Resumo: O objetivo deste trabalho é examinar as possibilidades de redução da maioridade penal, foco de grandes polêmicas no mundo jurídico e social, posto que o número crescente de crimes que aterrorizam a sociedade é praticado por menores de 18 (dezoito) anos, considerados penalmente inimputáveis. Primeiramente se faz um breve estudo acerca da evolução histórica da legislação brasileira no tocante à maioridade penal. Neste contexto, o tema é estudado diante da lei especial de proteção ao menor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente as medidas socioeducativas. Este trabalho é efetivado a partir de pesquisa bibliográfica em diferentes publicações como livros, artigos, dissertações, bem como, alguns artigos examinados na internet, permitindo a análise de diversas doutrinas que fundamentam conceitos e opiniões a respeito do tema. Por fim, conclui-se que, para conter a criminalidade juvenil, é necessário combater as causas, sendo um problema social, envolvendo a cobrança da sociedade, perante a responsabilidade do Estado em implantar e manter políticas públicas voltadas para os menores carentes e sua família.
Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Imputabilidade Penal. Menor Infrator. Medidas Socioeducativas. Redução da Maioridade Penal. Políticas Públicas.
Abstract: The objective of this study is to examine the possibilities of reducing age of criminal responsibility focus of great controversy in the legal and social world, since the increasing number of crimes that terrorize society is committed by persons below eighteen (18) years, considered not penally imputable. First up is a brief study of the historical evolution of the Brazilian legislation in relation to criminal responsibility. In this context, the issue is studied before the special law to protect the minor, the Statute of Children and Adolescents, especially socioeducational measures. This work is effected from literature in different publications including books, articles, dissertations, as well as some articles examined on the Internet, allowing the analysis of several doctrines that underpin concepts and opinions about the theme. Finally, it was concluded that, to contain the juvenile crime, it is necessary to combat the causes, being a social problem, involving the collection of society before the state's responsibility to establish and maintain public policies geared for needy children and their families.
Keywords: Statute of Children and Adolescents. Criminal Imputability. Juvenile Offender. Socioeducational measures. Reduction Age of Criminal Responsibility. Public Policy.
Sumário: 1. Introdução. 2. Histórico acerca da responsabilidade do menor. 3. Conceituação de ato infracional. 4. Análise das medidas sócioeducativas. 4.1. Da advertência. 4.2. Da obrigação de reparar o dano. 4.3. Da prestação de serviços à comunidade. 4.4. Da liberdade assistida. 4.5. Do regime de semiliberdade. 4.6. Da internação. 5. Uma atenção especial para os jovens. 6. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a maioridade penal ocorre aos dezoitos anos de idade. Esse limite é estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Penal.
A maioridade penal atualmente é tema contemporâneo e bastante polêmico entre os legisladores, juristas e brasileiros em geral, assunto que congregam múltiplos olhares quanto ao questionamento. Um fator preocupante, visto o aumento da criminalidade no Brasil e a participação cada vez mais expressiva de menores de 18 anos e apontam a ausência de penas mais rigorosas como causa do problema.
No direito penal vigente em no país, se o indivíduo pratica um fato tido como crime tipicamente falando, só́ será́ apenado se sua idade for igual ou superior a 18 anos, sendo processada e julgada conforme os parâmetros do Código de Processo Penal. Contudo, se essa mesma conduta típica for praticada por um menor de 18 anos, não se pode nem falar que ele praticou crime, mas sim um ato infracional, bem como, a ele não será́ aplicada a pena tipificada para o crime, mas tão somente medidas socioeducativas, previstas na norma especial, ou seja, no Estatuto da Criança e do Adolescente, que serão esposadas no momento oportuno.
Devido à necessidade da redução dessa violência, foram elaborados vários projetos e estão em tramite no Congresso Nacional para a redução da maioridade penal.
O ex-deputado Benedito Domingos (PP-DF) elaborou a PEC 171, apresentando proposta de modificação do art. 228 da CR/88 a fim de que os indivíduos a partir de 16 anos já sejam considerados penalmente imputáveis. A PEC foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em 2009, e aguarda desde então a apreciação do Plenário da Casa (TERRA, 2013).
Merece ressaltar, ainda, a PEC n° 20 de autoria do ex-senador e ex governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. A proposta também estabelece que os maiores de 16 anos sejam responsabilizados penalmente por seus atos, entretanto estipula algumas exceções, como no caso de adolescentes de idade entre 16 e 18 anos que não tenham "plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com entendimento, atestado por laudo técnico, elaborado por junta nomeada pelo juiz" (TERRA, 2013).
Mas será que a redução da maioridade penal solucionaria o problema da violência entre os jovens? Essa questão é essencialmente ampla, são diversas as causas de violência no Brasil. Pesquisas realizadas nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente ligada a questões como desigualdade social, exclusão social, impunidade, falhas na educação e, finalmente, certos processos culturais observados em nossa sociedade como o individualismo, o consumismo e a cultura do prazer.
Portanto, o problema da violência entre jovens é muito mais complexo do que a alteração da política criminal de redução da maioridade penal.
O presente trabalho pretende verificar se a redução da maioridade penal seria uma alternativa eficaz para a efetiva diminuição da criminalidade juvenil.
O tema proposto foi escolhido, em razão da grande polêmica que surge perante acontecimentos recentes e de grande violência envolvendo crianças e adolescentes, e a necessidade de elaboração de projetos para reverter tal situação. Atualmente, as discussões acerca da redução da idade penal estão crescendo cada vez mais, com um número elevado de participações de juristas e ainda, dos formadores de opiniões através da mídia, bem como, de políticos.
Cada vez mais se noticia em jornais o cometimento de crimes bárbaros por adolescentes, menores que são considerados inimputáveis e, nesse sentido, a sociedade cobra soluções.
Posto isto, faz-se necessária discussão acerca do tema para que se solucione ou pelo menos haja expressiva redução, da criminalidade entre jovens no Brasil.
2. HISTÓRICO ACERCA DA RESPONSABILIDADE DO MENOR
Em sete de setembro de 1822 ocorre a Proclamação da Independência do Brasil. Todavia, somente em 25 de março de 1824 é que será outorgada a Constituição do Império. Por imperativo constitucional é idealizada a primeira codificação em matéria criminal do país, o qual somente teve existência jurídica em 16 de dezembro de 1830, sendo denominado de o Código Criminal do Império do Brasil e regulamentava a idade a que o indivíduo começaria a responder penalmente por seus atos de forma intrigante. Utilizava-se o “Sistema de Discernimento”, ou seja, toda pessoa que tivesse plena capacidade de discernimento deveria responder pelos crimes que eventualmente cometesse.
Esclarece Carvalho (1977, p. 312) que:
“O nosso Código Criminal de 1830 distinguia os menores em quatro classes, quanto a responsabilidade criminal: a) os menores de 14 anos seriam presumidamente irresponsáveis, salvo se se provasse terem agido com discernimento; b) os menores de 14 anos que tivessem agido com discernimento seriam recolhidos a casas de correção pelo tempo que o juiz parecesse, contanto que o recolhimento não excedesse a idade de 17 anos; c) os maiores de 14 e menores de 17 anos estariam sujeitos as penas de cumplicidade (isto é, caberia dois terços da que caberia ao adulto) e se ao juiz parecesse justo; d) o maior de 17 e menor de 21 anos gozaria da atenuante da menoridade.”
Era o que preconizava o Código Penal do Império, em seu artigo 10, paragrafo 1º: “art. 10. Também não julgarão criminosos: § 1º Os menores de 14 annos. […]”. Igualmente, o artigo 13:
“Art. 13. Se se provarem que os menores de 14 annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhido á casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á de dezessete annos.”
Condenado, o menor, muitas vezes, era preso junto com os adultos, tendo em vista que, de acordo com o entendimento majoritário da época, não havia diferença de tratamento entre ambos depois de condenados.
Em 1889, com o advento da República, surgiu o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (Decreto nº 847/1890). Nessa nova fase do Direito Penal brasileiro, passa a ser adotado o critério biopsicológico para a aferição da imputabilidade penal que ocorrerá entre nove e catorze anos de idade. Segundo o artigo 27, § 1º, do Código Penal Republicano, seria penalmente irresponsável apenas o menor de 9 anos de idade penal. Nos casos em que o delinquente tivesse idade entre nove e catorze anos, a avaliação sobre a capacidade de distinção entre o justo e o injusto, entre o bem e o mal, bem como capacidade para agir de acordo com esse entendimento seria feita pelo juiz.
A imputabilidade penal que no início do século se dava aos sete anos, e pelo Código Penal do Império de 1830 passou para um critério biopsicológico baseado no discernimento entre sete e quatorze anos, evoluiu no Código Republicano de 1890: “Irresponsável penalmente seria o menor com idade até nove anos” (art. 27, § 1º).
Diversas inovações foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro entre os anos de 1921 e 1927.
A Lei nº 4.242, de 5 de janeiro de 1921, abandona o sistema biopsicológico e adota o critério objetivo de imputabilidade penal, que a fixava em 14 (quatorze) anos, nos moldes do artigo 3º, § 16, que previa “a exclusão de qualquer processo penal de menores que não tivessem completado quatorze anos de idade”.
Em 1927 foi promulgado o primeiro Código de Menores do Brasil, conhecido como Código Mello Matos (Decreto nº 17943-A de 12 de outubro de 1927), criava as primeiras normas de Assistência Social visando a “proteger os menores abandonados e delinquentes”.
No ano de 1979 entrou em nosso ordenamento jurídico o segundo Código de Menores que, assim como o Código Mello Matos foi precursor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esse Código privilegiava a internação da criança e não acrescentou muito ao primeiro Código de Menores.
Os menores de 18 anos eram julgados pelo Juiz de Menores que aplicava a eles medidas cabíveis que considerasse mais correta para o caso concreto.
Atualmente a legislação vigente é o Código Penal de 1940 que fixa a maioridade penal em 18 anos, estando os menores sujeitos às medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).
Ressalta-se que a ECA entrou em vigor em 1990, que tem como pressuposto a concepção da criança e adolescente como sujeitos de direitos, dando garantia ampla aos seus direitos sociais e pessoais. Tal Estatuto, baseado na Convenção das Nações Unidas Sobre Direitos da Criança de 1989, está em vigor até a atualidade.
3. CONCEITUAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
A definição de ato infracional é dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que estabelece em seu artigo 103: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.” (ECA)
É, portanto, a sanção penal contra o ato praticado pelo adolescente. Não se constitui em uma conduta delituosa, pois inexiste nas ações ou omissões infracionais um daqueles elementos constitutivos do fato punível – qual seja a culpabilidade.
A culpabilidade não se encontra regularmente no ato infracional justamente em razão da ausência de imputabilidade, ou seja, o elemento constitutivo que representa a capacidade psíquica para validar a prática da conduta delituosa.
Ato infracional cometido por crianças recebem o tratamento previsto no artigo 101 do ECA, as quais preveem medidas de acompanhamento e proteção.
As sanções previstas para os adolescentes são as previstas no artigo 112 do ECA:
“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I- advertência
II- obrigação de reparar o dano;
III- prestação de serviços à comunidade;
IV- liberdade assistida;
V- inserção em regime de semiliberdade;
VI- internação em estabelecimento educacional;
VII- qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI”
4. ANÁLISE DAS MEDIDAS SÓCIOEDUCATIVAS
Conceitua-se a medida socioeducativa como sendo uma medida jurídica atribuída a adolescentes infratores, como sanção e ao mesmo tempo, oportunidade de ressocialização.
4.1. Da advertência
A advertência consiste na repreensão verbal, que será reduzida a termo e assinada pelo magistrado por parte do magistrado dirigida ao menor, devendo ser reduzida a termo e assinada. É medida socioeducativa mais branda prevista no ECA, indicada para atos infracionais de pequena gravidade
“Art. 115. A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.”
Segundo Sposato (2006, p. 120):
“O caráter intimidatório se perfaz com a leitura do ato infracional na presença dos responsáveis legais pelo adolescente autor do ato infracional, e o caráter pedagógico pressupõe um procedimento ritualístico, com vistas a obter do adolescente um comprometimento de que tal fato não se repetirá”.
4.2. Da obrigação de reparar o dano
Caso a infração possua desdobramento patrimonial, o magistrado pode determinar que o menor restitua o bem à vítima, promova o ressarcimento ou, de alguma forma, compense o ofendido. Caso não seja possível, o juiz pode optar por outra medida socioeducativa, para que a reprimenda não recaia sobre os pais do menor.
Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.
4.3. Da prestação de serviços à comunidade
Essa é uma medida em que o menor infrator prestará serviços gratuitos junto à comunidade. O prazo deve ser proporcional ao juízo de reprovabilidade da conduta, não excedendo a seis meses.
Segundo Cury, Silva e Mendez (2002), é uma das medidas socioeducativas que se reveste, hoje, de um grande e profundo significado pessoal e social para o adolescente infrator.
Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
4.4. Da liberdade assistida
A liberdade assistida é a medida na qual o Juiz conserva a liberdade do adolescente e designa um profissional capacitado para acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente infrator, supervisionando sua rotina. É interessante porque permite ao menor a permanência no meio em que vive e convivência familiar.
Sposato (2006, p. 160) aponta que:
“A liberdade assistida, por alguns considerada a “medida de ouro”, constitui a mais rigorosa das medidas socioeducativas em meio aberto, pois, embora conserve a liberdade do adolescente como forma de fortalecer os vínculos familiares e comunitários (art. 113 e 100), exerce restrição no exercício de seus direitos.
Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.
§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.”
4.5. Do regime de semiliberdade
Essa medida é a mais restritiva da liberdade pessoal depois da internação. Não comporta prazo pré-determinado, podendo ser medida inicial ou progressão para o meio aberto. Permite a realização de atividades externas independente de autorização judicial.
Entende-se, por semiliberdade, como uma medida socioeducativa destinada a adolescentes infratores, que trabalham e estudam durante o dia, e à noite recolhem-se a uma entidade especializada. São obrigatórias a escolarização e a profissionalização.
“Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.
§ 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.
§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.”
4.6. Da internação
A internação deve ser aplicada somente em casos extremos, pois restringe por completo a liberdade do menor.
As características da internação é a privação da liberdade, sujeita, no entanto aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
O Estatuto da Criança e do Adolescente ajusta de forma minuciosa a internação dos menores infratores, podendo esta ser somente em alguns dias, como também pode ser em um período máximo de três anos.
“Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.
§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.
§ 7o A determinação judicial mencionada no § 1o poderá ser revista a qualquer tempo pela autoridade judiciária.
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.
§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas.”
Da análise dos artigos percebe-se que O ECA se assenta no princípio de que as crianças e adolescentes, sem distinção, desfrutam dos mesmos direitos e sujeitam-se a obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento que possuem, por essa razão não podem ser tratados da mesma maneira que os adultos. A ideia de julgar e condenar um adolescente infrator é muito limitada, devendo-se levar em conta que, por está em desenvolvimento, ainda é possível regenerar esse indivíduo. Essa é a ideia das medidas socioeducativas que se prestam a educar o jovem infrator a fim de que ele se torne um adulto cumpridor de suas obrigações, agindo sempre dentro da lei e preocupado com o bem estar da sociedade.
5. UMA ATENÇÃO ESPECIAL PARA OS JOVENS
É recorrente nos discursos que defendem a redução da maioridade penal o argumento de que o jovem de dezesseis anos já possui maturidade, considerando o desenvolvimento intelectual e o acesso médio à informação, é evidente que qualquer jovem nos dias de hoje, é capaz de compreender a natureza ilícita de determinados atos. Também é comumente alegado o direito de voto garantido pela Constituição Federal de 1988, mesmo que facultativo e concessão de emancipação aos dezesseis anos, o que confere ao jovem possibilidades como a de se casar, constituir família, possuir estabelecimento empresarial, entre outras, sem, contudo, torná-lo penalmente responsável.
Lenza (2008, p. 763) conclui que:
“A sociedade evoluiu, e, atualmente, uma pessoa com 16 anos de idade tem total consciência de seus atos, tanto é que exerce os direitos de cidadania, podendo propor a ação popular e votar. Portanto, em nosso entender, eventual PEC que reduza a maioridade penal de 18 para 16 anos é totalmente constitucional. O limite de 16 anos já está sendo utilizado e é o fundamento no parâmetro do exercício do direito de votar e à luz da razoabilidade e maturidade do ser humano”.
Ferreira Filho (2007, p. 375), faz crítica à redação do artigo 228 da Constituição, afirmando ser o texto constitucional incoerente: “Timbra o texto, no art. 228, em consagrar a inimputabilidade penal do menor de dezoito anos. É incoerente essa previsão se se recordar que o direito de votar – a maioridade política – pode ser alcançado aos dezesseis anos…”.
O legislador manteve-se fiel ao princípio de que a pessoa menor de 18 (dezoito) anos não possui desenvolvimento mental completo para compreender o caráter ilícito de seus atos. Por estarem com a personalidade ainda em formação, deveriam possuir um tratamento diferenciado, quando, viessem a cometer qualquer crime. Devido a isso o legislador acreditou que seria mais fácil a tentativa de ressocializá-los e inseri-los na sociedade. Pesquisas indicam que países que tratam jovens como adultos não reduzem a violência, pelo contrário, aumentam a sua incidência, tendo em vista que o sistema carcerário brasileiro iria somente piorar a situação dos menores, uma vez que, como todos sabem, as penitenciárias do país não são nenhum exemplo de reeducação.
É preciso considerar as precárias condições em que se encontram os estabelecimentos prisionais. Não há uma fiscalização eficiente, havendo constantes violações aos direitos dos presos. Além disso, o sistema prisional brasileiro não suporta mais pessoas. Dados indicam que em Minas Gerais o número de detentos supera em 13 mil (treze mil) a capacidade nas penitenciárias (UAI, 2012). Nota-se, portanto, que o sistema penitenciário mineiro não suporta a capacidade da demanda recebida ao passo que, caso haja a redução da maioridade penal o número de presos irá aumentar consideravelmente, instalando-se um verdadeiro caos. O jovem de dezesseis anos que for condenado a passar um ano dentro de uma prisão sai de lá́, sem dúvida alguma, muito mais perigoso que entrou, pelo contato com criminosos de alta periculosidade, aumentando, ai sim, o seu potencial agressivo.
Remeter para a prisão o jovem que ainda tem condições de modificar o seu comportamento, por meio de medidas pedagógicas, é retirar do mesmo qualquer condição de se ressocializar.
Segundo Barros:
“Mandar jovens, menores de 18 anos para os precários presídios e penitenciárias que misturam presos reincidentes e primários, perigosos ou não, é o mesmo que graduar e pós-graduar estes jovens no mundo do crime. Não podemos tratar o jovem delinquente como uma pessoa irrecuperável e somente querer afasta-lo da sociedade, jogando-o dentro de um presídio com outros criminosos comuns. Os jovens merecem um tratamento diferenciado.”
Salienta Mirabete:
“A redução do limite de idade no direito penal comum representaria um retrocesso na política penal e penitenciário brasileiro e criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes contumazes. O ECA prevê̂, aliás, instrumentos eficazes para impedir a pratica reiterada de atos ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados (MIRABETE, 2007, p. 220).”
Não cabe aqui dizer que o ECA seja a única solução dos problemas de adolescentes mais violentos, somente pretende-se ressaltar que a lei existe, resta ser devidamente cumprida. Há que se considerar, ainda, melhorias e maiores investimentos nas instituições que abrigam esses menores infratores bem como maior capacitação àqueles profissionais que prestam assistência a essa camada da população.
Discorre Mirabete:
“A redução da maioridade penal não é a solução para os problemas derivados da criminalidade infantil, visto que o cerne do problema da criminalidade se reluz em decorrência das condições socialmente degradantes e economicamente opressivas que expõe enorme contingente de crianças e adolescentes, em nosso país, à situação de injusta marginalidade social” (MIRABETE, 2007, p. 217).
A situação exige medidas não só repressivas, mas de prevenção para enfrentar a causa da violência. Não adianta reduzir a maioridade se o Estado não for capaz de oferecer condições para que os jovens tenham um futuro digno. Dados alarmantes explicitam a má gestão na educação: enquanto o Brasil investe mais de R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais) por ano em cada preso em presídio estadual, gasta uma média de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) anualmente com cada aluno do ensino médio – nível de ensino a cargo dos governos estaduais (O Globo, 2011).
Ressalta-se que não seria o caso de reduzir os gastos com os detentos, mas sim de aumentar os investimentos em educação como meio de abrir portas às crianças e adolescentes, oferecendo um ensino de qualidade que ocupe o tempo deles e dê uma formação adequada para que tenham chance de, mais tarde, ingressarem no mercado de trabalho, tendo assim condições de se sustentarem de forma digna. A capacitação da criança e do adolescente é o ponto chave para reduzir a violência nesse meio.
Exemplo de programa para capacitação de jovens que dá certo há 38 anos é o Associação Profissionalizante do Menor (ASSPROM), que atua junto aos adolescentes aprendizes para que esses, aos 18 anos ingressem no mercado de trabalho mais preparados e experientes. São oferecidos cursos de capacitação, atendimento psicológico, atividades esportivas, de lazer e cultura, palestras e campanhas educativas, tudo isso para agregar valor ao currículo do jovem e torná-lo um cidadão bem sucedido (ASSPROM, 2013).
Programas como esse são de grande importância para reduzir os índices de violência entre os jovens. O adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população. A criminalidade se alastra principalmente quando o adolescente não é capaz de enxergar uma melhor perspectiva de vida, devido ao ambiente que vive.
Quanto se pode esperar de um jovem carente, desprovido de boa educação e cercado pelo tráfico? Muitos, ao perceber que o ensino de baixa qualidade oferecida pelo Estado não será capaz de oferecer base sólida para inserir-se no mercado de trabalho de forma que possam competir com igualdade, acabam entrando para o mundo do crime para sobreviverem.
Cabe ao Estado oferecer um ensino de boa qualidade e programas de capacitação aos adolescentes a fim de que tenham uma profissão, e assim, se sustentar de forma digna. Voltando-se para os adolescentes pobres e para formas de minimizar os efeitos que a baixa renda e sua péssima distribuição no Brasil têm sobre eles e suas famílias
Reforçando tudo que foi dito até aqui, vale mencionar que no dia 19 de fevereiro do corrente ano a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitou a proposta de reduzir a maioridade penal para dezesseis anos em casos específicos como homicídio qualificado, extorsão mediante sequestro e estupros por menores. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2012, de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) foi vencida por 11 votos a 8. Alguns dos senadores que votaram contra consideram que a proposta é inconstitucional, pois viola direitos fundamentais, inseridos entre as cláusulas pétreas (UOL, 2014). Essa é uma discussão muito corrente na atualidade. Os adeptos a essa linha acreditam que, ao se analisar o texto da Constituição da República de 1988, mais especificamente o artigo 228, deve-se considerá-lo como direito individual, mesmo não estando no rol do artigo 5º da CR/88.
“Art. 228: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”
Dispõe o artigo 60, § 4º, inciso IV da CR/88
“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV – os direitos e garantias individuais.”
Assim, consoante o disposto no artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, não é possível abolir os direitos e garantias individuais entendidos como cláusula pétrea, e, portanto, o artigo 228 da Magna Carta não pode ser objeto de deliberação por emenda constitucional.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando tudo o que foi dito até aqui, verifica-se para redução da idade da imputabilidade penal, hoje fixada em 18 anos, significa um retrocesso. A criminalidade juvenil crescente há de ser combatida em sua origem, na miséria e na educação de má qualidade. Não será́ jogando jovens de 16 anos no falido sistema penitenciário brasileiro que se poderá́ recupera-los.
As penitenciárias estão superlotadas e as condições são extremamente precárias, a redução da maioridade penal para os 16 anos, tenderia a agravar ainda mais, podendo até aumentar o número de criminosos face à reincidência que é fato consumado no sistema criminal do Brasil.
É uma maneira muito simplista de enxergar a realidade pensar que o problema da violência entre os jovens se resolverá com uma emenda constitucional que reduza a maioridade penal.
A inclusão de crianças e adolescentes no sistema penitenciário impróprio não diminuiria o número de menores infratores, tendo em vista que esses estão em uma situação peculiar de pessoas em desenvolvimento que estão formando seu caráter e que precisam de um tratamento diferenciado. Para que a ressocialização do menor seja alcançada com sucesso é extremamente necessária a separação entre os adultos e os menores e deve-se ter em mente que as chances de se recuperar um adolescente são bem grandes e que a aplicação e o cumprimento das medidas previstas no ECA, na maioria das vezes, são suficientes para essa recuperação.
Inimputabilidade penal não é sinônimo de impunidade ou irresponsabilidade. O ECA oferece uma resposta aos justos anseios da sociedade por segurança e, ao mesmo tempo, busca devolver a essa mesma sociedade pessoas capazes de exercer adequadamente seus direitos e deveres de cidadania.
O que se deve haver é aperfeiçoamento na aplicação das medidas socioeducativas, ou seja, melhoria nas instituições de internação dos adolescentes, qualificar os profissionais para que possam orientar de maneira adequada os menores, capacitando-os e educando-os, para que se regenerem e votem a viver em harmonia com a sociedade.
Para diminuir a criminalidade infantil e juvenil, há de se começar pelo início, pela prevenção. Investindo em educação e na profissionalização dos jovens para que, quando adultos, possam se ascender economicamente e se sustentar de forma digna, sem necessitar do uso de meios ilícitos.
Precisamos valorizar o jovem, considera-los como parceiros na caminhada para a construção de uma sociedade melhor. E não como os vilões que estão colocando toda uma nação em risco. Portanto precisamos de maiores investimentos nos jovens que são o futuro do nosso País. Trata-se de mudanças em longo prazo, não podendo ser resolvida de imediato.
A intenção deste trabalho não foi esgotar o assunto, mas sim trazer a reflexão para o tema e oferecer subsídios para uma discussão mais ponderada sobre o tema.
Advogado
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