Resumo: O objetivo deste trabalho é demonstrar a aplicabilidade do instituto da antecipação dos efeitos da tutela no âmbito coletivo, através da análise do microssistema processual formado entre a lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor. A doutrina tem se utilizado do artigo 273 do Código de Processo Civil para conceder a antecipação, tendo em vista a aplicação subsidiária prevista pela Lei de Ação Civil Pública em seu artigo 19. Entretanto, após a análise, chega-se a conclusão de que os requisitos exigidos são rigorosos quando se trata de direitos transindividuais que, pela importância e complexidade, merecem tratamento específico. Assim, observamos que o Código de Defesa do Consumidor, §3 do art 84, possibilita a antecipação de forma mais compatível com esses direitos, exigindo requisitos mais flexível, colaborando para a efetividade do processo coletivo.
Palavras-chave: Antecipação dos Efeitos da Tutela. Tutela Jurisdicional Coletiva. Acesso à justiça. Efetividade do Processo.
Resumen: El objetivo de este trabajo es demonstrar la aplicabilidad del instituto de la antecipación de los efectos de la tutela em lo ámbito colectivo, a través de la análisis de lo microssistema procesal formado entre la ley de la de la Accíon Pública y el Código de la Defensa del Consumidor.La doctrina si ha utilizado del artículo 273 del código proceso civil para conceser la antecipación,teniendo en mente, la aplicación civil pública em su artículo 19. No obstante, después del análisis, lhega la conclusión de los requisitos exigidos son rigorosos cuando se trata de los derechos transindividuais que para la importancia y complejidad, merecen tratamiento especifico. Así, observamos que el código de la defensa del consumidor,§ 3 do artículo 84, posibilita la antecipación de uma forma más compatible de estos derechos, exigindo rquisitos más flexives, colaborando para la eficacia del proceso colectivo.
Palabras clave: Anticipación del Efecto de la Tutela. Tutela Jurisdiccional Colectiva. Acceso a la Justicia. Eficacia del Proceso.
Sumário: 1. Introdução – 2. Função Jurisdicional Eficaz e os Malefícios do Tempo – 3. Tutela de Urgência – 4. Antecipação dos Efeitos da Tutela – 5. Tutela Jurisdicional Coletiva – 6. Ação Civil Pública – 7. Antecipação dos Efeitos da Tutela na Ação Civil Pública – 8. Considerações Finais – 9. Resumen – 10. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O instituto da antecipação dos efeitos da tutela, espécie do gênero tutela de urgência, é de grande importância para os operadores do direito. Seu objetivo é contornar a inadequação do processo clássico e superar os obstáculos que possam impedir a pronta decisão judicial. Não obstante, sua aplicação no âmbito coletivo, especialmente na Ação Civil Pública, suscita muitas dúvidas.
Os requisitos exigidos para a antecipação, contidos no artigo 273 do Código de Processo Civil, são demasiadamente rígidos e incompatíveis com a tutela dos bens coletivos que, por sua natureza, merecem atenção especial do legislador. Contudo, o Código de Defesa do Consumidor prevê requisitos mais adequados e flexíveis para antecipar os efeitos da tutela.
Através do presente trabalho, pretende-se demonstrar a importância e a necessidade da aplicabilidade desse instituto no bojo das ações coletivas, utilizando-se do microssistema processual formado com a interação entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública.
Não se almeja exaurir o tema, nem tão pouco explorar em sua totalidade todos os institutos aqui demonstrados, mas sim, refletir e buscar respostas com o objetivo de contribuir para a efetividade do processo coletivo.
2. FUNCÃO JURISDICIONAL EFICAZ E OS MALEFÍCIOS DO TEMPO.
Desde os primórdios, a vida em sociedade causa conflitos, não só por não haver bens da vida em quantidade suficiente para atender as necessidades de todos, como também pelo egoísmo natural do ser humano.
Para remediar esses conflitos de interesses, que surgem em escala progressiva, em razão do crescimento populacional mundial, e evitar o caos, a instituição Estado se incumbe de exercer a função jurisdicional, isto é, reservou para si o direito de, no caso concreto, substituir a vontade das partes e impor soluções aos conflitos, de acordo com as regras preestabelecidas (leis, regras e princípios).
O instrumento da função jurisdicional é o processo, que deve ofertar às partes todas as garantias para solucionar a lide, de forma justa e adequada, preservando a paz social. São garantias como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, e a indeclinabilidade da jurisdição – todas previstas na Constituição Federal de 1988, e nas legislações infraconstitucionais. De acordo com Ernane Fidélis dos Santos, observamos que:
“Quando a jurisdição age, objetivando compor a lide, o critério é de cognição dos fatos, para defini-los com suas conseqüências jurídicas, de acordo com o sistema de direito preestabelecido. Pretende o autor, por exemplo, que o juiz reconheça a existência de seu direito de propriedade sobre o bem e o direito de possuí-lo, reclamando a respectiva posse; quem se julga credor, mas não tem o título, quer o reconhecimento jurisdicional de seu direito e a determinação para o respectivo pagamento. Em tais hipóteses, o juiz deve conhecer dos fatos, fazer o devido exame de prova e sentenciar, compondo o litígio. A soma dos atos que o juiz pratica com os demais da mesma relação, para atingir tal fim, é um “processo”, e, por suas características, de “cognição, ou, o que é mais usual, “processo de conhecimento”.[1]
Não obstante, garantir um processo justo e adequado faz com que ele, às vezes, se torne complexo, do qual decorre um grave problema a ser enfrentado pelos operadores do direito – o malefício do tempo.
Há casos, em nosso dia a dia, que não é suficiente apenas solucionar os conflitos; é necessário que essa solução se dê no menor espaço de tempo, e que tenha idoneidade suficiente para assegurar-lhe a eficácia.
É inútil a composição do litígio se no momento da solução não mais existir condição efetiva e prática de garantir o direito daquele que, sendo seu titular, recorre à via judiciária.
Ilustrando a situação, se determinada empresa irá despejar seus resíduos tóxicos no leito de um rio que abastece a cidade, o Ministério Público deve propor ação visando impedi-la e a decisão judicial deve ser proferida de forma rápida. Caso o despejo seja concretizado, de nada adiantará a sentença de procedência, pois o dano já se consumou e toda a cidade terá seu abastecimento comprometido.
Outro exemplo, nos dias de hoje, é quando o Poder Executivo, na sua função preventiva e/ou de combate à doença, deixa de fornecer aos utentes do Sistema Único de Saúde o medicamento Tamiflu (fosfato de Oseltamivir), destinado ao combate da atual pandemia de gripe causada pelo vírus Influenza A (H1N1), popularmente denominada “Gripe Suína”. Caso não o faça, o Ministério Público deverá propor ação para obrigá-lo, e a decisão judicial deverá ser proferida de forma rápida. Após o óbito dos infectados, de nada adiantará sentença de procedência.
Por outro lado, há casos em que, é inegável, a demora do judiciário em solucionar as lides interesse a alguns. Isso porque, como sabido, determinados grupos economicamente dominantes, e abusando dessa situação, resolvem seus conflitos obrigando as partes mais fracas a aceitarem acordos por valores inferiores a que teriam direito. Nesse sentido, com razão, afirma Mauro Cappelletti:
“Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma década exeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerando os índices de inflação, pode ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. A convenção Européia para Proteção dos direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 6º, parágrafo 1º, que a justiça que não cumpre suas funções dentro de “prazo razoável” e, para muitas pessoas, uma justiça inacessível.”[2]
O tempo de duração do processo está diretamente interligado com a sua efetividade, sem oferecer às partes paridade de armas em busca da solução dos conflitos, o poder judiciário corre o risco de proferir decisões inócuas, fadadas ao fracasso.
3. TUTELA DE URGÊNCIA
Assim como na medicina, onde se almeja aperfeiçoar procedimentos cirúrgicos de emergências para socorrer pacientes em risco de morte, também o direito processual necessita evoluir para proteger de forma rápida e eficaz os direitos em iminente perigo de perecimento.
O legislador moderno, preocupado em adotar medidas especiais que possam afastar os riscos de prejuízos advindos com demora na obtenção da tutela jurisdicional, criou o gênero tutela de urgência, do qual são espécies: a) Tutela Cautelar; b) Tutela Satisfativa Autônoma (Cautelar Satisfativa); e c) Antecipação dos Efeitos da Tutela. Nesse sentido, leciona Humberto Theodoro Júnior:
“Todas essas medidas formam o gênero “tutela de urgência”, porque representam providências tomadas antes do desfecho natural e definitivo do processo, para afastar situações graves de risco de dano à efetividade do processo, prejuízos que decorrem da sua inevitável demora e que ameaçam consumar-se antes da prestação jurisdicional definitiva. Contra esse tipo de risco de dano, é inoperante o procedimento comum, visto que tem, antes do provimento de mérito, de cumprir o contraditório e propiciar ampla defesa”.[3]
Trata-se, na verdade, de “provimento autônomo ou dependente destinado a prestação da tutela jurisdicional em tempo inferior aquele inerente ao processo plenário e exauriente, para proteção ou satisfação”.[4]
No sistema jurídico brasileiro, a tutela de urgência possui raiz constitucional no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, que prevê: “A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”. Nesse sentido, José Miguel Garcia Medina e Fernando da Fonseca Gajardoni asseveram que:
“De acordo com o art. 5, XXXV da Constituição Federal, a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito. Orienta a norma constitucional a concepção de normas infraconstitucionais e , também, a atividade jurisdicional. Atua a jurisdição, assim, com o intuito de realizar o direito, não apenas restaurando a ordem jurídica violada, mas, também, evitando que tal violação ocorra.”[5]
Também está presente na doutrina estrangeira a preocupação em se buscar por técnicas emergências para evitar que a decisão final seja ineficaz e acarrete prejuízos às partes. Como salienta Andrea Pizani Proto:
“La necesidad de tutela urgente, en el sentido de satisfacción inmediata del propio derecho, puede ser satisfecha no sólo a través de la técnica de la tutela sumaria cautelar, sino también a través de la técnica de la tutela sumaria tout court, trae como consecuencia que cuando el legislador (como frecuentemente lo ha venido haciendo en estos últimos tiempos) prevé que en el curso de un procedimiento de cognición plena y exhaustiva pueda (a instancia de parte o, excepcionalmente, de oficio) instaurar un subprocedimiento destinado a concluirse en breve tiempo con una providencia sumaria (en todo o en parte) anticipatorio del contenido de la (futura y eventual) sentencia de cognición plena puedan (…) por un lado estos subprocedimientos sumarios, en ausencia de precisas indicaciones legislativas, no están encuadrados necesariamente en la categoría de procedimientos sumarios cautelares instaurados en el curso de un juicio, por otro lado la extinción de un juicio de cognición plena no determina necesariamente la ineficacia de las providencias sumarias anticipadoras que se generan en el curso de un juicio ordinario al que hace referencia la extinción.”[6]
Assim, tutela de urgência nada mais é do que um mecanismo criado pelo legislador capaz de promover o acesso à justiça de forma ampla e assegurar a efetividade da tutela jurisdicional contra toda e qualquer lesão ou ameaça a direito subjetivo.
Embora todas as suas espécies sejam importantes para a efetividade do processo, o presente trabalho se restringirá a analise da antecipação dos efeitos da tutela no plano individual e coletivo.
4. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
Os efeitos práticos da tutela, em regra, serão usufruídos pela parte vencedora após o trânsito em julgado da sentença ou do julgamento de recurso de apelação com efeito suspensivo. Entretanto, com as reformas processuais advindas, principalmente por aquela trazida pela lei n. 8.952 de 1994, possibilitou ao juiz antecipá-los. É o que ensina Humberto Theodoro Júnior:
“Justifica-se a antecipação de tutela pelo princípio da necessidade, a partir da constatação de que sem ela a espera pela sentença de mérito importaria denegação de justiça, já que a efetividade da prestação jurisdicional restaria gravemente comprometida. Reconhece-se, assim, a existência de casos em que a tutela somente servirá ao demandante se deferida de imediato”.[7]
No entanto, conceder à parte requerente os efeitos da tutela antes de instruir o processo e oferecer ao adversário o direito ao contraditório e a ampla defesa, pode levar a decisões incorretas, pois nem sempre aquele que alega é o verdadeiro titular do direito. Na visão de Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini e Flávio Renato Correia de Almeida, temos que:
“As alterações introduzidas no CPC pela reforma de 1994 – contexto em que foi corajosamente inserida no sistema processual brasileiro a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela – envolveram, sem dúvida, certa dose de risco. Mas era um risco que precisava ser corrido, em prol de um processo apto a gerar resultados mais adequados. Reputou-se ser maior o risco de injustiças advindo da incorreta antecipação de tutela”.[8]
O legislador, para mitigar esses riscos, estabeleceu precisos requisitos para a antecipação da tutela, conforme se observa no artigo 273 do Código de Processo Civil:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”
O requisito contido no inciso II, não será analisado neste trabalho por não se tratar de tutela de urgência. Apenas o inciso I é espécie do gênero Tutela de Urgência, pois fundado nos riscos que a demora do processo possa causar ao direito. No mesmo sentido, José Miguel Garcia Medina e Fernando da Fonseca Gajardoni afirmam:
“Concebida como forma de obtenção da tutela jurisdicional (satisfação), total ou parcial, em momento anterior a declaração do direito, a antecipação dos efeitos da tutela é prevista, de modo genérico, no art 273 do CPC. Trata-se, na hipótese do inciso I do referido dispositivo legal, de tutela de urgência, que, tal como a tutela cautelar, é concedida em razão do periculum in mora. Ambas as figuras consistem, portanto, medidas concebidas para se “lutar contra o tempo”.[9]
Por prova inequívoca deve-se entender como aquela capaz convencer o juiz que a parte é titular do direito material invocado. Não se trata de prova absoluta, mas sim de prova consistente, robusta, suficiente para se levar a uma grande probabilidade sobre a titularidade do direito pleiteado. Corroborando com esse ensinamento, Lecionam Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:
“Prova inequívoca não é aquela que conduza a uma verdade plena, absoluta, real – ideal inatingível tal como já visto no capítulo relativo a teoria Geral da Prova -, tampouco a que conduz a melhor verdade possível (a mais próxima da realidade) – o que só é viável após uma cognição exauriente. Trata-se de prova robusta, consistente, que conduza o magistrado a um juízo de probabilidade, o que é perfeitamente viável no contexto da cognição sumária”.[10]
A verossimilhança da alegação se aproxima do fumus boni iuris, mas com ele não se confunde, pois exige que a intensidade da probabilidade do direito seja maior. Isso porque a antecipação dos efeitos da tutela implica juízo cognitivo mais profundo do que o exigido na cautelar. Nessa esteira, ressalta José Miguel Garcia Medina e Fernando da Fonseca Gajardoni:
“Admitindo-se haver graus de probabilidade de existência do direito (da mais intensa para a menos intensa), tem-se que este é mais intenso para a concessão de antecipação de efeitos da tutela e é menos intenso para a concessão de tutela cautelar, pois enquanto a primeira exige prova inequívoca da verossimilhança da alegação, a outra se contenta com o fumus boni iuris.”[11]
É necessário, ainda, que esteja presente o receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Há irreparabilidade quando os efeitos do dano não são reversíveis. E, será de difícil reparação se as condições econômicas do réu não autorizam supor que o dano será efetivamente reparado e, também, se for impossível individualizá-lo ou quantificá-lo.
Por fim, há outro requisito, contido no §2º desse artigo, qual seja, a reversibilidade da medida concedida pelo magistrado em caráter antecipado. Trata-se de pressuposto negativo, isto é, uma situação de fato que não deve estar presente para que a antecipação da tutela tenha lugar. Havendo perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, a tutela antecipada deve ser indeferida.
Caso estejam presentes os requisitos elencados no artigo 273 do diploma processual, é dever do juiz conceder a tutela de modo antecipado, destaque-se recente julgado do Tribunal Mineiro:
“EMENTA: ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. ART 273 DO CPC. REINVINDICATÓRIA. TUTELA ANTECIPADA. DEFERIMENTO. MANUTENÇAO. A tutela antecipada constitui-se de medida de caráter excepcional, já que o juiz antecipa o seu julgamento conferindo a parte aquilo que é de seu direito. Diante da presença dos requisitos que autorizam a concessão de antecipação de tutela, quais sejam o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e a verossimilhança das alegações, não como a mesma ser indeferida.”[12]
Como visto, a antecipação dos efeitos da tutela é fundada em cognição sumária, ou seja, em análise superficial do objeto da causa que conduz o magistrado a um juízo de probabilidade e, por isso, possui natureza precária, já que pode ser revogada a qualquer tempo se ausente os requisitos ensejadores da medida. Seguindo essa diretriz, Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini e Flávio Renato Correia de Almeida, ensinam:
“O convencimento de verossimilhança é correlato ao de cognição sumária ou superficial. Nestas hipóteses, o juiz tem uma razoável impressão de que o autor tem razão, mas não certeza absoluta, como ocorre na cognição exauriente. Trata-se da tradicional noção de fumus boni iuris.”[13]
Antecipado um ou alguns dos efeitos, estes serão confirmados com a prolação da decisão principal, ou, em caso de rejeição do pedido, serão revogados. Cria-se, portanto, em favor da parte, uma situação provisória, que pode vir a torna-se definitiva, em caso de acolhimento do pedido feito em caráter principal.
Esse instituto também está presente em ordenamentos estrangeiros, tal como no Código de Processo civil Peruano, promulgado por Decreto Legislativo 768 de 29 de fevereiro de 1992 e vigente a partir de 28 de julho de 1993:
“El artículo 674 del CPC sí regula claramente una medida anticipativa atípica, bajo el rubro “Medida temporal sobre el fondo”, en los siguientes términos: “Excepcionalmente, por la necesidad impostergable del que la pide o por la firmeza del fundamento de la demanda, la medida puede consistir en la ejecución anticipada de lo que el Juez va a decidir en la sentencia, sea en su integridad o sólo en aspectos sustanciales de ésta”. Sin embargo, el artículo parece limitar los requisitos para otorgar la medida anticipada a uno solo: al periculum in mora o a la firmeza del fundamento de la demanda, cuando en rigor estos dos requisitos deberían ser concurrentes y no alternativos, y seguramente deberían adicionarse con otros, para evitar los abusos a que se puede prestar este tipo de medidas.”[14]
Observamos, assim, que se determinada situação de direito material requerer tutela urgente de cognição sumária, não é possível que o Estado se negue à prestá-la, sob pena de violar a garantia constitucional do acesso à justiça e do direito à uma tutela jurisdicional adequada. Essa prestação se torna ainda mais necessária em se tratando de direitos transindividuais, que exigem uma atuação imediata e efetiva do operador do direito a fim de evitar danos de grandes proporções que poderão acarretar em prejuízos para as gerações presentes e futuras.
5. TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA
É cediço que o direito busca acompanhar a sociedade – embora a passos lentos – sendo influenciado pelas grandes transformações ocorridas na ordem cultural, científica e tecnológica. Essas transformações exigem que o direito seja aberto, sensível às mudanças e que tenha capacidade para se impor de forma eficaz, regulando as novas lides.
Os conflitos entre Tício e Mévio já estão superados, a nova ordem jurídica deve se preocupar com os conflitos de massa, envolvendo várias pessoas e de diferentes lugares.
Surgiu a necessidade de desfazer conceitos e obstáculos para permitir o acesso à justiça de forma ampla, com o objetivo de proteger os direitos do cidadão na esfera individual ou coletiva, de modo a garantir o respeito à cidadania.
O principal desafio para viabilizar o sistema de tutela estatal no âmbito coletivo, possibilitando a proteção de direitos que transpõem o indivíduo, é a superação da ideologia individualista que serviu de alicerce aos direitos subjetivos.
Para absorver às exigências sociais, o sistema processual civil brasileiro passou por duas grandes reformas. A primeira iniciou em 1985 e foi caracterizada pela introdução de instrumentos destinados a dar curso a demandas coletivas, a tutelar direitos e interesses transindividuais.
A segunda “onda” se desencadeou em 1994, com o objetivo de aperfeiçoar os mecanismos já existentes de modo a torná-los mais efetivos. De acordo com Teori Albino Zavascki:
“As modificações do sistema processual civil operaram-se em duas fases, ou “ondas”, bem distintas. Uma primeira onda de reformas, iniciada em 1985, foi caracterizada pela introdução, no sistema, de instrumentos até então desconhecidos do direito positivo, destinados (a) a dar curso a demandas de natureza coletiva, (b) a tutelar direitos e interesses transindividuais, e (c) a tutelar, com mais amplitude, a própria ordem jurídica abstratamente considerada. E a segunda onda reformadora, que se desencadeou a partir de 1994, teve por objetivo não o de introduzir mecanismos novos, mas o de aperfeiçoar ou de ampliar os já existentes no Código de Processo, de modo a adaptá-los às exigências dos novos tempos.”[15]
Hugo Nigro Mazzilli salienta que no Brasil esses novos direitos passaram a ser questionados a partir de 1970. Vejamos:
“Entre nós, porém, foi especialmente a partir da década de 1970, com os trabalhos e conferências de Mauro Cappelletti, que surgiu a exata consciência de que a defesa judicial dos interesses de grupos apresentava peculiaridades: como cuidar da representação ou substituição processual do grupo lesado? Como estender a coisa julgada para além das partes formais do processo? Como repartir o produto da indenização entre lesados indetermináveis? Como assegurar a presença de todo o grupo lesado nos processos coletivos destinados à composição e decisão de tais conflitos intersubjetivos?”[16]
Como se observa, o direito despertou para interesses importantíssimos, tais como o meio ambiente, valores históricos, culturais, saúde pública, segurança coletiva, relações de consumo, que embora digam respeito a todos os indivíduos, não são suscetíveis de fracionamento para que cada um possa defendê-los de forma individual.
“[…] Tão numerosas são as ações coletivas, hoje em dia, que se pode afirmar que o processo civil é tanto instrumento de composição individual de conflitos como de solução global dos problemas coletivos, em que os verdadeiros titulares do interesse material em disputa quase nunca participam diretamente da relação processual.”[17]
A dimensão social desses interesses exigiu do Estado a criação de instrumentos processuais capazes de propiciar uma efetiva proteção. Afinal, de nada adiantaria reconhecer esses direitos, se o sistema jurídico não os tutelasse de forma adequada.
A primeira lei brasileira que viabilizou a possibilidade da tutela dos direitos difusos foi a lei da Ação Popular. No entanto, a medida mais efetiva para assentar os mecanismos processuais de tutela coletiva veio com a Lei de Ação Civil pública, que inaugurou um autêntico subsistema de processo voltado para a tutela da coletividade.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, ficou expressamente consagrada a tutela material de diversos direitos transindividuais, tais como o direito ao meio ambiente sadio, à manutenção do patrimônio cultural, à preservação da probidade administrativa e à proteção do consumidor.
Logo após, em 1990, foi criado o Código de Defesa do Consumidor que além de disciplinar as relações de consumo, também regulamentou a lei de Ação Civil Pública em seu título III, demonstrando haver um microssistema processual de defesa da coletividade:
“Ao alterar a LACP, atuou como verdadeiro agente unificador e harmonizador, empregando e adequando à sistemática processual vigente do código de Processo Civil e da LACP para defesa de direito difusos, coletivos, e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei 8.078, de 11.09.1990, que institui o Código de Defesa do Consumidor.”[18]
O microssistema processual como, acertadamente, ensinam Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior deve ser aplicado à todas espécies de ações coletivas, tais como a Ação Civil Pública, Ação Popular, Ação de Improbidade Administrativa, Mandado de Segurança, etc.
“Com isso cria-se a novidade de um microssistema processual para as ações coletivas. No que for compatível, seja a ação popular, a ação civil pública, a ação de improbidade administrativa e mesmo o mandado de segurança coletivo, aplica-se o Título III do CDC. Desta ordem de observações fica fácil determinar, pelo menos para as finalidades práticas que se impõe, que o diploma em enfoque se tornou um verdadeiro “Código Brasileiro de Processos Coletivos” um “ordenamento processual geral” para a tutela coletiva”.[19]
É possível dizer que houve verdadeira revolução científica no âmbito processual civil brasileiro:
“A implementação do sistema de tutela jurisdicional coletiva no Brasil, muito mais do que um aperfeiçoamento das técnicas de acesso à justiça, caracteriza uma verdadeira revolução científica no campo do processo civil, na medida em que desafia a descoberta de novos princípios, métodos e objetivos operados por via das ações coletivas”.[20]
Diante disso, não há como deixar de reconhecer em nosso sistema processual a existência de um subsistema exclusivo, aprimorado e suficiente para atender aos conflitos coletivos, característicos da sociedade moderna.
6. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
De início é importante ressaltar, a nomenclatura Ação Civil Pública nada tem haver com a pretensão que lhe constitui o objeto. O adjetivo “civil” somente indica que a ação não tem natureza penal. Já o adjetivo “pública” demonstra não se tratar de ação privada, visto que o poder de provocar a jurisdição é atribuído a órgão especial do Estado, que age independentemente de estímulo privado, por dever de ofício.[21]
Não obstante, o correto seria denominá-la de ação coletiva, assim como fez o Código de Defesa do Consumidor, já que as associações privadas também são legitimadas para a propositura dessa mesma ação. Afirma, com razão, Hugo Nigro Mazzilli:
“Sem melhor técnica, portanto, a lei nº 7.347/85 usou a expressão ação civil pública para referir-se à ação para defesa de interesses transindividuais, propostas por diversos co-legitimados ativos, entre os quais até mesmo associações privadas, além do Ministério Público e outros órgãos públicos. Mais acertadamente, quando dispôs sobre a defesa em juízo desses mesmos interesses transindividuais, o CDC preferiu a denominação ação coletiva, da qual as associações civis, o Ministério Público e outros órgãos públicos são co-legitimados.”[22]
A Ação Civil Pública nada mais é do que um instrumento processual voltado para a defesa dos interesses transindividuais. Seu objeto, conforme assente na doutrina e jurisprudência, é o mais amplo possível, abarca quaisquer direitos, sejam eles difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Entretanto, embora seja precipuamente processual, não se pode negar que apartir dela houve o reconhecimento pela comunidade jurídica da necessidade de se proteger o meio ambiente, a saúde, o consumo, o gozo e a fruição de bens de valor artístico, estético, histórico e paisagístico. O artigo 1º da aludida lei, de forma exemplificativa elenca os interesses protegidos:
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I- meio ambiente;
II- ao consumidor;
III-a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV- a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V- por infração da ordem econômica.”
Os direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos são conceituados pelo parágrafo único, incisos I, II e III, artigo 81, do Código de Defesa do consumidor. Vejamos:
“Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”
Apesar dos direitos individuais homogêneos não estarem previstos expressamente no artigo 1º da lei 7.347, o intercâmbio com o Código de Defesa do Consumidor permite uma interpretação extensiva em virtude do disposto no artigo 21: “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.
A legitimidade para propor ação civil pública ou coletiva está expressa no artigo 7º. Dentre os legitimados estão o Ministério Público, Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista e associações. A única ação de natureza coletiva que possui legitimação restrita é a Ação Popular, que prevê como legitimado apenas o cidadão.
No que tange à competência, é preciso salientar que no processo civil, nas demandas de cunho reparatório ou condenatório, em regra, utiliza-se do critério territorial. Portanto, assume caráter relativo, podendo ser modificada pela conexão ou continência.
Todavia, tais premissas não se aplicam ao processo coletivo. Há regramento especial estabelecendo que as demandas coletivas deverão ser propostas no foro do local onde ocorreu o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Posteriormente, com o advento do Código do Consumidor, foi determinado que, salvo a competência da justiça federal, a competência será do foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; ou no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional. Vejamos:
“Lei n. 7.347: Art. 2º – As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.
Lei n. 8.078/90: Art. 93 – Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.”
No que se refere à coisa julgada, o art. 16 da LACP estabelece que a sentença fará coisa julgada erga omnes, se limitando à competência territorial do órgão prolator. No entanto, essa limitação só se faz aplicável nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos. Tratando-se de direitos transindividuais difusos ou coletivos, é inadmissível que a sentença tenha seus efeitos restritos ao território, pois somente será possível a tutela jurisdicional coletiva atingir a missão que lhe foi conferida pelo legislador se lhe for dada a abrangência necessária. Nesse sentido, o acórdão do Tribunal Regional Federal:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPEDIÇÃO DE CARTEIRAS DE PASSE LIVRE PARA DEFICIENTES FÍSICOS EM TRANSPORTE COLETIVO INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. LEI 8.899/94. PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 003/2001. PRAZO DESRESPEITADO. EFICÁCIA TERRITORIAL DO JULGAMENTO. ÂMBITO NACIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 16 DA LEI 7.347/85 C/C INCISO I DO ART. 103 DO CDC. PRECEDENTES DO STJ. 1. Não há plausibilidade na pretensão da União de que o prazo para o exame do pedido e expedição das carteiras de passe livre possa ser prorrogado por impossibilidade de cumprimento pela Administração Pública. A escassez de servidores no serviço público não é justificativa para o descumprimento do dever de prestá-lo. 2. A despeito do benefício ser estipulado por disposição legal, a relação a ser estabelecida entre os deficientes físicos e as empresas concessionárias/permissionárias que prestarão o serviço, será, inequivocamente, de consumo, funcionando a União, na hipótese, quer diretamente, quer de forma descentralizada, como responsável pelo eventual custeio ou desembolso que esteja previsto em lei ou regulamento, situação que demanda a observância às disposições do inciso I do art. 103 da Lei 8.078/90, sem a restrição imposta pela nova redação do art. 16 da Lei 7.347/85. 3. Não se trata de demanda restrita a âmbito territorial de Estado ou Município, mas de âmbito nacional, com a figuração do ente legitimado para estipular as condições de exploração do transporte interestadual/internacional de passageiros, a teor do inciso XII do art. 21 da Constituição, sendo inequívoco que as causas contra a União podem ser intentadas na Seção Judiciária onde o autor/beneficiário possua domicílio, independentemente de competência em razão de divisão jurisdicional dos Tribunais Regionais Federais. 4. Se os beneficiários da pretensão deduzida pelo MPF estão espalhados por todo o território nacional, não há sentido em aplicar o disposto no art. 16 da LACP, em flagrante detrimento das disposições do art. 109 da CF em leitura conjunta com o inciso I do art. 103 do CDC. 5. Não se vislumbrando equívoco na sentença recorrida, faz-se tão-somente necessário o acréscimo à fundamentação das disposições do inciso I do art. 103 do CDC c/c os arts. 21 inc. XII e 109, ambos da CF. 6. Apelação da União e remessa oficial improvidas.”[23]
Em suma, a ação civil pública é um instrumento muito valioso, concebida como ação coletiva desvinculada das regras atinentes ao Código de Processo Civil e voltada para a defesa dos interesses sociais, concretizando a busca da cidadania, solidariedade social e igualdade substancial almejadas pelo constituinte de 1988.
7. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
No processo civil individual, observamos que a antecipação dos efeitos da tutela é de suma importância, mas está sujeita a requisitos específico, sem os quais jamais poderá ser concedida. No âmbito da lei de ação civil pública não há previsão legal, mas o artigo 19 possibilita a aplicação do Código de Processo Civil de forma subsidiária. Assim, ao menos teoricamente, o artigo 273 poderia ser aplicado às lides coletivas, possibilitando a antecipação dos efeitos da tutela. Nesse sentido é a acertada lição de Cristiano chaves de Faria:
“Como se pode notar, há possibilidade de concessão de cautelares em ação civil pública (art.4º, LACP) – com fito assecuratório apenas – e de provimentos liminares (art.12, LACP), initio litis, com nítida feição antecipatória, funcionando como uma antecipação especial da tutela, atendidos requisitos específicos. No entanto, nenhuma das hipóteses afasta o cabimento da antecipação de tutela genérica, contemplada no art.273 do CPC, aplicável subsidiariamente nas ACP’s, ex vi do disposto no art.19 da LACP”.[24]
Não obstante, tal interpretação causa divergência. Parcela da doutrina afirma que em regra será incabível a tutela antecipada se o pedido for condenatório, visto que é impossível preencher o requisito da prova inequívoca, diante da complexidade das lides coletivas. Senão vejamos:
“PEDIDO CONDENATÓRIO – Como regra, será incabível a tutela antecipada. E a razão é simples. O mais comum é que, na ação civil pública, o autor formule pedido condenatório, seja pecuniário, seja mandamental. Nesse tipo de litígios, embora possam estar presentes três dos requisito do instituto – a presunção de veracidade é que se afigura praticamente impossível preencher o requisito da prova inequívoca. As controvérsias que dizem respeito a proteção dos interesses difusos e coletivos, como é o caso das questões relativas ao meio ambiente, aos consumidores e ao patrimônio público e social, são sempre caracterizadas por sua grande complexidade, exigindo significativo suporte probatório para permitir ao julgador formar sua convicção com vistas a solução da lide. Nesse tipo de litígio, portanto, é mais do que nunca necessário observar o princípio do contraditório e da ampla defesa, assegurado em plano constitucional como direito fundamental”.[25]
Corroborando com as afirmativas, há o seguinte acórdão no Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – RECEBIMENTO DA INICIAL – ASPECTOS JURÍDICO -FORMAIS – ANÁLISE RESTRITA – QUESTÕES DE MÉRITO – APRECIAÇÃO DIFERIDA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. A boa prudência não recomenda o julgamento prévio em ação civil pública. Ali, se perquire, dentre o mais, os pressupostos processuais e condições da ação, e as questões do mérito, nelas a prescrição, sugerindo-se, sempre, observar o contraditório antes de expungir a quaestio, máxime ante o interesse social que a envolve”.[26]
Através desse entendimento, tecnicamente, o mais razoável seria propor ação cautelar, se preenchidos os requisitos do periculum in mora e fumus boni iuris.
Em contra partida, se o pedido for constitutivo, será possível antecipar os efeitos da tutela, por exemplo, pedido de anulação de cláusula abusiva. Nesse caso, o exame da questão pode se basear exclusivamente em questão de direito e, por isso, torna-se de fácil constatação a prova inequívoca. Nesse sentido, defende José dos Santos Carvalho Filho:
“PEDIDO CONSTITUTIVO – Nos casos em que o autor formular pedido de natureza constitutiva, que, como já visto, não representa o que ocorre normalmente, será cabível a tutela antecipada, desde que, é lógico, estejam presentes os requisitos que a lei processual exigiu para sua configuração”.[27]
Não obstante, a doutrina majoritária entende ser possível aplicar a antecipação dos efeitos da tutela não só com base no artigo 273 do Código de Processo Civil, mas também se utilizando o §3 do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor. Consoante o ensinamento de Mazzilli:
“Sem dúvida é possível a tutela antecipada em ação civil pública ou coletiva. Não bastasse a regra genérica do art. 273 do CPC, ainda temos que o parágrafo 3 do art. 84 do CDC permite que o juiz conceda a tutela liminarmente ou após justificação prévia; ora, esta regra não vale apenas para ações coletivas do CDC, mas também se estende a todo o sistema das ações civis públicas, por força do art. 21 da LACP”.[28]
Entretanto, em que pese o posicionamento majoritário da doutrina, não é necessário a aplicação conjunta desses dois dispositivos. Como visto, a interação entre a lei de Ação Civil Pública e o Código Consumerista permite a aplicação do §3º do art. 84 do CDC em qualquer ação que vise proteger direitos coletivos. Esse dispositivo exige requisitos mais flexíveis e coerentes: “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.
Sem dúvidas, a tutela coletiva merece tratamento especial do Estado pela importância, amplitude e dispersão dos titulares. E, havendo requisitos específicos mais brandos do que aqueles exigidos para as lides em geral, deve ser aplicado em todas as situações em que houver a necessidade da proteção dos direitos transindividuais. Averba, com razão, Alexandre Amaral Gavronski:
“Mister destacar, ainda, que dentre os direitos coletivos há aqueles que merecem tratamento diferenciado pela sua própria natureza, como é o caso do meio ambiente e da saúde, para os quais se aplica o princípio da precaução, absolutamente incompatível com a exigência do caput do art. 273 de prova inequívoca. Segundo tal proposição, definida no princípio 15 da ECO 92, “Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Significa que, quando uma atividade representar ameaça de danos ao meio ambiente ou à saúde humana, deverão ser tomadas medidas de precaução (se não espontaneamente, por meio de provimentos judiciais, concedidos – não se pode afastar a hipótese – antecipadamente quando as circunstâncias assim recomendarem), mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas cientificamente, ou seja, não se deve produzir intervenções no meio ambiente, quando ausentes provas de que a radiação emitida não agrida o meio ambiente. Nesses casos, não há prova inequívoca de que tal atividade é nociva ao meio ambiente ou à saúde, tampouco se tem como certos os males causados. Pode haver, contudo, sérios e fundados estudos (não provas) demonstrando os riscos da atividade, o que deve ser suficiente para antecipação da tutela. Ocorre que o princípio da precaução só serve a configurar um relevante fundamento da demanda, nunca uma prova inequívoca”.[29]
Há, ainda, a necessidade de preencher o requisito contido no §2 do artigo 273: “Não será concedida a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. Note a observação de José dos Santos Carvalho Filho:
“Não se pode deixar de lembrar, ainda, que incabível será a tutela antecipatória se o provimento antecipado provocar o risco de ser irreversível eventual dano causado à outra parte. Aqui a situação se inverteria. Ou seja: preocupado em prevenir o dano a uma parte, o julgado, antecipando a tutela, causaria dano irreversível à outra. E, se isso ocorrer, nem mesmo haverá como revogar ou modificar a tutela antecipada, resultando inócuo, por conseguinte, o disposto no art. 274, §4, do C.P.Civil, que admite aquelas providências. Por isso, o juiz deve cuidar para que não haja o risco de ser causado dano irreversível à parte”.[30]
Entretanto, esse requisito também deve ser mitigado, sob pena de não cumprir a missão que se destina. Nesse sentido a ementa do acórdão do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. TUTELA ANTECIPATÓRIA. DIREITOS PATRIMONIAIS. CONCESSÃO: POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 273 DO CPC. RECURSO NÃO CONHECIDO. I – A tutela antecipatória prevista no art. 273 do CPC pode ser concedida em causas envolvendo direitos patrimoniais ou não-patrimoniais, pois o aludido dispositivo não restringiu o alcance do novel instituto, pelo que e vedado ao interprete fazê-lo. Nada obsta, por outro lado, que a tutela antecipatória seja concedida nas ações movidas contra as pessoas jurídicas de direito público interno. II – A exigência da irreversibilidade inserta no par. 2. do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina. III – Recurso especial não conhecido”.[31]
Pelo exposto, observamos que em se tratando de ação coletiva, ante o perigo de ineficácia do provimento final, a tutela pretendida pode ser prestada antecipadamente desde que demonstrado o relevante fundamento da demanda, sendo dispensável a prova inequívoca e o perigo da irreversibilidade do provimento antecipado, já que inaplicável o artigo 273 do Código de Processo Civil.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, observamos que a legislação processual civil não é eficaz o suficiente para tutelar os direitos coletivos advindos com a evolução da sociedade. A maioria de suas regras, principalmente aquelas atinentes à antecipação dos efeitos da tutela, não encontram consonância quando se trata da tutela de direitos que ultrapassam a esfera da individualidade.
A partir da entrada em vigor do código de Defesa do Consumidor, observamos verdadeiro elo com a lei de Ação Civil Pública, tornado-os um verdadeiro microssistema processual coletivo capaz de tutelar, de forma adequada e eficaz, os direitos difusos, coletivos, ou homogêneos.
Por isso, a antecipação dos efeitos da tutela coletiva deve se pautar pelos ditames do §3 do art. 84 do CDC, que exige requisitos mais adequados à dimensão social que reflete os direitos transindividuais, e não pelo artigo 273 do Código de Processo Civil, que é demasiadamente rigoroso, tornando a possibilidade de antecipação quase nula.
Dessa forma, é inegável que o operador do direito está autorizado a se utilizar de todos os instrumentos e meios necessários para fazer com que o processo coletivo seja realmente efetivo, possibilitando assim, um amplo acesso à justiça de forma coerente com as necessidades sociais.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Henrique Matos Oliveira
Mestre em Direito Coletivo, Cidadania e Função Social pela Universidade de Ribeirão Preto/SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado