Resumo: As discussões sobre o foro por prerrogativa de função estão sempre voltando a mídia quando casos de grande repercussão, como a famosa lava-jato estão em evidência. Dessa maneira, afirma-se que há uma necessidade de se entender melhor qual a função do foro por prerrogativa de função analisando o voto do Ministro Luis Roberto Barroso sobre o tema e fazendo uma análise critico-hermenêutica sobre o assunto. [1]
Palavras-chave: foro por prerrogativa de função; foro privilegiado;
Abstract: Discussions about the forum by function prerogative are always coming back to the media when high-profile cases such as the famous jet lag are in evidence. In this way, it is stated that there is a need to better understand the function of the forum by virtue of function by analyzing the vote of Minister Luis Roberto Barroso on the subject and making a critical-hermeneutic analysis on the subject.
Keywords: Forum by function prerogative; privileged forum;
Sumário: Introdução. Análise hermenêutica do foro por prerrogativa de função. Conclusão. Referências
Introdução
A Constituição Federal em seu artigo 102, I, “b” afirma que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente ações penais de qualquer delito em que figure como acusado, quem, que, por sua função exercida possua como garantia a prerrogativa de foro por função. Assim, o preceito é norma de caráter absoluto, gerando a nulidade do processo caso não seja respeitado.
Atribui-se ao foro privilegiado causas de extinção da punibilidade principalmente por prescrição. Assim, caso uma pessoa que ainda não tem a referida garantia cometa um crime, será processada em juízo de primeiro grau, e, inicia-se a ação penal, e quando adquire a função que lhe confere foro privilegiado, seu processo é direcionado ao Tribunal competente, sendo o STF. Pelo lapso temporal entre essas modificações de competência, muitos acabam tendo seus crimes declarados prescritos, gerando impunidade.
I- Análise hermenêutica do foro por prerrogativa de função
Não se constitui como uma verdade autêntica a hipótese lançada pelo ministro Barroso no sentido de que o político com mandato, acusado de caixa dois, não teria foro privilegiado porque o fato se deu em momento anterior ao início do mandato. Não é isso o que a Constituição determina.
Também cabe mencionar que a hipótese ventilada pelo ministro Barroso encontra óbice em algumas garantias fundamentais determinadas pela Constituição, quais sejam: juiz natural e devido processo legal. Neste sentido leciona Aury Lopes Jr:
“Quando o processo inicia e se desenvolve frente a um juiz incompetente e, em grau recursal, é reconhecida a incompetência, pensamos que o processo deve ser anulado ab initio, com repetição de todos os atos. Somente assim se assegura a eficácia do princípio do devido processo legal, vinculado que está à garantia do juiz natural’’ (LOPES, 2014, p.506)
Com efeito, cabe ressaltar que o STF não pode ignorar o que preceitua a Constituição sem observar os procedimentos inerentes ao Controle de Constitucionalidade. Para Lenio Streck, uma das causas na crise de baixa constitucionalidade que assolam o Brasil são decisões nos moldes desta hipótese ventilada pelo ministro Barroso, qual seja, o positivismo subjetivo/solipsista, em que os juízes buscam racionalizar o Direito através de sua própria consciência:
“No momento em que o Poder Judiciário continua julgando de forma solipsista, como se não houvesse ocorrido o “acontecimento da Constituição” pode-se dizer que estamos diante de uma crise de paradigmas. Essa crise se sustenta em um imaginário dogmático-positivista: embora a Constituição aponte para um novo Direito de perfil transformador, nossos juristas, inseridos nesse senso comum teórico, continuam a “operar” (salas de aula, doutrina e práticas tribunalícias), como se o Direito fosse uma técnica, ou seja, uma mera racionalização instrumental.” ( STRECK., Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. Pg. 30)
Os ministros do STF não são os donos da Constituição, não devem interpretar a Constituição de forma absolutamente contrária ao que nela está determinado. Nenhuma razão pessoal, econômica, ou, como no caso, política por pressão popular, pode ser motivo para que se relativize a Constituição. A interpretação da Constituição não é um ato de vontade dos juízes.
Ainda, por derradeiro, dizer que as pessoas que possuem foro privilegiado possuem um dito “privilégio” em seu julgamento é errôneo, posto que na verdade não terão o duplo grau de jurisdição, não existindo a quem recorrer após a análise do pelo STF da causa.
Assim, quando o Ministro Barroso afirma que o sistema de foro por prerrogativa de função foi feito para não funcionar está cedendo a questões de pressão popular, agindo de forma ativista, solipista.
Tentar utilizar da Jurisdição Constitucional, através de emenda para alteração ou supressão da própria constituição não pode ser permitido, conforme trecho:
“(…)uma norma jurídica é válida somente se estiver em conformidade com a Constituição, a aferição dessa conformidade exige uma pré-compreensão acerca do sentido de (e da) Constituição. Não se interpreta, assim, um texto jurídico (um dispositivo, uma lei etc) desvinculado da antecipação de sentido representado pelo sentido que o intérprete tem da Constituição. ” (STRECK, 2013a, p.209)
Dessa forma, o respeito a Constituição é necessário, cabendo ao STF resguardar, e não suprimir. Ora, como pode ser possível que os ministros da corte máxima brasileira interpretem a Constituição contra a própria Constituição? Como se a Constituição fosse uma espécie de empecilho para a efetivação da própria Constituição?
Ainda, dizer que o conceito de foro de prerrogativa de função denota fatos antanhos quando eram utilizados para a proteção dos detentores do poder cai por água, pois ser julgado por tribunal, ou Superior Tribunal Federal é, como já dito, até ruim, pois não se terá a quem recorrer.
Assim, quando o Ministro afirma que se o fato é praticado antes de ser investido no cargo, deve ser julgado inteiramente pelo juiz de primeiro grau não se justifica, posto que quando investido, os autos são remetidos ao tribunal competente, aproveitando-se os atos praticados, assim, possíveis provas, também serão utilizadas pela jurisdição constitucional.
Há de se entender que o respeito à Constituição, é uma verdadeira ferramenta de efetivação da democracia, existem formas de alterar normas constitucionais previstas na Constituição, e estas devem ser respeitadas. Não é através de solipsismos dos ministros do STF que a justiça será efetivada da forma como deve ser, assim entende STRECK (2013a,p.58) ‘’Ora, o direito não é aquilo que o intérprete que que ele seja. Portanto, o direito não é aquilo que o Tribunal, no seu conjunto ou na individualidade de seus componentes’’.
A interpretação da Constituição em respeito à correta aplicação da hermenêutica, enfrenta uma espécie de conflito constante entre justiça e segurança jurídica. O juiz, por um lado, deve dizer o Direito de forma adequada ao caso concreto, e a segurança jurídica, do outro lado, tem o condão de sujeitar o juiz ao que está positivado na norma. Este paradigma não pode se sujeitar de forma absoluta a nenhuma das duas hipóteses, sob pena de voltarmos ao positivismo objetivista, que simplesmente busca subsumir uma norma positivada a um caso concreto, ou de entregarmos o Direito para o ativismo dos juízes através de argumentações fundadas em sua moral íntima, incorrendo no positivismo subjetivista.
O ponto que chegamos é que não há necessidade de se defender o foro, ou a forma como a Constituição traz a questão da prerrogativa de foro privilegiado, à determinados ocupantes de determinadas funções, deve simplesmente ser mantida pois assim está posto em seu texto.
A mudança da norma constitucional deve se dar através das ferramentas de controle de constitucionalidade previstas na própria Constituição, e não por interpretações pessoais dos ministros. Assim, cita-se os dois trechos do despacho proferido pelo ministro Barroso onde o assunto em questão foi tratado, para explicitar o caráter subjetivista da hipótese ventilada pelo ministro: ”Eu sinto que todas as autoridades públicas hão de ser submetidas a julgamento, nas causas penais, perante os magistrados de primeiro grau.”; “(..)acho que o STF talvez devesse, enquanto a Constituição mantiver essas inúmeras hipóteses de prerrogativa de foro, interpretar a regra constitucional nos seguintes termos: enquanto não for alterada a Constituição, a prerrogativa de foro seria cabível apenas para os delitos cometidos em razão do ofício.”
Acerca da tese de morosidade existente na solução dos casos pelo STF não pode ser usada, pois, conforme demostrado por Lenio Streck em recente artigo publicado em coluna jurídica, que:
“E, atenção: ainda assim, a amostra de 2015 para cá é representativa. Processos autuados no primeiro semestre de 2015 já contam com algo entre 1 ano e 9 meses a 2 anos e 3 meses de tramitação. As ações penais distribuídas ao STF no 1º Semestre de 2015 estão, em sua maioria, julgadas, ou em vias de ser. Foram autuadas 42 ações penais nesse intervalo de tempo (são 46 números de atuação, números 903 a 948, mas tiveram atuação cancelada os números 909, 910, 934 e 948). Dezoito dessas ações penais foram julgadas. Duas foram suspensas, para negociação da suspensão condicional do processo, o que representa a tramitação regular para o tipo de crime envolvido.” (STRECK, 2017a)
Assim, parece que o que se busca, e isso não é novidade para a área jurídica, é que sempre se deseja a condenação, mas nem sempre existem todos os elementos aptos para tanto. Assim, a prerrogativa de função acaba por ser entendida como um empecilho para que a “justiça seja feita”, deve-se atentar a ideia que a prerrogativa é de função, e não pessoal, quando a função cessa, a prerrogativa também, a fim de se evitar que não haja a possibilidade do uso do duplo grau.
Ademais, importa destacar que o enfraquecimento do direito é culpado por permitir que ações como estas tenham possibilidade ocorrer, uma vez que conforme Lenio Streck, “formou-se o habitus, no interior do qual a Constituição é apenas mais uma lei”, abrindo precedentes para que a norma de caráter absoluto possa ser abatida do ordenamento.
Ainda, o STF quando assume posições que são claramente contrárias a Constituição assume papel de proprietário e detentor dela, podendo então, utilizando da fama de instituição séria, fazer barbaridades, como a que permitiu a execução da pena sem o trânsito em julgado. Não estranho que aconteça o que o Ministro Barroso sustenta, posto que a sociedade não acordou para o novo paradigma da Constituição desde sua promulgação, assim, cabe aos juristas e aos acadêmicos pensar e tentar criticar argumentos que destoam da norma maior, da Constituição. Assim, como dito por Lenio Streck:
“O drama da discricionariedade aqui criticada é que essa transforma os juízes em legisladores. Isso enfraquece a autonomia do Direito, conquistada, principalmente, no paradigma do Estado Democrático de Direito. Combater a discricionariedade não significa dizer que os juízes não criam direito (sem olvidar o relevante fato de que, no mais das vezes, a discricionariedade se transforma em arbitrariedade, soçobrando, assim, o direito produzido democraticamente)” (STRECK, 2009)
Dessa forma, o STF passou a legislar, e, nem todos perceberam, muitos até aplaudem os argumentos como os do Ministro Luís Roberto Barroso, que tomam posições ativistas, positivistas e solipsista, sob o título de buscar a justiça.
Não se pode dizer a prerrogativa de foro especial para quem ocupa cargo elencado no artigo 102 da CF/88 é certa ou errada, mas o fato de estar na Constituição lhe atribui valor indispensável e de norma de caráter absoluto, e isto necessita permanecer no ordenamento, ou, até que pelo método correto, hermeneuticamente correto, seja retirada.
Por esse motivo, quando o Ministro Barroso afirma que a foro de prerrogativa de função seja utilizado somente quando do exercício da função, e, portanto, sendo o delito julgado por juiz de primeiro grau mesmo que esteja investido em cargo que lhe confere prerrogativa, fere a Constituição.
Assim, não se pode permitir quer por pressões políticas, quer populares, quer econômicas a Constituição seja violada. O Ministro Barroso sustenta que “O STF tem de julgar menos para poder julgar com mais qualidade”, e, assim, com ar subjetivista, solipsista, argumenta que retirar a sua competência originária prevista no art. 102 irá desafogar o Tribunal, permitindo que questões mais “sérias” sejam analisadas.
Conclusão
Enfim, as decisões judiciais não devem interpretar a Constituição de forma individual subjetivista, como pretendido pelo ministro Barroso. O ativismo judicial não pode atropelar a Constituição, pois é só através da Constituição que pode se efetivar o Estado Democrático de Direito. O Direito não pode perder a autonomia, que também reflete na efetivação da democracia, em virtude de decisões meramente políticas, acarretadas por pressão popular. A interpretação e aplicação da Constituição não pode atrelada a pontos de vista pessoais dos magistrados. A resposta hermeneuticamente correta deve ser buscada na Constituição, e não na moral pessoal dos juízes
Acadêmicos de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande
Acadêmico de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande
Acadêmica de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande
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