Anencefalos, sujeitos de direito

No dia 1º de julho do corrente ano, uma decisão emanada do ministro Marco Aurélio Mello do Supremo Tribunal Federal, colocou em suspense expressivo segmento da sociedade brasileira, pois, S. Exª, diante de uma ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS), autorizou liminarmente o procedimento abortivo  de feto anencefálico.

Felizmente, no último dia 24, deste mês de outubro, depois de acalorada discussão, quando aconteceram até inusitadas agressões verbais, dos onze, sete Magistrados daquela Corte consideraram que a Constituição Federal não inclui casos de anencefalia no rol dos motivos que justificam o aborto no Brasil. Assim, foi derrubada a liminar. Ela perdeu eficácia, ao menos, até que o STF julgue de forma definitiva a ação da CNTS.

Anencefalia significa ausência do encéfalo. Ou melhor, uma mal formação rara do tubo neural acontecida entre o 16° e o 26° dia de gestação, na qual se verifica “ausência completa ou parcial da calota craniana e dos tecidos que a ela se sobrepõem e grau variado de mal formação e destruição dos esboços do cérebro exposto”. Verifica-se ainda ausência dos hemisférios cerebrais e dos tecidos cranianos que os encerram com presença do tronco encefálico e de porções variáveis do diencéfalo. A ausência dos hemisférios e do cerebelo pode ser variável, como variável pode ser o defeito da calota craniana. A superfície nervosa é coberta por um tecido esponjoso, constituído de tecido exposto degenerado”.

Respeitosa, mas firmemente, ergueram-se diversas vozes. De instituições respeitáveis como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que alertou os Ministros dizendo entre mais: “O sofrimento da gestante e da família a todos sensibiliza e não podemos ser indiferentes a essa dor e angústia. Mas esse sofrimento não justifica nem autoriza o sacrifício da vida do filho que se carrega no ventre. Não é uma simples escolha, um simples ato de vontade, não se trata apenas do próprio corpo, mas se cuida de uma outra vida, de vida autônoma, de vida que vale por si, pelo simples fato de existir. Ou o feto anencefálico não existe”?

Como também, do jurista de renome Ives Gandra da Silva Martins, que reverencia o autor da decisão: “Tenho pelo Ministro Marco Aurélio pessoal admiração, pela coragem de suas decisões e pelo acentuado amor ao direito, à justiça e à cidadania que sempre demonstrou nutrir”. Mas nem por isto deixa de acrescentar: “Estou convencido de que a decisão é manifestamente inconstitucional. Macula o artigo 5º da lei suprema, que considera inviolável o direito à vida. Fere o § 2º do mesmo artigo, que oferta aos tratados internacionais que cuidam de direitos humanos a condição de cláusula imodificável da Constituição. Viola o artigo 4º do Pacto de São José, tratado internacional sobre direitos fundamentais a que o Brasil aderiu, e que declara que a vida começa na concepção”.

Os bebês anencefálicos não sobrevivem ou já nascem mortos, razão porque os abortistas insistem em condená-los à morte eutanásica. Há uma insistência em dizer que não são gente, são coisas, que as mães não estão obrigadas a se transformarem em esquifes ambulantes, que elas ficam expostas a morrer antes.

Tal qual afirmaram os sofistas: “não é vida (o que entendem por vida!), é um amontoado de células, não é um ser humano”. Mas os querem para obtenção de células tronco, no entanto.

E eis que vale a penas transcrever trechos de uma carta a ele de uma mãe de anencefálico:

“Você nem pode imaginar quantas coisas mamãe tem ouvido das pessoas que têm cérebro. Outro dia mamãe ouviu uma pessoa dizer que matar uma criança assim não era aborto, pois esse feto já era um aborto da natureza. É, filho, as pessoas falam coisas absurdas, monstruosas. Parecem não usar o cérebro completo e perfeito que receberam de Deus. Outras defendem a idéia de que não haveria crime, caso praticassem um aborto cujo feto tivesse anencefalia, pois não haveria vida viável. Defendem essa teoria como se o ser que mexe, cujo coração bate dentro do útero materno já estivesse morto…”

“Meu filho, você não sabe do que são capazes de falar e fazer essas pessoas que têm cérebro, essas pessoas grandes. Alguns têm a coragem de dizer que o que matam é o nada, sem saber que o que existe e vive no ventre materno desde a concepção é um sujeito humano concreto, único e irrepetível… Não podia eu dizer que você era uma parte minha, pois desde a concepção você já existia com um código genético diferenciado, original em relação ao meu. Como podem algumas pessoas dispor do que não lhe pertence?”

“Sabe que outro dia mamãe leu em um jornal que se autorizava um aborto liminarmente, sendo que o feto tinha um problema igual ao seu, anencefalia, e que o que fundamentava essa decisão era que «não se podia impor à gestante o insuportável fardo de ao longo de meses prosseguir na gravidez já fadada ao insucesso». Você não acredita? Mas é verdade, estava escrito, chamavam um filho como se fosse fardo insuportável, parece não saber que filho nunca é fardo, muito menos insuportável. Parece não ter a menor idéia de quanto vocês são amados apesar dessa deficiência, ou melhor dizendo, malformação. E o quanto são importantes para nós mães de verdade cuja natureza intrínseca de mulher nos faz”.

Todos estamos convidados a um posicionamento contra a implantação de tal crime entre nós, para o que seria necessário, inclusive,  rasgar a Constituição Federal ou retirar de entre os dez, o quinto mandamento: “não matarás”!

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marlusse Pestana Daher

 

Promotora de Justiça – ES

 


 

logo Âmbito Jurídico