Análise de Constitucionalidade da Cláusula de Não Denunciação na Colaboração Premiada (§4º do art. 4º da Lei nº 12.850/2013)

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Jovilhiana Orrigo Ayricke

Resumo: Neste artigo a proposição é de análise sobre a constitucionalidade de um dos benefícios dispostos na nova Lei de Organizações Criminosas, que permite ao Ministério Público, durante a celebração de um acordo de colaboração premiada, estabelecer uma cláusula de não denunciação do agente pelos fatos versados no ajuste. A coleta de informações foi realizada por meio de consulta a autores que atualmente discutem as novas nuances da colaboração premiada, após a edição da lei nº 12.850/2013, bem como a julgamentos proferidos pelos tribunais superiores sobre o tema. Embora a disponibilidade regrada da ação penal pelo Ministério Público não seja novidade no ordenamento jurídico brasileiro, há consideráveis discordâncias entre os doutrinadores sobre a existência ou não de fundamento de validade constitucional para o benefício em análise. O Supremo Tribunal Federal tem acenado no sentido de reconhecer a validade e aplicabilidade da nova lei, de forma integral. Apesar de existirem discursos em contrário, verifica-se a existência de fundamentos constitucionais para a aplicação do benefício de não denunciação na colaboração premiada, mediante a ponderação dos princípios processuais dispostos na Constituição Federal e o atendimento aos requisitos especificados na lei nº 12.850/2013.

Palavras-chave: Colaboração premiada; não denunciação; disponibilidade regrada da ação penal; Ministério Público.

Abstract: In this article the proposal is to analyze the constitutionality of one of the benefits provided in the new Criminal Organizations Law, which allows the Public Prosecutor, during the celebration of an award-winning collaboration agreement, to establish a clause of non-denunciation of the agent by the facts the adjustment. The collection of information was done through consultation with authors who are currently discussing the new nuances of the award-winning collaboration, after the enactment of Law nº 12.850/2013, as well as judgments given by the higher courts on the subject. Although the criminal prosecution of the Public Prosecution Service is not new in the Brazilian legal system, there is considerable disagreement among the panelists regarding the existence or not of a constitutional validity basis for the benefit under analysis. The Federal Supreme Court has agreed to recognize the validity and applicability of the new law in a comprehensive manner. Although there are statements to the contrary, there are constitutional grounds for applying the benefit of non-denunciation in the awarded collaboration, by weighing the procedural principles set forth in the Federal Constitution and complying with the requirements specified in Law nº 12.850/2013.

Keywords: Award-winning collaboration; non-denunciation; controlled availability of criminal action; Public ministry.

 

Sumário: Introdução. 1. Ação penal pública e as mitigações do princípio da obrigatoriedade. 2. Colaboração premiada na Lei 12.850/2013. 2.1. Condições e procedimento. 2.2. Limites da análise do acordo de colaboração premiada pelo Poder Judiciário. 3. Quando o colaborador não é denunciado. 3.1. Condicionantes legais. 3.2. Argumentos sobre a inconstitucionalidade do benefício. 3.3. Fundamentos de constitucionalidade. Conclusão.

 

Introdução

A análise da constitucionalidade do benefício de não denunciação de colaboradores, no âmbito de aplicação da lei nº 12.850/2013, apresenta importância na medida em que, como meio de obtenção de prova, o acordo de colaboração premiada é, em geral, um rastilho que conduz à inevitável implosão de organizações criminosas.

Dentre os colaboradores identificados durante a investigação, seja pela Polícia ou pelo Ministério Público, é certo que o benefício mais almejado é o da não denunciação, pois impede a instauração de ações penais e, por conseguinte, condenações futuras, enquanto os demais benefícios aplicam-se a acusados condenados criminalmente ou, pelo menos, processados.

Sob a ótica do Ministério Público, dispor da ação penal exige sopesamento cuidadoso, diretamente relacionado à necessidade da colaboração premiada para o seguimento das investigações ou da persecução criminal.

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a existência de fundamentos sólidos de constitucionalidade do benefício da não denunciação na colaboração premiada. Para tanto, será necessário expor alguns dos argumentos usados no questionamento e na defesa da constitucionalidade do §4º do art. 4º da lei nº 12.850/2013, imiscuindo-se na discussão de constitucionalidade do próprio instituto da colaboração premiada.

 

  1. Ação penal pública e as mitigações do princípio da obrigatoriedade

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Ministério Público, com exclusividade, a titularidade da ação penal pública, seja incondicionada ou condicionada (art. 129, I). A única exceção constitucionalmente prevista para essa exclusividade é a de propositura de ação penal privada subsidiária, nos casos de inércia do Ministério Público.

Para delinear os contornos da ação penal pública, importante mencionar os seus princípios regentes, destacando-se dentre eles o princípio da obrigatoriedade, da indisponibilidade, da indivisibilidade, da oficialidade e da intranscendência, apontados de forma consentânea pelos estudiosos do Direito Processual Penal.

O princípio da obrigatoriedade está implícito no ordenamento constitucional e significa que, diante da comprovação de materialidade e autoria delitivas de um crime submetido à ação penal pública incondicionada (ou condicionada e existindo a representação válida), deve o Ministério Público agir. Não vige a discricionariedade, mas sim a obrigatoriedade de atuação.

Como fundamento constitucional direto, a obrigatoriedade da ação penal aparece como subprincípio ou uma regra constitucional advinda do princípio da legalidade. Na mesma toada estão os subprincípios da indisponibilidade e da indivisibilidade da ação penal pública.

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2015, p. 185),

“O ideal, por trás da obrigatoriedade, é a fidelidade ao interesse público quanto à ocorrência de determinados crimes, lesivos a importantes bens jurídicos tutelados. Portanto, eleito um bem jurídico de primeira grandeza, como a vida, materializado um homicídio (art. 121, CP), incide a ação penal pública incondicionada, significando haver interesse estatal necessário para apurar o caso, punindo, por meio do devido processo legal, o agente.”

O mesmo não ocorre quando se está diante de bens jurídicos de relevância parcial, tutelados por ação penal pública condicionada, com a atuação estatal limitada ao querer da vítima, ou ainda diante de crimes de ação penal privada, com iniciativa exclusiva da vítima, mediante queixa.

A necessidade de fundamentação da promoção de arquivamento também se relaciona à obrigatoriedade da ação penal pelo Ministério Público, pois há a necessidade de se conhecer os argumentos fáticos e jurídicos pelos quais a ação penal não será promovida, naquele caso específico.

Apresentando-se como uma continuação do princípio da obrigatoriedade no decorrer da ação penal, tem-se o também princípio da indisponibilidade, indicando que após a denúncia o processo penal deve seguir até o seu fim. É implícito na Constituição Federal e também decorre da legalidade.

De fato, não haveria sentido em impor ao Ministério Público a obrigatoriedade de, diante de justa causa, promover a ação penal, se dela pudesse desistir a qualquer tempo. Assim, como corolário da indisponibilidade, iniciada a ação penal, o Ministério Público deve dar continuidade ao processo até decisão judicial definitiva, ainda que pleiteie a absolvição própria ou imprópria do réu.

Segundo os ditames da indivisibilidade na ação penal, o Ministério Público não pode promover a acusação somente em face de alguns indivíduos, deixando outros ilesos da responsabilidade penal.

Por certo que essa vedação impede favorecimentos de acusados, de forma indevida. Existindo, pois, razões jurídicas para não promover a acusação, está o Ministério Público adstrito à legalidade, devendo então promover o arquivamento de situações nas quais transparecem, por exemplo, causas excludentes da ilicitude (art. 23 do Código Penal).

O princípio da oficialidade refere-se ao monopólio estatal para atuação no âmbito penal, impedindo a vingança privada e a realização da justiça pelas próprias mãos.

A oficialidade é a característica que se exige do Estado para atuar de forma legítima, por meio de órgãos especialmente constituídos para investigar, processar e aplicar as sanções penais, bem por isso “garante a isenção e a imparcialidade na apuração e punição de agentes criminosos, conferindo status oficial a qualquer medida coercitiva aos direitos individuais” (NUCCI, 2015, p. 111).

Embora não seja referido expressamente na Carta Maior, a natureza constitucional desse primado é inquestionável, pois se revela nos dispositivos que estabelecem a organização política da nação, em especial na divisão tripartite dos Poderes, na criação dos tribunais que compõem o Poder Judiciário e, por fim, no estabelecimento das funções essenciais à justiça, dentre elas o Ministério Público.

Por fim, tem-se o princípio da intranscendência, cuja finalidade é assegurar que a punição direta do Estado seja direcionada ao indivíduo processado, e não se espraie, atingindo terceiros não participantes do delito. As raízes constitucionais desse princípio estão nas garantias do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF), bem como na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF).

Expostos os princípios delineadores da ação penal pública, cabível retomar a análise da obrigatoriedade como ponto basilar no desenvolvimento do presente trabalho, já que o acordo de colaboração premiada que instituir como prêmio a não denunciação, afeta diretamente essa aparente imposição de movimentação da jurisdição penal pelo Ministério Público.

Muito antes da lei nº 12.850/2013, Luís Wanderley Gazoto (2003, p. 118) já criticava o formalismo aplicado ao Ministério Público por uma interpretação absoluta da obrigatoriedade na ação penal pública. Em suas palavras,

“a obrigatoriedade, como corolário do princípio da indisponibilidade do interesse público, jamais deve ser dissociada da função maior da administração pública, que é a busca do bem comum. Não se pode invocar o princípio da obrigatoriedade desvestindo-o da finalidade que lhe é inerente. Assim, poder-se-ia falar na existência de uma obrigatoriedade finalista na atuação ministerial.”

Em recomendação que permanece plenamente aplicável aos dias atuais, Gazoto (2003, p. 198) ressaltava que o Ministério Público, como instituição política promotora da persecução penal, precisava gerir de forma organizada as suas forças, para o atingimento do interesse público que lhe cabia proteger.

Com o estabelecimento de institutos inovadores no âmbito criminal, a lei nº 9.099/1995 deu ao Ministério Público os primeiros instrumentos de gestão da ação penal pública, regulamentando no ordenamento jurídico a mais clara exceção ao princípio da obrigatoriedade: a transação penal para os crimes de menor potencial ofensivo (art. 76 da lei nº 9.099/1995).

Diante da previsão constitucional expressa (art. 98, I, da CF), coube ao legislador ordinário apenas estabelecer os parâmetros de aplicação da transação penal, interpretada como um benefício aos infratores, sem maiores elucubrações.

A mesma lei de 1995 também estabeleceu uma direta exceção à indisponibilidade da ação penal, fazendo-o pela previsão do seu art. 89 ao criar a suspensão condicional do processo, aplicável a crimes com pena mínima abstrata igual ou inferior a um ano.

Embora sem expressa previsão desse instituto na Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do art. 89 da lei nº 9.099/1995, no julgamento do RHC nº 79.460[1].

As inovações trazidas pelos artigos 76 e 89 da lei nº 9.099/1995 causaram, na época, estranheza no mundo jurídico, principalmente para aqueles apegados ao formalismo e adeptos da atribuição de vínculos severos na atuação do Ministério Público.

Hodiernamente, os institutos despenalizadores aplicáveis à criminalidade de menor potencial ofensivo[2], sendo a suspensão condicional do processo estendida para além das fronteiras dos Juizados Especiais Criminais, são instrumentos de desburocratização e com finalidades inquestionavelmente voltadas para o interesse público, pois permitem a aplicação de medidas céleres a delitos cuja natureza dispensa um aprofundamento ou mesmo a demora da persecução penal.

Correto asseverar, portanto, que os instrumentos disponibilizados pela lei nº 9.099/1995 prestam-se a um melhor enfrentamento da criminalidade de menor gravidade e, sob esse aspecto, embora possam configurar mitigações dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pelo Ministério Público, realizam valores constitucionalmente abarcados, porquanto garantem maior eficiência ao sistema jurídico, com realização do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, obedecida a proporcionalidade entre os bens jurídicos protegidos e o sacrifício de pequena monta imposto ao agente infrator.

Outra mitigação à obrigatoriedade da ação penal pública está prevista no art. 87 da lei nº 12.529/2011[3], que trata das infrações à ordem econômica. Nesse dispositivo, a previsão é de extinção da punibilidade dos crimes após o cumprimento do acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.

A inserção de consequências criminais para o acordo de leniência firmado com o CADE foi realizada pela lei nº 10.149/2000, que alterou a então vigente Lei de Defesa da Concorrência (lei nº 8.884/1994), incluindo o art. 35-C[4] para prever como efeitos do acordo de leniência a suspensão do curso do prazo prescricional e o impedimento para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.

A redação do art. 35-C, trazido pela lei nº 10.149/2000, foi repetida em relação às consequências criminais e ampliada em seu alcance na lei nº 12.529/2011, passando a incluir, além dos crimes contra a ordem econômica, também aqueles diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os previstos na Lei de Licitações e a associação criminosa do Código Penal.

Segundo dispõe o artigo 87 da lei nº 12.529/2011, a assinatura de um acordo de leniência com o CADE “impede o oferecimento da denúncia” contra o signatário, numa proibição direta e incondicionada, muito diferente do âmbito de atuação previsto no §4º do art. 4º da lei nº 12.850/2013. Nesse último, a disposição é de que o Ministério Público “poderá” deixar de oferecer a denúncia, antevendo maior espaço para uma discricionariedade regrada.

Ainda na esteira do referido artigo da Lei de Defesa da Concorrência, é válido observar que uma interpretação literal sobre a legitimidade única do CADE para o acordo de leniência poderia conduzir a um entendimento de inconstitucionalidade, por afetação direta à competência privativa do Ministério Público para promover a ação penal (art. 129, I, da CF).

Para salvaguardar a validade dos acordos, verifica-se que o CADE realiza a negociação com a participação do Ministério Público, pois prevê esse contato como uma das fases da firmação do ajuste de leniência.

Francisco Schertel Mendes e Vinicius Marques de Carvalho (2017, p. 72) mencionam que é a participação do Ministério Público que torna o acordo de leniência atrativo para as pessoas físicas envolvidas nas práticas ilícitas, porque também passam a gozar da imunidade criminal dada à empresa signatária.

Sobre o assunto, o Guia publicado pelo CADE[5] apresenta os seguintes esclarecimentos:

“61. Como ocorre a participação do(s) Ministério(s) Público(s) no Acordo de Leniência? Apesar de os arts. 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 não exigirem expressamente a participação do Ministério Público para a celebração de Acordo de Leniência, a experiência consolidada do Cade é no sentido de viabilizar a participação do Ministério Público, titular privativo da ação penal pública e detentor de atribuição criminal, tendo em vista as repercussões criminais derivadas da leniência. Assim, o Ministério Público Estadual e/ou o Federal participa como agente interveniente no acordo, a fim de conferir maior segurança jurídica aos signatários do Acordo de Leniência, além de facilitar a investigação criminal do cartel (…).

  1. Como e quando é feito o contato com o(s) Ministério(s) Público(s)?

(…)

É facultado ao Ministério Público, como interveniente signatário, realizar questionamentos, solicitar alterações e requerer complementos ao Acordo de Leniência. Todavia, eventuais solicitações de alteração por parte do Ministério Público são geralmente intermediadas pela SG/Cade, tendo em vista a competência legal da SG/Cade para celebrar Acordos de Leniência (art. 86 da Lei nº 12.529/2011).”

Consoante dados obtidos nas estatísticas publicadas pelo CADE[6], o primeiro ajuste foi firmado em 2003 e, até 2017, o total é de 82 acordos de leniência no Brasil, com incremento dos números em 2015, 2016 e 2017, por decorrência dos fatos investigados na nominada “Operação Lava Jato”.

Malgrado não ser possível uma consulta ao teor dos acordos no sítio eletrônico do CADE, porquanto possuem conteúdo de acesso restrito, em pesquisa na rede mundial de computadores não se verificou a existência de informações sobre anulação de ajuste dessa natureza pelo Poder Judiciário. Da mesma forma, em busca na base de dados das ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal[7], não se identificou questionamento acerca da constitucionalidade do artigo 87 da lei nº 12.529/2011[8].

Nesse cenário já inaugurado pela transação penal nos Juizados Especiais Criminais e pela imunidade penal concedida pelo acordo de leniência com o CADE é que sobreveio, em 2013, por disposição do §4º do art. 4º da lei nº 12.850, a previsão de que o Ministério Público poderá firmar acordo de colaboração premiada contendo o benefício de não denunciação de agente criminoso.

 

  1. Colaboração premiada na Lei 12.850/2013

Em análise do ordenamento jurídico brasileiro, identifica-se que o deferimento de prêmio ao colaborador com a justiça criminal, como instrumento probatório e submetido à disciplina legal e apreciação pelo Poder Judiciário, advém desde a Lei do Colarinho Branco (lei nº 7.492/1986), portanto, antes da Constituição Federal de 1988.

A partir de então, diversas leis trouxeram previsões sobre a colaboração premiada ou o acordo de leniência[9], a exemplo da Lei de Crimes Hediondos (8.072/1990), Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária (8.137/1990), Lei de Combate ao Crime Organizado (9.034/1995), Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro (9.613/1998), Lei de Drogas (10.409/2002 e a atual 11.343/2006), Lei Antitruste ou de Defesa da Concorrência (12.529/2011), Lei Anticorrupção (12.846/2013) e, por fim, a nova Lei de Combate ao Crime Organizado (12.850/2013).

A manutenção desses instrumentos na legislação pátria, com preocupações de melhoria da disciplina legal e aumento do campo de incidência, é indicativo do que Antônio Henrique Graciano Suxberger e Demerval Farias Gomes Filho (2016) nominam de irreversibilidade da expansão do direito penal negocial no Brasil, advinda da necessidade de implantação de novos instrumentos de solução jurídica para os problemas penais. Segundo aduzem, o fundamento de negócio processual penal é o mesmo nas soluções despenalizadoras (transação e suspensão condicional do processo) e na colaboração premiada.

 

2.1. Condições e procedimento

O grande mérito da lei nº 12.850/2013 é possuir a regulamentação mais completa do tema colaboração premiada, sanando muitas dúvidas que surgiam no estudo e na aplicação do instituto. Devido às lacunas existentes nas leis anteriores, entende-se que a disciplina prevista nos artigos 4º a 7º da lei nº 12.850/2013 é geral e, portanto, aplicável a outros delitos além da criminalidade organizada.

As condições e o procedimento aplicável estão dispostos de forma expressa e detalhada nos artigos referidos. Nesse momento, para fins do presente trabalho, releva mencionar a vinculação que o legislador ordinário criou ao prever os resultados que, de forma isolada ou cumulativamente, precisam ser alcançados a partir de um acordo de colaboração premiada.[10]

Assim, é fundamental que as informações repassadas pelo colaborador gerem efeitos concretos na persecução penal dos crimes, com consistência e magnitude na identificação de agentes e apuração de fatos, sob pena de não restar realizado quaisquer dos resultados exigidos nos incisos do art. 4º da Lei nº 12.850/2013.

A ideia de consistência e magnitude das informações, a ponto de gerarem efeitos concretos na atividade persecutória da organização criminosa está diretamente relacionada à crise da investigação, já que casos de descoberta simples e de investigação fluida não seriam cenário para uma colaboração premiada de vulto.

Para além da identificação de um cenário fático caracterizador de uma crise de investigação, há uma análise necessária de extensão dos efeitos potencialmente gerados por uma colaboração e que, sob os aspectos objetivo e subjetivo, deverá ser diretamente proporcional aos prêmios ajustados com o colaborador.

Dentro da Lei de Organizações Criminosas há referências claras ao critério adotado pelo legislador na definição de extensão desse prêmio: a eficácia das revelações. Nesse sentido são os incisos do caput do art. 4º, a parte final do §1º, a referência à relevância da colaboração no §2º, e a previsão do inciso I do art. 6º sobre o conteúdo do termo de colaboração.

A par disso, o exame de validade e de proporcionalidade do ajuste ainda precisa passar pelo crivo dos critérios indicados no §1º do art. 4º da lei[11], pois são de consideração obrigatória e podem justificar, em determinados casos, que o Ministério Público negue a proposta de acordo de colaboração premiada, ou que o Poder Judiciário recuse a homologação de acordo apresentado pelo Ministério Público.

 

2.2. Limites da análise do acordo de colaboração premiada pelo Poder Judiciário

Para a preservação da imparcialidade, é recomendável que o Poder Judiciário mantenha o papel equidistante de analisar a colaboração premiada como um acordo já firmado entre Ministério Público e colaborador, voltando o olhar para a observância das formalidades legais do ajuste, inclusive quanto à voluntariedade da manifestação do agente.

No caso dos ajustes firmados na fase preliminar da investigação, é ainda mais salutar que o juiz competente para a análise e homologação se paute estritamente pela apreciação das formalidades e da legitimidade do acordo, no sentido de verificar os pressupostos legais e o atendimento aos direitos e garantias do colaborador, numa espécie de controle externo, sem qualquer envolvimento em ato de cunho investigatório.

O §6º do art. 4º da lei nº 12.850/2013 rechaça qualquer dúvida sobre o papel do magistrado na homologação do ajuste, reforçando a equidistância indispensável ao Poder Judiciário, ao asseverar que “o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração”.

Segundo o Min. Dias Toffoli, no voto condutor do Habeas corpus nº 127.483 no Supremo Tribunal Federal, “a homologação judicial constitui simples fator de atribuição de eficácia do acordo de colaboração”[12]. A avaliação do magistrado é de regularidade, legalidade e voluntariedade, critérios estabelecidos no §7º do artigo já referenciado, sem juízo de valor sobre o conteúdo das informações.[13]

Justamente por não realizar uma apreciação meritória do acordo, é que homologação não compromete antecipadamente o juiz com a concessão de prêmio ao agente. O deferimento do prêmio é uma etapa final, depois de encerrada a conduta colaborativa e verificados os fatos, quando então será possível apreciar a eficácia da colaboração, fator que direciona a aplicação dos benefícios.

Não significa que a apreciação e aplicação do prêmio ao colaborador torna-se ato discricionário do juiz, pois isso equivaleria ao esvaziamento do instituto da colaboração, por insegurança da medida. Há uma vinculação do Ministério Público e do Judiciário na aplicação do benefício, quando preenchidos os seus requisitos e cumpridas as obrigações pelo colaborador. O agente que renuncia ao direito constitucional do silêncio e, voluntariamente, colabora com a persecução penal, passa a ter direito subjetivo aos benefícios acordados, sendo nesse sentido o entendimento já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento acima referido.

Dessarte, após a execução da conduta colaborativa é que o juiz, munido das provas angariadas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, apreciará o conteúdo das declarações e do reforço probatório advindo da delação premiada, para então reconhecer o cumprimento ou não das condições ajustadas e aplicar ou não os prêmios acordados entre o agente e o Ministério Público. Nesse mister, sempre decidirá de forma justificada e passível de revisão pela instância superior.

 

  1. Quando o colaborador não é denunciado

No âmbito da colaboração premiada, o §4º do art. 4º da lei nº 12.850/2013 inovou ao assim dispor:

“§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:

I – não for o líder da organização criminosa;

II – for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.”

A inovação legislativa em questão não é absoluta, pois desde o ano de 2000 a antiga Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884/1994, com a redação dada pela lei nº 10.149/2000) estabelecia a possibilidade de não denunciação como prêmio em acordos de leniência de pessoas jurídicas com o CADE.

Consoante já asseverado, a disposição do antigo art. 35-C, inserido na lei nº 8.884/1994 pela lei nº 10.149/2000, foi repetida e ampliada no art. 87 da lei nº 12.529/2011, atualmente em vigor. E embora padecendo de séria atecnia, por não prever expressamente o Ministério Público como parte no acordo de leniência e por estabelecer um impedimento aparentemente direto e inafastável para a denúncia, o dispositivo em referência permanece válido e aplicável, não existindo notícias de seu questionamento por meio do controle concentrado de constitucionalidade.

Nessa toada, torna-se plenamente sustentável a validade constitucional da disposição trazida pela lei nº 12.850/2013, que apresenta melhor redação, condicionando a aplicação do benefício de não denunciação à satisfação dos requisitos dispostos nos dois incisos do §4º e, ainda, referenciando a discricionariedade regrada do Ministério Público por meio do verbo “poderá”.

É possível asseverar, então, que a cláusula de não denunciação constitui-se numa forma de imunidade penal concedida ao colaborador e servirá de fundamento para a promoção de arquivamento do inquérito policial perante o juízo criminal. Noutras palavras, tem-se um benefício com “natureza jurídica de causa extintiva da punibilidade sui generis” (BORGES, 2018, p. 91).

 

3.1. Condicionantes legais

As condicionantes impostas no §4º do art. 4º da lei nº 12.850/2013 são que o colaborador não figure como líder da organização criminosa e seja o primeiro a prestar efetiva colaboração.

O momento propício de celebração do acordo é, por evidente, a fase investigativa, em casos ainda não abarcados por outros acordos de colaboração premiada. Em tese, seria possível o ajuste no curso de uma ação penal movida em desfavor de terceiros. Todavia, é difícil vislumbrar interesse daquele que não foi originariamente denunciado em colaborar com a persecução criminal de outros. Esse interesse apenas surgiria se, no curso da ação penal, aportassem indícios comprometedores do pretenso delator e, nesse passo, para não ser denunciado futuramente, pleitearia o ajuste premiado. Mesmo assim, em relação ao pretenso delator, a fase não seria de ação penal, mas ainda de coleta inquisitiva de provas.

O primeiro requisito condicionante do benefício apresenta algumas dificuldades de verificação, pois depende de quantas informações os órgãos de investigação já possuem sobre o funcionamento de uma determinada organização criminosa.

Assim, tem-se que as investigações sobre a teia criminosa não podem estar muito avançadas, sob pena da colaboração não se justificar por ausência de emergência investigativa, nem tão rasas a ponto de não ser possível, naquele momento, perceber se há verossimilhança nas informações do pretenso colaborador ao se apresentar como mero integrante da organização, e não como um de seus líderes.

Não se olvida que a descoberta posterior de uma posição de liderança da organização criminosa pelo colaborador será causa de invalidade do ajuste, nesse ponto específico do prêmio de não denunciação. A ocultação dessa circunstância e o induzimento do Ministério Público a erro poderá, inclusive, invalidar todo o acordo. Entretanto, na prática, o cenário não é tão simples, pois é próprio das organizações criminosas a segmentação em grupos e o estabelecimento de níveis de proteção e sigilo sobre a figura do real líder.

Nota-se que a lei não exige que o agente integre a organização criminosa para figurar como colaborador. É possível, então, que um cooperador eventual, que tenha se aproximado da organização criminosa para delitos específicos, postule o benefício, desde que forneça à autoridade policial dados relevantes sobre a atuação e os membros da organização.

Entrementes, sendo um cooperador eventual, tal agente apresentará, em regra, informações mais restritas, que dependerão de uma maior atividade investigativa complementar.

Noutro norte, um efetivo integrante da organização criminosa terá condições de apresentar, em tese, informações mais robustas e seguras, não sendo desarrazoado afirmar que quanto mais próximo estiver da liderança da organização, mais dados e provas poderá apresentar num ajuste de colaboração premiada.

Aqui se percebe um tênue limite entre aquele que está próximo da liderança e ainda pode firmar um acordo com benefício de não denunciação, e aquele cujas informações e provas indiciam uma real situação de direção na organização, senão de modo integral no funcionamento da teia criminosa, ao menos em relação a alguma de suas vertentes, como a financeira, a política, a documental, a jurídica etc.

Se o benefício de não denunciação for interpretado como o maior dos prêmios que um colaborador poderia receber, ter-se-ia um paradoxo, porquanto o líder da organização criminosa e, nessa condição, o maior conhecedor do funcionamento delitivo e o que mais informações e provas poderia oferecer, estaria impedido de receber o prêmio mor.

Entretanto, a aferição da não denunciação como maior ou menor prêmio será possível somente no caso concreto. Há situações onde a prática delitiva confessada é tão ampla e grave que o impedimento do processo penal não se mostraria razoável, enquanto uma concessão de redução de pena privativa de liberdade ou substituição por restritivas de direito já se consubstanciaria em grande benefício dada a péssima situação processual.[14]

A segunda condicionante do benefício disposto no §4º do art. 4º da lei nº 12.850/2013 é a inauguração da colaboração premiada num determinado caso concreto.

O dispositivo é expresso quanto à exigência de efetividade na colaboração, significando que a existência de propostas ou mesmo de ajustes anteriores que não tenham apresentado resultado efetivo na investigação não será fator de impedimento para a celebração do acordo com previsão do prêmio de não denunciação.

Importante salientar que essas condicionantes legais constituem a base da discricionariedade regrada aplicada ao benefício da não denunciação na colaboração premiada. De início, o uso desses termos poderia conduzir à ideia de que o dispositivo em comento defere verdadeira discricionariedade ao membro do Ministério Público, para a decisão de denunciar ou não um determinado colaborador. Todavia, tal conclusão parece precipitada, pois o ordenamento jurídico brasileiro não comporta real discricionariedade, como aquela existente nos países de commom law.

Ao analisar a transação penal, Eugênio Pacelli de Oliveira (2008, p. 113) já advertia que a nominada discricionariedade regrada concedida pelo art. 76 da lei nº 9.099/1995 seria, na verdade, uma obrigatoriedade de fazer algo diverso. Segundo o autor,

“tratando-se de infração penal de menor potencial ofensivo, o Ministério Público deixou de ser obrigado à propositura da ação penal, exigência inerente ao modelo processual condenatório, para se ver igualmente obrigado a propor transação penal, desde que o alegado ou apontado autor do fato preencha as condições previstas nos art. 76, §2º, I, II e III, da mencionada lei.”

O raciocínio é plenamente aplicável ao benefício da não denunciação. Os requisitos estabelecidos são de ordem objetiva e não há ressalvas quanto à gravidade dos crimes perpetrados ou vulto da organização criminosa que se pretende desbaratar.

Assim, parece inevitável que os pretensos colaboradores, quando aparentemente preenchidos os requisitos do §4º do art. 4º da lei nº 12.850/2013, passem a pleitear, na fase de negociação, a aplicação do benefício da não denunciação pelo Ministério Público, podendo esse pleito gerar sérios entraves à negociação das condições e à consecução dos acordos.

 

3.2. Argumentos sobre a inconstitucionalidade do benefício

São diversos os argumentos invocados para a suscitação de inconstitucionalidade do prêmio disposto no §4º do art. 4º da lei nº 12.850/2013, dentre eles avulta-se a suposta afetação à obrigatoriedade do Ministério Público em promover a persecução penal dos infratores.

Leandro Sarcedo (2011) aduz que a possibilidade do Ministério Público transacionar com o delator, acordando que ele disporá do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório constitucionalmente garantidos, é algo que não se coaduna com o sistema acusatório e com a impossibilidade do órgão acusador de dispor da persecução penal ou mesmo de modular o pedido de condenação.

Referido autor reconhece que houve mitigação da obrigatoriedade da ação penal pela Constituição Federal de 1988, ao especificar valores como a moralidade, racionalidade, proporcionalidade e eficiência no Estado brasileiro. Todavia, sustenta que

“Isso se deu principalmente nos casos de bagatela e prescrição antecipada da pretensão punitiva, ou nas hipóteses às quais a própria ordem constitucional entendeu por bem reservar um espaço conciliatório, como nos casos de crimes de pequeno e médio poder ofensivo.” (SARCEDO, 2011)

Sob essa ótica, a ausência de previsão constitucional da colaboração premiada seria um fator decisivo de sua inconstitucionalidade, pois o acordo criado pela legislação ordinária é de natureza consensual, enquanto a obrigatoriedade continuaria sendo uma “pedra angular da persecução penal no Brasil” (SARCEDO, 2011).

Em complemento, invoca-se que a aplicação do benefício levaria à afetação do princípio da culpabilidade, afastando a proporcionalidade entre a pena e a gravidade do delito. De certo modo, nos casos com denúncia e prêmio de redução ou substituição de pena ou de perdão judicial, o Ministério Público estaria entabulando um acordo com “renúncia parcial à punição de autor de delito” (PEREIRA, 2016, p. 65). Se o caso for de não denunciação, a renúncia do Parquet seria total, deixando de punir o infrator.

Essa concepção é eminentemente retributiva da pena, e não se coaduna com o caráter de prevenção geral e ressocialização dos agentes. Na verdade, essa argumentação conduz à inversão na aplicação da culpabilidade, pois a proporcionalidade imposta entre crime e pena funciona como garantia individual para não ser penalizado em excesso, e não para garantir ao Estado limites mínimos de punição.

Assim, sob a ótica das garantias individuais no processo penal, o princípio da culpabilidade não serviria de fundamento para se exigir a imposição de uma penalização, mesmo mínima, ao infrator.

Não significa que não se possa, no âmbito constitucional, questionar a validade de respostas penais insignificantes. Entretanto, como aduz Frederico Valdez Pereira (2016, p. 68), tal perspectiva não pode se basear nos princípios individuais de refreamento da intervenção punitiva estatal, pois o que visam impedir é somente o excesso punitivo.

No que tange à relação entre o colaborador e os delatados, há argumentação no sentido de que o deferimento de benefícios ao primeiro acarretaria em ofensa ao princípio da isonomia. E essa diferenciação somente encontraria justificativa nas situações de emergência investigativa, restringindo assim a colaboração premiada aos crimes de maior periculosidade e com organização criminosa mais estruturada e complexa.

Contrariamente, significa que a aplicação da colaboração premiada a crimes praticados de forma associativa, porém sem a configuração da emergência investigativa, não apresentaria a justificativa maior para o tratamento diferenciado entre infratores.

Ao que se constata, desde a lei nº 12.850/2013 possibilitando maior aplicação do benefício, o Ministério Público tem utilizado a colaboração premiada de forma cautelosa e sensata, justamente para evitar o surgimento de obstáculos legais e jurisprudenciais à aplicação desse importante meio de obtenção de prova.

Ainda no cenário da alegada inconstitucionalidade, Vinicius Gomes de Vasconcelos, citado por Antônio Henrique Graciano Suxberger e Demerval Farias Gomes Filho (2016), sustenta que a colaboração premiada seria como um atestado tácito de deficiência do Estado na persecução de alguns delitos, passando-se a uma inversão do ônus probatório do órgão acusador (Ministério Público) para um dos sujeitos ativos da conduta criminosa (o pretenso colaborador). Haveria, também, uma limitação do contraditório e da ampla defesa pela coleta sigilosa das informações.

Em exame mais acurado desses argumentos, verifica-se que a colaboração premiada não gera desvirtuamento do ônus probatório no processo penal, podendo ser invocados dois motivos determinantes:

Primeiro, porque o órgão de acusação permanece imbuído da necessidade de produzir provas do ilícito, constituindo-se a delação num reforço probatório, de valor que será analisado pelo Poder Judiciário sob o manto do livre convencimento motivado. Deveras, nada impede que sejam os delatados e até mesmo o próprio colaborador absolvido por insuficiência de provas, se os elementos angariados na colaboração não encontrarem respaldo em outros colhidos no processo (art. 4º, §16, da lei nº 12.850/2013).

Segundo, porque não se pode confundir ônus do colaborador em provar a pertinência e a veracidade de suas alegações com o ônus processual da acusação, dirigido esse último à demonstração de materialidade e autoria delitivas, numa conduta juridicamente culpável.

Com isso, ao se referir à assunção de ônus probatório pelo colaborador, a interpretação é de que essa obrigação se restringe unicamente ao conteúdo de suas informações, que precisam ser corroboradas por outros elementos para embasarem a celebração do ajuste e o deferimento de benefícios. De qualquer forma, a sujeição à atitude cooperativa é sempre voluntária, sob pena de invalidade do acordo e, sob esse ângulo, a apresentação de elementos para corroboração das informações pelo delator apresenta-se muito mais como uma consequência da pretensão de ajuste premiado do que um ônus propriamente dito.

Quanto ao entendimento de que o sigilo das declarações do colaborador geraria uma limitação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, tem-se como totalmente superado diante da disciplina já aplicada amplamente pelos tribunais, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, em situações de contraditório diferido[15]. Ora, se a colaboração é meio para a obtenção de provas, não teria qualquer sentido possibilitar aos delatados o exercício de contraditório num ato que somente passa a ter validade reconhecida com a homologação judicial. Ademais, todas as provas eventualmente obtidas a partir da colaboração premiada serão submetidas ao crivo judicial e, durante a instrução processual, ao exercício da ampla defesa pelos denunciados.

O sigilo é, pois, temporário, conforme previsão do art. 7º da lei em comento[16]. De início, justifica-se para garantir a eficácia da investigação sobre os novos fatos e infratores mencionados pelo colaborador. A manutenção do sigilo para além do momento de recebimento da denúncia somente será possível por decisão justificada, passível de impugnação e, em especial, jamais se aplicará aos próprios denunciados da ação penal.

De forma coerente, Antônio Henrique Graciano Suxberger e Demerval Farias Gomes Filho (2016) mencionam o sigilo como uma proteção para os delatados, ao ressaltarem que

“a divulgação previa dos meios de prova e das informações trazidas pela colaboração deve ser combatida, dada a sua aptidão para gerar espetacularização midiática dos fatos que ainda não foram verificados, com prejuízos à imagem do futuro investigado que ainda não foi submetido ao devido processo legal.”

 

3.3. Fundamentos de constitucionalidade

Para avançar sobre os fundamentos constitucionais do benefício de não denunciação previsto na lei nº 12.850/2013, cabível trazer à baila as considerações acerca da constitucionalidade do próprio ajuste de colaboração premiada, pois as razões justificadoras desse instrumento procedimental também embasam a possibilidade de deferir ao infrator o prêmio de não ser denunciado, desde que atendidas as condicionantes legais.

Nesse cenário, exsurge o primado da proteção eficiente como dever do Estado, numa espécie de contraprestação ao cidadão que lhe confiou sua liberdade, trocando-a por segurança frente a eventuais abusos e ilícitos (GUARAGNI; SANTANA, 2016, p.165). Para tanto, exsurge também a necessidade de novos instrumentos para o enfrentamento da corrupção moderna, que é uma forma de subtração patrimonial da sociedade.

A proteção eficiente no âmbito do direito criminal não se restringe ao impedimento de abusos pelo Estado e à atuação limitada da persecução penal em face dos acusados, tendo como limites os direitos fundamentais. A eficiência exigida constitucionalmente impõe ao direito penal uma atuação consistente, válida e efetiva, que envolva não apenas a criminalidade de pequena monta, mas também, e principalmente, os ilícitos de grande vulto, complexos e de difícil elucidação processual.

Conforme ressalta Frederico Valdez Pereira (2016, p. 37), diante de um pretenso colaborador, “não importa esclarecer as razões pelas quais decidiu colaborar, o que somente renderia inúteis graduações de mérito com base moralista; a razão de ser do instituto é instrumental e utilitarista, inclusive, quase sempre, também pelo colaborador”.

Utilizando-se dos ensinamentos de Domenico Pulitanò, Pereira (2016, p. 38) ainda ressalta que é possível reconhecer no instituto da colaboração seus efeitos ressocializantes, pois a adesão denotaria diferença de periculosidade e uma aparente menor necessidade de reeducação, já que o agente rompe com o passado mediante práticas concretas de abandono do crime e desarticulação da associação criminosa. Bem por isso, o tratamento é diferenciado quando comparado ao agente que se mantém irredutivelmente fiel aos interesses do grupo criminoso.

O tratamento diferenciado emprestado ao agente colaborador encontra esteio constitucional no princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF), como ressalta Marcos Paulo Dutra Santos, citado por Cibele Benevides Guedes da Fonseca (2017, p. 104):

“A constitucionalidade da delação premiada, ante o princípio da individualização da pena, justifica-se porque a dosimetria leva em conta não apenas a reprovabilidade do fato, mas também as circunstâncias pessoais do agente. O comportamento deste, buscando remediar as consequências do injusto, jamais foi um indiferente penal (…). Se a simples confissão enseja a minoração da reprimenda – art. 65, III, d, do CP –, o que se dirá quando o acusado decidi colaborar com a persecução penal, trazendo um plus que não pode ser ignorado pelo Estado-juiz, na quantificação da resposta penal.”

A individualização da reprimenda no processo penal nada mais é do que uma especificidade da isonomia material ancorada na Constituição Federal (art. 5º, caput). Por conseguinte, sustenta-se que o agente colaborador cria para si uma situação diferente dos demais membros da organização criminosa, e em razão dela deve ser tratado de forma específica, de acordo com a disciplina dada pelo legislador.

Num aprofundamento do esteio constitucional da colaboração premiada, Walter Nunes da Silva Júnior (2008, p. 524) invoca a primeira parte do art. 144 da Constituição Federal, que estabelece a segurança pública como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. Nesse prisma, o acordo seria uma contribuição do agente infrator à sociedade em si, pois estaria ele a exercer um dever fundamental de contribuir para a segurança pública.

Dada a garantia constitucional de vedação à autoincriminação, não poderia o agente infrator ser obrigado a confessar práticas delitivas e delatar seus consortes. Exatamente por essa razão é que a colaboração premiada sempre esteve acompanhada da análise de espontaneidade ou voluntariedade. Não sendo obrigatória, o que a legislação faz é estabelecer incentivos à colaboração dos infratores na persecução penal, fazendo-o em prol da segurança pública, numa atuação consentânea com os órgãos de persecução do Estado.

Esse fundamento de constitucionalidade já foi invocado no Supremo Tribunal Federal, em voto do Ministro Carlos Ayres Brito no Habeas corpus nº 90.688/PR[17], em parte transcrita por Cibele Benevides Guedes da Fonseca (2017, p. 107):

“E vejo sempre a persecutio criminis ou o combate à criminalidade num contexto da segurança pública, que é matéria expressamente regrada pela Constituição no artigo 144, em que diz que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, visando à incolumidade das pessoas e do patrimônio. E o combate à criminalidade se dá exatamente nesse contexto. Como a segurança pública não é só dever do Estado, mas é direito e responsabilidade de todos, situo, nesse contexto, como constitucional a lei que trata da delação premiada. O delator, no fundo, à luz da Constituição, é um colaborador da justiça.”

Nota-se que o processo penal não pode ser interpretado e restringido como um procedimento destinado a garantir os direitos dos acusados, pois essa é apenas uma das facetas do sistema judiciário criminal. As funções de prevenção e repressão dos crimes permanecem como finalidades instrumentais do processo. Essa instrumentalidade advém da inegável existência de obrigações constitucionais de tutela penal eficiente para a proteção dos bens jurídicos, figurando o processo como o meio para a realização dos fins constitucionais.

Nesse passo, a colaboração premiada apresenta-se como um reforço repressivo, ante a constatação prévia de um bloqueio na investigação de delitos graves, praticados no seio de associações criminosas. Tal bloqueio é gerado pela inoperabilidade dos métodos tradicionais de investigação, quando aplicados à criminalidade moderna.

A constitucionalidade do prêmio deferido na colaboração reside justamente em reconhecer que não há igualdade substancial entre colaboradores e não colaboradores. O fator que os unia – a prática criminosa associativa – fica disperso diante da manifestação de vontade em abandonar os delitos e desmantelar a organização por meio de informações e provas. A partir dessa manifestação voluntária do colaborador, é inegável que ele se distancia dos não colaboradores, já que esses últimos permanecem leais ao pacto delituoso, por vezes reiterando e até incrementando o cenário de ilegalidades.

A análise da constitucionalidade da colaboração premiada e, no mesmo plano, do benefício de não denunciação, passa pela abordagem do valor probatório, que é relativo e depende de conjugação com outras provas, sem qualquer afetação ao livre convencimento motivado dos juízes.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou expressamente sobre esse tema, reforçando o que já está previsto na Lei nº 12.850/2013:

“AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO. TERMO DE DEPOIMENTO EM ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA DE VALOR PROBATÓRIO. AUTORIDADE DETENTORA DE FORO POR PRERROGATIVA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INEXISTÊNCIA. DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. 1. Os termos de depoimento prestados em acordo de colaboração premiada são, de forma isolada, desprovidos de valor probatório, nos termos do art. 4º, § 16, da Lei n. 12.850/13, razão pela qual, neste momento, devem ser submetidos ao procedimento de validação frente aos respectivos elementos de corroboração fornecidos pelo colaborador, até mesmo para que seja aferido o grau de eficácia da avença celebrada com o Ministério Público, imprescindível para a eventual aplicação dos benefícios negociados. 2. O termo de depoimento em análise não faz qualquer referência a autoridades detentoras de foro por prerrogativa nesta Suprema Corte, circunstância que demanda a remessa de cópia ao primeiro grau de jurisdição para o adequado tratamento. 3. Agravo regimental desprovido.”[18]

Desse modo, por mais que se tenha receio da aplicação desordenada e do mau uso da colaboração premiada no Brasil, percebe-se um caminho sem volta, porquanto é inquestionável a sua instrumentalidade como um reforço investigativo adequado para um melhor enfrentamento da criminalidade organizada.

Os resultados parciais já obtidos pela nominada “Operação Lava Jato” constituem-se num exemplo inequívoco dessa instrumentalidade. Somente nos processos sob a jurisdição da Justiça Federal no Paraná já foram proferidas 188 condenações criminais envolvendo delitos de difícil persecução, como corrupção, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, tráfico transnacional de drogas, lavagem de ativos e formação de organizações criminosas. Quase metade das acusações criminais ainda não foram julgadas, e não há divulgação de informações sobre as investigações em curso, de maneira que essas condenações representam apenas uma parte dos trabalhos desenvolvidos.

Naquele contexto, tem-se ainda que R$ 11,5 bilhões são alvo de recuperação por acordos de colaboração premiada, demonstrando que a instrumentalidade do instituto premial é ampla e, se bem empregada, pode tornar a jurisdição deveras mais efetiva no combate à criminalidade organizada[19].

Cumpre perceber que as balizas para a aplicação e validade da colaboração premiada, estando incluído ou não o prêmio da não denunciação, são as mesmas já incidentes sobre outros instrumentos investigativos que também importam sacrifício de direitos individuais, como é a interceptação telefônica, a captação ambiental, a infiltração de agentes etc.

No âmbito constitucional, o remédio para a identificação dos fundamentos de validade será sempre a utilização da ponderação de princípios[20]. É preciso sopesar, transacionar a aplicação deles, de modo que cada um dos postulados funcione como um limite à aplicação do outro, sem que seja considerado em absoluto e, em especial, sem que sua aplicação seja afastada por completo. A regra é a coexistência de princípios.

Com isso, tem-se uma aplicação conjunta de princípios como a obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal pelo Ministério Público, com a exigência de proteção eficiente dos bens jurídicos tutelados pelas normas penais. Num cenário concreto, torna-se possível considerar, então, que determinado colaborador não seja denunciado ou não sofra a integralidade das reprimendas penais se direciona esforços para fazer cessar uma prática delitiva grave.

E essa solução não traz qualquer afetação ao princípio da intranscendência, posto que esse vetor não se refere a toda a relação processual penal, mas somente aos fatores restritivos de direitos do acusado. Significa, portanto, que a ação penal pode gerar consequências para terceiros, como no caso de colaborações premiadas firmadas por réus serem utilizadas como meio de prova em face de outros indivíduos. Os efeitos, aqui, decorrem diretamente do instituto da colaboração premiada, realizada dentro ou fora, antes ou durante uma ação penal. Não são efeitos próprios da ação penal e, por isso, não se sujeitam aos limites do princípio da intranscendência.

Interessante argumentação é desenvolvida por André Luís Alves de Melo (2016) ao suscitar os princípios da autonomia do Ministério Público e da independência funcional do membro, com previsão constitucional, contrapondo-os à obrigatoriedade da ação penal, sem expressa previsão na Carta Maior. Ao avançar a análise sobre a legislação ordinária, referido autor chega a mencionar que a obrigatoriedade da ação penal seria um “mito” sustentado unicamente pelos artigos 24, 28, 42 e 576 do Código de Processo Penal, que datam de 1941, e que receberam interpretações fortemente influenciadas pela doutrina italiana, porém, na Itália, a obrigatoriedade tem previsão constitucional. Essa argumentação é recente e ainda comporta muitas críticas, sendo mencionada no presente trabalho apenas a título de exemplo do quão longe vai o questionamento acerca da natureza da obrigatoriedade como princípio e seu respaldo constitucional.

Em seguimento, dentre os vetores constitucionais que merecem invocação na aplicação da colaboração premiada está a máxima da proporcionalidade e seus subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação e a necessidade do instrumento são aferidas segundo os requisitos previstos na lei nº 12.850/2013, confrontados com o bloqueio investigativo do caso concreto, capaz de impedir a identificação e a responsabilização de infratores.

Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, salutar a observação de Frederico Valdez Pereira (2016, p. 111) sustentando

“a incidência de um juízo de proporção entre os bens jurídicos tutelados pelo tipos penais investigados e os crimes cometidos pelo arrependido, no sentido de que os delitos que se deixem de punir, ou sofrem redução de apenação em face da colaboração, não podem ser de maior gravidade do que os crimes que se pretendem esclarecer a partir do recurso ao arrependido.”

Justamente em razão disso é que o controle judicial deve se pautar também pela identificação de fatores que demonstrem a indispensabilidade da delação premiada no caso concreto, tornando-a legítima como meio de obtenção prova. Nesse ponto, ressalta-se a importância do Ministério Público em aceitar as manifestações de pretensos colaboradores apenas em casos nos quais, concretamente, se verifica uma emergência investigativa.

Ora, se o caso sob análise ministerial é passível de ser desvendado por outros meios de investigação, não haveria mesmo legitimidade na adoção de uma colaboração premiada para obter aquilo que já se obteria pelos meios tradicionais, sem afetação à pretensão punitiva do Estado.

Apesar da legislação não prever a indispensabilidade como pressuposto da medida, fazendo-o apenas para a técnica de infiltração de agentes (art. 10, §2º, da lei nº 12.850), é certo que a concessão premial é exceção aos princípios constitucionais já mencionados nesse trabalho, de maneira que a sua aplicação será sempre restritiva e justificada.

Como argumento nodal, tem-se ainda que a colaboração premiada é meio de obtenção de prova com fundamento constitucional reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, que já apreciou diversos casos concretos nos quais houve a aplicação do instituto atualmente regulamentado pela lei nº 12.850/2013[21].

No que tange especificamente à possibilidade de o Ministério Público estabelecer como prêmio a não denunciação de um infrator, transfigurado em colaborador, também já houve apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, que o fez recentemente (maio de 2017), em decisão monocrática de homologação dos acordos de delação premiada firmados entre o Ministério Público Federal e os empresários e executivos do grupo J&F, na Petição nº 7003, de relatoria do Ministro Edson Fachin[22].

Nesse caso, os acordos homologados ainda não foram exauridos, de maneira que não se chegou à fase de sentença e apreciação meritória das condições e dos prêmios acordados entre o Ministério Público e os colaboradores. Há até mesmo uma pretensão de rescisão de alguns desses acordos, por parte da Procuradoria-Geral da República, por suposto descumprimento de condições.

Apesar de ainda não ter avaliado, em caso concreto, o cabimento do prêmio de não-denunciação, a homologação dos acordos é um forte indicativo de aceitação da constitucionalidade do instituto, tanto pelo Ministro Relator, na Petição nº 7003, quanto pelos demais membros do Supremo Tribunal Federal, que ao julgarem a Petição 7074, em junho de 2017, nada suscitaram sobre o tema.

 

Conclusão

A abordagem da não denunciação como benefício no campo da colaboração premiada perpassa pela análise dos fundamentos de constitucionalidade do próprio acordo, como meio de obtenção de prova válido e necessário no cenário atual de combate às organizações criminosas.

Apesar de não ter previsão expressa na Constituição Federal, a cláusula de não denunciação encontra respaldo em diversos princípios acolhidos pela Carta Maior, apresentando-se como mais uma mitigação da obrigatoriedade da ação penal pública pelo Ministério Público, ao lado da transação penal nos crimes de menor potencial ofensivo, da suspensão condicional do processo e do acordo de leniência com o CADE.

No âmbito da lei nº 12.850/2013 cuidou o legislador ordinário de especificar condicionantes para a aplicação do referido benefício, vinculando a atuação e restringindo a discricionariedade do Ministério Público à demonstração de cabimento da medida, sob pena de não homologação do acordo pelo Poder Judiciário.

Assim, é possível concluir pela existência de fundamentos constitucionais para a aplicação do benefício de não denunciação na colaboração premiada, servindo como base a ponderação dos princípios da obrigatoriedade da ação penal pública, da proteção eficiente, da isonomia no seu aspecto substancial e da proporcionalidade, e como baliza, com fulcro na legalidade, os requisitos especificados na lei nº 12.850/2013.

 

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[1]RHC 79.460, Relator(a): Min. Nelson Jobim. Plenário do STF. Julgado em 16/12/1999. DJ 18-05-2001. Disponível em: <http://www.stf.jus.br> Acesso em: 22 mar. 2018.

[2]Delitos de menor potencial ofensivo são referidos, aqui, em contraposição a delitos de maior gravidade, não se restringindo apenas ao conceito do art. 61 da lei nº 9.099/1995.

[3]Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência.

Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.

[4]Art. 35-C. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137, de 27 de novembro de 1990, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia.

Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.

[5]Disponível em: <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia_programa-de-leniencia-do-cade-final.pdf>. Acesso em: 25 de mar. 2018.

[6]Disponível em: <http://www.cade.gov.br/assuntos/programa-de-leniencia>. Acesso em 25 de mar. 2018.

[7]Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/pesquisarPeticaoInicial.asp>. Acesso em 25 de mar. 2018.

[8]Em relação à indispensabilidade da atuação do Ministério Público no acordo que negocia benefícios ao colaborador, pende de julgamento no Supremo tribunal Federal a ADI 5508, proposta pela Procuradoria-Geral da República, sustentando a inconstitucionalidade da previsão contida na lei nº 12.850/2013 (art. 4º, §§ 2º e 6º), de celebração de acordo de colaboração premiada entre interessado e o delegado de polícia, com mera “manifestação” do Ministério Público.

[9]Colaboração premiada é a nomenclatura, em geral, utilizada pelo legislador para os acordos com infratores pessoas físicas, enquanto o acordo de leniência destina-se às pessoas jurídicas. Apesar da diferente nomenclatura, a essência dos ajustes é a mesma e pauta-se pela colaboração do agente infrator.

[10]Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

[11]Art. 4º (…).

  • 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

[12]HC 127.483, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2015, Processo eletrônico DJe-021 divulg. 03-02-2016 public. 04-02-2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br> Acesso em: 22 mar. 2018.

[13]Cibele Benevides Guedes da Fonseca (2017, p. 124) menciona que, no caso da Operação Lava Jato, o juízo de primeiro grau exigiu adequação de certas cláusulas nos acordos apresentados pelo Ministério Público, sem deixar de homologá-los ao final. No âmbito do STF, o Ministro Teori Zavascki deixou de homologar uma cláusula do acordo de colaboração premiada, por entendê-la inconstitucional ao vedar o direito do colaborador ao duplo grau de jurisdição.

[14]O acordo de colaboração premiada firmado entre o Ministério Público Federal e o empresário Joesley Mendonça Batista ainda depende de decisão judicial sobre a pretensa revogação (STF. Inquérito 4327. Relator Ministro Edson Fachin). No caso, o prêmio previsto era de não denunciação e, ao ser publicado pela imprensa, o acordo gerou acalorados debates quanto à pertinência do benefício sobre práticas reiteradas e gravíssimas de corrupção sistemática.

[15]No âmbito do STJ é possível mencionar como precedentes os Agravos Regimentais no HC 414.463/SP e os Embargos de Declarações no REsp 1292124/PR. No STF podem ser mencionados os julgamentos proferidos no HC 122939, HC 90485, AP 470 EDj-décimos primeiros e AP 565, todos com abordagens sobre a constitucionalidade do contraditório diferido ou postergado no processo penal brasileiro.

[16]Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.

  • 1º As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
  • 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
  • 3º O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5º.

[17]STF. HC 90.688, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 12/02/2008, DJe-074 divulg. 24-04-2008 public. 25-04-2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br> Acesso em: 30 mar. 2018.

[18]STF. Pet 6667 AgR, Relator(a): Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 25/08/2017, acórdão eletrônico DJe-200 divulg. 04-09-2017 public. 05-09-2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br> Acesso em: 05 abr. 2018.

[19]Informações obtidas no sítio eletrônico criado pelo Ministério Público Federal para divulgação de dados do “Caso Lava Jato”, com atualização até 21 de março de 2018. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/atuacao-na-1a-instancia/atuacao-na-1a-instancia/parana/resultado>. Acesso em 28 mar. 2018.

[20]O método de ponderação é a forma característica de aplicação dos princípios, entre os quais não há relações absolutas de precedência. Castanheira Neves, citado por Frederico Valdez Pereira (2016, p. 93), refere-se especificamente ao processo penal, dizendo que os princípios fundamentais do processo penal não convergem num mesmo sentido, mas ao reverso, coexistem numa relação de contraposição. Essa lição estende-se, por lógico, a todas as demais matérias, porquanto o tensionamento entre princípios é próprio do sistema jurídico.

[21]Em pesquisa simples na jurisprudência do tribunal é possível identificar algumas dezenas de acórdãos proferidos em casos envolvendo colaboração premiada, antes e depois da lei nº12.850/2013. Dentre todos os julgados, o mais emblemático é o do Habeas corpus nº 127.483, julgado pelo Tribunal Pleno em 27/08/2015, com aprofundamento de discussões sobre a natureza e validade do acordo, valor probatório e aplicação dos benefícios.

[22]É possível consultar o acompanhamento processual da Petição nº 7003 no STF (disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5183169>. Acesso em 25 mar. 2018), todavia os acordos de delação e a decisão homologatória não foram publicadas porque, na época, estavam sob sigilo. O conteúdo pode ser visto em <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2017/05/homologacao-PET_7003_VOLUME.pdf>, tratando-se de cópia parcial do processo junto ao STF, publicada pelo sítio eletrônico do Jornal Estadão, após o afastamento do sigilo pelo Ministro Relator Edson Fachin.