Antecipação de tutela: uma análise do CPC de 1973 e do projeto do novo CPC

Resumo: Uma das causas impeditivas da efetividade processual é a duração dos processos  e a ausência de tutelas diferenciadas. Este fenômeno ocorre diante da ausência de procedimentos capazes de fornecer uma decisão hábil a produzir efeitos no plano empírico, seja porque houve o perecimento do próprio objeto da lide, seja pela configuração de uma situação não mais passível de reversão. Buscando corrigir estas falhas, iniciou-se em 1994 o processo de reforma do Código de Processo Civil. Inseriu-se, através do artigo 273 CPC, o instituto da antecipação da tutela, objetivando distribuir o ônus do tempo e permitindo o juiz antecipar efeitos da decisão de mérito a ser proferida. A partir de então a utilização do processo cautelar autônomo acabou se esvaziando culminando com a nova proposta de alteração das tutelas de urgência: o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil em trâmite no Congresso.

Palavras chave: Processo civil. Reformas. Efetividade. Tutela de urgência. Projeto novo CPC.

Abstract: One of the causes hindering the effectiveness of procedure is the length of proceedings and the absence of differentiated guardianships. This phenomenon occurs in the absence of procedures capable of providing a skilled decision into effect empirically, because it was the perishing of the object itself of the dispute, either by setting up a situation no longer be reversed. Seeking to correct these failures, in 1994 began the process of reform of the Code of Civil Procedure. Was inserted by Article 273 of the CPC, the institute of early care, aiming to distribute the burden of time and allowing the judge to anticipate effects of the decision on the merits to be given. Since then the use of the precautionary stand-alone process eventually emptying culminating in the new proposal to amend the tutelage of urgency in the Bill of the New Code of Civil Procedure before Congress.

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Keywords: Civil Procedure. Reforms. Effectiveness. Trusteeship of urgency. Project new CPC.

Sumário:  Introdução – 1. Acesso à ordem Jurídica justa – 2. O tempo e o processo; 2.1. Tutelas de urgência; 2.2. Distinção entre antecipação de tutela e cautelar; 2.3. Tutela antecipada: origem, conceito e objeto da TA; 2.4. Requisitos da TA; 2.5. Momento para concessão e efetividade da medida; 2.6. Fungibilidade entre cautelar e tutela antecipada; 2.7. Alteração, revogação e reversibilidade da TA – 3. O projeto do novo CPC e as medidas de urgência; 3.1. Considerações sobre alguns pontos polêmicos –  Conclusão.

INTRODUÇÃO

Um dos princípios assegurados na Constituição Federal é o da inafastabilidade da jurisdição, que garante a todo aquele que sofreu lesão ou ameaça de lesão a seu direito obter do Judiciário a respectiva proteção. Corolário deste princípio é a necessidade de que a resposta ao conflito seja proferida em tempo hábil, de modo a produzir efeitos no plano material, sob pena da demora igualar-se a negativa de proteção do direito ofendido. Nisso consiste a efetividade do processo, pois não basta assegurar o acesso formal ao processo, mas também é necessário possibilitar que todas as pessoas possam utilizar os serviços judiciários e obter resposta aos seus conflitos em tempo adequado à realização do direito no plano empírico.

Seguindo esse movimento de renovação, através da Reforma de 1994, foi inserido no Código de Processo Civil o artigo 273, que trata da antecipação da tutela no processo de conhecimento. A sistemática até então vigente não respondia aos reclamos dos jurisdicionados por uma justiça célere e ao mesmo tempo eficaz, visto que em regra, no processo de conhecimento, não havia mecanismo capaz de propiciar ao autor a satisfação do direito, ainda que provisoriamente, antes da prolação da sentença. Por vezes, a ausência deste mecanismo, dada a situação de urgência, acabava por esvaziar a própria pretensão do autor, já que a resposta tardia não mais seria capaz de socorrer o seu direito (como exemplo pode-se citar as ações que visam proteger o direito fundamental à saúde).

Nessa linha de raciocínio, a antecipação dos efeitos da tutela veio resolver o dilema existente entre a tempestividade e a segurança do pronunciamento judicial porque permite a prestação jurisdicional célere através de medida que pode ser efetivada dentro do próprio processo de conhecimento, antes mesmo da fase decisória do processo.

Este instituto acabou por diminuir as hipóteses de cabimento do processo cautelar e trouxe à baila a necessidade de se rediscutir a sobrevivência deste tipo de processo. A proposta do novo Código de Processo Civil – CPC enfrenta a questão com novo tratamento.

Diante desse panorama, o presente trabalho aborda as tutelas de urgência existentes no sistema do CPC de 1973, analisando seus requisitos, destacando suas semelhanças e diferenças com ênfase especial à tutela antecipada que será analisada mais detidamente. Finalmente, aborda de forma objetiva as linhas gerais e alguns pontos polêmicos do projeto do novo CPC que trata do tema sob o título: tutela de urgência e tutela da evidência.

A pesquisa é eminentemente teórica e desenvolveu-se sob o método dialético abordando inicialmente  as diversas posições antagônicas sobre as tutelas de urgência no CPC atual, para após, analisar o enfoque dado ao tema na redação do Projeto do Novo Código de Processo Civil.  Utilizou-se como marco teórico a doutrina pertinente à matéria processual e constitucional estudada, conferindo multidisciplinaridade ao texto. Não foi adotada uma obra ou teoria especifica. A pesquisa do tema apóia-se na doutrina, lei, jurisprudência e no texto do projeto de lei do novo CPC,  buscando combater a limitação doutrinária que a análise de obra específica viesse a impor. 

1. Acesso à Ordem Jurídica Justa e a Constituição de 1988

O escopo síntese do estado moderno é o bem comum. Nesse contexto insere-se a função da realização da justiça, pois a solução dos conflitos interindividuais constitui monopólio estatal, uma vez abolida a autotutela. Assim, o processo surge como instrumento a serviço da paz social pois, para a consecução desse fim e o conseqüente término do litígio, mister a atuação do estado-juiz no caso concreto mediante instrumentos capazes de solucionar o conflito de forma eficaz.

Em apertada síntese, verificamos que longo caminho foi percorrido desde o período das legis actiones do direito romano até os nossos dias. Da fase em que era considerado como adjetivo ao direito material, passando pela fase autonomista ou conceitual, o direito processual, enquanto ciência, sofreu profundas alterações e críticas. Mesmo na atual fase (instrumentalista) novas alterações são necessárias para que este esteja consentâneo à realidade social dinâmica, uma vez que, para o cidadão que recorre ao Poder Judiciário, não basta a sentença judicial, mas que esta seja prolatada em tempo hábil para sua realização no plano empírico. O acesso formal ao judiciário através de leis que se tornam inexeqüíveis porque o cidadão não tem condições econômicas para custear o processo e o profissional do direito é uma forma de negativa de prestação jurisdicional e de dominação da população economicamente mais fraca que acaba desestimulada a procurar defender seus direitos diante do alto custo do processo.

O direito não pode ser concebido como mera técnica revestida de neutralidade ideológica; pelo contrário, dentro dos novos ideais almejados depois da Segunda Guerra Mundial, há um compromisso com o ser humano e a igualdade social. “Os horrores do regime nacional-socialista, praticados geralmente em obediência a determinações legais, levou a que se pusesse em evidência a dimensão valorativa do Direito, bem como a que se buscasse em outras fontes que não apenas aquela legislativa, os critérios para sua correta aplicação. (GUERRA FILHO, 2001, p.75)

Assim a partir da metade do século XX a doutrina processual civil, ancorada nas idéias de Cappelletti e Denti, passou a ocupar-se do estudo do processo de modo que este cumpra seus objetivos “sob pena de ser menos útil e tornar-se socialmente ilegítimo”.(DINAMARCO, 2002,  p. 365)

Em sua obra, CAPPELLETTI (1988) reflete sobre a batalha histórica pelo acesso à justiça, analisando algumas soluções práticas para o problema. Dentre essas soluções, menciona as chamadas três ondas renovatórias do processo no sentido de possibilitar o pleno acesso à justiça, a saber: a primeira, voltada aos estudos para possibilitar a assistência judiciária aos menos favorecidos economicamente; a segunda, voltada à tutela dos interesses coletivos e difusos; e a terceira, com vistas à obtenção dos diversos fins do processo com a simplificação dos procedimentos, melhoria do acesso à justiça etc.

Esse terceiro momento, ainda em curso, caracteriza-se por uma visão instrumental do processo, eis que sendo instrumento é meio a serviço do direito substancial e no reconhecimento de que as técnicas processuais servem a funções sociais.

Assim, pode-se falar em instrumentalidade material do processo, pois este somente realiza sua finalidade quando efetivamente resolve o conflito entre as partes, restaurando a paz social.

Para DINAMARCO (2002, p. 381), a “visão instrumental do processo, com repúdio ao seu exame exclusivamente interno, constitui abertura do sistema para a infiltração dos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material”. Implica uma mudança de atitude por parte do processualista e do legislador, alargando a via de acesso ao Judiciário, eliminando diferenças de oportunidades em razão da situação econômica dos sujeitos nos estudos que visem eliminar as causas de inefetividade do processo e no aumento da participação do juiz, já que a imparcialidade do julgador não implica em indiferença, pois também é um sujeito do processo e integrante da sociedade.

De fato, esse novo modo de pensar o processo reflete o modelo democrático adotado pelo país. Este processo, segundo expressão cunhada pelo mesmo autor, é o microcosmos democrático do Estado de direito, isto porque à ordem constitucional corresponde o sistema processual.

A título elucidativo, convém lembrar que o atual Código de Processo Civil foi editado em 1973, sob a orientação do então Ministro Alfredo Buzaid, redigido sob a égide dos ensinamentos do processualista italiano Enrico Tulio Liebman.

No sistema do Código, em sua redação primitiva, preponderava a ordinariedade, acreditando-se que a melhor solução era aquela caracterizada pela estabilidade e conseqüente segurança jurídica decorrente de uma sentença de mérito transitada em julgado. A execução, entendida aqui como atuação concreta da decisão judicial, só ocorreria se o sucumbente cumprisse espontaneamente a decisão ou através de posterior processo de execução, com conseqüências nefastas ao direito do autor. Além da demora própria do processo de conhecimento, o autor se via privado do bem pretendido, mesmo tendo êxito na sentença. Em outras palavras, o autor ganhava mas não levava.

A doutrina (ZAVASCKI, 1997, p. 11-15) critica a má redação do código que distingue as tutelas cognitiva, executiva e cautelar com base na natureza da atividade jurisdicional, o que não serve para distinguir a tutela cautelar que se diferencia pelo seu caráter provisório e não pela sua natureza.

 Todos esses problemas de ordem técnica, somados ao regime político vigente no país nas décadas de 60 e 70, contribuíram para uma apatia difusa do acesso à justiça, uma vez que direitos fundamentais foram violados e até mesmo suprimidos pela ditadura. O cidadão não podia exercer seus direitos, tampouco reclamar sua violação, desestimulado pela demora processual e ausência de mecanismos capazes de gerar uma solução justa e eficaz ao caso concreto.

De fato, quando se prioriza o interesse coletivo, deve-se buscar meios que favoreçam a participação popular, com soluções para os problemas que impedem o acesso à justiça da população economicamente mais fraca, como o alto valor das custas processuais e a morosidade dos procedimentos.

Com a Constituição Federal de 1988 e a restauração da democracia, garantiu-se à população o acesso à ordem jurídica conforme o art. 5º, XXXV e o direito à razoável duração dos processos art. 5º, LXXXVIII. Embora o grande avanço alcançado com a Constituição Federal de 1988, muitos são os problemas atualmente verificados que obstaculizam o pleno acesso à justiça e a conseqüente efetividade das decisões: o excessivo número de processos que impede que a sentença seja prolatada em tempo hábil, a falta de recursos humanos e tecnológicos do Poder Judiciário, o desajuste da legislação processual e de organização judiciária à realidade social, a deficiência no ensino jurídico no país e a má formação dos profissionais, bem como a miserabilidade da população brasileira.

No entanto, no âmbito processual, certamente um dos principais problemas é o tempo de duração dos processos. Não é necessário muito esforço para verificar que a demora patológica do processo gera injustiça e tem efeito desestimulante aos jurisdicionados que, muitas vezes, vêem-se privados do seu direito pelo perecimento do próprio objeto do litígio ou pela configuração de uma situação não mais passível de reversão.

A demora processual e o alto custo das taxas judiciárias têm sido muitas vezes utilizados como mecanismo de dominação de classes menos favorecidas, o que demonstra a ausência de neutralidade ideológica do direito, pois um dos modos de impedir a participação popular e os reclamos por igualdade e justiça social é a elevação das despesas processuais, já que a parte economicamente fraca dificilmente tem condições de custear o processo quando necessita priorizar seus gastos com a sobrevivência própria e da família.

Também a inexistência de tutelas diferenciadas gera a ausência de tutela dos direitos ameaçados uma vez que o sistema do código – notadamente patrimonialista – privilegia o ressarcimento pecuniário do direito lesado. Em outras palavras, mesmo o processo de baixo custo pode desestimular o acesso ao judiciário se o mesmo não traz uma solução adequada ao conflito ou se esta solução é proferida em tempo posterior àquele necessário para a satisfação do interesse da parte.     

Pode-se afirmar que o acesso à justiça está intimamente ligado à noção de democracia e justiça social, uma vez que possibilita a inclusão das camadas menos favorecidas no exercício da cidadania e prestigia o princípio da igualdade material.

Nesse novo contexto, grandes conquistas foram obtidas, especialmente a partir de 1988 com a restauração da democracia no país. No âmbito do direito processual civil houve uma tomada de consciência de sua função social, na realização do interesse público e da justiça e, dentro dessa perspectiva publicística, foram obtidas outras conquistas importantes, como a instauração dos Juizados Especiais, as Comissões de Conciliação Prévia na Justiça do Trabalho, a Lei de Arbitragem, os convênios para assistência judiciária gratuita, o acesso à informação, a criação de associações de defesa dos mais diversos direitos, entre outros.

2. O Tempo e o Processo

Como já dito, na busca da efetividade o tempo sempre foi apontado como um dos vilões da crise da justiça. DINAMARCO (2002, p.283) afirma que o tempo é inimigo declarado e incansável do processo devendo o juiz sempre estar “em estado de permanente guerra entrincheirada” e também nesse sentido CARNEIRO (2002, p. 3) pontifica que “o processo que perdura por longo tempo transforma-se em arma formidável nas mãos dos mais fortes para ditar ao adversário as condições de rendição”.

É pacífico na doutrina processual moderna que o tempo traz danos às partes litigantes. Além da chamada demora própria do processo, há a chamada demora patológica do processo. É justamente essa última que se deve evitar.

Na sociedade contemporânea as noções de tempo e espaço alteraram-se profundamente, pois através da internet temos simultaneidades temporais entre pontos geográficos cada vez mais distantes. Atualmente, o dano pode ocorrer em frações de segundo e nesse tempo propagar-se em dimensões (inclusive geográficas) jamais imagináveis antes. Uma imagem reproduzida na rede mundial de computadores pode ser acessada por milhões de pessoas em todo o mundo. A transmissão via internet também possibilita a repercussão de um dano de modo absurdo. Diante dessa situação, nem sempre o modelo de tutela ressarsitória é eficaz, pois os valores envolvidos em situações como essas são de difícil (ou até impossível) reparação.

Como em outros ramos do direito, também no direito processual a realidade é muito mais dinâmica e criativa e os mecanismos previstos na legislação nem sempre são eficazes para acompanhar essa evolução.

De fato, se as noções de tempo e espaço alteraram-se profundamente, não se justifica a utilização dos mesmos mecanismos há 30 anos. Assim como a sociedade, o processo deve evoluir e beneficiar-se das novas tecnologias a serviço do homem. A utilização da internet e de outros recursos podem ajudar a vencer a batalha contra o tempo. A criação de novos procedimentos adaptados a nova realidade social são fundamentais para restaurar a confiabilidade no Poder Judiciário.

Na precisa lição de MARINONI (1995, p. 18), se todo cidadão tem direito à adequada tutela jurisdicional, é “necessária a estruturação de procedimentos capazes de fornecer a tutela jurisdicional adequada ao plano de direito material, isto é, procedimentos que possibilitem resultado igual ao que seria obtido se espontaneamente observados os preceitos legais”.

Outro fator que agrava a crise da justiça é a demora processual aliada à inobservância das decisões judiciais. Cada vez mais o valor segurança vem sendo substituído pelo valor efetividade. Dentro do novo paradigma da modernidade, aos destinatários dos serviços judiciários antes interessa uma decisão que gere efeitos no mundo empírico (ainda que provisória) do que uma decisão imutável mas desprovida de efetividade.

Esse entendimento coaduna-se com a queda dos mitos da ordinariedade e da nulidade da execução sem título pois, para a obtenção da efetividade das decisões, muitas vezes deve-se privilegiar a celeridade através de decisões judiciais aptas a gerar efeitos imediatos (ainda que passíveis de alteração posterior), o que se dá através dos processos de cognição sumária.

Diante desse quadro, é fundamental a existência de procedimentos adequados à tutela pretendida, sob pena de se comprometer a operacionalidade do sistema, levando à inefetividade do processo, descrença na justiça e conseqüente denegação da garantia constitucionalmente prevista no art. 5º, XXXV, uma vez que a proteção estatal somente se concretiza quando o processo confere em tempo hábil ao titular do direito tudo aquilo que ele teria se a norma fosse espontaneamente cumprida.

A existência de mecanismos específicos elaborados em função do direito material pleiteado ou a regulamentação de tutelas sumárias típicas visando evitar que o tempo possa comprometer o resultado do processo (as chamadas tutelas diferenciadas) respondem à necessidade de adequação do procedimento e amenizam o efeito nocivo do tempo.

Este tipo de tutela tem raiz constitucional já que densifica o princípio da inafastabilidade da Jurisdição do qual decorre o direito à prestação jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV da CF/88). Permite que o Poder Judiciário dê a resposta ao caso concreto em tempo hábil para que o jurisdicionado possa realizá-la no plano empírico, pois a demora da prestação jurisdicional, muitas vezes, equipara-se a negativa dessa prestação, seja porque o objeto do direito já pereceu, seja porque a sua realização tornou-se ineficaz pelo decurso do tempo.

2.1. Tutelas de Urgência

Conforme dito anteriormente, o tempo é inimigo feroz do processo e, muitas vezes, a urgência na concessão da medida é condição de eficácia da mesma.

Como o procedimento ordinário remete o autor às fases postulatória e instrutória para somente depois obter a decisão – que produz efeitos tão somente jurídicos pois a sua efetivação ocorrerá num segundo momento com o adimplemento espontâneo do réu ou através do processo de execução –, este tipo de procedimento revela-se inadequado quando a situação requer celeridade e atuação concreta da decisão, pois, como dito acima, isto não seria possível face a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da sentença para somente depois promover a sua execução através de outro processo.

Diante desta problemática, somente as formas diferenciadas de tutela permitem que se alcance a tão sonhada efetividade processual, pois permitem a produção de efeitos da decisão no plano empírico, sem a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da mesma e sem a interposição do processo de execução.

Com esse escopo, o legislador colocou à disposição dos consumidores do direito as chamadas tutelas de urgência, que visam atenuar os efeitos do tempo. Para DINAMARCO (2001, p. 335), “são medidas a serem outorgadas no mais curto lapso de tempo possível” e, citando Calamandrei, pontifica que “entre fazer logo porém mal e fazer bem mas tardiamente, os provimentos cautelares visam sobretudo a fazer logo, deixando que o problema do bem e do mal, isto é, da justiça intrínseca do provimento, seja resolvido mais tarde, com a necessária ponderação, nas sossegadas formas do procedimento ordinário”.

Trata-se de tentativa de equilibrar a tensão entre celeridade e ponderação, certeza e segurança jurídica e rapidez da tutela jurisdicional. Afinal, não basta pacificar a sociedade; é preciso pacificar logo de modo que não se “neutralize a eficácia social dos resultados bem concebidos, por inoportunidade decorrente da demora”.(DINAMARCO, 2002, p.283) Isso só é possível através de técnicas de cognição sumária que possibilitam ao juiz deferir a pretensão da parte num menor espaço de tempo possível.

Por cognição sumária entende-se aquela que conduz a juízos de probabilidade/plausibilidade ou verossimilhança, menos aprofundadas no sentido vertical, decisões que limitam-se a afirmar o provável (MARINONI, 1992, p.22.), pois tomadas em momento precedente ao procedimento probatório.

Nesta técnica não há ofensa ao princípio do devido processo legal já que as garantias processuais são respeitadas – inclusive o contraditório –, não havendo direito absoluto à cognição exauriente, pois o legislador infraconstitucional está autorizado a instituir formas diferenciadas de tutela e até condicionar o exercício do direito de ação. O que está vedado é a supressão do direito de ação e das garantias processuais.           

Muita confusão se fez na difícil distinção entre os institutos que se utilizam da técnica da cognição sumária, tendo em vista que todos são armas na luta contra a ação do tempo. DINAMARCO (2001, p. 327) afirma que o processo cautelar e a medida cautelar são irmãos gêmeos da tutela antecipada, por isso nem sempre se apresentam nitidamente distintas.

Para BEDAQUE (2001, p. 403), todas as medidas urgentes têm função cautelar porque “voltadas para a segurança do resultado final e definitivo, quer conservando situações e coisas, quer antecipando efeitos”. Entende que a tutela antecipada também tem função cautelar porque provisória e dependente de uma tutela definitiva à qual está vinculada por um nexo de instrumentalidade, visando proporcionar, em última análise, a efetividade da tutela jurisdicional. Para ele, tanto a tutela antecipada deferida com fulcro no inciso I do art. 273 quanto no inciso II têm feição cautelar porque pressupõem periculum in mora (concreto na hipótese do inciso I e marginal ou dano normal na hipótese do inciso II).

2.2.  Distinção entre Tutela Antecipada e Medida Cautelar

O artigo 798 CPC atribui ao juiz o poder geral de cautela, podendo o magistrado, através de medidas atípicas ou inominadas, “determinar as medidas provisórias que julgar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”.

No entanto, a interpretação deste dispositivo sempre suscitou problemas, especialmente ante o tratamento dispensado pelo legislador de 1973 ao processo cautelar e da insuficiência do sistema. Muitos operadores do direito utilizavam a ação cautelar para obter efeitos da futura sentença, transformando-as em verdadeiras medidas satisfativas que, apesar das dificuldades de ordem técnica, acabavam sendo deferidas pelo judiciário, sob pena de não se tutelar o direito.

MARINONI (1995, p. 32) destaca que o art. 798 CPC foi responsável, por longo tempo, pela prestação da tutela sumária satisfativa. Porém, alerta que este procedimento não constituiu um abuso “pois, não fosse tal norma, em muitos casos concretos o princípio chiovendiano de que a ‘durata del processo non deve andare a danno dell’attore che ha ragione’ não teria sido observado”. E conclui : “a necessidade de tutela dos direitos transformou a tutela cautelar em tutela sumária satisfativa”.

A doutrina alertava para esse desvio de finalidade da ação cautelar com base no poder geral de cautela, que admitia ao juiz antecipar a própria tutela de mérito, quando inexistente outra medida apta a garantir o resultado útil do processo. Segundo ZAVASCKI: “Essa dessintonia doutrinária refletiu-se, como era de se esperar, na jurisprudência. Todavia, o que ocorreu nos tribunais, de modo geral, foi a gradual passagem de uma linha de orientação nitidamente radical, de rejeitar medidas cautelares satisfativas, para outra exatamente oposta. A ação cautelar passou a ser aceita, não apenas como instrumento para a obtenção de medidas para garantia do resultado útil do processo, mas também para alcançar tutela de mérito relativa a pretensões que reclamassem fruição urgente.” (ZAVASCKI, 1997, p. 43)

A partir de 1994, com a previsão do instituto da tutela antecipada, não mais se justifica a utilização das cautelares para se obter antecipadamente efeitos da sentença de mérito a ser proferida. Em outras palavras, houve a purificação do processo cautelar, pois distinguiu-se perfeitamente a função cautelar (garantia) da tutela antecipada (satisfação), reduzindo-se o espaço das cautelares inominadas e extinguindo-se as chamadas cautelares satisfativas.

Para melhor compreensão dos institutos, mister verificar os pontos comuns e as distinções entre ambas.

Como característica comum, destaca-se a cognição sumária e a finalidade. Ambas as medidas buscam a neutralização dos efeitos nocivos do tempo e, por isso, exigem menor profundidade de cognição, pois a cognição exauriente demanda tempo, deixando de ser urgente a medida. De fato, por vezes é difícil distinguir as medidas, no que BERTOLDI (1997, p. 312) propõe um critério de exclusão: “se o que pretendemos obter através da tutela de urgência está inserido no objetivo da própria demanda deduzida, ou seja, se é coincidente no todo ou em parte com o pedido formulado ou a ser formulado em juízo, estamos diante da hipótese de antecipação da tutela; agora, se o que se procura for algo diferente disso, mera providência paralela ao pedido deduzido em juízo, estaremos diante da hipótese de uso da medida cautelar”.

MARINONI (1999a, p.125-127) alerta ainda que a provisoriedade não é critério suficiente para distinguir a tutela cautelar da antecipatória. Para ele, o ponto nodal reside na instrumentalidade e satisfatividade, pois “a tutela que realiza o direito material afirmado pelo autor (dita satisfativa), ainda que com base em cognição sumária, não pode ser definida como cautelar”. Mais adiante, observa que “a tutela antecipatória, ao contrário da tutela cautelar, embora seja caracterizada pela provisoriedade … não é um instrumento que se destina a assegurar a utilidade da tutela final”.

Outro argumento para distinguir as tutelas cautelar e antecipada é a localização topográfica da tutela antecipada revela que o legislador não quis atribuir à mesma natureza cautelar. As medidas não se confundem, pois a tutela antecipada vai além da simples garantia, havendo satisfação do direito material ainda que reversível, não substituindo o poder geral de cautela.

Nos dizeres de THEODORO JUNIOR (1997, p. 201), os requisitos a serem atendidos pela parte para a obtenção da tutela antecipada são mais numerosos e mais rígidos do que aqueles exigidos nas medidas cautelares. A cautelar contenta-se com o fumus boni juris, enquanto que a tutela antecipada requer fumus mais robusto, apoiado em prova inequívoca. No entanto, alerta que, na dúvida, não deve o juiz adotar posição rígida, sendo “preferível transigir com a pureza dos institutos do que sonegar a prestação justa a que o Estado se obrigou perante todos aqueles que dependem do Poder Judiciário para defender seus direitos e interesses envolvidos em litígio”.

Para WAMBIER (1997, p. 537-538), o principal ponto em comum entre as cautelares e a tutela antecipada é a limitação vertical da cognição em relação à profundidade do conhecimento dos fatos. Como traço distintivo predominante, aponta o pressuposto da medida cautelar (periculum in mora) e sua finalidade (evitar ou minimizar esse risco), enquanto a tutela antecipada “pressupõe direito que, desde logo, aparece como evidente”.

Entendemos que a antecipação da tutela a distingue da cautelar pelo seu caráter satisfativo, pressupostos e finalidade.

Por satisfatividade deve-se entender a coincidência entre o que se concede liminarmente e o que se pleiteia principaliter. Assim, é medida satisfativa, porque o que se objetiva é a fruição de efeitos decorrentes da sentença de mérito. Em outras palavras, o que se deseja através da antecipação é a precipitação no tempo dos resultados que só adviriam com a decisão final a ser proferida. Na cautelar, a presença da satisfatividade a descaracteriza, dado o seu caráter instrumental onde não se decide sobre o mérito. Em relação à finalidade as medidas, distinguem-se porque a função da cautelar é evitar ou prevenir o risco de ineficácia do processo principal, enquanto que, na antecipação da tutela, quer-se tutelar desde logo o direito que parece evidente.

No tocante aos pressupostos, como já foi dito, há distinção de graus entre o fumus exigido para a concessão da cautelar e da antecipação de tutela. Nesta última, exige-se fumus mais robusto, provando-se inequivocamente a verossimilhança das alegações.

2.3. Tutela antecipada: origem, terminologia e conceito

As tutelas de urgência tiveram sua origem no direito romano. ALVES (1998, 135-136) relata que os romanos dispunham das interdicta, que eram ordens orais expedidas pelo pretor no pressuposto que fossem verdadeiras as alegações do requerente. Não decidiam definitivamente o litígio, tutelando de modo provisório a situação litigiosa, devendo ser cumpridas se as alegações fossem verdadeiras, pois o pretor, repita-se, “ao concedê-los, não examinava as circunstâncias alegadas, mas partia do pressuposto de que fossem verdadeiras”.

Em momento posterior, já no direito moderno, essa noção deu origem ao Poder Geral de Cautela e às cautelares em geral eis que ao lado da função cognitiva e executiva, mister a existência de um mecanismo capaz de assegurar provisoriamente bens ou direitos. Nesse sentido o Código brasileiro de 1939 disciplinava as medidas preventivas e no art. 675 contemplava o poder geral cautelar[1], mais tarde contemplado expressamente no art. 798 do CPC de 1973, possibilitando ao juiz, ao lado das cautelares típicas ou nominadas, deferir medidas cautelares não previstas expressamente pelo legislador.

Mesmo após o advento do Código de 1973, que disciplinou as medidas cautelares típicas, seguindo a tendência do direito italiano, muitas situações ainda não encontravam medida adequada à sua preservação, permanecendo uma lacuna no sistema. Na ausência de mecanismos adequados, com fulcro no artigo 798 CPC, passou-se a deferir as denominadas medidas satisfativas urgentes: medidas deferidas mediante cognição sumária que tutelavam o próprio direito material da parte, muitas vezes de maneira irreversível, com apoio no poder geral de cautela face a inaplicabilidade das medidas cautelares nominadas.

Diante da incorreta utilização da ação cautelar, a doutrina brasileira passou a ocupar-se do estudo das medidas antecipatórias. Em 1983, por ocasião do 1º Congresso Nacional de Direito realizado em Porto Alegre, Ovídio Baptista da Silva sugeriu que fosse acrescentado um parágrafo ao art. 285 do CPC adotando o instituto, o qual foi incluído no anteprojeto de lei de 1985 para reforma do CPC de 1973.

Posteriormente, em Congresso realizado no ano de 1985, Kazuo Watanabe alertava sobre a necessidade de processos diferenciados caracterizados pela simplicidade e urgência para evitar o dano irreparável. Em 1992, o jurista paranaense Luiz Guilherme Marinoni defendeu sua dissertação do mestrado sob o título “Tutela cautelar e tutela antecipatória”, tornando-se um dos nomes mais expressivos sobre o tema.(LOPES, 1997, p.205)

Mais tarde, outros dez anteprojetos foram apresentados, buscando-se conferir a efetividade ao processo. Um desses projetos resultou na Lei nº 8.952/94, que alterou a redação do art. 273 do CPC.

Destaca-se que a tutela antecipada não foi prevista inicialmente no Código de Processo Civil, mas previsão semelhante já existia no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) em seu artigo 84, § 3º. No entanto, a inovação do art. 273 CPC é importante porque generalizou o instituto ao processo de conhecimento, eis que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se somente às relações de consumo.

Para a doutrina[2] a técnica de antecipação da tutela não é novidade no sistema processual brasileiro, haja vista a existência das liminares em mandado de segurança e nas possessórias. Porém, a grande inovação trazida foi a possibilidade de aplicar a tutela sumária na generalidade dos processos já que a tutela sumária até então somente era aplicável nas cautelares e nos procedimentos especiais. Com a introdução do artigo 273 do CPC, possibilitou-se executar efeitos da decisão monocrática de imediato, antes da decisão definitiva, transitada em julgado.

A Lei nº 10.444 de 07.05.2002, que entrou em vigor em 07.08.2002, alterou o parágrafo 3º do art. 273 do CPC, substituindo a expressão “execução” por “efetivação” e introduziu os parágrafos 6º e 7º, acrescentando mais uma hipótese de concessão da medida e possibilitando ao juiz deferir a medida cautelar quando requerida antecipação da tutela.

É comum encontrar na doutrina e jurisprudência denominações diversas para a medida como, v.g., tutela antecipatória, antecipação da tutela ou tutela antecipada.

MOREIRA (2002, p.102) observa que a expressão “tutela antecipatória” jamais poderá ser utilizada pois ou a tutela é antecipada ou não, sendo a decisão ou providência antecipatória. Para esse autor “a tutela não antecipa seja o que for: pode, isso sim, ser antecipada pelo juiz, ou por decisão que este profira”.

De acordo com esse ensinamento, utilizamos a terminologia tutela antecipada e antecipação da tutela, tal como consagrado pelo legislador pátrio no art. 273 do CPC.

Denominada de revolucionária face seu caráter progressista, o instituto da antecipação da tutela pode ser conceituado, consoante THEODORO JUNIOR (1997, p. 188), como direito subjetivo processual que autoriza ao juiz a possibilidade de “conceder ao autor um provimento liminar que, provisoriamente lhe assegure o bem jurídico a que se refere a prestação de direito material reclamada como objeto da relação jurídica envolvida em juízo”.

De fato, grande é a inovação trazida pelo instituto, pois permitiu-se abreviar o caminho percorrido pelo autor para começar a usufruir no plano fático os efeitos de sua pretensão formulada em juízo, possibilitando a eficácia da decisão a ser prolatada.      

Conforme dito anteriormente, a tutela antecipada veio suprir uma lacuna no sistema, precipitando no tempo os efeitos da sentença de mérito; logo, poderá ser deferida em qualquer tipo de ação no processo de conhecimento e em qualquer tipo de procedimento, desde que este não contenha providência com a mesma finalidade, como a possibilidade da concessão de liminar.

Para NERY JUNIOR (1997, p. 400-407) por ser medida geral, será aplicável subsidiariamente em qualquer ação ou procedimento, regulado ou não pelo CPC, mesmo no rito sumário, nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, perante o juízo arbitral e em leis extravagantes como é o caso da Ação Civil Pública e Ação de Despejo. Em relação ao rito especial das possessórias, entende perfeitamente possível a utilização pelo possuidor negligente que perdeu a posse há mais de ano e dia.

Inicialmente a doutrina dividiu-se quanto a possibilidade de se antecipar efeitos das sentenças declaratórias. Posteriormente admitiu-se a antecipação na generalidade das ações (declaratória, condenatória, constitutiva, mandamental e executiva lato sensu), conforme relata CARNEIRO (2002, p. 45).

2.4. Requisitos da Tutela Antecipada

Em observância ao princípio dispositivo ou da inércia da jurisdição, o artigo 273 do CPC preceitua expressamente que o juiz poderá, a requerimento do autor, antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pleiteada. Logo, não há questionamento quanto à necessidade do requerimento do autor em relação à medida, especialmente ante o princípio do ne precedat judex ex officio. No entanto, a doutrina diverge em relação a possibilidade do réu formular o pedido e o deferimento ex officio da mesma.

Não resta dúvida que, quando de reconvenção se tratar, face o princípio da isonomia, poderá o réu pleitear a tutela antecipada, posto que está na condição de autor, já que a reconvenção é verdadeira ação julgada conjuntamente com a ação principal por medida de economia processual. O mesmo raciocínio aplica-se em relação à oposição e aos embargos do executado.

Em relação do réu, quando apenas oferecer contestação, inadmissível a antecipação pois, sendo certo que o réu somente oferece resistência ao pedido do autor, não aduzindo uma pretensão, mas somente requerendo a improcedência da ação; logo, não haveria o que antecipar, pois o “pedido” formulado pelo réu é justamente a improcedência da ação.

No entanto, posição diversa ocorrerá em sede de ações dúplices ou pedido contraposto no âmbito do Juizado Especial Cível.

Quanto às primeiras, face o princípio da isonomia, não será cabível a medida vez que o procedimento especial das possessórias já prevê a possibilidade do deferimento liminar da proteção da posse, o mesmo valendo para o réu que poderá demandar na contestação a tutela da sua posse e ainda indenização por perdas e danos (art. 922 CPC). No entanto, ultrapassado ano e dia, seguindo a ação o rito ordinário, nada obsta que o autor requeira a antecipação da tutela, pois aí serão aplicadas as regras do livro I, Títulos VII e VIII do Código de Processo Civil.

Já no rito do Juizado Especial Cível (Lei nº 9.099/95), havendo a possibilidade do réu formular na defesa pedido contraposto ao autor conforme artigo 31 daquele diploma legal, e, aplicando-se subsidiariamente as normas previstas na lei processual civil, não há óbice algum para o requerimento da tutela antecipada quando presentes os seus pressupostos legais.

O representante do Ministério Público também tem legitimidade para requerer a medida tanto quando atuar como parte como quando atuar como custus legis porque o faz no interesse da justiça, com vistas à efetividade do processo. Especialmente nas ações que exigem o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, a antecipação de tutela revela-se útil, utilizando-se do art. 461 CPC.

Se a questão do requerimento pelo réu desperta certa dúvida na doutrina, por outro lado parece praticamente pacificada a possibilidade deste requerer a antecipação da tutela em grau recursal, pois a medida pode ser requerida em segundo grau de jurisdição. Neste caso, a legitimidade é do recorrente (que poderá ser tanto o autor quanto o réu da ação) pois estará pleiteando a antecipação da tutela recursal e, sob esta ótica, será considerado autor da pretensão recursal.

Em relação a concessão ex officio da medida, parte da doutrina opta pela impossibilidade, porque a medida a rigor do caput do artigo 273 CPC é de iniciativa exclusiva do autor.

Contrariamente a opinião de FUX (1996, p. 349), asseverando que “a tutela antecipada deveria compor a atividade ex officio do juiz”, considerando esse pedido embutido na postulação de uma decisão para a causa (esta posição prevaleceu no Projeto do novo CPC como se verá adiante).

De fato deve-se admitir a concessão da tutela antecipada mesmo sem o requerimento das partes, inclusive podendo o juiz receber o pedido do deferimento cautelar como antecipação da tutela conforme redação do § 7º do art. 273 CPC. Não há ofensa do princípio da isonomia e da imparcialidade do juiz, pois, se o juiz conhece o direito e deve velar pela rápida solução da lide, bastará levar ao juiz os fatos e este dará o direito correto, nada impedindo que defira a medida correta ou não requerida sob pena de voltarmos à concepção do juiz liberal, inerte.

A nova concepção do direito reclama uma interpretação atenta aos princípios constitucionais e, em situações especialíssimas, deverá o juiz deferir a medida ainda que não pleiteada expressamente sob a forma de antecipação de tutela.

O caput do art. 273 CPC estatui ainda que o juiz poderá antecipar os efeitos da sentença de mérito quando se convencer, através de prova inequívoca, da verossimilhança das alegações do autor.

Verifica-se que o legislador lançou mão de conceitos indeterminados ao disciplinar o instituto da antecipação da tutela. Exigiu o convencimento do juiz a respeito da verossimilhança das alegações do autor. Como conceito vago exige interpretação do aplicador no sentido de descobrir o real sentido da norma.

WAMBIER (1997, p. 485) demonstra a dificuldade existente na interpretação desses conceitos e o perigo de se ligar o fenômeno à idéia de discricionariedade. Com efeito, segundo a autora, para a aplicação da norma que contém esse tipo de conceito, o juiz deve buscar sua significação, podendo conceder ou não a medida. Alerta que houve uma equivocada conexão entre interpretação de conceitos vagos e discricionariedade, porém “a liberdade com que cada vez mais freqüentemente pode contar o Magistrado ao decidir não se confunde, em hipótese alguma, com aquela que existe quando se exerce o poder que se convencionou chamar de discricionário na esfera da Administração Pública”.

Isto explica porque o juiz não tem faculdade de antecipar a tutela, mas dever quando presentes os pressupostos. Em outras palavras, ao interpretar os conceitos de verossimilhança e prova inequívoca, o juiz tem maior flexibilidade na interpretação e concretização da regra, pois tratam-se de conceitos indeterminados. No entanto, isto não significa que o juiz esteja autorizado a emitir juízos arbitrários ou que, mesmo diante da presença dos pressupostos da antecipação, possa deixar de deferi-la sob pena de negar vigência a lei e desrespeitar o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.

Logo, afastada a noção de discricionariedade, convém analisar como a doutrina interpreta os conceitos de verossimilhança e prova inequívoca, face a margem de liberdade de investigação crítica que esse tipo de norma enseja.

Para CARNEIRO (2002, p. 25), verossimilhança “é mais do que o fumus boni juris exigível para o deferimento da cautelar; mas não é preciso chegar a uma ‘evidência indiscutível’”, o que levaria ao julgamento antecipado da lide.

Não se trata de certeza quanto ao que se afirmou porque não há o contraditório. Por isso, nunca se poderá deixar de levar em conta o risco de a sentença final ser contrária à posição inicialmente demonstrada, requerendo portanto alta dose de bom senso e discernimento do magistrado.

Outro requisito exigido, como destaca ASSIS (2000, p. 24-25), é a tormentosa prova inequívoca que pode ser entendida como “qualquer meio de prova, em geral documental, capaz de influir, positivamente, no convencimento do juiz, tendo por objeto a verossimilhança da alegação de risco (inc. I) ou de abuso do réu (inc. II)”. Por verossimilhança o autor entende como simples juízo de probabilidade do direito alegado. Cumpre esclarecer porém, que a verossimilhança não se confunde com o fumus exigido para a concessão da medida cautelar, mas fumus mais robusto, num grau mais intenso da probabilidade da existência do direito.

Ainda sobre a prova inequívoca, CARNEIRO (2002, p. 22) lembra que “a rigor, em si mesma, prova alguma será inequívoca, no sentido de absolutamente incontestável” sendo a melhor solução aquela apontada por MOREIRA (2002, p. 104). Para ele, “inequívoca é o antônimo de equívoca (…) nessa óptica, será equívoca a prova que possa atribuir mais de um sentido; inequívoca, aquela que só um sentido seja possível entender – independentemente, note-se, de sua maior ou menor força persuasiva”.

Realmente, foge à finalidade da tutela antecipada exigir do autor prova cabal e pré constituída do próprio direito pleiteado, sob pena de negativa de vigência ao estatuído no art. 273 CPC. Também é possível, para melhor convencer-se da verossimilhança das alegações, que o magistrado determine que sejam realizadas determinadas provas com fulcro no art. 130 do CPC.

O direito à prova deriva do princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º LV da CF/88) e a mesma deve guardar correspondência com a natureza da tutela pleiteada nesse sentido a lição de ARENHART ao comentar a prova no processo civil e a impossibilidade da descoberta da verdade( 2012) “Grande parcela da doutrina ainda se mostra renitente em aceitar que o juiz possa antecipar o provimento final, sem que tenha percorrido todo o iter procedimental — já que, enquanto não encerrado o procedimento, não se poderia dizer que a verdade sobre os fatos foi obtida. Ora, tal visão míope somente cabe dentro desta posição ortodoxa mantida pela doutrina. Reconhecendo-se que a verdade não pode ser obtida, mas havendo alto grau de probabilidade de que os fatos tenham se passado de certa maneira, e diante da necessidade da antecipação da tutela (sob pena de perecimento do direito afirmado pelo requerente da medida) não há outra saída que não a concessão da antecipação, pena de inutilidade da prestação jurisdicional extemporânea.”

A finalidade da prova judicial é formar a convicção do magistrado para que possa decidir. As regras de distribuição do ônus da prova devem estar de acordo com a sua finalidade. Assim ocorre com o Código de Defesa do Consumidor, que possibilita a inversão do ônus da prova nos casos em que o consumidor é considerado hipossuficiente.

O mesmo entendimento deve ser aplicado à tutela antecipada. Sendo medida de urgência, não há espaço para ampla dilação probatória. O grau de convencimento do juiz é menor, eis que, se tivesse certeza, poderia de imediato prolatar a decisão definitiva.

Logo, ao exigir prova inequívoca da verossimilhança das alegações, quis o legislador referir-se a qualquer tipo de prova suficiente a convencer o magistrado da probabilidade do direito afirmado o que deve ser analisado pelo juiz sempre com vistas ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição e consequentemente da correspondência entre a prova a ser produzida e o tipo de tutela pedida. Não estando suficientemente convencido, poderá o juiz determinar a produção de provas, sem que isto fira seu dever de imparcialidade.

Realmente, parece ser esta a melhor interpretação, harmonizando-se o dispositivo processual com a sistemática adotada pela Constituição, possibilitando o pleno acesso à justiça e a presteza da prestação jurisdicional.

O requisito previsto no inciso I do art. 273 configura a modalidade de antecipação da tutela mista, com feições nitidamente cautelares, enquanto o inciso II consagra a hipótese de tutela antecipada pura, pois exige somente o fumus.

Na opinião de THEODORO JUNIOR (1997, p. 196), receio fundado “é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave”. Para ele, a simples demora processual não pode por si só justificar a concessão da medida.

Como bem ponderou CARNEIRO (2002, p. 30) “haverá dano quando a permanência do status quo, enquanto se sucedem os atos processuais, seja de molde a acarretar ao autor prejuízos de média ou grande intensidade (omissis) a direito seu”.

De fato, o risco deve ser tal que justifique a antecipação, o sacrifício do direito menos provável em conseqüência do princípio da necessidade (ZAVASCKI, 1997, p. 77), não justificando a concessão o risco hipotético ou o temor meramente subjetivo.

Prevista no inciso II do art. 273, conforme dito acima, trata-se de antecipação da tutela pura porque dispensa os requisitos da urgência e do dano, requerendo somente a intenção abusiva ou protelatória do réu.

Segundo a expressão de CARNEIRO (2002, p. 34), “é a segunda via para a obtenção da medida, ligada tão somente à idéia central de que a firme aparência do bom direito, exsurgente das legações do autor, aliada à desvalia evidente, à falta de consistência na defesa apresentada pelo demandado”.

Cumpre verificar que intenção abusiva e propósito protelatório do réu são situações distintas. Para THEODORO JUNIOR (1997, p. 196) o abuso do direito de defesa ocorre quando o réu apresenta resistência à pretensão do autor, totalmente infundada, ou contra direito expresso e, ainda, quando emprega meios ilícitos ou escusos para forjar sua defesa. Para MARINONI (1999 a, p.135), a noção de abuso de defesa é aberta, seu “conceito deve ser buscado na relação entre a evidência do direito alegado pelo autor e a fragilidade de defesa do réu”.

BERTOLDI (1997, p. 331) entende que “o propósito protelatório está ligado à idéia de tempo do processo”, enquanto que a caracterização do abuso do direito de defesa “liga-se ao uso indevido dos instrumentos legais de defesa postos a disposição do réu” não sendo necessária a “intenção do réu em se servir indevidamente do processo”.

De fato, esse requisito surge quando a defesa é tão frágil que acaba por corroborar os argumentos do autor, ou em outras palavras, faz parecer ainda mais convincentes os seus argumentos.

Por sua vez, o propósito protelatório do réu ocorre com a prática de atos abusivos e desnecessários como a interposição de recursos embasados em entendimento já superado pelos tribunais, o requerimento de provas impertinentes etc. Não basta a simples intenção ou propósito de postergar o processo, mas a efetiva prática de atos tendentes a retardar o andamento do feito, inclusive fora do processo como a ocultação de prova, o não atendimento de diligência, simulação de doença.[3]

O dispositivo harmoniza-se com a preocupação do legislador em coibir atos que representem obstáculos à correta atuação da função jurisdicional, o que já é utilizado em diversos artigos como os que tratam de recursos (art. 14, IV, art. 16, art. 538, § único, art. 557 § 2º, todos do CPC).

Destaca-se ainda que o propósito protelatório pode ser pré-processual, isto é, mesmo antes do processo instaurar-se. A doutrina (WAMBIER 1997b, p. 299) cita como exemplo a hipótese em que o réu tenha sido notificado diversas vezes para cumprir a obrigação, tendo apresentado respostas evasivas e tendo pedido diversos prazos para cumpri-la.

Introduzido pela Lei nº 10.444 de 05 de maio de 2002, o § 6º do art. 273 configura outra hipótese de cabimento da tutela antecipada em relação a um ou mais pedidos incontroversos.

De acordo com esta sistemática, se a defesa abusiva é fundamento para a concessão da tutela antecipada, com mais razão quando não há defesa, pois causaria repulsa a concessão da medida quando há verossimilhança das alegações do autor e perigo de ineficácia decorrente do tempo ou mesmo afigurando-se abusiva a defesa e negar ao autor o gozo de efeitos concretos de um pedido que não é refutado pelo réu.

Para ALVIM (2002, p. 111) a hipótese contemplada no § 6º do artigo 273 CPC constitui  modalidade de antecipação da tutela que dispensa os requisitos do caput desse artigo. Esse entendimento decorre da própria redação do parágrafo 6º que dispõe que “a tutela antecipada também poderá ser concedida (…)”, ou seja, além das hipóteses previstas nos incisos I e II do 273 CPC, outras poderão ensejar a antecipação como é o caso da parcela incontroversa. O autor ainda acrescenta que além da ausência de controvérsia deve somar-se a ausência de dúvida pelo juiz hipótese em que, havendo dúvida pelo magistrado, não caberia a antecipação da tutela.

Conforme a sistemática processual vigente, um pedido é incontroverso quando sobre ele não há controvérsia, discussão, impugnação. Isso ocorre quando o réu é revel (não apresenta contestação – art. 320 CPC), a defesa é genérica não havendo impugnação específica dos pedidos do autor (art. 322 CPC) ou há reconhecimento jurídico, no todo ou em parte, do(s) pedido(s) do autor por parte do réu. (Daí a expressão tutela da evidência utilizada no projeto do CPC, pois exige-se somente a aparência do direito dispensando-se o requisito da urgência).

Havendo revelia, por força do artigo 330, II CPC, o juiz poderá julgar antecipadamente a lide. Porém, no caso de pedidos cumulados, mesmo havendo controvérsia sobre somente um deles, a sistemática processual vigente proíbe o julgamento fracionado do mérito (princípio da unicidade do julgamento), ficando o autor privado da concessão do seu direito, ainda que não haja discussão sobre o mesmo.

Desta forma, poderão ocorrer situações onde um ou alguns dos pedidos são incontroversos, mister se fazendo a concessão da antecipação sob pena de tratar de modo mais benéfico um direito provável que um direito não controvertido.[4]

Em outras palavras, se não é possível o julgamento fracionado do mérito[5] e não sendo a defesa uma obrigação mas um ônus, não fere o princípio do contraditório o deferimento da tutela antecipada sob esse fundamento em relação ao(s) pedido(s) incontroverso(s).[6]

Outrossim, a tutela antecipada concedida com base nessa técnica não pode ser revogada pois não se funda em juízo de probabilidade, conservando sua eficácia após a extinção do processo e não necessitando ser confirmada pela sentença.[7]

Também para DINAMARCO (2001, p. 97) essa sistemática dispensa o periculum in mora e possibilita a não incidência do veto às antecipações de efeitos irreversíveis porque “quando o fundamento da antecipação é a incontrovérsia, a possibilidade de acerto é superlativamente grande e a de revogação muito reduzida, reduzindo-se igualmente os riscos inerentes à irreversibilidade”.

2.5. Momento da concessão e efetivação

Uma das questões que suscitava divergência doutrinária dizia respeito ao momento da concessão da medida em especial antes da citação do réu, após a instrução do processo ou na sentença, quando a cognição do magistrado é exauriente. Hoje esta questão encontra-se pacificada diante da nova redação do art. 520, VII do CPC.    

Inicialmente, cumpre-nos destacar que o momento ideal[8] para o deferimento da medida será no início do processo, na fase postulatória, mesmo antes da citação do réu, através de decisão interlocutória. Isso não significa que há preclusão para a postulação da medida, o que poderá ocorrer ulteriormente com a superveniência de fatos que justifiquem o seu pleito[9]. Somente a hipótese de concessão com arrimo no inciso II do 273 CPC pressupõe a apresentação da resposta do réu.[10]            

Mesmo antes da inclusão do inciso VII ao art. 520, CPC através da Lei nº 10.352/01 entende-se possível o deferimento na sentença, como um capítulo desta, de modo a conferir-lhe eficácia imediata, permitindo que a parte pudesse executar a medida desde logo.[11]

Segundo (DINAMARCO, 2002, p. 147), “capítulo de sentença é, no ensinamento conhecido de Liebman, cada um dos julgamentos contidos na parte decisória desse ato judicial – repete-se, sem que cada um desses julgamentos caracterize uma sentença, com a suposta conseqüência de haver duas sentenças em um ato só”. E finaliza: “o que o novo inc. VII do art. 520 prevê é uma sentença contendo o julgamento do mérito e, em um outro capítulo, confirmando a precedente concessão da tutela antecipada”.

Conforme ZAVASCKI (1997, p. 80-81), ao conceder a medida o juiz deverá ter em mente o princípio da menor restrição possível: o momento não poderá ser antecipado mais que o necessário. Quando o perigo de dano for contemporâneo ou antecedente ao ajuizamento da medida, deverá o juiz deferi-la liminarmente (medida assecuratória). Por outro lado, o deferimento com fulcro no inciso II do art. 273 (medida punitiva) pressupõe a ocorrência de fatos que retardem o curso do processo o que não ocorrerá antes da citação. Se a situação de perigo e demais pressupostos ocorrerem quando o processo estiver pronto para a decisão final a medida poderia ser concedida na própria sentença.

De fato, não haveria razão para que o magistrado não deferisse a antecipação no bojo da sentença sem que isto importasse em descaracterização da medida pois, nas situações onde a defesa é abusiva, inconsistente, a matéria é só de direito ou não havendo instrução a se realizar, o juiz, julgando antecipadamente a lide, antecipará os efeitos da sentença, não se justificando – salvo por excessivo formalismo – que o juiz profira dois atos formais um após o outro. Se deferida na sentença, a parte concessiva da antecipação de tutela configurará um capítulo integrante desta.

Como dito acima, o inciso VII do art. 520 CPC elencou mais uma hipótese onde o recurso de apelação será recebido só no efeito devolutivo. Numa interpretação sistemática, tanto a apelação contra a sentença que deferiu em seu bojo a antecipação quanto aquela que confirmou a antecipação serão impugnadas mediante apelação recebida no efeito meramente devolutivo.

De fato, este parece ser o melhor entendimento, uma vez que não há compatibilidade entre o efeito suspensivo do recurso e as tutelas de urgência, porque tal efeito retira-lhe a imediata executoriedade quando o deferimento da medida deu-se justamente por sua necessidade premente ou pela ausência ou abusividade da defesa que fazem parecer evidentes as alegações do autor.

  Em relação à efetivação da medida, de acordo com o art. 273, aplicava-se o art. 588 CPC relativo à execução provisória da sentença, no entanto, tendo-se em vista as dificuldades de ordem prática (exigência de caução) e conceitual (o termo execução remetia à exigência de título executivo-sentença) que o dispositivo  gerava, a Lei nº 10.444 de 07.05.2002, substituiu a expressão “execução” por “efetivação” em seu parágrafo 3º: “a efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A”.

Verifica-se que, imbuído do espírito da reforma, o legislador procurou conferir ao magistrado maiores poderes com vistas à efetividade do processo. A remissão aos artigos 461 e 461-A do CPC demonstra a preocupação de conferir à decisão judicial maior rapidez na obtenção do seu resultado prático, permitindo ao juiz determinar medidas com vistas a coagir o réu, impondo-lhe inclusive multa pecuniária.

Ainda sobre a efetivação da medida antecipatória deferida através de decisão interlocutória, SPADONI (2002, p. 331) entende que esta dar-se-á “não através da incoação de processo de execução autônomo, mas nos moldes da atuação própria das decisões dessa natureza, que independem de processo executivo para produzirem seus efeitos”. O mesmo se aplica quando a medida é concedida na sentença “além de não se submeter ao efeito suspensivo da apelação, por força do art. 520, inc. VII, ( faz com que a sentença) contenha eficácia mandamental e/ou executiva lato sensu naquela parte ‘antecipada’, satisfazendo de imediato, sem maiores delongas, o direito reconhecido”.

Esse entendimento já rompia com a dicotomia processual entre cognição e execução, possibilitando medidas executivas no próprio processo de conhecimento.

Essa discussão perdeu seu brilho com a edição da Lei 11.232/2005 que alterou o processo de execução dos títulos judiciais, incluindo o cumprimento de sentença no próprio processo de conhecimento, conforme reiteradamente a doutrina já havia se posicionado (o chamado sincretismo processual[12]). Com essa lei foi revogado o art. 588 CPC e a execução provisória passou a ser regida pelo art. 475 – O do CPC. Assim, a execução da antecipação de tutela deve observar tal dispositivo, destacando a desnecessidade do processo executivo.

2.6. Fungibilidade entre Cautelar e Tutela Antecipada

Com efeito, existem características comuns entre as duas medidas (cautelar e tutela antecipatória prevista no inciso I do art. 273) o que em muitas circunstâncias acabava por gerar uma discussão judicial em torno do cabimento de uma ou outra, inviabilizando a presteza da tutela jurisdicional. A jurisprudência pátria, mesmo antes da edição da Lei 10.444/02, já admitia a possibilidade de conversão da medida cautelar em pedido de antecipação da tutela ou a conversão do pedido de antecipação em cautelar, em homenagem aos princípios da celeridade, fungibilidade e economia processual.

Esse entendimento foi encampado pela norma através do parágrafo 7º do art. 273 CPC. Consagrou-se uma modalidade de fungibilidade entre as medidas cautelar e antecipação da tutela, o que por certo compatibiliza-se com o espírito da reforma processual em homenagem à instrumentalidade em detrimento do excessivo formalismo.

Nesse sentido, também (DINAMARCO, 2002, p. 91-92) afirma que a “fungibilidade entre as duas tutelas deve ser o canal posto pela lei à disposição do intérprete e do operador para a necessária caminhada rumo à unificação da teoria das medidas urgentes – ou seja, para a descoberta de que muito há, na disciplina explícita das medidas cautelares, que comporta plena aplicação às antecipações de tutela”.

Sob o mesmo argumento da fungibilidade, ASSIS (2000, p.36-37), defendendo a possibilidade de intercâmbio procedimental entre as cautelares atípicas e cautelares satisfativas, já argumentava mesmo antes da inclusão do § 7º que, “quem pode o mais – satisfazer – há de poder o menos – assegurar – ainda que incidenter tantum”.

Destaca-se que não se trata de fungibilidade no sentido em que a expressão é utilizada em sede recursal – possibilidade de se receber um recurso equivocadamente interposto pelo correto quando há dúvida objetiva, ou seja a incerteza demonstrável na jurisprudência e doutrina, decorrente da própria interpretação da lei, sobre interposição de um ou outro recurso – mas sim a admissão de uma medida por outra com vistas a efetividade e diante da instrumentalidade do processo que inadmite que formalismos sobreponham-se ao próprio direito material.

A redação do art. 273, § 7º admite a fungibilidade entre as duas tutelas de urgência, permitindo ao juiz não só corrigir um erro de postulação da parte que requer erroneamente a medida (tutela antecipada) deferindo a adequada (cautelar) uma vez presentes os seus requisitos, eis que ambas as medidas tem idêntica raiz constitucional, mas também deferir medida diversa da pleiteada. Nesse particular, a possibilidade de receber uma medida por outra e deferir medida diversa da pleiteada em muito assemelha-se com o poder geral de cautela do juiz que visa preservar a justiça e afasta a figura do juiz inerte, que vê impassível o perecimento de um direito.

O mesmo raciocínio se faz no sentido contrário: se a parte requer medida cautelar e na verdade a medida adequada cabível é a antecipação da tutela, deve o magistrado deferi-la. Veja-se que, na prática, isso já ocorria com as chamadas “cautelares satisfativas” que nada tinham de cautelar no sentido técnico da expressão porque conferiam à parte a própria pretensão pleiteada que não vinculava-se a um processo principal, mas bastavam-se a si mesmas, prescindindo de outro processo.[13]

Em outras palavras, dá-se o que (DINAMARCO, 2002, p. 92-93) denomina de duplo sentido vetorial: “não há fungibilidade em uma só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um”. E prossegue o autor: “nem precisaria a regra ser tão explícita a esse respeito, porque é regra surrada em direito processual que o juiz não está vinculado às qualificações jurídicas propostas pelo autor, mas somente aos fatos narrados e ao pedido feito”.

Esse sincretismo encontra amparo no art. 5º, XXXV CF, que garante a todos a obtenção de uma tutela adequada à efetividade do processo, não podendo óbices de caráter formal criar obstáculos à sua concretização.

Outro aspecto relevante é que, diante da fungibilidade acima defendida, admite-se o deferimento ex officio da tutela antecipada. Nesse aspecto parece-nos que o ponto nodal não seria a regra ne procedat judex ex officio, pois o princípio dispositivo não seria violado, vez que a parte teria provocado a jurisdição.

Como já dito anteriormente, esse fenômeno já ocorria com as cautelares satisfativas, deferidas sob a forma (procedimento) cautelar quando tratava-se de verdadeira antecipação de parte da decisão de mérito. Nesse sentido serão desnecessárias as cautelares incidentais pois agora permite-se requerer a medida dentro do próprio processo de conhecimento, sem autonomia processual, o que por certo ensejará maior celeridade processual e eliminará o formalismo. Em síntese, podemos concluir pela fungibilidade dupla ou plena entre cautelar e tutela antecipada, posição que foi agasalhada no texto do Projeto de lei do novo CPC.

2.7. Alteração, Revogação e Reversibilidade

É possível a revogação ou modificação da tutela antecipada após o seu deferimento, quando alterados os pressupostos que a determinaram, operando os efeitos da revogação ex tunc, restituindo-se as coisas ao estado anterior. (ZAVASCKI, 1997, p. 99-104)

Para FUX (1996, p. 352), tanto a modificação quanto a revogação deve ser requerida, vedando-se em princípio a atividade ex officio. Porém admite que haverá circunstâncias em que será lícito ao juiz fazê-lo, não concebendo-se juiz que “assista impassível à periclitação de um direito cuja satisfação depende da resposta judicial em razão da impossibilidade de autotutela”.

Por sua vez, o § 2º do art. 273 CPC estatui que “não se concederá a tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”.   

Este dispositivo gerou uma discussão doutrinária a respeito do cabimento da tutela antecipada. Alguns autores negam a possibilidade do seu deferimento quando irreversíveis os seus resultados no plano empírico, vez que a reversibilidade de que se fala refere-se às conseqüências práticas da medida e não do provimento em si, que é sempre revogável.[14]

Posição diversa é a de MARINONI (1995, p. 74), entendendo que o art. 273 fala em irreversibilidade do provimento que é diverso de irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento. Para este autor, a eventual irreversibilidade dos efeitos não é contraditória com a estrutura do instituto. Afirma também que a correta interpretação do dispositivo é no sentido de vedar-se declarações e constituições provisórias.

Mapeando as posições, MEDINA (1998, p. 313) afirma que a doutrina tem interpretado o § 2º do referido artigo sob duas óticas: uma referindo-se à impossibilidade de o juiz declarar situações ou relações jurídicas de maneira provisória, diferenciando-se os efeitos fáticos e jurídicos da decisão e, sob outro enfoque, entende-se que a irreversibilidade dos efeitos da tutela diz respeito aos efeitos fáticos do provimento, que deverão ser passíveis de recomposição, de modo que a conversão em perdas e danos não possa tornar reversíveis os efeitos fáticos do provimento.

Neste sentido, também WAMBIER (1997a, p.542) ensina que “as conseqüências de fato ocorridas como decorrência da decisão proferida devem ser reversíveis, no plano empírico. Essa reversibilidade que a lei exige pode ser in natura, o que é sempre preferível”.

E prossegue a mesma autora: “considera-se, todavia, reversível o provimento (reversíveis os seus efeitos) toda vez que puder haver indenização e que esta seja capaz de efetivamente compensar o dano sofrido. Sabe-se, porém, que isto nem sempre ocorre. (…) Só em casos mais graves é que se considera que o dano seria irreversível a ponto de evitar a concessão da medida”.

De fato, a melhor exegese aponta que a irreversibilidade prevista na lei refere-se aos efeitos fáticos da antecipação que não poderiam ser definitivos pois deferidos mediante cognição sumária, que deve sempre ser revogável, passível de modificação futura sob pena de igualar-se ao provimento definitivo, prolatado após cognição exauriente. No entanto, muitas vezes o juiz depara-se com situações excepcionalíssimas, onde a regra do § 2º deve ser abrandada.

Muitas vezes, a exigência da caução ou a impossibilidade de reposição in natura poderá gerar uma incoerência no sistema, impedindo a antecipação da tutela e causando prejuízos irreparáveis ao autor. Em casos como esses, entende MARINONI (1992, p.240-241) que o juiz deverá deferir a medida, adotando-se a alternativa de indenização por perdas e danos que preencheria o requisito da reversibilidade, ou deferir-se a tutela antecipada mediante prestação de caução. Porém, a exigência de caução e a reversibilidade no plano empírico podem ser afastadas quando comprometem a efetividade do processo.

Ocorre a chamada antinomia de princípios, havendo uma colisão entre o princípio da razoável duração do processo e acesso à justiça e a segurança jurídica. Para resolver esta questão faz-se um juízo de valor, aplicando-se o princípio da proporcionalidade consistente “num meio de ponderação a fim de resolver o conflito entre princípios colidentes e verificar a legalidade da restrição a direitos fundamentais.[15]

Conforme a lição de DWORKIN (2002, p. 42-43): “quando os princípios de intercruzam (…), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que outra freqüentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é.

TALAMINI (1997, p. 128), comentando o § 2º do artigo 273, destaca que a limitação nele contida não tem caráter absoluto, “cede toda vez que o interesse que vier a ser gravemente prejudicado pela falta da medida antecipatória for mais urgente e relevante do que aquele que seria afetado pelos efeitos irreversíveis da antecipação”.

A jurisprudência também inclina-se em, excepcionalmente, afastar o requisito da reversibilidade, acompanhando a orientação do próprio Superior Tribunal de Justiça  nos recursos: REsp 1078011 SC, REsp 242.816 PR e REsp 417.005 SP entre outros.

Em síntese, pode-se concluir que a irreversibilidade fática não pode constituir óbice ao deferimento da medida em casos extremos, onde, sopesando-se os valores em jogo, deva-se optar pela antecipação, sob pena de esvaziamento do instituto. Nesse sentido, como visto acima, a doutrina pátria freqüentemente invoca o princípio da proporcionalidade. A questão deverá ser resolvida no projeto do novo CPC que elimina o requisito da reversibilidade.

3. O projeto do Novo Código de Processo Civil  e as medidas de urgência

Conforme já dito acima, todas essas questões acerca da efetividade processual somadas às sucessivas reformas do Código de Processo Civil culminaram na elaboração de um novo Código de Processo Civil.

O projeto foi elaborado a partir de um grupo de juristas presidido pelo Min. Luiz Fux que, após a realização de audiências públicas onde foram colhidas sugestões e ampla divulgação na mídia especializada, apresentou o projeto de Lei nº 166/2010.

A Exposição de Motivos do projeto alerta que foi preservado o que há de bom no atual sistema, não havendo uma drástica ruptura com o presente ou com o passado.

Esse texto foi substituído pelo Projeto nº 8.046/2010 tendo como relator geral o Senador Valter Pereira.

Dentre outras importantes alterações, ARRUDA ALVIM (2012) destaca no projeto a eliminação das cautelares nominadas argumentado que: “evidentemente isso responde a uma tendência do direito brasileiro, em que se expandiram as medidas cautelares e de urgência, de tal modo que não se justifica a manutenção de procedimentos cautelares típicos, diante da grande liberdade para decidir, adjudicada ao Judiciário. O PLS 166/2010 consagra a ampliação dos poderes concedidos aos magistrados na concessão de medidas destinadas à tutela da urgência e da evidência, que, como já se disse, passam a ser tratadas em conjunto.”

As medidas foram tratadas no Livro I do Projeto que trata da parte geral, no Título IX – Tutela de Urgência e Tutela da Evidência. Há um primeiro Capítulo tratando de disposições que  contém a Seção I que trata das disposições comuns às medidas como: momento do requerimento (antes ou no curso do processo) –art. 269; deferimento de ofício – art. 270; motivação da decisão concessiva ou denegatória – art. 271; efetivação da medida – art. 273 e responsabilidade do requerente – art. 274.

Posteriormente, o projeto regula a tutela de urgência na Seção II, art. 276, sob o fundamento do risco de dano irreparável ou de difícil reparação permitindo a contrapartida da caução real ou fidejussória; já a tutela de evidência está prevista no artigo 278, que estabelece como hipóteses de sua concessão: I – ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva; III – a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; IV – a matéria for unicamente de direito e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante.

Neste ponto, verifica-se que as medidas foram claramente distinguidas deixando somente para a tutela de urgência a necessidade do periculum in mora. (MACHADO, 2011, p. 247)

O inciso I do art. 278 do projeto corresponde ao inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, e, o inciso II encontra correspondência no § 6º, do atual art. 273 do CPC. O denominador comum que enlaça estas duas hipóteses (a fragilidade dos argumentos de defesa ou mesmo a sua inexistência), diferentes da tutela de urgência (tutela antecipada, propriamente dita), justificou esse tratamento em separado. Já os incisos III e IV do art. 278 refletem a tendência atual do processo civil a exigir a chamada prova suficiente (inequívoca, irrefutável) para formar o convencimento do magistrado da existência de um direito, bem como, remete a um dos núcleos fundamentais do projeto previsto no art. 930 – incidente de resolução de demandas repetitivas – que promete a uniformização de jurisprudência e harmonização dos julgados afastando a insegurança jurídica trazida por decisões conflitantes e pela demora dos processos em grau recursal.

3.1. Considerações sobre alguns pontos polêmicos

Como já dito acima, muitas das questões tormentosas antes existentes deverão ser dirimidas com o novo texto. A seguir, veremos algumas delas com maior profundidade.

A questão da possibilidade do juiz deferir as medidas de ofício restou superada pelo artigo 277 que dispõe: “Em casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, o juiz poderá conceder medidas de urgência de ofício” e pelo parágrafo único do art. 10 que excepciona a necessidade do contraditório às medidas de urgência.

Essa questão remete a uma aparente contradição entre o referido artigo e o caput do artigo 10 do mesmo texto que impede ao juiz decidir sem prévia manifestação das partes. Ocorre que o espírito da reforma pugna por um incremento ao princípio do contraditório o que aparentemente seria violado, pois o juiz poderia conceder a medida sem o prévio diálogo entre as partes. Com o pleno contraditório quer se evitar que as partes sejam surpreendidas, no momento da decisão judicial, com um argumento ou alegação de que não cogitaram, e cuja incidência ao caso poderia ser afastada ou modificada, se a matéria tivesse sido previamente debatida. Outrossim, não haverá supressão do contraditório mas sim, um adiamento para a parte ré, tal como já ocorre com as liminares deferidas inaudita altera pars.

Nessa ordem de idéias, verifica-se o deferimento das medidas de urgência (genericamente) de oficio, ainda trará divergência doutrinária e nesse sentido, para evitar infindáveis discussões, sugere CARNEIRO (2001, P. 365) a alteração do texto “salientando-se que a tutela satisfativa sempre exige pedido da parte, e a cautelar pode, excepcionalmente, ser deferida de ofício”.

Em outro ponto, o Projeto aprimora a disciplina vigente quando cuida da exigência especial de uma fundamentação quanto à matéria. (repetindo a exigência da CF/88 no art. 93, IX). No artigo 271 lê-se que: “Na decisão que conceder ou negar a tutela de urgência e a tutela da evidência, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento”. Tal exigência é justificada pelo fato de que, pelo Projeto, as decisões referentes à tutela de urgência e de evidência terão maior estabilidade do que têm no sistema atual, ainda que de coisa julgada não se trate.

Dispõe a parte final art. 283, caput, que será definitiva a solução conferida nas hipóteses em que um ou mais pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso.

Nos demais casos, proceder-se-á, após a concessão ou indeferimento da liminar, à cognição referente ao pedido principal. O mesmo artigo preceitua que tais medidas conservam a sua eficácia na pendência do processo em que esteja veiculado o pedido principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas, em decisão fundamentada.

Marcelo MACHADO (2011, p. 256) discorre sobre o tema demonstrando que o projeto no novo CPC manteve a “instrumentalidade que a cautelar mantém com o processo principal.” E prossegue: “as medidas continuam mantendo suas características de provisoriedade e revogabilidade (…) O que se altera é, tão somente, a obrigatoriedade de surgimento dessa nova demanda, para que a cautelar continue eficaz. (…) A parte beneficiada pela medida estará livre do ônus de ajuizar ou prosseguir com a tutela definitiva de cognição exauriente, evitando assim o surgimento de um novo processo, muitas vezes desnecessário.”

Essa inovação também merece ainda melhor reflexão pela doutrina, o que certamente só o tempo permitirá. A aplicação da norma ao caso concreto certamente trará questões ainda não vislumbradas. Prevendo essa possibilidade e, diante do tratamento diferenciado para medidas deferidas em procedimento antecedente e no próprio processo principal, Athos Gusmão CARNEIRO (2011, P. 365) alerta para a necessidade de melhor disciplinar a matéria.

Sobre a previsão de que ambas as medidas (satisfativas ou cautelares) podem ser requeridas através de petição incidental no curso da ação ou em procedimento antecedente (tal como ocorre atualmente nas cautelares preparatórias) dispõem os §§ 3º e 4º do art. 282 do projeto: “A apresentação do pedido principal será desnecessária se o réu, citado, não impugnar a liminar”, e “Na hipótese prevista no § 3º, qualquer das partes poderá propor ação com o intuito de discutir o direito que tenha sido acautelado ou cujos efeitos tenham sido antecipados”.

Mais uma vez o texto do projeto ressalta a conduta omissiva do réu. É ela que faz com que se estabilize a tutela de urgência. Esse entendimento se coaduna com outras disposições do texto que penalizam a inércia do réu: a confissão, a revelia, a formação do título executivo.

Outra observação pertinente ao tema em comento consiste na forma de impugnação da medida deferida. No art. 271 o texto preceitua que a decisão que conceder ou negar a tutela da urgência e da evidência, será atacada via recurso de agravo de instrumento. Já em relação ao deferimento em procedimento antecedente, o artigo 281 dispõe que o requerido será citado para contestar em 05 dias e, no parágrafo primeiro estatui: Do mandado de citação constará a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor. O texto não dispõe claramente qual a forma que terá esta impugnação: agravo, contestação?

A doutrina divide-se entre o manejo do Agravo de Instrumento – opinião de Athos CARNEIRO (2011, p. 151) – e a apresentação de contestação. Andrea C. BARBOSA (2011, p. 267-268) opina pela segunda hipótese nos seguintes termos: “… se tiver a decisão sido prolatada antes da citação do réu, é dizer, liminarmente, o meio de insurreição adequado será mesmo a contestação. É que em tal procedimento o objeto de decisão é tão só a própria pretensão urgente e apenas sobre ela é que versará a defesa do requerido.”

Diante dessa indefinição do legislador, defende-se uma ampla aceitação de ambas as formas (agravo ou contestação), pois a decisão concessiva da liminar é interlocutória, sendo desafiada pelo agravo e a citação para contestar contém em si a intimação do deferimento da medida. Nesse sentido a opinião de MACHADO (2011, p. 262), entendendo que “a expressão impugnação deve ser interpretada da forma mais ampla possível.”

Mais adiante (artigo 285) trata da hipótese de indeferimento da liminar, dispondo que poderá ser proposta a ação, ressalvadas as hipóteses de decretação da prescrição ou decadência ; nesses casos, a repetição da tutela encontra óbice na coisa julgada material, a exemplo do que já ocorre no sistema vigente (art. 810 do Código de Processo Civil).

Será, pois, no bojo desta ação que se poderá alterar a tutela concedida. Preceitua o §2º do art. 284 que a decisão que concede a tutela não produz coisa julgada, ressalvada a “estabilidade dos respectivos efeitos”, que somente pode ser afastada por decisão que a revogar.

Outra crítica ao projeto trata da ausência de tipicidade das medidas cautelares. Nos dizeres de Athos Gusmão CARNEIRO (2011, p. 149) “o projeto, pouco compreensivelmente, omite qualquer menção aos procedimentos cautelares específicos, tais como o arresto ou o seqüestro, deixando sua incidência e aplicação inteiramente aos azares dos casos concretos”.

A mesma preocupação é externada por Marcelo Pacheco Machado (2011, p. 243): “ a exclusão de tais medidas não deverá contribuir para a otimização do sistema processual. Pelo contrário, a proposta tem o potencial de trazer novas dificuldades.”

De fato, na vigência do atual Código, e como visto acima, muitas das medidas cautelares típicas não possuem natureza cautelar e outras há muito não possuem aplicabilidade prática especialmente ante a regra atual da fungibilidade com a antecipação de tutela. Entende-se que tais medidas poderiam ser revogadas.

No entanto, especialmente com o arresto e o seqüestro (medidas com conseqüências patrimoniais), a ausência de previsão legal dos requisitos para a concessão trará dificuldades  na aplicação do novo texto e, ao contrário do almejado pelo projeto, fará com que avolumem-se o número de recursos face a ausência de critérios objetivos para a sua concessão.

Nesse sentido, novamente sugere-se a alteração do texto para a regulamentação da matéria.

CONCLUSÃO

A partir da década de 90 o CPC passou por sucessivas reformas legislativas e mesmo assim ainda hoje é alvo de severas críticas, pois o Poder Judiciário não consegue julgar os processos e os recursos conforme os reclamos da sociedade.

Nesse sentido, o legislador optou pela edição de um novo Código de Processo Civil cujo projeto de lei tramita no Senado. Tem por ideologia norteadora a celeridade e efetividade. Privilegia a simplicidade de linguagem, estimula a inovação e modernização dos procedimentos porém não rompe drasticamente com o tratamento processual atual.

No tocante às tutelas de urgência, pode-se afirmar com ARRUDA ALVIM (2012) que “na realidade, relativamente às tutelas de urgência e de evidência, o que o Projeto de Novo Código de Processo Civil fez foi aprimorar as inovações inseridas no Código de Processo Civil vigente, e sistematizá-las de maneira mais abrangente e correta, seguindo antiga sugestão do Presidente da Comissão responsável por sua elaboração, o Min. Luiz Fux, feita em tese de concurso.”

Muitas das alterações previstas apenas consolidam o que já era preconizado pela doutrina e adotado pela jurisprudência. Procurou-se analisar de forma breve alguns pontos do projeto de modo a convidar à reflexão.

A unificação de tratamento das medidas de urgência e a supressão do processo cautelar constituem um avanço legislativo. Por outro lado, algumas disposições – sob pena de constituírem incentivos à interposição de recursos – merecem ainda maior reflexão e aperfeiçoamento, o que nos permite concluir que muitas dessas inovações somente poderão ser analisadas em profundidade após a sua aplicabilidade.

 

Referências
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Notas:
[1] MARINONI, (1992. p. 46). Segundo o autor, alguns autores não reconheciam no art. 675 um poder cautelar geral, tendência seguida pelos Tribunais à época.
[2] Como exemplo cita-se CARNEIRO (2002, p. 23).
[3] Os exemplos são de ZAVASCKI (1997. p. 77).
[4] MARINONI, (1999b, p. 76), destaca que somente a revelia é insuficiente para o deferimento da tutela antecipada, sendo necessário que o juiz verifique se do fato admitido decorre a conseqüência jurídica pretendida pelo autor.
[5] Destaca-se a opinião contrária de ALVIM ( 2002. p. 112), que entende possível a extinção do processo em relação a um pedido com fulcro no art. 269, II CPC quando houver reconhecimento jurídico deste : “… o disposto nesse § 6º implica o reconhecimento expresso e sistemático, pelo legislador, da possibilidade de cisão do ato decisório, em parte com a antecipação da tutela e o restante sucessivamente, no momento normal”.
[6] DINAMARCO, ( 2002. p. 96) lamenta que o legislador não tenha ousado mais a ponto de permitir nesses casos um parcial julgamento antecipado do mérito.
[7] Nesse sentido, a opinião de MARINONI, (1999b, p.104-105).
[8] Utilizou-se o termo ideal com vistas à efetividade, no sentido que, para o autor que possui verossimilhança somada ao periculum ou defesa abusiva, quanto antes deferida a medida, melhor.
[9] Conforme ensina THEODORO JUNIOR, (1997. p. 197).
[10] Posição diversa é a de CARNEIRO ( 2002. p. 83-84). Afirma que nada obstaria que a medida fosse pleiteada antes da instauração do processo, à semelhança do que ocorre com as cautelares preparatórias, aplicando-se por analogia o disposto no Livro III do CPC. Este entendimento acabou prevalecendo no texto do Projeto do novo CPC.
[11] Neste sentido, ver a opinião de WAMBIER ( 2002, p. 104).
[12] A expressão "sincretismo" é utilizada na doutrina brasileira por Cândido Rangel Dinamarco, referindo-se àquelas ações em que à sentença segue-se a execução, independentemente de novo processo.
[13] ALVIM defende posição contrária, ou seja, entende inviável a concessão de tutela antecipada quando foi requerida a cautelar pois, nesta hipótese o juiz concederia além do pedido ou mais do que o que se tenha pedido. O mesmo autor somente admite essa situação em casos absolutamente extremos “em que poderia haver irremissivelmente perda do direito”. (ALVIM,  2002. p. 109).
[14] Neste sentido, ver NERY JUNIOR, (1997.  p. 394).
[15] Sobre o tema ver: ZAGURSKI, Adriana Timoteo dos Santos. Antinomia de princípios e proporcionalidade (um olhar sobre a doutrina de Dworkin e Alexy). In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponível em:<https://ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9674&revista_caderno=21>. Acesso em jun 2012.

Informações Sobre o Autor

Adriana Timoteo dos Santos Zagurski

Mestre em Direito pela PUC/PR. Professora dos cursos de direito na UEPG/PR e faculdade União, e dos cursos de Especialização em Direito Processual Civil e Especialização em Direito e Processo do Trabalho na UEPG/PR. Advogada.


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