Análise das visões argentina e brasileira sobre o direito de greve policial

Resumo: O presente estudo visa analisar a vedação ao direito de greve relacionado às forças policiais, defendendo a tese de que, por ser o policial um trabalhador, deveria ter assegurado o seu direito a reivindicar melhores condições de trabalho. Será dado um maior enfoque à questão do policial militar brasileiro, mas também haverá exposição da forma como a greve policial é tratada na Argentina.

Palavras-chave: Greve policial. Direitos humanos. Direito Constitucional.

Abstract: The present study aimed at sealing the right to strike associated to police forces, defending the thesis that, being the policeman a worker, should have secured their right to demand better working conditions. Will be given more focus to the question of Brazilian military police, but there will also be exposure of how the police strike is treated in Argentina.

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Keywords: Police strike. Human Rights. Constitutional Right.

Sumário: Introdução. 1. Greve no cenário internacional. 1.1.Organização Internacional do Trabalho. 1.1.1. Breve Histórico. 1.1.2. Organização Internacional do Trabalho e greve. 1.1.3. Organização das Nações Unidas. 1.1.3.1. Convenção Internacional das Nações Unidas de 1966. 2. Greve policial na Argentina. 3. Greve policial no Brasil. 5. Crítica à vedação do Direito de greve policial no Brasil. Conclusão. Referências.

Introdução

A presente monografia vai abordar a vedação ao direito de greve relacionado às forças policiais, defendendo a tese de que, por ser o policial um trabalhador, deveria ter assegurado o seu direito a reivindicar melhores condições de trabalho. Será dado um maior enfoque à questão do policial militar brasileiro, mas também haverá exposição da forma como a greve policial é tratada na Argentina.

No Brasil, a vedação ao direito de greve aos policiais militares se dá na própria Constituição Federal, confrontando aparentemente o direito de greve ali resguardado aos demais trabalhadores como um direito fundamental.

A legislação Argentina também traz expressamente na Constituição a vedação expressa ao direito de greve de policiais.

A verdade é que em ambos os países as forças policias são construídas com base na hierarquia, na relação vertical entre seus membros e que não se vislumbra a possibilidade de manutenção dessa relação de subordinação com a existência de uma entidade sindical.

Em contraste à esta realidade hierarquizada, temos trabalhadores que, assim como os demais, precisam ter suas reivindicações ouvidas e atendidas sob pena de desrespeito ao próprio princípio da dignidade da pessoa humana. Não se trata apenas da necessidade de proteção da segurança, trata-se também da necessidade de proteção aos direitos dos trabalhadores, daí porque a necessidade de mudança nas legislações em vigor. Greve no cenário internacional.

 1.Greve no cenário internacional

1.1.Organização Internacional do Trabalho

1.1.1. Breve Histórico

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência especializada da Organização das Nações Unidas, voltada às questões do trabalho. Foi criada em 1919, por meio do Tratado de Versalhes, o qual pôs fim à Primeira Guerra Mundial, e firmada com base no ideal de que somente será alcançada a paz universal e permanente se alcançada a justiça social.

Assim, a OIT é a entidade responsável pela criação de convenções e recomendações relacionadas ao trabalho, buscando sempre o alcance da justiça social, sendo importante destacar que ratificada uma convenção por um país, tem-se que esta passa fazer parte do ordenamento jurídico deste.

1.1.2.Organização Internacional do Trabalho e greve

A OIT possui um Comitê de Liberdade Sindical, o qual editou em conjunto com o Ministério do Trabalho do Brasil, uma espécie de manual contendo importantes informações relacionadas ao modo como a Organização Internacional do Trabalho enxerga a questão da greve de trabalhadores.

O referido manual alerta para o fato de que “nenhuma convenção ou recomendação internacional do trabalho reconhece o direito de greve nem trata dele explicitamente.”[1], dizendo que a palavra “greve” só aparece na Convenção nº 105 de 1957, de forma acidental, ao proibir o trabalho forçado em decorrência da participação em greves.

Apesar da existência de prévios debates acerca do tema, greve, a verdade é que pela OIT não foram originadas normas de cunho internacional tratando sobre o tema.

Entretanto, em que pese essa ausência de normatização expressa, a OIT defende claramente a liberdade sindical; principal responsável pelo agrupamento de trabalhadores que costuma preceder o movimento grevista.

Nesse ponto, insta revelar o conceito de greve trazido pela referida comissão: “o direito de greve é um dos meios essenciais e legítimos que dispõem os trabalhadores e suas organizações para a promoção e defesa de seus interesses econômicos e sociais”[2].

Dessa forma, é perfeitamente possível concluir que apesar de não tratar especificamente sobre o tema “greve” em qualquer norma, a OIT – via de regra – não se posiciona em desfavor de tais movimentos.

Entretanto, no que tange à greve relacionada aos policiais militares e forças armadas temos que o Comitê de Liberdade Sindical procura não contestar a legalidade d atos normativos que neguem o direito de greve aos membros das forças armadas e aos policiais militares por força do art. 9º da Convenção nº 87, abaixo colacionado:

“Art. 9 — 1. A medida segundo a qual as garantias previstas pela presente Convenção se aplicarão às forças armadas e à polícia será determinada pela legislação nacional.” (grifo acrescido)

Assim sendo, tendo determinada legislação nacional se posicionado de forma contrária à extensão do direito de greve aos policiais militares, a referida Comissão se abstém de realizar uma análise de mérito acerca do tema.

1.1.3.Organização das Nações Unidas

Formada por vários países que visam o desenvolvimento mundial e o trabalho pela paz, a Organização das Nações Unidas – ONU – é uma organização internacional fundada por meio da Carta das Nações Unidas, em 1945.

É formada por seis órgãos principais: a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado. Todos visam atender os propósitos da ONU, quais sejam:

“Os propósitos das Nações Unidas são:

-Manter a paz e a segurança internacionais;

-Desenvolver relações amistosas entre as nações;

-Realizar a cooperação internacional para resolver os problemas mundiais de caráter econômico, social, cultural e humanitário, promovendo o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais;

-Ser um centro destinado a harmonizar a ação dos povos para a consecução desses objetivos comuns.[3]

 1.1.3.1.Convenção Internacional das Nações Unidas de 1966

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A Convenção Internacional das Nações Unidas realizada em 1966, que tratou sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais deu origem a um Tratado, o qual fora baseado no princípio da pessoa humana e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

É no art. 8º do Tratado sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturas que pode ser encontrado o reconhecimento explícito ao direito de greve. Senão vejamos:

“Artigo 8º – 1. Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a garantir:

a) O direito de toda pessoa de fundar com outros sindicatos e de filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização interessada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias;

b) O direito dos sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de filiar-se às mesmas;

c) O direito dos sindicatos de exercer livremente suas atividades, sem quaisquer limitações além daquelas previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades das demais pessoas;

d) O direito de greve, exercido em conformidade com as leis de cada país.

2. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desses direitos pelos membros das forças armadas, da polícia ou da administração pública.”

(grifo acrescido)

Por este artigo temos que o direito de greve é reconhecido internacionalmente como garantidor da preservação do princípio da dignidade da pessoa humana, estando em perfeita sintonia com a Declaração dos Direitos Humanos.

É extremamente importante destacar aqui a regra trazida pelo item 2 do artigo 8º, a qual veda qualquer tentativa dos países membros em restringir os direitos nele garantido aos policiais militares e/ou membros das forças armadas. Assim, não se pode concluir outra coisa senão que aos países que aderiram a este tratado não é permitida a vedação ao direito de greve aos policiais.

É relevante informar por fim que Brasil e Argentina são países-membros da Organização das Nações Unidas desde o dia 24 de outubro de 1945[4].

2.Greve Policial na Argentina

O direito de greve é previsto no artigo 14 da Constituição Nacional Argentina, mas o artigo 28 do mesmo diploma legal acaba relativizando tais direitos, in verbis:

“Artículo 28.- Los principios, garantías y derechos reconocidos en los anteriores artículos, no podrán ser alterados por las leyes que reglamenten su ejercicio.”

Com base nisso, o preâmbulo II da Lei Orgânica 2/86 de 13 de março, que trata das forças e corpos de segurança nacional acaba por rechaçar a greve policial por entender que estes prestam serviço essencial que não pode ser interrompido. Nesse caso, inexiste proteção aos direitos pessoais e profissionais destes funcionários.

Ademais, PÉREZ[5] explica ainda que:

“Señala al respecto el apartado 8 del artículo 6 de la Ley Orgánica 21/1986, de 13 de marzo, que los miembros de las Fuerzas e Cuerpos de Seguridad no podrán ejercer en ningún caso el derecho de huelga, ni acciones substitutivas del mismo o concertadas com el fin de alterar el normal funcionamento de los servicios.

Dicho precepto constituye una excepción a lo dispuesto en el artículo 28.2 CE, donde se reconoce el derecho a la huelga de los trabajadores para la defensa de sus interesses.”

Olivia Sohr[6], ao tratar sobre uma movimentação policial reivindicando melhorias  salariais, ocorrida em 2013 na província de Córdoba, assim explicou:

“Hoy ninguna policía en la Argentina, ya sea nacional o provincial, tiene personería gremial: el Ministerio de Trabajo de la Nación rechazó todas las solicitudes de inscripción presentadas con esa intención.

 

En los considerandos

 de los rechazos, el Ministerio dejó asentado que “la tarea de seguridad que la ley impone a las fuerzas armadas y policiales, a partir de una organización jerárquica vertical, en un marco de disciplina, es esencial para el mantenimiento del orden interno de la fuerza y la operatividad en el cumplimiento de los objetivos a su cargo, los que se dificultarían considerablemente a partir de la constitución de un sindicato para estas categorías”.

Assim temos que, em verdade, a Argentina proíbe também a sindicalização dos membros das forças de segurança como forma de coibir o movimento que possivelmente derivaria desta sindicalização: a greve; restando ambos expressamente vedados pela legislação local.

1.Greve Policial no Brasil

No Brasil as polícias se dividem em federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civil e militar. Nele, tanto as polícias militares quanto os bombeiros militares são considerados Forças Auxiliares das Forças Armadas Nacionais. Vejamos o artigo da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) que embasa o acima exposto:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

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§ 6º – As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.”

Os integrantes das chamadas Forças Auxiliares estão, assim como os integrantes das Forças Armadas, subordinados hierarquicamente e estão sujeitos às penalidades legais impostas em caso de descumprimento de tal hierarquia e disciplina.

A CRFB/88, em seu artigo 9º, elenca o direito de greve como direito fundamental, in verbis:

“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º – A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”

A Constituição brasileira preceitua que uma lei definirá os serviços essenciais, serviços estes que não podem ter paralização total. Essa Lei é a nº 7.783/89, a conhecida Lei de Greve, que elenca no bojo do art. 10 os serviços considerados essenciais:

 “Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

        I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

        II – assistência médica e hospitalar;

        III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

        IV – funerários;

        V – transporte coletivo;

        VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;

        VII – telecomunicações;

        VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

        IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

        X – controle de tráfego aéreo;

        XI compensação bancária.

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.”

É importante ressaltar que a referida lei não traz nenhuma menção aos serviços prestados pelas forças policiais. A vedação à greve da polícia militar está na própria Constituição Federal, que no art. 42 acaba por vedar ao militar estadual o direito à sindicalização e à greve.

“Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.”(Grifos acrescidos)

Assim temos que, muito embora não seja a atividade do policial militar considerada como serviço essencial pela legislação infraconstitucional, a greve é proibida por força da classificação constitucional da atividade prestada pelo policial militar que equipara estes aos integrantes das Forças Armadas.

 3.Crítica à Vedação ao Direito de Greve do Policial Militar no Brasil

 Não se vislumbra motivo justo para manutenção de proibição de greve aos policiais militares com base na equiparação legal da atividade destes àquela realizada pelos integrantes das forças armadas, pois as funções constitucionalmente atribuídas aos policiais militares divergem daquelas conferidas aos membros do exército, marinha e aeronáutica. Para melhor compreensão do afirmado é importante a análise aos artigos da Constituição da República Federal do Brasil abaixo colacionados:

“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.(…)

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

§ 5º – às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.”(grifos acrescidos)

Às forças armadas cabe a proteção da pátria e à polícia cabe a preservação da ordem pública. Note que essas são duas atividades bem distintas: uma está preparada para guerrear – havendo necessidade, enquanto que a outra é destinada à proteção da ordem pública, dos limites legais impostos aos indivíduos visando o bem estar social – a repressão direta aos crimes.

Nesse meio, ganham destaque as palavras de Paulon[7]:

“Um militar é um membro de uma organização autorizada a usar a força, geralmente incluindo o uso de armas de fogo, na defesa do seu país através da luta real ou de ameaça percebidas.

A polícia, de acordo com o texto constitucional, possui como função a preservação da ordem pública, a das incolumidades pessoas e patrimônio. Trata-se indubitavelmente de atividade ligada a pôr em ação as limitações que a lei impõe à liberdade dos indivíduos e dos grupos para salvaguarda e manutenção da ordem pública, em suas várias manifestações.”

Não sendo as funções da polícia militar sequer semelhantes às atribuídas aos membros das forças armadas, não se pode sustentar que os policiais militares sejam privados de diversos direitos em razão da equiparação trazida no texto constitucional. Ou melhor, o que não se pode apoiar é que a referida Constituição traga tal previsão expressa de privação de direitos. Podendo-se dizer que o que se defende, portanto, a chamada “desmilitarização” da polícia ostensiva.

Entende-se, em verdade, que a aplicação de regime destinado aos integrantes das forças armadas aos policiais é exemplo claro de desrespeito aos princípios da dignidade da pessoa humana.

Insta destacar, ainda, que a desmilitarização da polícia no Brasil já chegou a ser recomendação do próprio Conselho de Direitos Humanos da ONU[8], medida tomada não visando o benefício dos policiais militares, mas sim da própria população diante da grande incidência de execuções extrajudiciais executadas pela polícia. Entretanto, entende-se que a desmilitarização da Polícia Militar traria aos integrantes desta corporação uma gama de direitos trabalhistas, tais como o de sindicalização e greve.

Não se pode dar o mesmo tratamento daqueles que guerrilham em defesa da pátria aos que atuam constantemente junto à população visando a garantia da ordem pública sem que se espere destes profissionais ações correspondentes às de guerra (execuções extrajudiciais); Afinal, como podem lidar satisfatoriamente com as questões que envolvem segurança pública quando sequer conseguem garantir suas próprias melhorias? São profissionais que têm seus direitos de sindicalização e greve vetados constitucionalmente em razão de infeliz equiparação atribuída pelo legislador. Aos policiais militares brasileiros inexiste alternativa para reivindicação de melhorias para a categoria profissional. São trabalhadores, como quaisquer outros, que não podem defender seus próprios direitos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 23, traz o seguinte:

“Artigo XXIII

1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2.Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3.Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus direitos.”(Grifo Acrescido)

Note que a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante a todos o direito de sindicalização, do qual certamente decorre o direito à greve como forma de busca de proteção aos direitos trabalhistas.

Ademais, é importante citar que a Constituição Federal brasileira não traz vedação ao direito de greve sequer àqueles que prestem serviços essenciais. O que há no ordenamento jurídico brasileiro são limites à greve, mas não vedação, de forma que novamente se torna insustentável a manutenção de proibição de direito de greve à policial militar quando essa não é vedada nem aos prestadores de serviços essenciais. Trata-se de patente desrespeito ao princípio da igualdade, consagrado – dentre outros – pela Constituição em questão, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pelo Pacto São José da Costa Rica.

Nessa linha de raciocínio, é perfeitamente possível entender que a vedação ao direito de greve aos policiais militares no Brasil implica claramente em ofensa aos direitos tidos como fundamentais pela Constituição Federal do país, bem como ao princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado internacionalmente; daí a necessidade de ser afastada tal proibição.

Conclusão

O presente trabalho demonstrou, de maneira sucinta, a forma como a greve de policiais é tratada no Brasil e na Argentina, restando claro que não se defende a posição de vedação de tal direito a esses trabalhadores, por entender que tal proibição é patente ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e de tantos outros que, de uma forma ou de outra, decorrem deste.

Inicialmente foi realizada uma análise relativa à forma como a greve é tratada internacionalmente, mais especificamente na ótica da Organização Internacional do Trabalho e da Organização das Nações Unidas.

Posteriormente, observou-se a realidade da Argentina e do Brasil, dando-se destaque ao último, ao qual se fez uma crítica expressa, deixando clara a posição desfavorável à proibição de greve aos policiais militares.

Negar o direito de defesa dos próprios interesses aos trabalhadores é torna-los escravos, é atar-lhes as mãos na luta em prol de seus próprios interesses. Imagine, atar as mãos de alguém em uma luta seria, no mínimo, injusto. Pois injusta é a vedação do acesso aos direitos trabalhistas aos policiais.

Referências  
(s.d.). Constituición de La Nación Argentina.
Constituição da República Federativa do Brasil. (5 de outubro de 1988). Brasília.
Duarte, D. (2014). Si sin trabajadores tienen derecho a sindicalizarse. Revista de Derecho Laboral Actualidad, 376.
Filas, R. E. (s.d.). Derecho sindical y organización internacional del trabajo. DTA 1988-A, 557.
Lei nº 7.783. (28 de junho de 1989). Brasília, Brasil.
ONU recomenda a desmilitarização da polícia no Brasil. (12 de 10 de 2014). Fonte: SINESP: http://www.sinsep-go.com.br/noticias/04/06/2012/3576.shtml
Organização Internacional do Trabalho. (1993). Princípios do Comitê de Liberdade Sindical Referentes a Greves. Brasília.
Países Membros. (11 de 10 de 2014). Fonte: Organização das Nações Unidas: http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/paises-membros/
Paula, I. L. (jan de 2014). O militar estadual visto como trabalhador à luz da Consittuição Federal. Fonte: Âmbito Jurídico: https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13643
Paulon, J. R. (2012). Direito de Greve dos Policiais e Bombeiros Militares: Fundamentos Jurídicos e Filosóficos. Rio de Janeiro, RJ, Brasil: Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro.
Pérez, F. A. (2004). Manual del Policía. La ley.
Propósitos e Princípios. (11 de 10 de 2014). Fonte: Organizaçaõ das Nações Unidas: http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/propositos-e-principios-da-onu/
Sohr, O. (12 de 10 de 2014). ¿Se pueden sindicalizar los policías? Fonte: http://chequeado.com/el-explicador/1859-ise-pueden-sindicalizar-los-policias.html


Notas:
[1] Organização Internacional do Trabalho. Princípios do Comitê de Liberdade Sindical Referentes a Greves. Brasília: 1993, p. 4.

[2] Ibid.

[3] Propósitos e Princípios da ONU. Disponível em: http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/propositos-e-principios-da-onu/. Acessado em 11/10/2014 às 20h11.

[4] ONU: Países Membros. Disponível em http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/paises-membros/. Acessado em 11/10/2014 às 20h26.

[5] PÉREZ, Francisco Alonso. Manual del Policía. 2ª Ed. La Ley: 2004.

[6] SOHR, Olívia. ¿Se pueden sindicalizar los policías?. Disponível em http://chequeado.com/el-explicador/1859-ise-pueden-sindicalizar-los-policias.html. Acessado em 12/10/2014 às 18h43.

[7] PAULON, João Renato Lima. Direito de Greve dos Policiais e Bombeiros Militares: Fundamentos Jurídicos e Filosóficos. Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012.

[8] ONU recomenda a desmilitarização da polícia no Brasil. Disponível em: http://www.sinsep-go.com.br/noticias/04/06/2012/3576.shtml. Acessado em 12/10/2014 às 12h53.


Informações Sobre o Autor

Sarah Correia de Souza

Advogada, doutoranda em Direito do Trabalho na Universidad de Buenos Aires


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