o direito de cada um decidir, de acordo com seus valores pessoais.”
Observa-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não traz em nenhum de seus artigos o momento em que a vida se inicia, pois o constituinte foi silente em relação a este aspecto. Neste diapasão, a Ministra Ellen Gracie, em seu voto sobre a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança, diz não ser tarefa do Supremo Tribunal Federal “estabelecer conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal”, e ainda que:
A introdução no ordenamento jurídico pátrio de qualquer dos vários marcos propostos pela Ciência deverá ser um exclusivo exercício de opção legislativa, passível, obviamente, de controle quanto a sua conformidade com a Carta de 1988(voto da Min. Ellen Gracie na Adi 3510, 2008).
O segundo aspecto a ser analisado diz respeito à violação ou não da dignidade da pessoa humana. Pois bem, se as ponderações sobre o direito à vida levaram ao estabelecimento da premissa de que o embrião não é pessoa, consequentemente não há que se falar em dignidade da pessoa humana.
Todavia, em relação a este princípio do ordenamento pátrio, cabem algumas considerações. O embrião congelado possui a potencialidade de se tornar um ser humano, portanto, mesmo que não comparado à pessoa, deve receber um tratamento diferenciado, é o que defende Barroso, citando Barbosa (2008, p. 16):
“[…] se é certo que o concebido não é ‘coisa’, atribuir ao embrião pré-implantatório natureza de pessoa ou personalidade seria uma demasia, visto que poderá permanecer indefinidamente como uma potencialidade. (…) No momento, parece que o mais razoável, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, seja conferir ao embrião humano uma ‘tutela particular’, desvinculada dos conceitos existentes, mas que impeça, de modo eficaz, sua instrumentalização, dando-lhe, enfim, proteção jurídica condizente, se não com a condição de indivíduo pertencente à espécie humana, com o respeito devido a um ser que não pode ser coisificado.”
Esse tratamento diferenciado é levado em conta na Lei de Biossegurança, que proíbe a produção de embriões exclusivamente para pesquisa. São utilizados para retirada das células-tronco apenas aqueles oriundos do processo de reprodução in vitro, e que por algum fator, alheio à pesquisa, tornaram-se inviáveis à reprodução. Em outras palavras, seu potencial de se transformar em um ser humano não é negligenciado em nome da pesquisa científica (BARROSO, 2008).
Ainda em relação ao tema da dignidade da pessoa humana, Vieira (2007, p. 24) lembra o respeito que se deve ter em relação à dignidade das pessoas que podem ser beneficiadas por esta pesquisa:
“O terceiro aspecto preocupante do argumento levado a cabo pelo ex- Procurador-Geral da República é a sua omissão em relação à dignidade e à própria vida de milhões de pessoas humanas que sofrem doenças graves e letais, como Parkinson, diabetes, doenças coronárias ou lesões de medula, que poderiam ser beneficiadas com o progresso nas pesquisas com célulastronco.”
Ao elevar o embrião inviável à condição de ser humano, o sofrimento de milhares de seres humanos reais está sendo relegado à mais absoluta irrelevância. E essa não parece ser uma escolha moralmente adequada por quem luta em favor da vida.
Um estudo um pouco mais abrangente da Lei de Biossegurança em relação à Constituição deixa transparecer outros princípios relacionados a presente discussão, e que confirmariam a constitucionalidade material do dispositivo legal, como por exemplo, o princípio da liberdade e o princípio da paternidade responsável.
O direito constitucional à liberdade, para seu entendimento, requer a elucidação de alguns conceitos. Liberdade pressupõe agir de forma correta, dentro dos limites éticos estabelecidos por determinada sociedade. Logo, liberdade impõe obrigações, ou seja, esses limites éticos não permitem, por exemplo, que para que se exerça a liberdade possa invadir a seara de outra pessoa do grupo social. E ainda, de acordo com José Afonso da Silva (2005, p. 232), “Liberdade opõe-se a autoritarismo, a deformação da autoridade; não, porém, a autoridade legítima”.
Então, tendo em mente que o ordenamento jurídico permite que as famílias se utilizem das técnicas de fertilização assistida, seria lícito que este mesmo ordenamento podasse a liberdade destas famílias de dizerem qual o destino do material genético proveniente destes procedimentos?
Ao responder-se afirmativamente a esta pergunta, estar-se-ia indo de encontro não somente ao princípio da liberdade, mas também ao da paternidade responsável, que está diretamente atrelado à ideia de planejamento familiar. (voto do Ministro Ayres de Britto na ADI 3510, 2008)
Isto posto, entende-se que o art. 5º e seus parágrafos, da Lei nº. 11.105/2005, conhecida como Lei de Biossegurança é materialmente constitucional, por não estar em conflito com nenhum dispositivo da Constituição. Pelo contrário, a regulação legal das pesquisas biomédicas e biotecnológicas, traz consigo segurança jurídica, em um terreno onde a linha entre o ético e o não ético é tênue.
Aliás, nas palavras de Barroso (2008, p. 14), “até o advento da Lei nº. 11.105/2005, não havia qualquer disciplina jurídica para esta entidade: embrião produzido em laboratório, mediante processo de reprodução assistida”.
Em um Estado laico, não se pode permitir que a interpretação constitucional seja pautada por crenças estranhas ao seu conteúdo. Não há qualquer previsão constitucional que entenda o embrião como pessoa sujeito de direitos e protegido pelo Estado da mesma forma que as pessoas nascidas com vida, ou mesmo ao nascituro.
Portanto, o art. 5º da Lei de Biossegurança, ao invés de ferir o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, na verdade contribui para que estes direitos sejam garantidos a um maior número de pessoas, na medida em que, o resultado das pesquisas por ele permitidas, pode modificar completamente a qualidade de vida de uma parcela de brasileiros que hoje sofrem com diversas síndromes ou com doenças degenerativas.
Informações Sobre o Autor
Valdinei Pereira Garcia
Graduado em Ciências Sociais Aplicadas, Bacharel em Direito pela Universidade Paulista , Especialista em Políticas e Gestão Pública pela Escola Paulista de Direito- EPD, Mestrando Europeu em Política e Gestão Governamental pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia em Lisboa – Portugal, titulo ainda a ser reconhecido. Doutorando na Universidade de Buenos Aires – UBA – Faculdad del Derecho Em Direito Constitucional doutorado em andamento. Professor e Auxiliar de Coordenação no Curso de Direito, atuando como Professor, principalmente nas áreas do Direito Público e do Direito Privado, Direito do Consumidor, do Direito Administrativo, do Direito Constitucional , do Direito Internacional, do Direito Comercial ,do Direito Tributário no curso de Graduação. Editor do site jurídico, www.sapientiajus.com.br