Análise sobre a revelia e seus efeitos

O presente artigo tomou por base a obra intitulada “Revelia e seus efeitos” de autoria de Umberto Bara Bresolin, da coleção Atlas de Processo Civil, sob a coordenação de Carlos Alberto Carmona. Aliás, a quem rendo sinceras homenagens por seu trabalho.


A quem rendo sinceras homenagens principalmente por adentrar em tema tão pouco esclarecido tanto pela doutrina como pela jurisprudência.


Representa a revelia do réu a situação de inatividade total do demandado que, apesar de regularmente citado e chamado para o processo, desatende completamente o ônus de responder e não comparecer ao processo.


Analisaremos então de forma crítica e com ênfase publicista principalmente em face da instrumentalidade das formas, suas possíveis conseqüências da revelia, que são chamadas ordinariamente de efeitos da revelia.


A princípio temos a presunção relativa que reputa com verdadeira a alegação produzida pelo demandante (art. 319 do CPC) propiciando, portanto o julgamento antecipado da lide conforme aduz o art. 330, II do CPC e, ainda, o curso dos prazos contra o revel, independentemente de intimação (aliás, o art. 322 do CPC com a edição da Lei 11.380/2006 ganhou nova redação, in verbis: “Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório.” [1]*


E, ainda seu parágrafo único, aduz: “O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar.” Portanto, a revelia não opera a exclusão do réu e nem veda sua participação ulterior na relação jurídica processual.


Apesar de permitir a intervenção do réu em qualquer fase do procedimento, sem retroação da matéria preclusa. Recente ressalva no CPC pátrio restringe o efeito contra o revel sem patrono nos autos no que tange ao transcurso de prazos sem prévia comunicação.


Em alguns dos ordenamentos processuais estrangeiros modernos mais relevantes que influenciaram o ordenamento pátrio, como no caso do direito alemão, tido como paradigma do chamado sistema da ficta confessio refere-se à principal conseqüência da revelia, prevista no art. 319 do CPC, como no direito português e italiano que têm por base o sistema da ficta litiscontestatio presente no sistema argentino, uruguaio e o CPC Tipo para Íbero-América.


A doutrina ressalta que em face do caráter publicista do processo, deve-se enfatizar o incremento dos poderes instrutórios do juiz e defendido sua participação ativa na fase probatória, ainda que o direito material em discussão seja disponível, com o objetivo de buscar na medida do possível, a verdade real quanto aos fatos alegados pelas partes.*[2]


Lembremos que o atual do CPC acolheu sistema fundado na discutível orientação de que aquele que deixa de defender-se provavelmente não tem razão e impôs conseqüências aparentemente drásticas para a revelia, conforme indica os termos do art. 319 e 322 do CPC, permitindo ainda o julgamento antecipado da lide (art. 330, inciso II do CPC).


Diante de severa disciplina legal, J. J. Calmon de Passos que ressalta que o revel deixou de ser ausente para se tornar um delinqüente… Portanto, m a revelia é tratada por vezes como se fosse grave delito ou pecado mortal.


O enfoque privatista pode conduzir a indesejáveis resultados principalmente por ameaçar a pacificação com justiça, não sendo só prejudicial ao revel, mas igualmente para toda a sociedade e a busca da verdade. Um processo injusto é um desserviço para toda a sociedade e motivo de intranqüilidade.


Mais atinente à realidade e aos reais escopos do processo no cenário contemporâneo tanto a jurisprudência como legislador (através das sucessivas ondas de reforma do CPC) têm abrandado proporcionalmente os rigores dos efeitos da revelia e combatido especialmente a idéia de que o magistrado deveria ater-se somente e automaticamente a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo demandado apenas porque não impugnados pelo réu, mesmo que sua consciência lhe apontasse justamente para o contrário.*[3]


Infelizmente a doutrina processual civil não tem dedicado a devida atenção que o tema requer, embora que grande parte dos manuais encampe e encoraje a grande tendência jurisprudencial flexibililzadora dos efeitos da revelia.


É curial que logo de plano, distinguir revelia e contumácia. Primeiramente etimologicamente, pois rebellis é palavra do latim que significa rebelde, revoltado enquanto que contumax, com sentido de aquele que resiste. A contumácia era expressão utilizada pelo Direito Romano clássico e justinianeu, para designar aquele, que devidamente citado, não comparecia em juízo.


A doutrina pátria majoritária distingue a revelia da contumácia. A contumácia é o gênero que compreende, de modo mais amplo, a inatividade em qualquer processo. A expressão revelia deve ser reservada para designar tão-somente a modalidade restrita de inatividade caracterizada pela não-apresentação de resposta, aplicável somente ao réu nos processos de conhecimento e cautelar.


A revelia é, portanto para tal corrente, uma espécie do gênero contumácia. A doutrina de modo em geral, conceitua revelia como audiência de contestação, quando na verdade, a audiência de contestação relaciona-se com um dos efeitos da revelia, o principal deles, que é presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial.


Outros doutrinadores, focados nos aspectos históricos e principalmente de direito estrangeiro, consideram contumácia e revelia como termos sinônimos, concluindo que tais expressões podem até ser empregadas indistintamente (é o entendimento de Calmon de Passos posto que entenda que ambas as expressões significam o fenômeno do desatendimento, pelas partes, do dever ou do ônus, tanto de atuar como comparecer).


Em tempo, é importante apontar que no procedimento sumário, aonde se requer no chamamento do processo, seu comparecimento a audiência de conciliação, ocorre primeiramente a contumácia e depois a revelia, pois desatende ao ônus de responder.


Merece destaque especial o entendimento de Rogério Lauria Tucci que esclarece ser a revelia, efeito da contumácia, e na atual fase da ciência processual com precisão se distingue a revelia da contumácia, como estado de fato, e de seus efeitos, tidos como conseqüências desse estado de fato.


Vistoriando a doutrina ligada a família jurídica romano-germânica evidenciamos que no ordenamento italiano a contumácia, no direito alemão é kontumaz, já na Espanha e demais países de origem ibérica, o fenômeno é indicado pela expressão rebeldia.


A preferência por uma ou outra expressão depende então da tradição legislativa e doutrinária. Então o CPC Brasileiro e o português mencionam apenas a revelia[4]. Mas destacamos que a revelia é sempre do réu, ao passo que a contumácia pode ser tanto do réu como do autor.


A noção mais lato sensu da inatividade de qualquer das partes em qualquer processo, caracterizada pela não-realização de algum ato processual, mais precisamente de um ônus, a que a doutrina majoritária chamou contumácia, fosse designada simplesmente pelo termo inatividade.


Para se compreender de forma mais adequada o tema é mesmo indispensável um mergulho no Direito Romano e, percebemos que o processo civil romano é dividido em três grandes períodos: legis actiones (desde a fundação de Roma, em 754 a.C., até os fins da República); outro período é o per formulas (introduzido pela Lex Aebutia – art.149-126 a.C.) oficializado pela Lex Julia privatorum 17 a.C., vigorando até a época de Diocleciano – 282-305 d.C.), que em conjunto com o período anterior constitui a denominada ordo iudiciorum privatorum e, por fim, cognitio extra ordinem (desde o advento do principado – 27 a. C – até a queda do Império Romano do Ocidente).


Importante observar ainda que durante a fase do ordo iudiciorum privatorum a instância era bipartida: iniciava-se o processo perante o pretor (fase in iure), que posteriormente prosseguia o iudex ou arbiter (fase apud iudicem); tal bipartição desapareceu na cognitio extra ordinem.


No período mais antigo do Direito Romano, legis actiones para o processo pudesse ter início (fase in iure), deveria o autor promover a citação do réu, denominado in ius vocatio.  O processo só passava a existir se autor e réu comparecessem diante do pretor (a única exceção era a pignoris capio), que permitia que o credor se apoderasse de bens do devedor.


A Lei das XII Tábuas determinava que “se alguém é chamado a juízo, compareça; se não comparecer, aquele que o citou tome testemunhas e o agarre, se procurar enganar ou fugir, o que citou pode lançar mão sobre o citado” (1.1. e 2) e conduzi-lo oborto collo (pela gola da roupa) à presença do pretor. De qualquer modo, se o réu fosse idoso ou estivesse doente, deveria o autor fornecer-lhe um cavalo ou carro, não necessariamente coberto.


Em tal período romano, o processo guardava natureza eminentemente privada e a presença de ambos litigantes, era indispensável a presença tanto do demandante como do demandado para que pudessem celebrar a litiscontestatio, através da qual concordavam em participar da fase apud iudicem e ainda se submeterem ao resultado do julgamento então proferido. Como não se poderia conceber o processo na ausência de um dos litigantes, não havia que se falar de contumácia.


Na fase apud iudicem, após a celebração da litiscontestatio, a parte autora ou ré que abandonasse o processo e não comparecesse perante o iudex até o meio-dia perdia a causa em favor da parte presente: post merediem praesenti litis addicticito.


Na segunda etapa evolutiva do processo romano conhecemos a ordo iuduciorum privatorum, na fase in iure, embora a in ius vacatio, regra geral, ainda fosse necessária, poderia haver uso da força física para trazer o réu à presença do pretor, mas começou gradativamente ser substituída por outros meios de coerção, tais como multas e perdas de bens.


Para que o processo existisse faticamente, era imperiosa a presença de ambos litigantes diante do pretor, razão pela qual inexistia ainda a figura da contumácia. Logo o não comparecimento em juízo impedia que fosse o litigante considerado indefensus e sofresse graves sanções.


A indefensio que com a contumácia não se confunde, justificava a concessão de missio in bona, aliás, Buzaid observou que no antigo processo romano tanto no período das legis actiones como no formular (per formulas), era indispensável à presença das duas partes para constituição do juízo, a ocultação do devedor obstava a realização dos fins do processo e da justiça, foi para suprir essa lacuna, que o pretor concedeu a missio in bona contra devedor qui fraudatoris causa latitat.*[5]


A concessão do missio in bona justificava a imissão do adversário na posse dos bens do litigante ausente, e, em alguns casos, permitia bonorum venditio (até o produto da venda).


Permanecia o mesmo tratamento na fase apud iudicem, bem como o período das legis actiones, julgando-se a causa em favor da parte presente. Naquela época a simples ausência do réu implicava automaticamente na procedência do pedido do demandante.


Somente com o fim da ordo iudiciorum, com a extinção da bipartição das instâncias, advindo o fortalecimento do Estado e, ipso facto, a publicização do processo, apenas no período extraordionaria cognitio é que cogita propriamente de contumácia.


Nessa fase em especial do antigo processo romano, a citação era chamado de evocatio, realizada com a intermediação do magistrado. Se o réu não fosse encontrado, expediam-se editais. Assim depois de três vezes chamados por edital num intervalo de dez dias, permanecendo o réu ausente, expedia-se, um derradeiro chamado, denominado edictum peremptorium, através do qual o magistrado advertia que procederia à cognitio mesmo na ausência do réu.


Não comparecendo o réu em juízo nessa primeira ocasião na qual sua presença era exigida, restava plenamente caracterizada a contumácia.


Diferentemente do que acontecia na ordo, na cognitio extraordinem o processo se iniciava mesmo sem a presença do réu e prosseguia. Mas seu julgamento não era, contudo determinado pela contumácia, desta forma era possível ao juiz decidir a causa mesmo que favoravelmente ao réu ausente. Embora fosse possível o réu ausente vencer a demanda, ante a contumácia, seria este necessariamente condenado à contumácia.


Se sucumbisse, não poderia apelar, restando-lhe apenas a restitutio integrum para tentar corrigir a eventual injustiça da sentença. Se fosse o autor a abandonar o processo, também seria declarado contumax e igualmente condenado a indenizar ao réu pelos prejuízos eventualmente causados.


Pelo direito justinianeu uma vez declarada a contumácia do réu, o juiz examinava a causa e acolhia ou rejeitava a actio, segundo os seus fundamentos, restando válida a regra de que o réu que tivesse razão, mesmo que revel, vencia a contenda.


Assim o contumaz era obrigatoriamente condenado nas custas e despesas do processo, e devia ainda indenizar os prejuízos causados ao seu adversário, condição inafastável para que pudesse, em determinadas hipóteses, purgar sua contumácia. Não podia o contumaz apelar, mas lhe mantinha assegurado o direito de se valer da restitutio integrum.


Analisando o direito germânico percebemos que se coloca em contraposição ao direito romano, e ao traçar ainda que superficialmente os lineamentos da contumácia e seus efeitos no direito germânico (principalmente a partir do século III – quando da invasão germânica do Império Romano).


A organização social germânica tinha como núcleo basilar a sippe (família germânica) e cuja convivência era baseada na idéia de Fridr (paz), a violação ao direito permitia a vingança do ofendido, a composição entre as partes e, renunciando-se a tais soluções, recorria-se ao processo perante o concelho.


O processo oral assemelhava-se a um combate. O antigo processo germânico se dividia em duas fases, onde a primeira seria essencialmente privada, realizada sem intervenção do magistrado, iniciava-se com mannitio (citação) do adversário para que comparecesse perante o mallum (tribunal); na segunda fase produziam-se as provas perante o tribunal e realizava-se o julgamento.


No processo germânico havia excessiva relevância das provas que não se destinavam a formar convencimento do julgador acerca da verdade das alegações de fato deduzidas no processo, ao revés, tinham finalidades em si mesmas e, seu resultado forçosamente conduzia à fixação da sentença, de maneira puramente formal.


Daí a doutrina considerar que existia nessa época um tipo peculiar de prova legal, que deveria observar rigorosas formalidades e conduzia aos resultados incontroversos. Acreditava-se na intervenção divina no resultado da prova, o que justificava a adoção das ordálias, dos Juízos de Deus e dos duelos judiciais.


Ao contrário da tradição jurídica romana, o processo germânico impunha severas conseqüências à contumácia, em desfavor do ausente. A contumácia tinha caráter de delito e impunha graves sanções ao contumaz, que perdia a demanda e ainda era condenado ao pagamento de multa em favor do adversário e das despesas processuais.


O rigor do tratamento dispensado ao réu contumaz se explica notadamente porque, no antigo processo germânico, o ônus da prova incumbia não a quem alegava (como ocorria em regra no Direito Romano) mas sim, a quem negava. Assim incumbia ao réu provar que o autor não tinha o direito que alegava.


Assim para que se alcançasse a fase probatória no processo era necessário que o réu negasse expressamente as alegações do autor, deveria o réu negar solenemente diante do Tribunal os fatos alegados pelo demandante, para que na segunda fase, pudesse ter a oportunidade de provar sua inocorrência.


Só poderia ocorrer se o réu atendesse à mannitio e atuasse de modo a impugnar as alegações feitas pelo autor. Sendo contumaz o réu seja por não comparecer, seja por não atuar no processo para negar as afirmações do autor, desnecessário seria que se produzisse qualquer prova.


Pois os fatos alegados pelo demandante eram formalmente tidos como verdadeiros e vinculavam o juiz e as partes. Em regra, o réu perdia a demanda, e cabia ao autor desde logo, acionar a via executiva para materializar sua pretensão.


Nas leis dos francos, além da perda da demanda, se o réu não comparecesse diante do tribunal na primeira fase do processo, poderia sofrer o banno que correspondia que o contumaz e seus bens seriam postos fora da lei.


Se o réu após comparecer a primeira fase processual, vier ulteriormente ausentar-se da segunda fase, além de perder a demanda, o credor poderia executar seus bens mediante garantia dos próprios. Se revel o autor, a ausência na primeira fase processual impunha multa e vedação de repropor a mesma ação pelo prazo de um ano; se ausente na segunda fase processual implicava a perda da demanda (desde que o réu tivesse negado as alegações do autor).


Enquanto que nas leis carolíngeas já se consignava algum progresso. Pois se o réu deixasse de comparecer a primeira fase, sofria seqüestro de todos seus bens pelo prazo de um ano (missio possessionis euis in bannum), período pelo qual podia o revel comparecer, apresentar defesa e recuperar os bens. Se, no entanto, permanecesse revel e ausente depois de tal prazo, tais bens seriam definitivamente atribuídos ao adversário.


Se ausente o autor na segunda fase do processo, não mais era automaticamente condenado: apenas atribuía-se ao réu o direito de produzir a prova e obter o julgamento do mérito da causa.


Adentremos mormente a traçar as formas que o Direito Canônico tratou a contumácia e a revelia.


O Direito Canônico apesar de ter absorvido a influência do processo germânico, notadamente a partir do século XI (quando se começa o período de estabilização do direito canônico), passou a contribuir fortemente para o resgate de principais princípios do Direito Romano principalmente no que concernem as provas, especialmente no tocante ao livre convencimento do juiz e o ônus da prova atribuído ao autor, o que contribui decisivamente para suprimir as ordálias e para a configuração moderna dos regramentos sobre as provas.


Nessa conhecida fase de estabilização do direito canônico, a contumácia se revela pela ausência da parte no processo, tinha a peculiaridade de ser considerada como pecado, por representar soberba, arrogância, desprezo à autoridade, punida por isso com excomunhão.


Já na época da consolidação do direito canônico (do século XIII ao XV) nas Decretais de Gregório IX (1234) veio instituído importante princípio acerca da contumácia, denominado accusatio contumaciae instituindo que: a contumácia não mais poderia ser decretada de ofício, mas tão-somente a pedido da parte contrária, além disso, previu-se a concessão de apelo ao contumaz.


Observe que os efeitos decorrentes da contumácia eram distintos se a ausência ocorresse antes ou depois da litiscontestatio. Pois antes, o autor, tal qual no direito carolíngio obtinha desde logo, após a cognição sumária com a imissão na posse dos bens do réu, se este não comparece e nem se defende dentro do prazo de um ano, o autor após promover a nova citação e após nova cognição pelo juiz, recebia definitivamente a posse dos bens do réu. Havendo diferenças entre ações reais (posse da coisa demandada) e pessoais (posse de bens garantisse o valor do crédito).


Se a contumácia do réu ocorresse após litiscontestatio, duas situações poderiam ocorrer: caso existissem elementos suficientes para o juiz proferir decisão favorável ao autor, assim se procedia, com julgamento definitivo; caso contrário (si non liquet), o autor era imitido apenas provisoriamente na posse dos bens do réu que poderia reavê-los.


Sendo contumaz o autor antes da litiscontestatio, podia o réu optar entre a absolvição da instância ou prosseguimento do processo; nesta última hipótese, se o réu conseguisse provar suas alegações, vencia a demanda; caso contrário, o processo se extinguia ad observatione iudicii (sem julgamento do mérito), não sendo proferida decisão em favor do ausente.


Se a contumácia do autor ocorresse depois da litiscontestatio, havendo elementos suficientes para tanto, o juiz devia julgar o mérito em favor de quem tivesse razão (mesmo que ausente); caso contrário, o processo se extinguia ab observatione iudicii.


Advém do Direito Canônico a distinção da contumácia propriamente dita e a contumácia in respondendo, na qual a parte comparecia ao processo, mas deixava de manifestar-se sobre as alegações da parte contrária, seja silenciando ou se manifestando de forma obscura.


Nesse caso, ocorria a ficta confessio, admitindo-se francamente como verdadeiros os fatos não impugnados pelo adversário. Merece destaque ainda a condenação obrigatória do contumaz nas despesas processuais, mesmo que vencesse a causa e, ainda a possibilidade do contumaz pleitear a concessão de restitutio in integrum, a qualquer tempo, desde que apresentasse prova de legítimo impedimento para o comparecimento no processo.


Convém destacar que as conseqüências da revelia e da contumácia foram deverasmente abrandadas. Com efeito, o cânone 1592, primeiro parágrafo do Código de Direito Canônico de 1983 (que é o vigente atualmente), prevê que a parte demandada que não comparece ao juízo, o juiz apenas declarará o fato, e determinará o prosseguimento do processo, sem imputar à contumácia qualquer relevância ao deslinde das questões submetidas ao julgamento.


Porém, ante o comparecimento tardio do réu no processo, desde que ocorra antes da definição da causa, poderá apresentar suas conclusões e produzir provas, todavia o juiz deverá cuidar para que o processo não se protraia propositadamente com longos e desnecessários atrasos.


Prevê o atual Código Canônico que o revel poderá fazer impugnações contra a sentença, e ainda se valer da querela de nulidade se não teve culpa em sua ausência em juízo (cânone 1593, segundo parágrafo), inovando em razão do código anterior de 1917 que previa ao contumaz apenas a restitutio integrum, silenciando quanto aos demais ordinários meios de impugnação de sentença.


A dominação romana sobre a península ibérica costuma ser dividida em duas fases: fase de conquista, que principia em 218 a. C., com a Segunda Guerra Púnica, e termina em 19 a.C., com o domínio dos territórios cantábricos e astures; e fase de romanização, com a lenta e gradual assimilação da cultura e do Direito Romano pelos povos locais, marcada especialmente pela concessão da latinidade aos habitantes da Península (Vespasiano – 73/74 d.C.) e pela concessão de cidadania a todos os súditos livres do Império (Caracala – 212 d.C.).


Inegavelmente das relevantes fontes jurídicas que contribuíram inegavelmente para a formação do direito lusitano, é: o Código Visigótico, ou Liber Iudiciorum, ou ainda, na denominação que os espanhóis deram Fuero Juzgo (que previa a aplicação de multa ao revel e até de chibatadas).


Sobre a revelia no direito visigótico, observa-se que iniciado o processo, o réu era convocado através da epístola ou sigillum encaminhado por meio de um oficial da autoridade judicial, a comparecer perante Tribunal dentro do prazo fixado, que variava em razão da distância entre o lugar onde vivia e a sede do juízo. Se o réu comparecesse, poderia incorrer nos efeitos da revelia: multa, açoites, jejum, conforme a condição do litigante convocado. Não se aplicava, contudo, a pena de infâmia.


Era tão relevante o dever comparecimento perante o Tribunal que a lei visigótica exigia empenho dos juízes e saiões neste sentido, conferindo-lhes poderes para, coercitivamente, fazer com que as partes se apresentassem no dia e local aprazados, dando-se, desde logo, cobro à demanda.


Além de tais efeitos, ausente o réu, a coisa litigiosa era desde logo atribuído ao autor. Poderia o réu tentar reaver a coisa, comparecendo tardiamente ao processo, pagasse a multa, justificasse sua ausência e apresentasse suas razões.


Tinha menos de sessenta anos de vigência tinha o Fuero Juzgo quando, em 711, após a batalha de Guadalete, foi o Reino visigótico invadido e conquistado pelos muçulmanos, que reduziram os vencidos às montanhas das Astúrias. E cerca de oito séculos duraram os embates até que finalmente em 1492, com a rendição do reino islâmico de Granada, lograram os cristãos reconquistar definitivamente a península.


Apesar das significativas influências que a ocupação moura trouxe nos campos científicos e artísticos, no entanto, não se fez sentir de maneira tão aguda, no campo jurídico.


É bem evidenciado que o direito muçulmano tem natureza essencialmente confessional, sendo retirados da religião inúmeros critérios normativos. E, a religião e o direito islâmico não foram impostos aos antigos ocupantes do reino visigótico. Ao contrário, os mouros não desejavam maiores contatos com os cristãos, exceto no que tange à cobrança de juros e tributos.


Permanece o Fuero Juzgo entre os cristãos como principal fonte formal de direito positivo, vigorando até meados do século XII. Dadas as peculiaridades da época, contudo sua aplicação era bastante reduzida. Destacavam-se também as cartas de privilégio e os forais, contribuindo para a formação de um direito estratificado e de aplicação limitada às respectivas localidades.


Ensina Mário Julio de Almeida Costa Azevedo que o único direito capaz de se transmitir facilmente e oralmente (e ainda atender as exigências das classes menos favorecidas da população) era o direito costumeiro, caracterizado pelas velhas práticas germânicas. De forma que o processo ritualizava-se perante o concelho, instaurando-se cum rancura ou sine rancura. No primeiro tipo particularizado pela imediatidade do clamor do ofendido, dispensavam-se maiores provas, decidindo prontamente o concelho.


No primeiro caso, marcado pela imediatidade do clamor do ofendido, dispensavam-se maiores proveras, decidindo prontamente o concelho. Já no segundo caso (sine rancura) poderia se proceder per enquissa, buscando-se a descoberta da verdade através de testemunhas e documentos, com ônus da prova atribuído ao réu, ou se decidia pelo duelo judiciário ou juízos de Deus.


É bom frisar que os testemunhos só se tornaram freqüentes com o aumento da população, sendo vedado depor contra membro da mesma comunidade, num primeiro momento prevaleceram mesmo as ordálias e o duelo judiciário.


Também a revelia do réu possivelmente produzia as mesmas conseqüências observadas no processo germânico: o revel sofria sanções pecuniárias, o autor poderia imitir-se na posse dos bens do revel, os fatos alegados pelo demandante eram formalmente tidos por verdadeiros, de modo vinculante para o juiz e para as partes; em regra, o réu perdia a demanda e desde logo se abria para o autor a via executiva para satisfação de sua pretensão.


Na segunda metade do século XI ocorreu verdadeira revolução na sociedade européia ocidental: foi o chamando primeiro Renascimento, momento marcado pelo revivescimento econômico cultural, a grande verve cristã tratou de reviver seu próprio passado greco-romano, reaparecendo o interesse pelo estudo científico do direito.


A Igreja detinha vasto conhecimento sobre as normas romanas e por conta dos manuscritos conservados nas bibliotecas dos mosteiros e abadias, eram tantas fontes existentes que até então, preocupava-se em ordenar e sistematizar. Por outro lado, os legalistas laicos focalizaram sua atenção no Corpus Iuris Civilis, buscando sua interpretação e adaptação para solver os conflitos e interesses da emergente sociedade da época.


É curial ressaltar a relevante atuação da Universidade de Bolonha, com seu intenso perfil cristianizado do direito romano-justinianeu canônico e direitos locais e obrou o objeto único de toda a ciência jurídica européia, inclusive no que concerne ao estudo universitário comum, em toda Europa, fenômeno que foi facilitado pelo emprego de uma língua comum (o latim). Formou-se assim o Direito Comum, que influenciou fortemente os sistemas jurídicos contemporâneos[6].


É bom identificar que o direito comum era impregnado de caráter imperialista decorrente da influência do direito romano justinianeu, o que encaixou feito uma luva nos anseios dos governantes europeus da época interessados em fortalecer os recentes Estados recém-natos e consolidar centralizando o poder em suas mãos em detrimento dos senhores feudais.


O direito comum centrado na autoridade do soberano permitiu afastar as estratificações e privilégios marcantes e típicos dos sistemas medievais, substituindo-os por um novo regime jurídico, de aplicação comum e geral.


A litiscontestatio era processo característico do Direito Comum e era solene para fixação dos termos da controvérsia, a partir do qual o juiz era obrigado a decidir. Após a litiscontestatio e por influência direta do direito germânico, o procedimento seguia per peticiones, ou seja, cada parte formulava às outras indagações sobre toda a matéria discutida, convidando-a a responder.


O primordial objetivo era provocar a confissão do demandado, considerado o meio mais simples e seguro de descobrir a verdade, que seria revelada pelas declarações dos próprios litigantes. Ainda na crença que a confissão seria a regina probatorum (rainha das provas.


A revelia do direito comum não se afastava muito daquela bem característica do processo germânico com a absorção dos influxos do direito canônico. De forma que se ocorresse a revelia antes da litiscontestatio, o autor após promover a accusatio contumaciae (já era assim nos Decretais de Gregório IX, não poderia ser a contumácia decretada de ofício) obtinha o ex primo decreto para imissão de posse dos bens do réu (ex secundo decreto).


Igual na lei dos francos poderia ser aplicado ao revel a sanção do banno. Se acontecesse revelia após a litiscontestatio, duas situações eram possíveis: existindo elementos suficientes para o juiz proferir decisão favorável ao autor (si liquet), assim realizava o julgamento definitivo; caso contrário (si non liquet) o autor era apenas imitido provisoriamente na posse dos bens do réu, que poderia reavê-los.


A principal diferença em relação ao tratamento dispensado pelo direito canônico residia no fato de que somente o réu poderia pleitear o julgamento do mérito quando se aproximasse o prazo decadencial.


Igual como ocorria no direito canônico, o revel era obrigatoriamente condenado nas despesas processuais, mesmo que vencesse a causa. O verdadeiro revel não podia apelar, restando-lhe pleitear, se fosse o caso, a concessão da restitutio in integrum.


Voltando para a Península Ibérica, mais particularmente para Portugal que foi alçado à categoria de reino em 1140 como o reinado de Afonso Henriques. A individualização do direito português consistia na herança deixada pelo Estado Leonês que era consuetudinária e foraleira, caracterizada pelo empirismo jurídico.


Em tal fase que é anterior a recepção do direito comum, os primeiros passos do direito processual civil exibiam a nítida influência germânica traduzindo-se num processo público e oral e que se se desenvolvia perante a assembléia da comunidade.


O queixoso formulava a reclamação e chamava o réu, que se não comparecesse (revelia) sofria severas sanções, e o demandante deveria jurar que não litigava de má-fé (e mais tarde tal juramento deveria ser corroborado por testemunhos de homens bons que confirmassem os fatos alegados) e o demandado deveria jurar que a acusação não era verdadeira (posteriormente também se exigia a prova testemunhal para corroborar).


Então eram designados os alcaldes (julgadores), produzidas as provas (e predominava na esfera cível, as testemunhas e documentos, porém ainda não estavam de todo eliminadas as ordálias, especialmente os juízos de Deus e duelos judiciais, e somente, sobrevinha o julgamento.


Em tempo realizo uma remissão na origem etimológica: do português “ordálio”, registrado a partir de 189,9, advém do latim tardio ordalium (plural ordalia), este do frâncico ordál (“julgamento”, “juízo”), por meio do francês ordalie (1693).


Outras fontes apontam o inglês antigo ordel e o germânico urthel (“julgamento”, “veredito”) como a origem do francês ordalie, provenientes do proto-germânico significando uzdailjam (“aquilo que é atribuído”).


Em Portugal, os ordálios utilizados foram de dois tipos: o ferro em brasa e o duelo judicial No primeiro caso, o juiz e um sacerdote aqueciam o ferro, que o acusado era obrigado a segurar. O juiz cobria-lhe a mão com cera, punha-lhe por cima linho ou estopa e enfaixava tudo com um pano.


Decorridos três dias, o estado da mão era analisado e se houvesse chaga o réu era considerado culpado e imediatamente condenado. O duelo judicial a cavalo ou a pé, segundo a classe social das partes, durava três dias. Após aquele período, o vencido perdia o processo. Se não houvesse vencido, perdia quem lançara o desafio.


A partir de meados do século XIII, notadamente através das influências de jurisconsultos, formados principalmente na Universidade de Bolonha, da difusão do Corpus Iuris Civilis e das respectivas glosas em território português, do ensino do direito romano nas universidades portuguesas, da legisçlação e prática jurídica de inspiração romanística e do emprego de obras castelhanas doutrinárias ( Flores de las leyes e Nueve tiempos de los pleitos) e legislativas  (Siete Partidas), penetrou intensamente o Direito Comum no sistema jurídico protuguês, marcando o denominado período de direito português de inspiração romano-canônica.


Os monarcas lusitanos precisavam cada vez mais ampliar os poderes da coroa, concentrando-os em seus mãos,  em oposição dos senhores locais. Valendo-se inicialmente de inquisições e confirmações régias, que permitiam os monarcas coibir abusos dos senhores feudais contra o povo e contra coroa, através do exame de legitimidade e da extensão dos poderes concedidos a tais senhores por intermédio dos forais.


Havia ainda a necessidade de estabelecer a as leis gerais para todo o reino português, cujo fundamento último repousasse na autoridade do soberano, por isso muito bem servia e era bem recepcionado o direito romano justinianeu, ressucitado pelo Direito comum.


As primeiras leis gerais do reino português foram decretadas por D. Afonso II em 1211, dentre estas, havia a que fixava juízes por todo reino e revelava o objetivo de concentrar a jurisdição na mão da coroa, o que por si só já trduz alguma influência do direito romano justinianeu.


Em seqüencia assumiu o trono D. Sancho II em 1245 que acabou destronado por seu irmão D. Afonso III ( conde de Bolonha) com apoio dado pelo Papa Inocêncio IV que o declarou rex inutilis ( rei inútil) por não saber administrar o reino e ser conveniente a grande nobreza e ao clero. Esse último soberano português ( denominou-se Rei de Portugal e Algarve) muito legislou sobre matéria processual, e prosseguindo, também seu filho, D. Diniz.


ad referendum, o Papa Inocêncio IV foi o mesmo que ordenou e criou os três primeiros tribunais da santa inquisição


No reinado de D.Diniz que as ciências jurídicas obtiveram grande impulso, principalmetne com a criação em 1290 da Universidade de Lisboa e pelos estudos por esta desenvolvidos, o direito romano justinianeu adquiriu a qualidade de fonte superior na formação do direito lusitano.


Tarefa nada fácil era a aplicação do direito romano justinianeu principalmente pela vastidão do Corpus Iuris Civilis e por seu difícil conteúdo e técnica da compilação leges e iura e por se encontrar versado em latim pouco acessível .


Diante de tantas dificuldades D. Diniz determinou que se utilizasse a língua portuguesa nas leis e nos usos do foro, em substituição ao latim, determinou também que se traduzisse para o português importante monumento legislativo promulgado por D. Afonso X, então rei de Castela e Leão:a lei das sete partidas, bem como a renomada obra doutrinária chamada Flores de las leyes de Jácome Ruiz ou Mestre Jacob das leis, que representa verdadeiro compêndio de direito processual civil escrito para o infante de D. Afonso, mais tarde D. Afonso X.


O processo civil português dessa época era marcado pelas características do direito romano da extraordinaria cognitio que iniciava-se pela citação, em comparecendo os litigantes em juízo, poderia o réu deduzir a exceção peremptória ou dilatória, negar o pedido, chamar o possuidor da coisa reivindicada ( ação real) ou confessar.


Somente se o réu não confessasse é que a demando propriamente dita se iniciava, com o autor formulando sua petição (libelo) e demandado opondo sua contestação, após o que se produziam provas ( especialmente testemunhal e documental) e, então, sobrevinha o julgamento.


As Flores de las Leys explicitam três maneiras pels quais pode ocorrer a revelia: a primeira modalidade é aquela que uma vez citado o réu (pessoalmente) e não comparece ao processo, que corresponde ao atual conceito do instituto.


Se fosse real a ação, seria então o demandante imitido provisioriamente na posse dos bens do demandado, e, se a revelia não fosse purgada em um ano, tornava-se o autor seu proprietário. E, se fosse ação pessoal o mesmo ocorreria com tantos bens quanto bastassem para satisfazer a pretensão do autor. Eis aí nítida tradição herdada do direito comum.


Mas por força da influência do direito romano é recomendado para que o julgador buscasse a verdade, mesmo ante a revelia. A Lei das Sete Partidas regulamente mais detalhadamente a revelia do réu e seus efeitos apesar de manter as principais peculiaridades observadas do bárbaro direito visigótico.


Assim a revelia era considerada desobediência à autoridade judicial e seus efeitos eram disciplinados na Lei VIII, Título VII, da Terceira Partida. Desta forma, após diversos chamado o réu não comparecesse ao processo, era apenado com multa que revertia em benefício da coroa, para o juiz e para o adversário, cujo valor variava de acordo com a condição do réu.


Também nesse caso imitia-se o autor na posse direta dos bens do revel, que poderia reavê-los caso apresentasse defesa em até um ano, mas não ficava  dispensado do pagamento da multa e das despesas processuais.


Excepcionalmente a defesa poderia ser extemporânea, ou seja, após o prazo de um ano, porém seus bens só lhe seriam restituídos por piedade do rei, o que poderia também acontecer se o revel viesse a falecer em tal período.


Portanto, durante o prazo de um ano deveria o autor conservar as rendas e frutos desses bens, inclusive o preço da venda daquilo que não pudesse ser guardado. Pois mesmo após o curso de um ano, o revel poderia ter relevados os efeitos da revelia, caso apresentasse embargos, nos quais comprovasse não ter culpa da caracterização da recelia, mas não se concedia, contudo, recurso a revel.


Sobre o período de recepção do direito romano-canônico em Portugal merece destaque como fonte jurídica o Livro das Leis e Posturas  que é a mais antiga coletânea do direito português, realizada ao final do século XIV ( ou princípio do século XV) que traz em seu conteúdo as leis promulgadas por D. Afonso II, D. Afonso III, D. Diniz e D. Afonso IV, além de uma lei acrescentada psoteriormente atribuída ao Infante D. Pedro.


Não é obra coordenada e harmônica e muito menos sistêmica, mas a compilação teve o mérito de reunir os diversas previsões sobre a revelia do réu, onde se constata que o tratamento em nada em difere das fontes antes examinadas, persistindo quando  for ação real, atribuia-se ab initio ao autor a coisa demandada; sendo pessoal a ação, recebia o autor tantos bens quanto bastassem para atender aos seus interesses, apesar de se admitir a purga da revelia e ainda a possibilidade de o réu reaver seus bens, desde que comparecesse ao processo em  menos de ano e dia, a contar da data em que se tornou revel, e, ainda pagando as custas processuais a que deu causa.


Observa Calmon de Passos que no velhusco direito português, “imitia-se  o autor na posse dos bens do réu revel, para forçá-lo ao comparecimento. Era a prevalência do direito barbárico, com a sua idéia da contumácia como falta susceptível de severa punição”.


As Ordenações Afonsinas surgiram da necessidade que tinha Portugal de ter uma coletãnea de leis que permitisse a harmonização do direito, e eliminar a confusão de normas e a fonte de inseguranças. Assim, D. João I, atendendo encarregou João Mendas da nobra tarefa.


Em termos de conteúdo tais ordenações não operaram grandes inovações mas sentia-se a nítica influência do direito romano e do direito canõnico e havia talbém alusão ao direito comum.


O estilo compilatório trazia a íntegra das fontes jurídicas anteriores, declarando depois em que termos tais preceitos eram confirmados, alterados ou afastados. Quanto sua estrtura, talvez por influência das Decretais de Gregório IV era dividida em cinco livros, sendo o processo civil disciplinado no Livro III, situação que se repetirá nas demais ordenações.


A revelia do autor também foi tratada pelo diploma legal, e repetindo a lei de D. Afonso III, determinava que o autor que fizesse citar o réu, e,  posteriormente não comparecesso em juízo no prazo assinado, somente poderi propor novamente a demanda, depois de pagar completamente as despesas processuais do demandado. Se, no entanto, o autor, repetisse sua inércia e desinteresse por mais duas vezes, restaria perempta a ação.


Já a revelia do reu é tratada de modo a evitar o excessivo prolongamento do feito, se a revelia ocorresse em ação pessoal, o réu era desde logo condenado e, ato contínuo, iniciava-se a execução, limitada a condenação, contudo, àquilo que fosse provado pelo autor. Não podia o revel embargar a sentença, exceto se comprovasse pagamento ou quitação.


Por outro lado, repete-se que caso fosse ação real, o autor obtinha desde logo a imissão definitiva na posse da coisa litigiosa, revelando aqui nítida influência do direito germânico. Ressalte-se que também não pdoeria embargar a sentença, salvo se comprovasse por escritura pública ou testemunha, motivo relevante que o tivesse impedido de vir ou enviar procurador para defendê-lo tempestivamente. Admitia-se, nessas circunstâncias, a purga da revelia.


Realçando que caso o revel fosse menor de idade e tendo sido citado na pessoa de seu tutor ou curador, a execução recairia sobre os bens destes últimos e caso não possuíssem, a execução recairia sobre os bens do juiz que houvesse noemado o tutor ou curador, somente na hipótese de nenhum destes ter bens é que a execução recairia exatamente  sobre os bens do menor. Podendo posteriormente buscar ressarcimento pelos prejuízos causados.


Tiveram pouco tempo de vigência as Ordenações Afonsinas, até em razão do grande progresso econômmico decorrente do empreendorismo amtírtimo e as sucessivas alterações sociais, e nos setores científico e cultural.


Assim em 1505 de D. Manuel encarregou três juristas de peso na época para empreitada eram eles: Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim que então procederam a atualização das ordenações do reino.


Então as Ordenações Manoelinas representavam uma legislação revistada e atualizada e, ainda contava com ampla divulgação proporcionada pela imprensa indtoduzida em Portugal nos fins do século XV.


Finalmente sobrevio a edição definitiva das referidas ordenações em 1521, quando se determinou que as demais edições anteriores fossem banidas, destruídas sob pena de multa e degredo.


Também eram divididas em cinco livros, novamente sendo o terceiro livro dedicado ao processo. E adotou o estilo decretatório, impondo normas cogentes sem remissão às anteriores revogadas.


Com relação à revelia, não ocorreram grandes modificações em comparação com às Ordenações Afonsinas, e também quanto aos efeitos da revelia do autor.


Distinguia-se a ausência do autor anterior ao recebimento do libelo daquela que se desse posteriormente. No primo caso, poderia o réu requerer o prosseguimento do feito, para absolvição de “toda a causa” e ainda para condenação do demandante nas custas processuais.


Já no segundo caso, o juiz julgava o processo como se o autor estivesse presente, ( ficta litiscontestatio) e, em favor de quem tivesse razão, a não ser que faltassem elementos para formar sua convicção. Nessa hipótese, o juiz decretava a absolvição do réu da instância e condenava o autor nas custas, o que também se dava caso o réu optasse por não requerer o prosseguimento do feito.


Mas podemos assinalar que houve modificações quanto aos efeitos da revelia do réu revelando-se clara influência do direito romano da extraordinatia cognitio e justinianeu em oposição ao direito germânico.


Seja ação real, seja ação pessoal, o processo prosseguia normalmente, sem a condenação automática do réu revel, restando vedado ao autor imitir-se na posse dos bens do revel.


Mesmo diante da revelia do réu, cabia ao autor provar suas alegações para lograr recerber julgamento favorável à sua pretensão. Ademais,  poderia o revel ingressar no processo a qualquer tempo, desde que antes da sentença, recebendo-o, no entanto, no estado.


Via de regra, o revel não podia ser mais ouvido sobre o ato praticado à sua revelia, salvo por embargos. Mas persistia a vedação ao réu revel de apelar.


Depois do misterioso sumiço de D. Sebastião de Avis, também conhecido como “o Desejado” na batalha de Alcácer-Quibir, sem deixar descendentes diretos para a sucessão, foi então a coroa portuguesa anexada pelo rei D. Felipe II de Espanha que sentiu a necessidade de atualização da legislação principalmente em razão da evolução das relações sócio-jurídicas, quer para ordenar e sistematizar a grande legislação posterior ao Código Sebastiânico, quer para prover o afastamento das normas oriundas do Concílio de Trento e aceitas amplamente e sem restrições por Portugal.


Então D. Felipe nomeou comissão de juristas para realização da nova ordenação, pra prover a modernaização pretendida que deveria espelhar a modernização pretendida conforme a enorme tradição jurídica lusitana.


É bom lembrarmos que as Ordenações Filipinas embora muito alteradas, constituíram a base do direito português até a promulgação dos sucessivos códigos do século XIX, sendo que algumas disposições permaneceram vigentes no Brasil até o advento do Código Civil Brasileiro de 1916. Daí ser muito importante para a compreensão do direito pátrio o entendimento de tais ordenações.


As Ordenações Filipinas foram aprovadas pela Lei de 11 de janeiro de  1603 e foi de maior vigência no direito português vindo a ser revogadas somente em 1867.


Os efeitos da revelia do autor não sofreram alterações em comparação com as ordenações anteriores, acrecentando-se nas Filipinas tão-somente que o autor poderia opor-se a cada uma das absolvições da instância por meio de agravo, de instrumento ou de petição.Reza a lenda entre os juristas que remonta daí nossa intensa verve para os recursos…


Acerca dos efeitos da revelia do réu também não ocorreram grandes alterações em comparação às Ordenações Manuelinas. O processo seguia normalmente à revelia do reú, conforme os termos na Ordem dos Juízos.


O autor não poderia imitir-se na posse dos bens do revel e só recebeira julgamento favorável se provasse as suas alegações. O revel poderia constituir-se tardiamente no processo, recebendo-o no estado em que se encontra, poderia apresentar embargos, mas se fosse revel verdadeiro, não poderia pelar.


Prosseguindo na análise de nosso ordenamento processual civil pátrio que fora inicialmente disciplinado pelas Ordenações Filipinas, cabe destacar a importância do regulamento 737, de 25 de novembro de 1850.


Inicialmente fora destinado apenas para os processos comerciais porém teve sua incidência estendida aos processos cíveis por força do Decreto 763 de 19 de setembro de 1890, ressalvadas algumas exceções.


Quanto aos efeitos da revelia nota-se que não houve nenhuma modificação em face da legislação anterior. Porém a revelia do réu disciplinada no art. 57 que consignava que o processo prosseguia normalmente mesmo na ausência do réu, que poderia comparecer tardiamente, recebendo-o nos termos em que se encontrasse sem condenação automática do revel e sem franquear ao autor se imitir na posse dos bens do revel.


Diferentemente das Ordenações Filipinas, não se proibia a apelação do revel, mas esta deveria ser apresentada em dez dias a contar da publicação da sentença ( art. 648) e, ainda o revel poderia opor-se à execuição da sentença por meio de embargos infringentes ( art. 557, segundo parágrafo). E, se fosse menor o revel, pçoderia valer-se ainda de embargos de restituição ( art. 639 e ss.).


Promulgada a Constituição Brasileira de 1891 instituiu-se o princípio da dualidade legislativa permitindo-se aos Estados a competência de legislar sobre o direito processual, remanescendo para a União a regulamentação do processo  na Justiça Federal.


Só para citar as fontes jurídicas temos o Código Paulista ( Lei 2.421/1930, Código do DF  (Decreto 16.752/1924) e ainda o Código do Rio de Janeiro ( Lei 1.580, de 20 de janeiro de 1919, Código de Minas Gerais ( Lei 830, de 7 de setembro de 1922 e Código do Rio Grande do Sul ( Lei 65, de 16 janeiro de 1908). Ao passo que o Código da Bahia ( Lei 1.121/1915) não trouxe disposições sobre a revelia do réu.


Cabe anotar que quanto aos efeitos da revelia e quantos aos diversos Códigos estaduais permaneceram todos alinhados à tradição das Ordenações Filipinas e ao Regulamento 737, vindo por vezes até repetir integralmente seus dispositivos.( O Estado do Pará o primeiro a editar seu estatuto processual próprio, e, a partir daí, os demais


Estados da Federação passaram a também editá-los, exceção feita ao estado de Goiás. São Paulo, a propósito, segundo nos ensina Arruda Alvim , foi um dos últimos a promulgar sua legislação processual civil (1930).


O CPC de 1939 não definiu revelia e nem a apartou de seus efeitos, tratou apenas de forma esparsa e sem preocupação sistêmica, contribuindo definitivamente para o surgimento de acirradas divergência sobre o tema.


O art. 34 do CPC de 1939 dispunha que o revel é citado que não apresentasse defesa no prazo legal.  Embora não seja este o conceito de revelia, argutamente asseverou Calmon de Passos que apenas equiparou o revel ao omisso em defender-se, e complementa Jorge Americano que o revel era o ausente que ficou inativo em face da demanda.


Será considerado revel o citado que não apresenta defesa tempestiva, que ostenta a omissão em contestar, mesmo havendo comparecimento, o que equivale ao não comparecimento. Portanto, é possível ser revel apesar de não ser contumaz(posto que compareceu ao processo).


A revelia do réu ou a não contestação do pedido no prazo de dez dias produzirá a aceitação do pedido. Mas a revelia é mais que apenas não contestar, apesar da equiparação prevista no art. 34 do CPC.


Também é revel aquele que apesar de citado não se faz representar por advogado ( art. 106) frisando que revebeu pessoalmente as comunicações sobre o desenrolar do processo.Assim contra o revel assevera o art. 34 do CPC/1939 correm os prazos independentemente de intimação ou notificação, embora que em seu parágrafo único ressalve a faculdade do revel em intervir no processo assumindo-o no estado em que se encontre ( reproduzindo quase de forma análoga o previsto no art. 322 do vigente CPC).


Observe-se que ao revel citado por edital ou com hora certa destina-se a nomeação de curador à lide ou representante judicial de ausentes, conforme prevê o art. 80, primeiro parágrafo, b do CPC/1939 que é bem similar ao vigente art. 9º, II do CPC de Buzaid.


Divergência doutrinária atormentava a época sobe a possibilidade da aplicação do efeito da revelia, da admissão de veracidade dos fatos alegados pelo autor, disciplinada no art. 209 do CPC/1939, que expressamente previa também que o fato alegado por uma das partes, e não contestado pela outra, será admitido como verídico, a menos que o contrário resultar do conjunto probatório.


Porém, muitos doutrinadores como Liebman, Frederico Marques, Gabriel Rezende Filho, Pedro Batista Martins e, principalmente Calmon de Passos interepretavam o art. 209 do CPC/1939 e, ipso facto , a admissão de veracidade dos fatos articulados pelo autor, não se aplicava aos casos de revelia, mas sim é aplicável a todos os casos de defesa lacunosa, no qual o réu comparecia ao processo, mas, na resposta, deixava de impugnar um ou mais dos fatos alegados pelo demandante. Descaracterizando-se a presunção de veracidade como efeito típico da revelia.


Buzaid também compartilhava do mesmo entendimento doutrinário pois apontava que continuava o ordenamento a  seguir a tradição romana herdada do direitoe luso-brasileiro de exigir que, mesmo diante da revelia do réu, o autor fizesse prova dos fatos constitutivos de seu direito. Portanto, mesmo diante da revelia nãop se desincumbe o autor de provar seu direito.


Mais radicalmente se posicionou Amaral Santos que aponta na omissão de contestar só poderia conduzir à admissão de veracidade se o réu de alguma forma reconhecesse os fatos articulados pelo autor ( verbi gratia: se o réu não contestasse a existencia de crédito alegado peloa utor, mas discutisse apenas seu valor). O que jamais poderia decorrer  do total silêncio caracterizador da revelia.


Portanto, Amaral dos Santos , mesmo no caso de revelia do réu, remanescia para o autor o ônus de provar os fatos que alegou, além do fato constitutivo de seu direito.


Por outro lado, Estelita, Lopes da Costa e Rogéio Lauria Tucci sustentavam que a incidência do art. 208 do CPC/1939 e, consequentemente, da admissão da veracidade por este determinada, como seu principal efeito, e defendiam o mesmo efeito se dará mesmo ante o não comparecimetno do réu ao processo.


Sendo aplicável ou não à revelia a admissão de veracidade , comportava sempre a ressalva de que se o contrário não resultar do conjunto probatório trazida in fine do art. 209. Sendo admissível que o revel produzisse provas  tendentes a afastar tal veracidade, conforme entendimento previsto na súmula do STF 231: “ O réu revel, em processo cível, pode produzir provas desde que compareça em tempo oportuno.”


Atualmente isso não é possível, pois o art. 334, III e IV do CPC veda produção de fatos incontroversos, ou sobre os quais pesa presunção de veracidade. Há tese oposta que sustenta ser possível o revel produzir provas, pois no processo civil inexiste dispositivo que impeça produzir provas, independentemente de suas naturezas. Condicionando-se apesar que seja feita em tempo oportuno.


Assim amenizando o rigor da norma, assentado está na doutrina que a falta de verossimilhança da alegação não impugnada impedia que fosse admitida por verdadeira e não estava o julgador obrigado a aceitá-la, restando o seu livre convencimento motivado.


O CPC de 1939 não admitia o julgamento antecipado da lide, em caso de revelia, em razão de revelia, em razão de sua intensa oralidade, sendo obrigatória a realização de audiência de instrução e julagmento.


Registre-se que a ausência do autor em AIJ, se não representado por procurador, determinava que o réu fosse absolvido da instãncia ( art. 266,  VI). Finalmente, se o réu alegasse e provasse, mediante requerimento fundamentado e devidamente instruído, que sua ausência decorrera de força maior, pdoeria ainda pleitear com base no art. 38, a concessão da restitutio in integrum, sendo-lhe devolvido o prazo para a prática do ato  (a restitutio deveria ser requerida no tríduo em seguida do momento em que cessasse a força maior).


Divergia a doutrina se absolvição da instância do réu face a ausência do autor poderia ser pronunciada de ofício. Entendeu positivamente Pedro Batista Martins, mas em sentido contrário, posicionou-se Pontes de Miranda.


Na consagrada monografia de Rogério Lauria Tucci baseada em grande parte nos ensinamentos de Gionnozzi é fácil identificar de plano três grandes sistemas aos quais se filiavam as legislações modernas, a saber: sistema da decisão secundum praesentem, sistema da ficta litiscontestatio e o sistema da ficta confessio.


Pelo sistema da decisão secundum praesentem, fortemente inspirado na regra da Lei das XII Tábuas refernte à fase apud iudicem da ordo iudiciorum privatorum que preconizava justamente que a ausência em juízo determina automaticamente a perda da demanda. Fosse essa a solução adotada pelo CPC de Genebra de 1819. Embora, hoje tal sistema se encontre em desuso.


O sistema da ficta litiscontestatio reputa que no caso de revelia do réu, os fatos alegados pelo autor sejam tidos como impugnados pelo réu, o que exige certamente do demandante fazer prova dos fatos alegados, sob pena de não serem aceitos pelo juiz.


Inspirou-se o referido sistema, no direito romano extraordinaria cognitio e no justinianeu, posteriormente refletido claramente nas Ordenações Manuelinas e Filipinas, e no direito pátrio, no Regulamento 737 de 1850  e nos diversos códigos estaduais brasileiros. Modernamente, é adotado tal sistema por países como Itália, França e Espanha.


Por derradeiro, temos o chamado sistema da ficta confessio ( apesar de sua denominação não ter sentido técnico, pretendendo apenas designar a ficção de incontrovérsia sobre os fatos e, por isso mesmo, sua aceitação pelo réu) posto que no caso de ausência do réu, reputam-se como verdadeiros os fatos alegados pelo autor, que fica dispensado do ônus de prová-los ( presunção relativa de caráter punitivo remonta ao antigo direito germânico e à contumácia in respondendo do Direito Canônico).


O referido sistema é o adotado na Alemanha, Áustria, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal e após 1973 indiscutivelmente pelo Brasil.


Os efeitos da revelia nos países da common law, nos quais, normalmente tanto a falta de comparecimento que chama de default of appearance como também a ausência de defesa apropriada chamada de default of defense conduzem à admissão dos fatos alegados pelo autor e ainad à prolação da sentença contumacial.


A doutrina alemã sobre os efeitos da contumácia é tida como paradigma moderno do sistema da ficta confessio que fora perfilada pelo nosso CPC de 1973 principalmente no que concerne ao seu art. 319 .


No direito alemão, a contumácia é revelada pela ausência de participação de uma ou ambas as partes no processo, decorrente do não comparecimento e da não atuação em audiência para debate oral obrigatório da causa.


Rosenberg adverte expressamente que dá causa à contumácia tanto a ausência como a não-atuação da parte em qualquer audiência designada para debate oral obrigatório, não apenas na primeira.


É de se notar possível influência do antigo direito alemão[7], no qual em razão do ônus da prova ser atribuído ao réu, o simples comparecimento do réu sem atuação, impossibilitava o prosseguimento do processo, e implicava na admissão dos fatos alegados pelo autor, abriando-se imediatamente a via executiva para a satisfação de sua pretensão.


É claro que a contumácia do autor acarreta a imediata extinção do processo sem julgamento do mérito(sem resolução do mérito), mas é fenômeno raro. Sendo mais usual e significativa a contumácia[8] do réu.


O rigor com que é tratada a contumácia pelo direito alemão deve-se a acentuada oralidade do processo civil germânico e, a imperiosa necessidade de reiterar verbalmente as alegações escritas, sob pena de não serem conhecidas pelo juiz. Preconizam Lent e Goldschmidt que somente o que for realizado de forma oral pode servir de fundamento à sentença.


Além do não-comparecimento da parte, exige-se para plena caracterização da contumácia também pela não atuação do litigante no processo. Se o réu foi regularmente intimado e não comparecer e nem atuar na primeira audiência obrigatória para debate da causa, aplica-se o procedimento contumacial.


Se a ausencia ou falta de autação do litigante ocorrer em audiência posterior, pode o autor optar seguir o procedimento contumacial ou  pelo julgamento conforme o estado dos autos.


No procedimento contumacial, requerendo o demandante o juiz declara a contumácia do réu através da sentença contumacial, quando então os fatos alegados pelo autor são tidos como verdadeiros conforme  expõe o ZPO § 331.


Portanto, no direito germânico a contumácia não está associada apenas ao descumprimento do ônus de responder, mas tamvém ao ônus de impugnar, ou seja, manifestar-se sobre os fatos articulados pelo adversário, contrapondo-os expressamente e especificamente sob pena de confesso e sempre que houver divergência.


Lent ainda destaca que esses fatos tidos como verdadeiros devem ser postos na base da sentença ( presume-se haver confissão plena, conforme § 331), não deve então o julgador examinar  sua corespondência com à realidade dos fatos e nem mesmo determinar que sobre estes seja realizada  instrução probatória.


Mas é equívocado pensar que a sentença contumacial deverá ser obrigatoriamente de procedência, pois para isso é indispensável que estejam todos os pressupostos processuais atendidos e a demanda deve ser concludente, com as alegações de fato justificando cabalmente o pedido, à luz do direito.


Caso contrário, a sentença de improcedência, julgando o mérito favoravelmente ao demandado, ou ainda meramente terminativa, se ausente algum pressuposto processual.


É curial sublinhar que o réu contumaz deve ser pessoalmente intimado da sentença e, pode num prazo que varia em geram de uma a duas semanas a contar dessa intimação, interpor recurso de oposição ( einsprush – ZPO § 338), pelo simples fato de sido proferida o provimento contumacial contra ele, sem precisar jsutificar motivos de sua ausência.


Mas, é vedado ao réu revel, vale-se dos comuns recursos para impugnar a sentença contumacial. Interposta a oposição, que deve ser dirigida ao mesmo julgador que prolatou a sentença contumacial, são examinados como únicos pressupostos de admissibilidade os reguisitos de forma e de tempo. Se admitia, retornar-se ao estado anterior a sentença contumacial ( § 342 do ZPO) que fica sem qualquer efeito, e o feito prossegue como se não houvesse sido proferida.


Se a contumácia ocorreu por falta de comaprecimento à primeira audiência, reabre-se desde o início o contraditório. Se o réu já havia participado do processo, todos os atos praticados podem ser refeitos, inclusive sentido permitida a instrução probatória.
Mas é bom relembrar que caso o réu volte a se ausentar do processo, não poderá valer-se novamente de nova oposição.


É peculiar o equilíbrio do sistema alemão ao disciplinar a contumácia, embora atribua severos efeitos extremamente graves, mas permite-se a adoção do procedimento ccontumacial com imediata prolação de sentença, por meio de simples interposição do recurso de oposição, que nem precisa ser justificada, a sentença fica privada de qualquer efeito, reabrindo-se normalmente o contraditório, e permitindo-se a instrução probatória e desconsiderando-se totalmente a contumácia.


Por causa da facilidade de sobrestamento da eficácia da sentença contumacial, o autor, ao se deparar com a contumácia do demandado, desde que não tenha decorrido da ausência da primeira audiência ( ou seja, que seja a contumácia posterior) poderá optar pelo julgamento conforme o estado dos autos.


Assim o processo é julgado com base nas alegações e provas existentes, não se reputando verdadeiros as alegações do autor, permanecendo tal litigante com o ônus de prová-los. Em compensação, o réu não poderá se valer do recurso de oposição para impugnar asentença, restando-lhe apenas as vias ordinárias de recursos que exigem motivação.


Esclarece Lent com objetivo de justificar o sistema da ficta confessio que antigamente optava-se pelo comparecimento forçado do réu ( havia o dever de responder). Mas recentemente, concebe-se a defesa mais propriamente como um ônus, ao invés de um dever e de se exigir coercitivamente.


Optou o ordenamento jurídico germânico por colocar o faltoso e desidioso em situação de desvantagem, em face do descumprimento do ônus. Lent aduz que existiriam então duas alternativas: ou se presumiria a contestação ( sendo necessário que o autor provasse os fatos alegados) ou, ao invés, se presumiria que os fatos foram admitidos com verdadeiros pelo réu representando a solução tradicional do direito franco-prussiano que representa o sistema a que denominamos de ficta confessio e que representa a opção feita pelo ZPO.


Sem dúvida essa é a melhor opção pois não é justo impor ao autor  provar todos os potnos narrados, quando esses poderia remanescer pacialmente incontroversos, se oa dversário participasse da causa, e a experiência consagra que na maioria das vezes o réu ausente não tem argumentos defensivos válidos.


Interessantes críticas de Edoardo Ricci ( tradutor italiano da obra de Lent) são feitas contra o sistema alemão ao disciplinar os efeitos da contumácia do réu. Primeiramente por ser admitido o recursos imotivado de oposição, o sistema alemão não se consagra como eficaz. E, sem segundo lugar, a ficção da confissão[9] com o condão vinculante do juiz merece as mesmas críticas dirigidas à confissão geral.


E, se por um lado serve para se salvaguardar a celeridade  efetividade e simplicidade processual do procedimento, não é oportuno munir o juiz de poder de detrminar produção probatória, de outro lado é igualmente verdadeiro que o juiz deveria ter o poder de não proferir a sentença contumacial, se expecionalmente entendesse que a lide deveria receber solução diversa.


Ricci assevera explicitamente que a sentença contumacial é mesmo um contra-senso e deveria ser restrita aos casos de não comparecimento à primeira audiência, devendo sempre haver julgamento conforme o estado dos autos nas demais hipóteses.


Portugal é mais um exemplo de país que se filiou ao sistema da ficta confessio. E a doutrina lusa identifica a revelia em duas situações: na primeira quando o réu nem contesta e nem comparece, apesar de ter sido chamado pessoalmente; e o réu não constitui procurador, não intervém de qualquer forma e nenhum sinal de si dá nos autos (é a chamada revelia agravada).


Na segunda hipótese, apesar do réu comparecer ao processo[10], constituindo patrono ou praticando algum ato que revele ter sido regularmente citado, contudo, deixa de contestar no prazo legal. A contestação entendida em sentido lato o que inclui a defesa, a mera exceção dilatória, ou simples jutnada de documentos que se contraponham às alegações fáticas do autor etc… inadmitida apenas a contestação por negação geral.


Portanto, o comparecimento do réu acompanhado da dedução de qualquer modalidade de defesa, impede a caracterização da revelia, e, consequentemente, igualmente impede a produção de seus efeitos, prosseguindo-se os trâmites normais do procedimento.


Caso o réu não tenha comparecido ao processo ou seja omisso na apresentação de defesa ( sendo, portanto revel), preenchidos os demais requisitos para a verificação dos efeitos da revelia, o juiz profere decisão declarando confessados pelo demandante todos os fatos articulados pelo autor ( art. 448, inciso I), facultando em seguida o oferecimento de alegações finais escritas ( art. 448, inciso II  CPC português).


Na ficta confessio ocorre sensível simplificação procedimental: as fases de saneamento e instrução tornam-se desnecessárias, abrindo-se desde logo a fase de discussão escrita da causa, aqual poderá versar somente sobre matéria jurídica, pois a fática já estaria determinada por força da confissão, com eficácia de prova plena.


Em seguida, o juiz profere sentença, que poderá ser procedência,procedencia em parte ou improcedência, ou se não preenchidos os requisitos de admissibilidade do exame do mérito, simplesmente absolver o réu da instância.


A Itália como fiel seguidora da tradição do direito romano da extraordinaria  cognitio e do período justinianeu, sendo um exemplo típico do sistema da ficta litiscontestatio quanto aos efeitos da contumácia.


Ocorre contumácia efetivamente quando uma parte não se constitui em juízo até a primeira audiência designada quando da propositura da demanda. É conceito umbilicalmente ligado à formação e início do desenvolvimento do processo civil italiano ( fase introdutiva) que se inicia pela citazione ( citação) passando pela comunicação do réu por meio de oficial de justiça, e assinalando-se prazo para que as partes constituam em juízo.


É possível haver a contumácia do autor, embora rara, como observou Liebman pois o súbito desinteresse poderá submetê-lo a um julgamento desfavorável. Ocorrendo, contudo, se o réu queda-se silente, o processo se extingue. Tendo o réu a opção de requerer expressamente o prosseguimento do feito com julgamento.


Também é possível haver a contumácia bilateral, o que acarreta necessariamente a extinção do processo. Mas é sabido que é mais frequente a contumácia do réu, que é declarada se o autor comprova que o réu foi regularmente intimado para a audiência e ainda assim não compareceu. De tal maneira que havendo vício da intimação, tal ato poderá ser repetido nos termos do art. 291( CPC italiano).


Decretada a contumácia do réu, segue o processo o rito contumacial, que pouco difere do rito normal, apenas por alguns atos processuais de menor relevância não são mais comunicados ao réu; Mas os atos principais como a intimação para interrogatório e juramento, bem como a propositura de novas demandas, de reconvenção e a sentença proferida, continuam sendo comunicados pessoalmente ao réu ( art. 292 do CPC italiano).


Admite-se claramente a purga da contumácia até o final da fase instrutória, quando então recebe os autos no estado em que se encontrem, devendo suportar todas as preclusões havidas.


Mas podem ser reabertas as preclusões e até relevadas caso o réu venha obter a chamada remissione in termine , que é concedida, quando provar a nulidade de citação ou de qualquer  outro modo, que a causa da contumácia não possa ser a este imputada. Lembrando que a fraude a citação do réu poderá configurar litigância de má fé do autor.


Partindo da premissa de que defesa é um direito ou até um ônus, porém, nunca uma obrigação, vige então total disponibilidade da defesa, deve ser plenamente respeitada a vontade do réu de não se constituir em juízo. Pode ser de sua vontade se fazer ausente no processo.


Comoglio, Taruffo e Ferri esclarecem que o atual regime contumácia no CPC italiano é essencialmente garantístico, abandonando a vertente punitiva ou sancionatória, vigendo pois a total disponibilidade da defesa, visando proteger os direitos fundamentais da defesa contumaz, até o momento em que este eventualmente venha participar do processo.


Na ótica técnica-processual a contumácia  é situação totalmente despida de qualquer relevância decisória, permanecendo o autor com o ônus de provar os fatos alegados e só podendo o julgador proferir decisão  favorável ao autor se este efetivamente provou os fatos constitutivos de seu direito.


Proto Pisani chegou a afirmar que a contumácia no sistema italiano não equivale à não contestação ou admissão ( ficta confessio) dos fatos constitutivos  alegados pelo autor como fundamento de sua demanda e não o exime do onus probandum sobre os fatos constitutivos do seu direito.


A única desvantagem que sofre contumaz é deixar de reagir de modo incisivo às alegações do autor e assim deixar de influir de modo tempestivo e apropriado na formação do convencimento do juiz, embora a contumácia, em si mesma, seja privada de qualquer relevância decisória.


Mandrioli aponta a tendência dos ordenamentos jurídicos atuais ao abandonar os sistemas punitivos do revel ou que forçam o seu comparecimento, sancionando a inércia.


Assim, podemos identificar que no sistema italiano visa a proteger o revel, e o juiz só acolherá o pedido, se o processo estiver formalmente em ordem e ainda se estiverem provados os fatos constitutivos do direito do autor, de modo que a única vantagem para o demandante ( e, ipso facto desvantagem para o demandado) é que o primeiro terá maior facilidade em convencer o juiz sobre o direito e sobre os fatos.


É de se observar a reforma processual ocorrida em 1990 do CPC Italiano. Notadamente diante da nova redação dada ao artigo 167 exigindo-se do réu que ao constituir-se ao processo deduza toda sua defesa, manifestando-se exatamente sobre os fatos alegados pelo autor como fundamento da demanda, e ainda indique os meios de provas de que pretende valer-se e apresente documetnos. Sob pena de preclusão, ainda proponha eventuais demandas reconvencionais e as exceções processuais e de mérito que não sejam cognoscíveis de ofício.


Vários juristas italianos então passaram a sustentar que os efeitos da contumácia teriam sofrido profunda alteração no sistema italiano, aproximando-o do sistema da ficta confessio.


Antonio Carratta da Universidade de Roma em sua inovadora pesquisa publicada em 1985 conclui pensamento contrário ao da doutrina majoritária, e alega que o ordenamento italiano teria rompido com longa tradição e passando a impor ao réu contumaz, tal qual ocorre no direito germânico o ônus da impugnação específica sobre os fatos alegados pelo autor, como decorre do princípio da auto-responsabilidade que rege a atuação e não atuação dos litigantes.


Salienta Carratta que o descumprimento desse ônus tem reflexo sobre direito disponível, e que o juiz não poderá se valer de seus poderes instrutóriosm para investigá-los, ficando tais fatos de fora do thema probandum.


A doutrina italiana majoritária, contudo, flexibiliza a interpretação dos dispositivos legais supramencionados. Sustenta ainda que não há fundamento legal para que, em caso de contumácia do réu, os fatos alegados pelo autor sejam admitidos como verdadeiros pelo juiz: vale dizer, o princípio da não-contestação não se aplica ao contumaz.


Em razão da nova redação dada ao art. 167 por força da Lei 534/1995, atualmente doutrina italiana compreende que a principal preclusão que sofre o réu que não comparece ao processo no termo assinalado atinge a faculdade de propor reconvenção: as exceções processuais e materiais não cognoscíveis de ofício podem ser oferecidas até o momento da audiência de comparecimento.


É possível no entanto ao revel purgar a contumácia e ainda poderá requerer a produção de provas contrárias às requeridas pelo autor.


Para adequada compreensão da revelia bem como de seus efeitos passa necessariamente pela análise ainda que breve das principais teorias propostas para explicar a natureza jurídica da revelia.


Nota-se na evolução do instituto um abrandamento dos efeitos , desde as teorias mais antigas, inspiradas em concepções privatistas do processo, por conceberem a revelia como insubordinação ou rebeldia tendem a atribuir severas penas ao revel; ao passo que teorias mais modernas, fundadas nas premissas publicísticas, enxergam-na como simples e lícita inatividade do réu, razão pela qual amenizam suas conseqüencias nocivas ao ausente e criam mecanismos para evitar que ele seja injustamente desfavorecido.


A doutrina penal da revelia remonta ao momento histórico em que não se podia dispensar a presença física do demandado para que o processo pudesse se desenvolver, eis que era imprescindível para a solução da controvérsia (litiscontestatio).


Na verdade, prende-se muito mais ao fato da oralidade do processo antigo, fazendo que fosse relevante não só a presença do réu mas também o seu atuar em audiência, expondo suas impugnações, e requerimentos. O mérito da causa nascia exatamente da pontuação das controvérsias.


Assim o comparecimento do réu ao processo era considerado como verdadeiro dever e sua ausência (revelia) configurava ato ilícito e um desrespeito à justiça. Tais sistemas inspirados em tal concepção acabavam por conceber mecanismos para compelir a presença do réu em juízo e,para efetivamente punir o revel.


Dispensada a presença física do réu para o evoluir do processo e sendo o comparecimento em juízo e a apresentação de defesa enquadradas como mero ônus, resta evidenciado pois que está superada a teoria penal da revelia ( ou rebelião ao poder do juiz).


A primeira teoria a se contrapor à teoria penal da revelia, foi a da renúncia originalmente atribuída Gönner e muito comentada por Rispoli (início do século XIX).


Não se concebia mais ser um dever o comparecimento do demandado e, nem tampouco ser uma situação ilícita. Mas, na época do surgimento da teoria da renúncia apesatr de não restar nítida a separação entre a relação jurídica material da relação jurídica processual, entendia-se que o réu teria renunciado ao próprio direito material discutido no processo.


Tal teoria da renúncia foi repaginada por Prasse e apontou que a esta incidiria sobre o direito processual à defesa: como ao autor era lícito renunciar à perseguição de seu direito em juízo(desistir da demanda), igualmente o réu poderia abster-se de apresentar defesa, e a isso corresponderia a revelia.


Já na segunda metade do século XIX, a teoria da renúncia foi aperfeiçoada por Pesacatore para quem a revelia significava apenas a renúncia à produção probatória, por crer o réu que o tribunal, ao examinar a prova fornecida peloa utor, convencer-se-ia  de que a demanda seria infundada.


Várias objeções surgiram contra à referida teoria, mas afiançou Calmon de Passos que tal entendimento carece de procedência em nosso sistema processual, pois que asseguram ao revel o comparecimento tardio, visto como quem renuncia a um direito ou a um meio de defesa, não deve poder revogar sua declaração de vontade; isto somente seria admissível mediante  justificativa de impedimento legítimo, não de modo geral e sem necessidade de aduzir motivos que contradigam aquela presunção de renúncia.


Tanto assim que o vigente art. 322 do CPC permite o comparecimento tardio e, independentemente de justificativa, autoriza a prática de atos de defesa e de interesses, embora limitada, em regra, pelas preclusões até então operadas, resulta inadmissível ver na revelia qualquer ato de renúncia.


Nos primórdios do século XX, Rispoli sustentou ser a revelia o não exercício da faculdade de agir. Desta forma, são os litigantes livres para se autodeterminarem, e a ausência do réu em juízo decorreria de um ato negativo voluntário do réu, efeito da vontade de não agir.


Não havia então nenhuma sanção para compelir o réu a atuar, e havendo apenas para grarantir que o processo continue avante e impeça retrocessos, daí que se impõe a preclusão para se obstar a prática do ato omitido ou a eternização do feito.


À luz da teoria da autodeterminação, portanto, seria a preclusão a principal conseqüencia da revelia. Embora erigisse uma explicação satisfatória quanto  algumas manifestações de tal fenômeno careceria de validadse universal.


A revelia, em verdade, sempre se configura com uma situação objetiva totalmente inerente da vontade do réu, daí  a insuficiência de considerá-la, em sua essência, como conseqüência da vontade de não agir. Ademais, a teoria permitira perceber a distinção entre revelia voluntária e revelia involuntária, combatida pelo próprio Rispoli.


Não seria exato considerar a preclusão como principal efeito da revelia. Embora o efeito mais significativo seja realmente o esboçado pelo art. 319 do CPC, a preclusão temporal, a rigor, não decorre diretamente da revelia em si,  mas da omissão da parte em praticar determinado ato processual no prazo que lhe é próprio. É o  deixar de impugnar.


É evidente que, enquanto o réu for revel, não praticará ato algum, e, se comparecer tardiamente, em regra não poderá retroagir a momentos já superados do iter procedimental.  Todavia, mesmo que não seja revel, tal preclusão operar-se-á de maneira idêntica se simplesmente oréu deixar de praticar tempestivamente o ato que lhe cabe.


A mais recente teoria acerca da natureza jurídica da revelia, e atribuída a Chiovenda e Betti, compreende a contumácia como inatividade, caracterizada pelo não comparecimento do réu ao processo. Nas palavras do primeiro, “o que, por conseguinte, constitui a revelia, é a falta de comparecimetno de uma parte no processo.


A teoria da inatividade[11] apenas considera o elemento objetivo da revelia, ou seja, a ausência da parte no processo, para configurar a revelia, prescinde de perscrutar também o aspecto subjetivo (voluntariedade da ausência) o que hoje é aceito pela doutrina sem restrições.


Segundo Umberto Bara Bresolin a revelia conforme prevista no CPC pátrio adota a teoria da inatividade . No que se refere aos efeitos a referida teorai que fora concebia pelo processo civil italiano, que se filia-se ao sistema da ficta litiscontestatio que preconiza que são simplificadores do procedimento e de caráter garantístico e não sancionatório: a revelia não influencia o convencimento do julgador acerca dos afatos alegados pelo autor e justifica a adição de mecanismos para evitar o desfavorecimetno do revel, que deve ser intimados dos demais e principais atos do processo, dentro os quais a sentença, e pode obter remissione in termine.


Vige certa incompatibilidade entre o principal efeito da revelia no sistema brasileiro, preconizado no vigente art. 319 do CPC, o qual indica a adoção do sistema da ficta confessio, de inspiração germânica.[12]*


Em razão de tal relevante diferença quanto ao principal efeito da revelia, parte da doutrina sustenta a improcedência da teoria da inatividade para explicar a natureza jurídica da revelia em nosso processo civil.


Contudo, o conceito da revelia e sua respectiva natureza jurídica não podem ser buscados através de seus efeitos. A teoria da inatividade, portanto, contribui para a compreensão dos primeiros efeitos no processo civil pátrio ( a revelia, também em nosso sistema é sim inatividade, marcada pela ausência do comparecimento), nada obstante exista incompatibilidade no que se refere ao principal efeito da revelia.


Ademais a inspiração germânica presente no art. 319 do CPC não faz mudar o conceito e a natureza jurídica da revelia no sistema brasileiro, e nem justifica a idéia de que toda a sua disciplina haveria de ser buscada nas explicações fornecidas para o modelo alemão.


Há profundas diferenças na disciplina pátrio da revelia e do sistema alemão, o conceito da revelia está relacionado com o descumprimento do ônus  de responder, e lá está também relacionado com o ônus de impugnar, principalmente quanto aos efeitos. Como por exemplo, a faculdade do autor requerer o julgamento da demanda no estado dos autos, a intimação obrigatíoria da sentença e o recurso de oposição no procedimento contumacial.


Enquanto lá não se prevê também o comparecimento tardio do revel este só contemplado no processo civil italiano.


Existia séria divergência sobra a aplicação do art. 209 do CPC/1939 que se refere a admissção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face da revelia do réu. Para Liebman, Moacyr Amaral Santos, Frederico Marques, Gabriel Rezende Filho, Pedro Batista Martins e principalmente Calmon de Passos defendiam a inaplicabilidade da sanção à revelia pois o diploma legal continuava fiel à tradição romana herdada pelo direito luso-brasileiro que era filiado ao sista da ficta litiscontestatio.


Entenda-se que na ficta litiscontestatio o que se punia exatamente era o não comparecimento enquanto que na ficta confessio o que se punia exatamente era o não impugnar especificamente as alegações deduzidas pelo autor na demanda.


Outro entendimento doutrinário seguindo entendimento de Guilherme Estelita, Lopes da Costa e especialmente Rogério Lauria Tucci, já teria o CPC de 1939, tal qual o cpc português do mesmo ano, já teria se alinha com o sistema da ficta confessio.


Sem dúvida, não se decide contra o revel secundum preasentem, nem se adotou o sistema baseado na ficta litiscontestatio, como nos direito francês, italiano e espanhol, em que o autor não obstante a contumácia, deve provar suas alegações.


Mas  de outra fonte se abeberou o legislador do CPC de 1939, e positivamente o sistema legislativo nacional é, sem dúvida, daqueles que acolhem na sentença contra revel com base no princípio da ficta confessio.


O CPC de 1973 não deu azo a persistência da controvérsia pois desdobrou a admissão da veracidade em dois dispositivos que atuam em consonância e compondo um único sistema, vide o art. 302  que é aplicável quando o réu deixa de impuganar alguns fatos alegados pelo autor, controvertendo outros; e o art. 319 carrega em seu bojo a indefectiva opção de adorar os efeitos da revelia conforme o sistema da ficta confessio, inspirando-se no direito alemão.


Na eficiente explicação de Pontes de Miranda em sua obra Comentários ao Código de Processo Civil expõe que existem três sistemas que poderiam ter sido atuados na hipótese: o da “marcação irreversível das afirmações não contestadas, que transforma em confissão toda falta de contestação sistema semelhante ao da prova legal), o da indiferença às comunicações de conhecimento, segundo o qual não se leva em cotna o negar como elemento de inverswão do ônus de provar, nem o não-negar como elemento de confirmação (ainda que revisível) e, em síntese de tais antíteses, o sistema das “marcação revisível das afirmações não contestadas”, que conduz à admissão dos fatos não contestados mas permite a contraprova.


O CPC de 1939, em seu art. 209 seguiu o princípio da marcação revisível, ao passo que o de 1973, em seu art. 319 afoitamente acolheu o princípio da marcação irreversível, pelo qual o fato alegado por uma parte e não negado pela outra, é tido como verdadeiro e incontroverso.


Adotou-se portanto, a incompatibilidade com as outras provas, a marcação que inibe a produção de provas em contraste com o que foi marcado pela falta de afirmação cotnrária. Não negar, transformou-se em confessar.


Além da presunção relativa de veracidade dos fatos articulados pelo autor, agravou-se a situação do revel ao permitir o julgamento antecipado da lide em caso de revelia.


Além de correrem os prazos, contra o recel independentemente de intimação, aduz in litteris o art. 322 do CPC vigente: “Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemen de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório. Parágrafo único: O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar.” (conforme a redação da Lei 11.280/2006).


Tão severo sistema a disciplina o principal efeito da revelia não foi imune às críticas e salientou Calmon de Passos “que o CPC catou aqui e ali o que havia de mais rigoroso havia com relação ao revel. Somou tudo e disciplinou a revelia, buscou no sistema alemão e austríaco a imposição da veracidade dos fatos articulados pelo autor, pelo só motivo da contumácia mas teve o cuidado de não atribuir ao revel um recurso especial, como decorrência da revelia.”


Prevê o julgamento imediato do mérito, em virtude da revelia, mas silencia quanto à intimação pessoal da sentença ao revel, como exigido nos sistemas germânicos. Daí, justifica-se a conclusão do ilustre jurista baiano; “o revel, no direito brasileiro, deixou de  ser ausente para se tornar um delinqüente.”


Destaca ainda que o legislador pátrio foi insensível pois não percebeu o aspecto social e humano pois “os cultos , bem nascidos e providos e bem situados financeiramente e geograficamente, dificilmente serão revéis. Mas os outros, os que se situam fora da cerca, ou fora do cercado, esse dificilmente não serão revéis de fato ou de direito. Eles foram esquecidos.”


No mesmo sentido o lapidar Barbosa Moreira assinala que; “ Não é segredo para ninguém que ácidas críticas foram formuladas, durante a preparação da reforma processual, à orientação aodtada pelo Anteprojeto do eminente Professor Alfredo Buzaid, que se deixou inspirar, nesse como em outros pontos, pelas diretrizes do direito germânico, talvez deslembrando, data venia, de que as circunstâncias, as condições culturais, sociais, econômicas, geográficas, são muito diferentes, no confronto entre a realidade da Alemanha e a do Brasil.”


Se há para o autor o ônus de alegar, de demandar para romper a inércia da jurisdição. Assim quando proposta a demanda, o processo passa a existir, mesmo que nesse primo momnento, se estabeleça de forma momentaneamente bilateral, envolvendo apenas o autor e o Estado-juiz.


Lembremos que para a demanda tem aptidão de iniciar um processo até final julgamento da pretensão nele contida, que só poderá ocorrer quando presentes todos os pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito.


Em razão da filiação de nosso processo ao sistema da substanciação da causa de pedir, da clássica doutrina e ainda o relevante ônus das partes de alegar fatos, os quais , normalmente devem ser respeitados pelo juiz.


Em contrapartida,  a alegação dos fundamentos jurídicos é tida como mera proposta das partes de enquadramento dos fatos, que poderá ser alterado pelo juiz sempre que entender que tais fatos correspondam a outra qualificação jurídica.


O ônus de responder do réu surge em decorrência das garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa constitucionalmente asseguradas e que traçam a arquitetura indispensável do devido processo legal, assim surge para o réu uma vez validamente citado, o ônus de responder.


A resposta do réu, é em verdade o contraponto do direito de ação assegurado ao autor. A ação e reposta são virtualmente paralelas, apenas se diferem pois somente a ação é capaz de dar início do processo , pois no resto são análogas em todos os aspcetos relacionados às amplas possibilidades de alegar e provar, autor e o réu participam do processo com paridade de armas para galgar julgamento justo favorável ao próprio interesse.


A resposta à demanda inicial é a reação do demandado, em processo de conhecimento, ao estímulo feito pela convocação feita através da citação, a  qual o tornou parte e deu-lhe ciência dos termos da demando proposta pelo autor.


O sistema da substanciação da causa de pedir opõe-se ao sistema da individuação, no qual é a categoria jurídica indicada pelo autor que delimita a demanda e a sentença, podendo ser alterados os fatos inicialmente narrados.


No entanto, há de se observar que na doutrina moderna, dá-se pouca relevância à distinção entre tais sistemas, diante da constatação de que na realidade representariam “as faces da mesma moeda, porquanto culminam por aludir ao mesmo dirieto substancial”.


A causa petendi pois seria “circunscrita pelos fundamentos de fato e de direito da fattispecie da qual deriva o direito subsatancial deduzido em juízo.” É assente o entendimento de que fato não afirmado equivale ao fato inexistente, por causa da regra pela qual somente as partes podem introduzir material fático no processo, limitando, nesse aspecto, a atuação do juiz. A atuação das partes, contudo, não limita a prova de tais fatos , nem obsta que determinados fatos sejam conmhecidos de ofício.


Como o réu resiste à pretensão do autor, o comportamente normal e esperado do réu é que, uma vez citado, venha reagir por meio da apresentação da resposta, assim definida por Dinamarco ; “resposta  é a reação a um estímulo externo (…)”.


No sistema da ficta confessio quanto ao principal efeito da revelia ( conforme no caso da Alemanha, ainda assim a doutrina sustenta que o comparecimento do réu e apresentação da defesa tem natureza de ônus, entendimento combatido por Giannozzi para quem, a ficta confessio, a revelia produz efeitos materiais que influenciam no convencimento do juiz sobre os fatos, razão pela qual a natureza de tais atos estaria mais próxima do coneito de obrigação do que ônus propriamente dito.


Por outro lado,  resposta não se confunde com defesa, pois a defesa é apenas uma espécie de resposta, caracterizada pela resistência do réu. As possíveis respostas do réu não se limitam àquelas previstas no art. 297 do CPC ( contestação, exceções e reconvenção). Pelo contrário, abrangem todas as peças por meio das quais o réu possa manifestar sua reação ao estímulo provocado pela citação.[13]*


Mesmo que o réu compareça ao processo, apenas para reconhecer o pedido deduzido pelo autor, para apontar que é outro,( nomeação à autoria) e não ele, quem deveria figurar no pólo passivo daquela demanda ou tão-só para juntar a procuração e passar receber as intimaçlões para atos processuais subsequentes em todos esses casos o réu respondeu ao chamado da citação.


Não se contenta o sistema processual que o réu apenas resoibdam deve igualmente inmpugnar, conforme o art. 285 CPC. Há assim, dois ônus relativamente distintos, mas entrelaçados, que são o de responder e o de impugnar os fatos alegados.


No elenco das possíveis respostas do réu no processo de conhecimento do rito ordinário, temos: respostas defensivas ( contestação, exceção, nomeação à autoria, impugnação ao valor da causa, argüição de falsidade) e as respostas não defensivas ( reconvenção, denunciação da lide, chamamento ao processo).  Também o reconhecimento do pedido realizado pelo réu, em su primeira manifestação nos autos, é modalidade de resposta não-defensiva. Também a juntada de procuração é uma das respostas não defensivas.


No atual processo civil brasileiro diferentemente do que ocorre em muitos outros países, tanto se o réu silenciar totalmente, vale dizer, não  apresentar qualquer resposta; quanto silenciar parcialmente, no sentido de comparecer ao processo e deixar de impugnar algum dos fatos constitutivos alegados pelo autor, a conseqüência será a mesma: aquilo que não fora impugnado é admitido como verdadeiro, quer sejam todos os fatos alegados pelo autor como alguns.


Importante observar que a impugnação é realizada não apenas quando o réu nega diretamente os fatos alegados pelo autor, mas também quando apresenta nova versão sobre os mesmos ( grifo meu), quando deduz razões lógicas que indiquem que os fatos não poderiam ter ocorrido da maneira narrada na incial; enfim, sempre que faça alegações capazes de transmitir dúvida razoável ao espírtido juiz acerca da ocorrência dos fatos alegados pelo  utor, tornando-os controvertidos.


Sob aspecto formal, a impugnação pode ser gfeita por qualquermodalidade de resposta, e não apenas por contestação. É a instrumentalidade das forms do processo que tenta vencer o rigor formal do processo em prol do julgamento justo.


É bom lembrar que o silêncio no mundo jurídico significa um nada, não significa o popular “quem cala, consente”.


Portanto, não é o silêncio necessariamente indicativo da admissão de determinado fato  (posto quem cala, nada diz) e, muito menos, indicativo da veracidade não vincula o juiz, não afasta necessariamnete o fato do objeto da prova e, quanto muito, se o fato não for improvável, funciona como regra de inversão do ônus de prova, que somente produz efeitos se, finda a instrução, remanescer a ausência de prova a respeito do fato.


É a intenção do legislador pátrio é que deve a contestação concetrar toda matéria defensiva conforme prevê o art. 300 do CPC e que não esteja dispersa em outras peças processuais. Daí ordinariamente deverá o réu em sede de contestatória, impugnar especificamento todos os fatos alegados do autor.


Lembremos que fato controvertido é aquele afirmado por uma parte e não admitido pela outra parte, que não precisa necesssariametne negá-lo. Não é só  a contestação que cria cotnrovérsia sobre os fatos. Isso também pode ocorrer via a reconvenção[14] (conexa à demanda inicial), ou na arguição de falsidade documental.


Da Análise sobre a revelia e seus efeitos.


É um importante discernir o ônus de responder e o ônus de impugnar. Desta forma no processo civil italiano, por exemplo, o réu que comparece tem o ônus de impugnar os fatos alegados pelo autor e seu descumprimento implica em serem admitidos como verdadeiros, apesar de não integrarem a prova. Mas se simplesmente deixar o réu de comparecer ao processo não sofre tal conseqüência.


Mesmo o nosso antigo CPC de 1939 para a doutrina dominante a admissão de veracidade só poderia decorrer da ausência de impugnação quando o réu comparecesse.


Atribuindo à valoração do silêncio da parte como forma de confessio por força da influência do Direito canônico, mas mesmo assim não tem poder vinculativo sobre o julgamento a ser proferido.


Seria exacerbado apego ao formalismo e à letra da lei, em franco prejuízo ao maior objetivo do processo que é a pacificação com justiça, desconsiderar a eficácia da impugnação produzida pelo réu aos fatos articulados pelo autor, só porque não fora deduzida na peça mais adequada (contestação), com a conseqüente sanção de reputá-los verdadeiros.


Até porque o processo devera sempre que possível buscar a verdade real acerca dos fatos efetivamente ocorridos por isso abranda-se a irregularidade formal eventualmente cometida pelo réu para permitir que os fatos impugnados por outras peças também sejam considerados controvertidos e, por isso, dependentes de prova.


Ademais a impugnação pode ser feita não apenas pelo réu, mas também por qualquer um que possa criar controvérsia sobre os fatos que também dependerão da prova para serem acolhidos.  Desincumbindo-se o demandado do ônus de responder.


É importante conceituar “ponto” que para prestigiosa doutrina significa aquele fundamento da demanda ou da defesa que haja permanecido incontroverso durante o processo, sem as partes tenham levantado discussão a respeito, e sem que o juiz o tenha de ofício, posto em dúvida o fundamento.


Discordando as partes, isto diante de efetiva contestação de algum ponto por elas, ou ainda, tendo o juiz suscitado a dúvida, ponto se erige em questão. A questão define-se como o ponto duvidoso e, existem questões de fato correspondentes à dúvida quanto a uma assertiva de fato nas razões de alguma das partes, e existem as questões de direito que correspondem à dúvida quanto à pertinência de alguma norma ao caso concreto, à interpretação de textos, legitimidade perante norma hierarquicamente superior, etc.


Assim a dúvida (ou questão) pode existir em torno dos fatos e direitos relativos à própria situação jurídico-material controvertido, como também podem surgir com referência às situações do processo, mesmo e à ação e suas condições.


Constitui objeto da prova no processo o conjunto de alegações controvertidas das partes em relação aos fatos relevantes para o julgamento da causa, ficando de fora as alegações não controvertidas, que independem de prova.


Dinamarco esclarece que se pode afirmar que nos fundamentos da sentença vêm à tona as questões resultantes da controvérsia formada entre a causa petendi apresentada na demanda e a causa excipiendi que a resposta do réu trouxe.


Assim terão solução na segunda parte da sentença as dúvidas surgidas e ainda não resolvidas ao longo do procedimento. Portanto, o dispositivo é uma resposta do órgão jurisdicional ao pedido formulado pelo autor.


Existe então para Dinamarco um eixo sistemático interligando a causa de pedir e a motivação da sentença, no qual serão resolvidas pelo juiz as questões de fato e de direito, e ainda outro eixo sistemático ligando o petitum ao decisum.


A necessidade de busca da verdade real amplia o objeto da prova que deixa de ser relacionado apenas à atividade das partes e passa a levar em consideração também o convencimento do juiz.


Em regra, não deve o juiz, trazer ao processo fatos não alegados pelas partes, mas é igualmente certo que se deve atribuir ao juiz o poder de determinar que sejam provados os fatos trazidos ao processo, relevantes para o julgamento, alegados por um e mesmo que não impugnados pelo outro, inclusive buscando de ofício tal prova, sempre que tais fatos não lhe pareçam verdadeiros ou sempre que julgar existirem elementos que lhe permitam firmar com maior segurança a convicção da existência ou não de tais fatos.


Boa parte da doutrina brasileira traçou o conceito de revelia baseado no art. 319 do CPC que em verdade só trata de um de seus efeitos. A revelia consiste na não apresentação de contestação, por parte do réu, no prazo legal (desde que citado pessoal e regularmente).


Assim, é considerado revel aquele que não contestou a ação, ainda que tenha comparecido, através de advogado legalmente habilitado, o só fato de existir nos autos procuração a advogado, outorgada pelo réu, não descaracteriza a revelia (Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, 7ª ed., v. II, p.331).


Barbosa Moreira que é um dos mais consagrados e respeitados doutrinadores brasileiros traça o conceito da revelia como ausência da contestação. Carmona aponta que o CPC de 1973 não definiu revelia, todavia entende que, por ter determinado, no art. 319 a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, seria natural, portanto, que o conceito de revelia continue atrelado à ausência de contestação, e não a outros comportamentos do réu no processo.


Arremata Bedaque que a revelia para o legislador, portanto, significa ausência de contestação.  Pode o réu descumprir completamente seu ônus de responder e, ainda, simplesmente permanecer inerte, vale dizer, omitir-se totalmente, deixando de reagir por qualquer uma das modalidades de resposta que lhe são oferecidas pelo ordenamento processual, não atendendo ao estímulo da citação, sequer comparecendo ao processo. É a hipótese na qual o réu não dá nenhum sinal de si nos autos. Na opinião de Umberto Bresolin é esta exatamente a melhor definição de revelia.


Chiovenda ao lado Betti foram mentores de nova teoria sobre a natureza jurídica da revelia, constituída pela falta de comparecimento de uma parte no processo, o que é compartilhado com quase totalidade da doutrina italiana.


Nos ensinamentos de Calmon Passos podemos deduzir que a contumácia é forma de inatividade que se traduz na ausência da parte, no seu não comparecimento. Contumaz era que descumpria o dever ou desatendia à necessidade do seu comparecimento.


Sem dúvida, é arcaico compreender que o comparecimento dos litigantes seja um dever, e sobreviveu o termo contumácia apenas como o fenômeno da omissão no comparecer.


A doutrina portuguesa, no entanto entende ser a revelia agravada, que ocorre quando apesar de citado válida e regularmente, o réu simplesmente não comparece ao processo, nem mesmo para constituir advogado.


O prestigiado Rogério Lauria Tucci sustenta que a contumácia é o não comparecimento da parte em juízo (sendo possível tanto ao autor, como a do réu) e nesse sentido, é a omissão total.


Gelson Amaro de Souza segue teoria que apregoa ser a revelia mais que apenas a falta de contestação, mas também a ausência de comparecimento. O que reforça que a revelia do réu é a inexistência de qualquer resposta, a inatividade total do réu, caracterizada pela ausência de comparecimento do réu ao processo, e não apenas a ausência de impugnação dos fatos alegados pelo autor, muito menos a ausência de contestação.


No processo civil de conhecimento é a situação de inatividade total do demandado que, regularmente citado, desatende por completo o ônus de responder e não comparece ao processo. No procedimento comum sumário podemos ter a caracterização da contumácia e da revelia.


O réu que desidioso e desatende ao ônus de responder e não comparece ao processo, sendo por tal razão considerado revel, também não atende ao ônus de impugnar os fatos alegados pelo autor, que restarão incontroversos e serão, via de regra, reputados verdadeiros.


A recíproca, contudo, não é verdadeira (ou seja: todo contumaz é revel porém nem todo revel é contumaz). Pode por qualquer das modalidades que lhe são facultadas, responder no prazo, mas deixar de impugnar qualquer dos fatos alegados pelo autor na petição inicial. Nega-se então que se caracteriza a revelia. Pois o réu não descumpriu o ônus de responder, e reagiu ao chamamento realizado pela citação, oferecendo a resposta e comparecendo ao processo.


Embora tenha descumprido totalmente o ônus de impugnar os fatos constitutivos do direito do autor, mas isso não o torna revel, mesmo assim por força do CPC, todos os fatos alegados e não impugnados serão incontroversos, e por isso, excluídos do objeto da prova. Daí não se reconhecer a presunção de veracidade como efeito apenas da revelia, face essa poder decorrer de uma impugnação desidiosa.


Majoritariamente é enquadrado o efeito do art. 319 do CPC como presunção[15]* de veracidade que dá uma simplificação ao procedimento. Portanto, a ausência de resposta (revelia) implica logicamente na inexistência da impugnação, razão pela qual o referido dispositivo frisou que aplicar-se-ia tal efeito à situação de revelia, conduzindo à incontrovérsia de todos os fatos alegados pelo autor.


Também há doutrinadores que entendem elidir a caracterização da revelia se o réu limitar-se a juntar procuração nos autos, em sentido amplíssimo, o réu reagiu, fez-se presente ao feito ao constituir advogado e, portanto, não é revel, embora lhe seja aplica o efeito previsto em art. 319 do CPC, mas não tem cabimento a conseqüência prevista no art. 322 até em razão da nova redação esculpida pela Lei 11.280/2006, que ressalva, se o réu não tiver patrono nos autos.


Pelo mesmo motivo, caso o autor não se manifeste sobre eventual reconvenção[16] proposta, não poderá ser considerado revel, posto que já estivesse constituído no processo, quando proposta a reconvenção; por isso não se aplica a sanção prevista no caput do art. 322 do CPC. Apesar de que sofrerá os efeitos previstos no art. 319 do CPC;


Sendo a revelia a ausência de qualquer resposta, só pode esta perdurar enquanto não comparece ao processo. Apesar da eficácia de sua atuação restar muito limitada à medida que o procedimento caminhar, em razão das preclusões que se verificarem a marcha procedimental.


Ainda que tardiamente, a reação do réu e seu comparecimento elidem a revelia. Trata-se do que chamamos de purga da revelia, então cessará o efeito do caput do art. 322 do CPC, portanto será o demandado intimado de todos os atos processuais depois de seu comparecimento.


Porém, por força da concreta preclusão temporal, não se apagará o efeito determinado pelo art. 319 CPC, se aplicável a espécie (pois deve ser direito disponível e não se tratar de ações universais).


No processo de conhecimento de rito sumário por conta das peculiaridades como concentração dos atos processuais, a dinâmica do ritmo processual e, o momento previsto para constituição do réu em juízo, verifica-se a revelia, conforme do art. 277 do CPC que não comparecer à audiência, principalmente se é injustificada essa ausência.


A relevância dessa audiência reside à valorização da tentativa de conciliação que ali tem lugar, a qual antecede a apresentação da defesa do réu (art. 278) o que justifica o cuidado do legislador pátrio ao buscar o comparecimento do réu as audiência, quer seja pessoalmente, quer seja cabalmente representado por preposto dotado com os especiais poderes para transigir (art. 277, § 3º) e ainda estar acompanhado de advogado legalmente habilitado, titular do ius postulandi e representante da efetivamente capacidade postulatória da parte.


É, se o advogado normalmente comparecer à audiência representando o réu, mesmo importante lembrar que a ausência injustificada do advogado na audiência também caracteriza a revelia no processo de conhecimento de procedimento sumário. Por tal razão que este não esteja presente e nem mesmo envie preposto, não se pode cogitar em revelia.


Nesse particular é curial citar a jurisprudência: Revelia – procedimento sumário – ausência do réu na audiência de conciliação – presença, no entanto, do advogado legalmente constituído, que apresentou contestação escrita. Inocorrência de revelia. (Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, Ap. 942263-5, 12ª Câmara de férias de janeiro, Rel. Juiz Souza Oliveira, j. 1º-02-2001). Vide também em http://www.conjur.com.br/2007-jan-09/reu_nao_contesta_versao_autor_verdadeira , http://www.conjur.com.br/2006-jun-20/cobrar_ligacao_nao_feita_gera_indenizacao .


Mas outra situação também merece análise, marcada a audiência, só comparece o advogado desmuniciado dos poderes para transigir o que frustra a tentativa de conciliação que não poderá ser obtida, devendo logo se passar para fase de apresentação da resposta oral ou escrita consoante ao previsto no art. 278 do CPC.


Ademais, nada obstante as soluções que se afastam do ditame previsto no segundo parágrafo do art. 277 e constituam aparentes exceções à regra estabelecida nos parágrafos anteriores, à luz do conceito de revelia ora sustentado, parecem-nos acertado os entendimentos que apontam não haver revelia nem se o réu oferecer a resposta escrita, assinada por seu patrono, antes da audiência, protocolando-a em cartório, mesmo que não venha comparecer (nem o réu e nem o advogado) à audiência.


Nem mesmo se o réu comparecer à audiência para oferecer resposta escrita assinada por seu advogado, mesmo que este último não vá audiência. Em ambos os casos, o réu compareceu em juízo e respondeu tempestivamente, afastando a situação fática de omissão total que caracteriza a revelia, como querem alguns doutrinadores.


A revelia é estado de fato que se dá quando o réu, regularmente citado, desatende completamente ao ônus de responder e não comparecer no processo. Difere dos efeitos da revelia, que são as conseqüências jurídicas que podem ou não advir de tal estado de fato. Há casos expressamente previstos em lei onde não incidirão tais efeitos (art.320 CPC).


Traz o art. 319 do CPC em seu bojo o efeito principal da revelia, e não seu conceito. E, em direta correspondência e consonância estão ainda os arts. 320 e 324 do mesmo diploma legal, o primeiro porque excepciona a aplicação da veracidade dos fatos articulados pelo autor, e o último que determina o prosseguimento do feito, não obstante ser inaplicável o art. 319 do CPC.


Uma das premissas metodológicas do direito processual parte do sincretismo que se identifica com a fusão entre os planos do direito material e processual, apesar de se reconhecer suas autonomias e superposição, parte-se em seguida pelas grandes construções científicas e chegando-se finalmente à instrumentalidade do processo, preocupada com os escopos visados e pelos resultados práticos produzidos pelo processo. É a função social que deve nortear e otimizar todo desempenho da elação jurídica processual para se finalmente conseguir a pacificação social pretendida.


Sob essa ótica, caracterizada a revelia, tendo o réu sido ausente ao processo e deixando de impugnar os fatos narrados exordial, resultariam todos estes incontroversos e reputados verdadeiros e não ingressando no objeto da prova (art. 334, inciso III do CPC), salvo poucas exceções expressamente trazidas por lei e que deveriam ser aceitos pelo juiz na fundamentação da sentença.


Frise-se que a referida presunção de veracidade apenas incidente sobre fatos, e nunca se aplica ao direito, o juiz sempre tem o dever de aplicar a norma jurídica pertinente (iura novit cúria) independentemente da atuação ou não do réu.


É óbvio que essa interpretação não pode redundar num comportamento inerte e indiferente do juiz, compelindo-o aceitar a vontade formal dos fatos alegados pelo autor só porque ocorreu a revelia ou porque não sofreu a impugnação específica do demandado. Essa idéia do processo civil do autor é ainda pautada pela visão privatista do processo que está completamente ultrapassada.


Hoje o processo tem se coadunar com as chamadas garantias constitucionais que asseguram não apenas o acesso à justiça formal abstratamente considerado, mas também o processo justo e équo, capaz de proporcionar em concreto a efetividade da tutela jurisdicional através de resultados práticos e consigam oferecer a adequada proteção a quem tiver razão à luz do direito material.


A questão da revelia ressalta a doutrina que, em última análise, é a isonomia processual, a necessidade de uma postura mais ativa do juiz – especialmente na instrução probatória buscando equilibrar as diferenças entre os litigantes decorrente dos aspectos econômicos, sociais exigindo. Exigindo que o juiz diligencie o que a parte hipossuficiente para o processo possa outorga tutela a quem tem razão à luz do direito material.


É importante perceber que o efeito da revelia não pode distorcer o sentido da justiça e da instrumentalidade do processo. Assim a busca da verdade real acerca dos fatos deduzidos no processo, revela preocupação com a busca de certeza[17], com o aprofundamento da cognição e, portanto, com o valor da segurança jurídica.


Adverte Marinoni que a tempestividade da tutela jurisdicional e o direito ao processo sem dilações indevidas, atinentes à efetividade do processo são postulados de igual relevância no sistema. Concluindo, o tempo do processo não pode prejudicar o autor que tem razão e beneficiar o réu que não a tem.


Como sói em quase todas as partes do processo civil, nesse tema está também presente controvérsia na interpretação dos efeitos da revelia, o conflito as exigências opostas de segurança jurídica/certeza e efetividade do processo/celeridade.


Chiovenda propõe que a prova em geral sobre a verdade dos fatos não pode ter limites. Mas a prova no processo, ao revés prova lógica e científica, sofre a primeira limitação na necessidade social de que o processo tenha um termo.


Evidentemente a busca frenética da verdade certamente viria prejudicar os bons resultados do exercício da jurisdição, retomando-se a velha dicotomia entre celeridade e ponderação, traduzível também na eventual dissonância ente justiça e pacificação.


Assim é que recomendável ao juiz uma mentalidade racional-instrumentalista, que busca a melhor convivência do princípio dispositivo com o inquisitivo, equacionando valores como celeridade e segurança a luz do princípio da proporcionalidade, que indicará qual deve ceder em cada caso concreto.


Há  honrosas exceções à aplicação do art. 319 do CPC que estão elencadas no art. 320 do CPC e, igualmente na hipótese de assistência simples, sendo revel o assistido, o assistente atuará como gestor de negócios, razão pela qual poderá o assistente responder e atuar no interesse do réu revel, impugnando os fatos alegados, tornando-os controvertidos.


Também não haverá o efeito previsto no art. 319 do CPC se os direitos postos em litígios forem indisponíveis e diante do interesse público. Outra ressalva é que o réu deve ter sido pessoalmente citado para o feito, do contrário, havendo citação por edital ou por hora certa será nomeado um curador especial à lide conforme o art. 9º, inciso II do CPC que poderá inclusive impugnar genericamente a postulação do demandante


Também será afastado o referido efeito da revelia se houver nos autos prova que convença ao juiz de que os fatos se deram de forma diversa da narrada pelo autor, ou mesmo, quando conflitar com a defesa, considerada em seu conjunto.


A jurisprudência do STJ não destoa de tal entendimento, asseverando que deve o juiz formar seu convencimento lastreado nos documentos juntados pelo autor e não se firmar em presunção que se patenteia contrária à realidade. Também não se reputam verdadeiras as alegações do autor que se contraponham aos fatos notórios.


O efeito da revelia também deve ser afastado no procedimento sumário, caso tenha comparecido à audiência mesmo que desacompanhado de advogado, sendo ouvido pelo juiz, apresentar versão verossímil dos fatos, suficiente por si só para pôr em dúvida as alegações do autor.


Se existir qualquer motivo, quer seja objetivo ou subjetivo, que imprima no espírito do julgador, nessa fase ordinatória do procedimento, a impressão de que há mais motivos para descrer do que para crer nos fatos alegados pelo autor, não incidirá o efeito da revelia determinado pelo art. 319 do CPC.


Apesar do efeito preconizado no art. 319 do CPC, o processo prosseguirá nos termos do art. 324 do CPC o que imputará as partes a especificar provas que pretende produzir em audiência. O ônus da prova é em regra determinado pelo art. 333, inciso I do CPC. Mesmo assim ainda é possível a inversão do ônus da prova.


Ainda se a fase instrutória se não convencido o juiz deverá sanear o processo até para identificar as questões controvertidas. E averiguar quais provas serão necessárias.


Respeitáveis juristas apontam a natureza jurídica do art. 319 do CPC seria de confissão ficta: se o réu deixasse de impugnar os fatos alegados pelo autor, e que sejam contrários ao seu interesse, significaria que o réu tacitamente teria admitido a veracidade de tais fatos.


Modernamente a doutrina nega tal conclusão, pois ser absolutamente distinto do instituto jurídico da confissão[18]. Lembremos que a confissão é declaração de ciência (declaração representativa) com eficácia probatória (função) consiste na admissão, expressa ou tácita.


O principal efeito da confissão é afastar o fato confessado do objeto da prova e servir de elemento para que seja considerado como verdadeiro, embora tenha perdido o trono e deixado de ser a rainha das provas.


Mesmo ante a confissão não se vincula a decisão do juiz, tendo a confissão características peculiares. Assim a natureza jurídica de tal efeito da revelia é bem próxima da presunção relativa, mas que admite prova em contrário.


Defende alguns que a natureza jurídica do efeito da revelia não é presunção relativa, mas sim hipótese específica de inversão do ônus da prova. É preciso recordar a essência do conceito de ônus da prova, bem ainda das regras relacionadas à sua distribuição (ordinária) e inversão (extraordinária).


Modernamente o ônus da prova é entendido como regra de julgamento, que fornece ao juiz, proibido a pronunciar o non liquet, o critério para que possa proferir sentença quando restar frustrada a prova, vale dizer, quando não existir comprovação de determinado fato relevante para o julgamento.


O enfoque segundo Rosenberg é o do ônus objetivo da prova, a doutrina o diferencia claramente do ônus subjetivo da prova, identificando este último como necessidade dos litigantes produzirem provas a seu favor, sob pena da parte que não produziu amargar julgamento contrário aos seus interesses.


Prelecionava Buzaid que o busilis do ônus da prova tem mesmo duas faces: uma face voltada para os litigantes, indagando-se qual destes há de suportar o risco da prova frustrada; é o aspecto subjetivo, a outra face voltada para o magistrado, a quem deve dar uma regra de julgamento.


Apóia-se na lógica da justiça distributiva e na igualdade das partes, e na renovada preocupação de repartir de modo justo as conseqüências da prova frustrada, sem prejudicar excessivamente qualquer das partes.


A doutrina é quase uníssona em afirmar que as presunções relativas instituídas por lei atuam sobre as regras de distribuição do ônus da prova, dispensando do ônus probante aquele que as tem em seu favor. Assim que é favorecido pela presunção relativa tem o ônus de provar apenas o fato-base, aquele que a lei prevê como suficiente para que o juiz repute ocorrido o fato presumido.


Mesmo ante o efeito da revelia do art. 319 do CPC sempre que o juiz não estiver suficientemente convencido da ocorrência dos fatos alegados pelo autor dos fatos constitutivos de seu direito, vale dizer, que julgado tendo relevante dúvida deve permitir na medida do possível a investigação dos fatos, determinando produção de provas até mesmo de ofício e admitindo até o que o réu compareça tardiamente no processo e participe ativamente da instrução e da produção probatória.


Caberá o julgamento antecipado apenas se a questão for exclusivamente de direito, ou sendo de direito e de fato, se o juiz estiver convencido dos fatos alegados em razão dos documentos apresentados pelo autor.


Novas perspectivas conduziram à flexibilização da interpretação de tal efeito da revelia, de maneira que seja compreendida como presunção relativa de veracidade das alegações fáticas do autor, ou como mera hipótese de inversão da regra de julgamento decorrente do ônus da prova. Aproveito para indicar a leitura do artigo no link: http://www.lfg.com.br/artigos/Blog/Relativizacao_da_revelia%20_troca.pdf .


Portanto, diante da valorização da busca da verdade real e da aceitação de que tanto o revel pode produzir provas quanto o juiz deve determiná-las de ofício para bem julgar, ruiu então o alicerce que antes sustentava a construção que o juiz estaria adstrito à verdade formal que decorreria do art.319 do CPC, fazendo desmoronar o entendimento que sempre seria cabível o julgamento antecipado da lide.


A dispensa de intimação do revel que não tenha patrono nos autos, quando transcorrerão os prazos, a partir de cada ato decisório, mantém afastado do contraditório o feito.
Mas cumpre antes sublinhar que a revelia restaria caracteriza se citado pessoalmente por qualquer das modalidades de citação real (seja por correios ou por oficial de justiça).


Se a citação for ficta diante da incerteza do efetivo conhecimento do réu acerca da demanda que lhe foi proposta, a opção do legislador é de protegê-lo, nomeando-lhe curador especial (art. 9º, inciso II), que visa protegê-lo. Assim também esse curador à lide deverá ser regularmente intimado dos atos e termos do processo, não incidindo, neste caso, o efeito do caput do art. 319 CPC.


Reagindo tardiamente nos autos, ainda que tenha se restringido a constituir advogado nos autos, o réu deixa de ser revel (inobstante não cesse o efeito da revelia, conforme o art. 319 do CPC), dando-se a purga da mora, esse é o entendimento de alguns juristas.


É bom lembrar que o código vigente não mais trata de notificação como forma de comunicação dos atos processuais, tendo abrangendo no conceito de intimação (comunicação para a parte faça ou deixe de fazer alguma coisa devem ser comunicados ao revel, afastando nesse caso incidência do disposto no caput do art. 322).


Deve ser feita ao revel ainda as citações eventuais que se tornem necessárias, como por exemplo, quando o autor promover a alteração do pedido ou da causa de pedir (art. 321), ou se o autor propuser ação declaratória incidental, ou ainda se um terceiro oferecer oposição.


A doutrina minoritária e alguns julgados isolados entendem que nada impede que o revel deva ser intimado e principalmente da sentença. E seu principal defensor é Calmon de Passos, pois a sentença, num paralelismo com a lei, não obriga antes de ser conhecida. A publicação da sentença é, por conseguinte, ato indispensável para sua existência e eficácia.


E não há publicação enquanto não há ciência. Pouco importa que dessa ciência também corra o prazo para recurso. Pois a ciência pessoal embora não seja da essência do ato decisório, para que exista e seja eficaz, mas seu comando exige que haja informação para que tenha seu atendimento.


Idêntica posição adotou Ada Pellegrini Grinover e defende interpretação menos rigorosa, sob pena de infringir o contraditório, a fim que possa ser restaurado, possibilitando ao revel os recursos cabíveis, portanto, é imprescindível que seja devidamente intimado da sentença proferida.


Marinoni e Arenhart também recentemente propugnaram a necessidade de se intimar o revel da sentença.


Apesar do caput do art. 322 do CPC que dispensou de ser o revel intimado dos atos e termos do processo, isso não implica que não lhe sejam assegurados os prazos normais para praticar eventuais atos decorrentes daquele que não lhe foi comunicado.


Vale dizer, se o autor juntou documento novo aos autos, deverá ser respeitado o prazo de cinco dias para que sobre este o revel se manifeste; se proferida decisão interlocutória, novamente terá o revel o prazo de dez dias para agravar; se prolatada a sentença, terá o revel o prazo de quinze dias para apelar, e assim em diante.


À luz da antiga redação do art. 322 do CPC havia que diferenciar os prazos que correm exclusivamente contra revel daqueles que fluem simultaneamente para as partes (prazos comuns).


Rogério Lauria Tucci sustentava que os prazos devem ser contados da data de sua publicação na imprensa oficial para ambas as partes, sem qualquer distinção, inclusive para o revel.


Desta forma, restaria ferida a isonomia das partes, caso o autor dispusesse de prazo maior do que do revel para praticar determinado ato. Com as alterações salutares ou questionáveis promovidas pela Lei 11.280/2006 pretendeu o legislador reformista tomar partido de tal discussão e prestigiar a tese minoritária, estendendo-a expressamente aos atos decisórios, ainda que estes não gerem prazos comuns.


O termo inicial da fluência do prazo será também para o revel, o da intimação do autor, que normalmente ocorrerá por meio de publicação na imprense oficial (art. 236 CPC) e não mais da publicação em sentido estrito, como insistia a maior parte da jurisprudência.


Importante frisar que tais alterações não possuem o alcance de determinar que o revel seja intimado de atos decisórios, pelo contrário, procuraram apenas unificam o termo inicial de fluência dos prazos, dando ao revel, exatamente o mesmo tratamento dispensado ao autor e, prestigiando mais uma vez o princípio da isonomia das partes e o devido processo legal.


Repercute de forma negativa a falta de técnica redacional do trecho acrescido ao art. 322 do CPC pela Lei 11.280/06 que confundiu o ato de intimação com sua espécie mais freqüente que é a publicação, se por alguma razão não houver necessidade de intimar o autor por meio de publicação na imprensa oficial (situação de caráter excepcional, pode perfeitamente ocorrer, por exemplo, se o autor tomar ciência inequívoca do ato, ou ainda se a decisão proferida em audiência – arts. 242, §1º e 506, inciso I do CPC), tal publicação não deverá ser efetuada e o termo inicial de fluência do prazo, para o revel, deverá corresponder exatamente àquele fixado para o autor.


Comparecendo o réu antes de prolatada a sentença, em momento hábil, pode ainda influenciar na fixação de seu conteúdo fático, produzindo tanto a prova de que não ocorreram os fatos constitutivos alegados pelo autor (prova contrária) quanto a de que ocorreram fatos novos, modificativos, impeditivos ou extintivos que possam ser conhecidos de ofício. É também lícito ao revel alegar provas e fatos que podem ser deduzidos depois de ultrapassado o prazo da contestação, conforme o art. 303 do CPC.


Deve-se portanto flexibilizar as preclusões operadas eventualmente, no que concerne ao requerimento e à produção de provas pelo revel, principalmente quanto à prova documental.[19] E, ainda que ocorram preclusões para o revel, isso não impede o julgador busque o esclarecimento adequado dos fatos.


Poderá ainda o revel a qualquer tempo, influenciar na resolução das questões de direito até então pendentes, e contribuir efetivamente para que o juiz venha aplicar corretamente o direito aos fatos, deduzindo argumentos jurídicos que conduzam à extinção do processo sem julgamento do mérito ou ainda a improcedência do pedido.


Por conta dessas possibilidades é vedado ao juiz mandar desentranhar tanto a peça de resposta intempestiva como os documentos que a guarnecem.


Concluindo[20] o sistema adotado pelo CPC de 1973 é coerente sob aspecto técnico porém excessivamente rigoroso quanto aos efeitos da revelia. Continuando com principal efeito o previsto no art. 319 do CPC, salvo as exceções legais, o que explicita a filiação do sistema a ficta confessio e a nítida influência do processo civil alemão.


E, ipso facto, decorre o julgamento antecipado da lide (que é julgamento de mérito) em face da simplificação dos pontos controvertidos e do procedimento. Além é claro de correrem os prazos contra o revel (sem patrono nos autos) independentemente de intimação, apesar de franquear a participação do revel em qualquer fase do processo, sem retroação da matéria preclusa, alcançando o feito no estado em que se encontrar.


Necessário é revistar e flexibilizar os efeitos da revelia a bem da efetividade da jurisdição e da busca da verdade real capaz de produzir um julgamento justo e prestigiar a função social do processo em sua perspectiva de instrumentalidade e do seu caráter público.


 


Referências

BRESOLIN, Umberto Bara. Revelia e seus efeitos. Coleção Altas de Processo Civil, coordenação Carlos Alberto Carmona, São Paulo, Editora Atlas, 2006.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito Processual Civil. Volume 2, Tocantins,  Editora Intelectus, 2003.


Notas:

[1] Decorrido o prazo para oferecimento da resposta do réu, algumas hipóteses viáveis para o demandado: a admissão ou reconhecimento do pedido, o transcurso do prazo in albis, não oferecendo resposta no prazo descrito em lei, configurando-se a revelia do réu.

[2] Revel é quem não contestou a ação, o fez de forma intempestiva ou contestou formalmente, mas deixou de impugnar os fatos narrados pelo autor. Há, também, a possibilidade de revelia parcial quando o réu deixa de contestar parte do pedido formulado pelo autor.

[3] Mesmo revel não está impedido de ingressar no processo, inclusive de produzir provas no momento próprio. A restrição a tardia presença do réu é que não mais poderá contestar, assumido o processo no estágio em que se encontra.

[4] A posição dominante é a do CPC vigente que vê a revelia como ausência de contestação do réu. É o entendimento de Humberto Theodoro Junior e da maioria da doutrina, assim como é dominante na jurisprudência. Será considerado revel, mesmo que esteja atuando na reconvenção.

[5] Contudo, a simples revelia contemporaneamente não leva, necessariamente, ao deferimento do pedido como procedente se o autor não fornecer ao juiz, em sua inicial, elementos suficientes para convencê-lo da procedência da sua pretensão.

[6] A segunda corrente da revelia é defendida por Dinamarco, que vê no conceito a ausência de resposta do réu, não de contestação. Então, se o réu ajuíza reconvenção, ou ingressa com exceção de competência ou suspeição, não poderá ser considerado revel, vez que manifesta interesse na causal, apesar de não apresentar a principal espécie de defesa prevista na lei.

[7] O direito alemão reconhece através de Westenhoff e Wassermeyer, citados por Adolf Schönke que a prova por presunção adquire na prática uma importância cada vez maior. Por sua vez na Itália tal prova embora admitida, é vista com fundadas reservas.

[8] Contumaz é mais propriamente, a parte que não se constituiu no processo, ou seja, aquela não providenciou a legitimação de seu defensor ou a si mesmo junto ao juízo da causa.

[9] Descabe a confissão, também nas ações que versem sobre bens imóveis, pois a confissão de um cônjuge não vale sem a do outro. Se provier de incapaz, a confissão não poderá ser levada em conta. Se a confissão decorreu de erro de fato a mesma poderá ser anulada conforme ordena o art. 214 do CC.

[10] A constituição e comparecimento da parte no processo são objeto de ônus processual, não de obrigação.

[11] Em síntese as teorias sobre a natureza jurídica da revelia são: a) teoria da rebelião à justiça; b) teoria da renúncia do direito de defesa; c) teoria do não exercício do direito de agir ou da autodeterminação; d) teoria da inatividade.

[12] Revelia. Contestação intempestiva. Requerimento de provas pelo réu revel. Possibilidade. Limites. Presunção relativa de veracidade dos fatos afirmados na inicial, arts. 319, 320, 322 e 330. Julgamento antecipado da lide. Recurso desacolhido. (STJ REsp 211.851/SP, 4ª. T., rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, DJ de 13.09.1999, p.00071).

[13]  A ampla defesa não se cinge apenas à oposição ao mérito do feito proposto que, comumente conhecemos como resposta ou defesa do réu.

[14] A revelia na reconvenção é, via de regra, tratada pelos autores como sendo indistinta da

revelia comum. Lembrar, porém, que a reconvenção é a ação do réu contra o autor, no

mesmo processo, desde que conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.

Daí se deflui que se o autor-reconvindo for revel na reconvenção mas a reconvenção for

conexa à ação principal de molde a que o julgamento de ambas passe pela apreciação da

existência de fatos comuns, o juiz, pelo princípio da comunhão da prova, não poderá presumir

verdadeiros, para fins da reconvenção, fatos que foram considerados falsos por

conta da instrução probatória ocorrida na ação originária.

[15] Cabe a distinção entre presunção e indícios porque embora se complementem, não são sinônimas como se poderia pensar à primeira vista. O indício capta fato que pode ter significação material ou humana. Enquanto que a presunção constitui um fato conhecido, um juízo lógico do julgador que lhe permite formar convicção sobre determinada eficácia do indício

[16] A reconvenção é instituto eminentemente processual pelo qual, visa o réu excluir a pretensão do autor por dedução de direito contraposto, ou seja, deduz o réu direito que é seu em oposição ao do direito pedido pelo autor.

[17] O Código Civil encarrega-se de ordenar as provas, indicar seu valor jurídico e a admissibilidade das mesmas em seus arts. 212 e seguintes. Já o CPC regula o modo de produzir as provas e apresentá-las em juízo.

[18]RECONHECIMENTO JURÍDICO DO PEDIDO                     ≠                               CONFISSÃO

Refere-se ao pedido                                                                                          refere-se aos fatos

Extingue o processo com resolução do mérito.                                           suaviza a instrução mas não é 

                                                   rainha das provas.

é forma de autocomposição da lide                                                              é meio de prova

[19] Prova pré-constituída é expressão criada por J.Bentham que significa a prova formada anteriormente ao início da relação jurídica, pré-autos, surgindo antes da necessidade de sua apresentação no processo.

20- A revelia não é uma forma de punição ao réu, mas sim uma técnica de aceleração do processo. Por isso, mesmo numa situação de litisconsórcio facultativo e simples, em que um réu é revel, mas outro co-réu apresentou defesa que favorece a ambos, seja em relação à questão de direito, seja em relação à questão de fato, a defesa deste beneficiará aquele que foi omisso.

Informações Sobre os Autores

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.

Denise Heuseler

Professora assistente, bacharel em Direito pela UNESA, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Civil, Advogada, Tutora da FGV On-line. Membro do Conselho do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ)


Equipe Âmbito Jurídico

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