Resumo: o Novo Código Civil albergou a possibilidade de aceitação da herança a partir do momento da abertura da sucessão, ocasião em que se considerará definitiva a sua transmissão ao herdeiro. Tem-se a hipótese de não verificação dessa transmissão quando o herdeiro renunciar à herança, não tendo seus herdeiros qualquer expectativa em recebimento dessa parcela patrimonial rejeitada. É neste ponto que sobreleva a indagação aqui perseguida, posto que o companheiro, como provável herdeiro à herança de seu parceiro, poderá vir a ser prejudicado com esta adbicação, visto que tal ato é passível de reflexo patrimonial nos bens do casal, acarretando diminuição na esfera hereditária porventura auferida pelo supérstite. Ocorre que a simplicidade da norma e o próprio direito material protegido, vez que, pela esmagadora maioria das vezes, tão-somente disciplinam o aspectos patrimoniais afetos à relação conjugal, não perquire acerca das prováveis consequências destas mesmas situações no que tange à união estável, pois nítida a prevalência daquele instituto no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse ponto a Lei é de todo omissa. É sob tal conjuntura que se questiona a possibilidade de anuência do companheiro para fins de renúncia da herança de seu parceiro em uma dada situação.
Palavras-chave: herança. Transmissão. Regime de bens. Rejeição. Anuência.
Abstract: the New Civil Code hosted the possibility of accepting the inheritance from the time of opening of the succession, at which time it will consider its final transmission to the heir. It has been hypothesized that transmission does not check when the heir to renounce the inheritance, his heirs not having any expectation of receiving that portion asset rejected. It is here that outweighs the inquiry pursued here, since the companion, as heir apparent to the legacy of his partner, could be harmed with this adbicação, since such an act is likely to reflect equity in the matrimonial property, causing a decrease in sphere hereditary perhaps earned by surviving. It happens that the simplicity of the standard and very right protected material, since, by the overwhelming majority of cases, merely govern the proprietary aspects pertaining to the marital relationship, not perquire about the likely consequences of these same situations with regard to the stable, as clear that the prevalence in the Brazilian legal institute. At this point the law is totally silent. It is under such circumstances that it questions the possibility of approval of the companion for the purpose of disclaiming the inheritance of his partner in a given situation.
Keywords: inheritance. Transmission. Property regime. Rejection. Consent.
Sumário: 1. Noções preliminares acerca da sucessão. 1.1. Sucessão e seus efeitos jurídicos. 1.2. Princípio da saisine. 1.3. Aceitação e renúncia da herança. 1.4. Espécies de renúncia. 2. Regimes de bens e suas implicações na sucessão. 2.1. Princípios norteadores. 2.2. Separação legal ou obrigatória. 2.2.1. Separação absoluta ou convencional. 2.3. Comunhão parcial ou limitada. 2.3.1. Bens excluídos da comunhão parcial. 2.3.2. Bens comunicáveis na comunhão parcial. 2.4. Comunhão universal. 2.5. Participação final nos aquestos. 2.7. Necessidade da outorga uxória para fins de renúncia da herança. 3. Possibilidade de extensão da outorga à união estável. 3.1. União estável. 3.1.1. Quebra de paradigma quanto à similitude de institutos. 3.1.2. Aspectos jurígenos da união estável. 3.1.3. Deveres e direitos dos companheiros. 3.1.4. Direito sucessório na união estável. 3.2. Necessidade de anuência na união estável para fins de renúncia da herança. Conclusão.
Introdução
O estudo possui como escopo a apresentação e discussão acerca da necessidade de outorga do cônjuge quando da renúncia à uma dada herança, tendo-se em vista a consagração do princípio da saisine no patrimônio do herdeiro e nas consequências advindas desse ato abdicatório.
Com efeito, em que pese ser a renúncia da herança um ato unilateral de vontade, de natureza não receptícia, a depender do regime de bens adotado pelo casal poderá acarretar significativas implicações patrimoniais para o consorte supérstite.
1 Noções preliminares acerca da sucessão
1.1 Sucessão e seus efeitos jurídicos
O vocábulo “suceder”, em sua acepção jurídica, significa substituir, tomar o lugar de outrem no campo dos fenômenos jurídicos, tendo em vista que este deixou de integrar a relação de direito anteriormente constituída. Há uma mudança subjetiva na relação, podendo ocorrer tanto no pólo passivo quanto no pólo ativo.
O termo “sucessão” pode ser utilizado basicamente em dois sentidos: objetivo e subjetivo. No primeiro, considera-se como um conjunto de normas e princípios destinados a regular a transmissão de direitos e obrigações advindos do evento morte. Trata-se, assim, de sucessão mortis causa. Já no sentido subjetivo, significa atenção à posição jurídica de uma dada pessoa a qual é herdeira ou legatária de outra que faleceu, ou seja, regula os interesses da pessoa que possui um liame jurídico e/ou pessoal com o autor da herança, entendido como o conjunto de bens e direitos que constituem o objeto de sucessão ou mesmo os quinhões dos herdeiros (NERY JÚNIOR, 2008, p.35).
Direito das Sucessões é, portanto, o ramo do Direito que cuida da transmissão de bens, direitos e obrigações em decorrência da morte. O termo sucessão lato sensu significa o ato jurídico pelo qual uma pessoa substitui outra em seus direitos e obrigações, podendo ser consequência tanto de uma relação entre pessoas vivas quanto da morte de alguém. Com isto, o direito admite duas formas de sucessão: inter vivos e causa mortis. Há de se observar a necessária disparidade entre sucessão e herança. A primeira é o ato de alguém substituir outrem nos direitos e obrigações, em função da morte, ao passo que herança é o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, também em virtude da morte, a uma pessoa ou várias, que sobreviveram ao de cujus. A Constituição Federal de 1988 prevê esta garantia dentre os direitos individuais fundamentais (art. 5º, XXX).
Tal forma de relação remonta, essencialmente, à civilização egípcia e babilônica, as quais agregavam a idéia de comunidade da família, detentora, portanto, de alguns direitos dela sobrevindos. Em Roma, o herdeiro substituía o falecido em todas as relações jurídicas (direitos e obrigações), assim como na religião, na medida em que era o continuador do culto familiar. O sucessor herdava não apenas o patrimônio de seu pai, mas também todas as relações jurídicas e o culto familiar, essencialmente paternalistas. Assim, a continuidade da propriedade, bem como a do culto, era uma obrigação tanto quanto um direito (COULANGES, 1981, p. 41).
Deve-se ter em mente, pois, que as decorrências histórico-sociais da sucessão são, de forma basilar, o alicerce de nossa atual civilização, a qual agregou valores aos novos ditames sucessórios, compilando-os no novo Código Civil de 2002. Em vista disto, vê-se que o instituto da herança abarca uma importante relação humana: morte e patrimônio. Para tanto, hão de ser observados suas formas legais de aquisição e as juridicidades dela decorrentes.
O direito das sucessões tem sua acepção no direito de propriedade, normatizado no artigo 5º da Constituição Federal, XXX e XXXI e nos 1784 a 2027 do Código Civil. A Magna Carta garante, de igual forma, o direito de herança dispondo, inclusive, que a sucessão de bens estrangeiros situados no país será regulada pela lei brasileira, em benefício do cônjuge ou dos filhos, salvo se a lei pessoal do de cujus for mais favorável aos herdeiros (LICC 10 e §1º) [Idem p. 47].
Para maior elucidação deste fenômeno jurígeno, há de se ter em foco as etapas propulsoras desta relação: a) abertura da sucessão, fenômeno fático determinador da transferência abstrata do acervo; b) delação da herança, inferindo-se como um conceito jurídico consistente no oferecimento do patrimônio aos herdeiros e c) aquisição, apresentada como fato jurídico de ingresso dos bens no patrimônio dos herdeiros, decorrente de sua manifestação, mesmo que implícita.
A sucessão considera-se aberta no momento da morte, fazendo nascer o direito hereditário e operando a substituição do falecido por seus sucessores a título universal nas relações jurídicas em que aquele figurava. Não se confundem, contudo. A morte é antecedente lógico, é pressuposto e causa. A transmissão é consequente, é efeito daquela. Por ficção legal, coincidem em termos cronológicos, presumindo a lei que o próprio de cujus investiu seus herdeiros no domínio e na posse indireta de seu patrimônio, porque este não pode restar acéfalo. Esta é a regra esculpida no art.1.784/CC, para o qual “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
A aquisição da herança é ponto crucial no processo sucessório, pois que se consubstancia na aderência do patrimônio do de cujus pelo seu novo titular. Daí por diante, a ingerência dos negócios a ele vinculados é de responsabilidade integral do novo proprietário.
Crucial, pois, o entendimento dessa transição jurídica.
1.2 Princípio da saisine
Etimologicamente, saisir (apoderar-se de um bem) deriva do latim sacire, fruto da junção de duas palavras francas contidas em leis bárbaras, “sakjan”, com o sentido de reivindicar e “satjan”, com o sentido de pôr, colocar, apossar-se, tendo sido empregada pela primeira vez no ano de 1.138. Atualmente, pondo-se uma tradução simplista, tem-se saisine como “posse de bens”, o que mais se aproxima do seu uso no Direito Sucessório.
Pertinente colocação expôs CAIO MÁRIO, para o qual “na Idade Média, institui-se a praxe de ser devolvida a posse dos bens, por morte do servo, ao seu senhor, que exigia dos herdeiros dele um pagamento para autorizar a sua imissão. No propósito de defendê-lo dessa imposição, a jurisprudência no velho direito costumeiro francês, especialmente no Costume de Paris, veio a consagrar a transferência imediata dos haveres do servo aos seus herdeiros, assentada a fórmula: Le serf mort saisit le vif, son hoir de plus proche. Com efeito, no século XIII a saisine era referida num Aviso do Parlamento de Paris como instituição vigente e os établissements de St. Louis lhe apontam a origem nos Costumes de Orleans” (Instituições, v. VI, Sucessões, 3. ed., Forense, p. 15).
Atualmente o nosso direito contempla este princípio, definindo como sendo a passagem de todos os bens do autor da herança, desde o momento da abertura da sucessão, aos seus sucessores. Essa aquisição se dá independente de qualquer ato por parte dos herdeiros. O Princípio da Saisine está previsto no art. 1.784 do Código Civil Brasileiro.
Trata-se, pois, de um efeito automático, pois que se incorpora de plano ao acervo patrimonial do herdeiro sucessor. Produz vários efeitos na esfera deste, a saber: imediata mutação da situação jurídica dos recebedores do acervo; os direitos adquiridos ficam resguardados, pois não são comprometidos ou afetados por fato novo ou lei nova, com isto, a lei que vige no dia da morte rege todo o direito possessório; mesmo que se trate de herdeiros sobreviventes instantes após ao de cujus, recebem os direitos transmitidos pela saisine e os transmitem de igual forma aos seus sucessores imediatamente ao momento de sua morte.
Como o Poder Público não é herdeiro (CC 1829), diferentemente do sistema anterior, em que ostentava essa qualidade (CC/1916 1603 V), a ele não se aplica a regra contida na norma sob comento. Para que o ente público seja considerado possuidor e proprietário de uma dada herança, necessita-se de declaração expressa de vacância da mesma, após o período de jacência, depois de decorrido o prazo exposto no art. 1.822 do atual código civilista[1].
Tal princípio resta moldado em nossa atual jurisprudência, sendo consagrado como verdadeiro alicerce de transição patrimonial, Veja-se: “TRIBUTÁRIO -ITCD -FATO GERADOR -PRINCÍPIO DA SAISINE -SÚMULA 112/STF. 1. Cinge-se a controvérsia em saber o fato gerador do ITCD – Imposto de Transmissão Causa Mortis. 2. Pelo princípio da saisine, a lei considera que no momento da morte o autor da herança transmite seu patrimônio, de forma íntegra, a seus herdeiros. Esse princípio confere à sentença de partilha no inventário caráter meramente declaratório, haja vista que a transmissão dos bens aos herdeiros e legatários ocorre no momento do óbito do autor da herança. 3. Forçoso concluir que as regras a serem observadas no cálculo do ITCD serão aquelas em vigor ao tempo do óbito do de cujus. 4. Incidência da Súmula 112/STF. Recurso especial provido”. (STJ, 2009, DJe, grifo nosso).
Portanto, é possível afirmar que o processo de inventário somente materializa aquilo que já existe de acordo com o princípio da saisine.
1.3 Aceitação e renúncia da herança
A aceitação ou “adição”, como por várias vezes é referida, trata-se de “ato jurídico unilateral pelo qual o herdeiro, legítimo ou testamentário, manifesta livremente sua vontade de receber a herança que lhe é transmitida” (DINIZ, 2002. p. 61.).
Trata-se, em verdade, de expressão exímia de efeito confirmativo de aquisição de posse e propriedade de um determinado bem. É a incorporação de um dado acervo patrimonial à esfera econômica de um indivíduo, o qual se manifestou, tácita ou expressamente, na aceitação deste efeito jurídico-econômico.
LUIGI FERRI bem obtempera esta estruturação quando salienta que a aquisição da herança não se dá, verdadeiramente, com a aceitação, pois que os direitos hereditários dela advindos retroagem ipso iure à data do óbito do auctor sucessionis, independentemente de externação de vontade para se obter este efeito retrooperante. Há um direito entabulado pelo autor da herança o qual deve ser aceito pelo herdeiro para fins de integralização de seu patrimônio, subsumindo-se em seus direitos e deveres legais relacionados àquele novo acervo, o qual será o novel legitimado juridicamente para qualquer disposição quanto ao bem adquirido.
Por menos eloquente que possa parecer, não se tem tal ato de aceitação como algo dispensável ou mesmo inútil, já que, mesmo diante de uma não expressão afirmativa no sentido de aceitação da aquisição, esta se configurará automaticamente. É de sobrevalor, essencialmente quando o herdeiro visado ao bem não o quer, repugna-o, por qualquer razão, fato que operará consequências no ciclo hereditário e na distribuição e partilha do acervo sobejado.
Ora, faz-se mister analisar precipuamente o animus adquirendi do herdeiro de uma determinada herança, visto que o direito nada impõe à obrigatoriedade de incorporação de um patrimônio deixado post mortem. Deve haver a correlação necessária entre a vontade do de cujus ou a previsão legal e a vontade do herdeiro chamado a suceder.
Tal necessidade advém de obrigações e relações jurídicas adjacentes ao bem incorporado, na medida das forças da herança adquirida, segundo dispõe o artigo 1.792 do Código Civil. Assim, as obrigações impostas aos herdeiros não poderão ser superiores às do que irão herdar, isto é, deve-se ter a nítida similitude entre o que está sendo barganhado pela sucessão e o que deverá se ter como obrigações e responsabilidades dela advindas. Esta é a real expressão da proporcionalidade sucessiva, criando mecanismos de controle do seu alcance, razão da lógica jurídica. Convém sobrelevar que, antes do advento do atual Código Civil, o que prevalecia nesse caso era a obrigação do herdeiro assumir todo o passivo do autor da herança, o que, por vezes, poderia levar o sucessor à ruína. Isto somente não ocorria se viesse ele a declarar no ato da aceitação de que assim fazia "a benefício do inventário". Tal situação não mais encontrou amparo na atual carta civil. É de se considerar um dos maiores avanços abarcados pela nova legislação. Ressaltamos, entretanto, que caso o herdeiro resolva assumir tais obrigações do titular da herança, mesmo que além do limite do que irá receber, poderá fazê-lo, nada havendo que o impeça de assim proceder.
Reconjunturando-se, o que cada herdeiro afere deste patrimônio sucedido, é considerado, ipso facto, como uma universalidade, a integralidade faz parte de seu cerne. É considerado, até a partilha, um bem juridicamente imóvel (espólio). Legalmente, é a expressão de sua indivisibilidade (art.80,II/CC). A justificativa para todas essas considerações de incorporação automática e simultânea é a de que, precipuamente, em momento algum o patrimônio deve ficar sem titularidade. Há de se ter uma segurança jurídica nas relações de trato sucessório e, mais que isto, perceptibilidade das relações de parentesco na esfera econômica do de cujus.
Nesse viés, observa-se que a aceitação se constitui um ato confirmativo de aquisição do acervo hereditário que lhe é posto à disposição. Trata-se, pois, de liberalidade do herdeiro, de direito potestativo, o qual poderá, sem maiores justificações, aceitar ou repudiar a herança.
Atente-se ao fato de que sua aceitação não somente lhe confere direitos ao legado, mas, também, obrigações porventura existentes. Com isto, vale-se a manifestação como forma de reconhecimento universal do acervo ofertado, não podendo se imiscuir das obrigações dele inerentes, devendo, pois, ser aceito em sua integralidade – ou repudiado em sua totalidade, salvo sucessão simultânea a dois títulos, situação em que poderá aceitar um e recusar outro, a exemplo de sucessor herdeiro e beneficiário de legado (NERY JÚNIOR, op. cit., p. 1159).
A aceitação pode ser expressa ou tácita. Aquela se perfaz por declaração escrita por intermédio de instrumento público, particular ou termo nos autos do inventário, atos comumente não utilizados. Já a tácita, infere-se de atos próprios da qualidade de herdeiro, considerada regra suprema do momento sucessório. Ressalte-se que, por expressa proibição legal, os atos oficiosos, como o funeral, os meramente conservatórios ou os de administração e guarda provisória não podem ser interpretados como formas de aceitação hereditária; de igual forma a cessão gratuita, pura e simples, da herança aos demais co-herdeiros (art.1.805, §§ 1º e 2º/CC).
A aceitação da herança pode se apresentar, ainda, na forma direta ou indireta. A primeira se constata quando provier do próprio herdeiro, já a segunda, quando outrem a faz por ele, nos seguintes casos:
i) Aceitação pelos sucessores do herdeiro, quando este falecer antes de sua manifestação, ao menos que se trate de vocação adstrita a uma condição suspensiva, ainda não verificada (art. 1.809/CC);
ii) Tutor e curador, pelos seus tutelados e curatelados, quando revestidos de autorização judicial;
iii) Mandatário ou gestor de negócios, representando o herdeiro;
iv) Credores, até o montante do crédito, representando o herdeiro devedor (art.1.813/CC).
Após aberta a sucessão, qualquer interessado poderá, em 20 (vinte) dias, requerer ao juiz prazo razoável, não maior que 30 (trinta) dias, para fins de pronunciamento do herdeiro, sob pena de se haver por aceita a herança, já que o silêncio deve ser interpretado como uma aceitação tácita. Este requerimento é conhecido com actio interrogatoria.
Sobreleve-se, também, que a aceitação condicional ou a termo não é permitida, pelo princípio da universalidade acima exposto e em prol da continuidade e integralidade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas pelo então falecido. Tais barreiras configurar-se-iam verdadeiras afrontas à segurança destas transações. Nulificados são, pois, estes empecilhos.
Com isso, poder-se-ia resumir a aceitação em quatro condições dirigentes: unilateralidade, indivisibilidade, incondicionalidade e irrevogabilidade.
Referente à renúncia, tem-se que constitui “ato unilateral, o qual não cria para o renunciante qualquer direito. A este se considera como se nunca tivesse herdado” (MONTEIRO, 1990-1991, p. 53). Por isto, de igual modo à aceitação, a renúncia opera efeito ex tunc, ou seja, retroage ao falecimento do autor da herança, devendo ser exteriorizada por escritura pública ou termo judicial, nos autos do inventário, sob pena de nulidade.
Somente os que se apresentam em sua capacidade plena poderão exercer o direito de renúncia, não se admitindo representação ou assistência para perfectibilização do ato de repúdio. Em desta forma se pretendendo, necessária intervenção judicial, vez que se trata de ato personalíssimo.
Vale ressaltar, ainda, que, tanto a aceitação quanto a renúncia são irretratáveis, conforme disciplina o art. 1.812/CC. Contudo, o herdeiro que renuncia à herança, não está impedido de aceitar o legado e vice-versa. Também não é permitido aos descendentes do renunciante receber o seu quinhão hereditário – exceto se for este (o renunciante) o único herdeiro, ou se todos os outros de igual classe renunciarem à herança, conforme regulamentação do art.1.811/CC. Neste caso, sucederiam por direito próprio e por cabeça. Já na renúncia pelo herdeiro testamentário, há que se verificar a vontade do testador. Se nomeado substituto, este será chamado a aceitar a deixa. Na falta de disposição testamentária, a parte que caberia ao renunciante segue a ordem de vocação legítima, acrescendo-se ao monte.
A doutrina geralmente aponta a existências de duas espécies de renúncia: a abdicativa e a translativa. A renúncia abdicativa, ou propriamente dita, é aquela pura e simples, quando o herdeiro a manifesta sem ter praticado qualquer ato que exprima aceitação da herança, logo ao se iniciar o inventário ou mesmo antes, em favor do monte-mor. É o repúdio simples, no qual o herdeiro renuncia a parte que lhe cabe de forma gratuita, sem qualquer incidência tributária, retornando sua cota ao monte hereditário para ser rateada pelos demais. A translativa, por sua vez, dá-se quando o herdeiro renuncia a favor de determinada pessoa, citada nominalmente, ou seja, é uma renúncia precedida de uma aceitação (VENOSA, 2009, p. 34). Trata-se, em verdade, de cessão de direitos travestida de renúncia, pois que, para tal, a parcela já fora incorporada ao patrimônio do herdeiro renunciante, incidindo dupla tributação – imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD) e imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI).
Poder-se-ia constatar os seguintes fenômenos advindos da renúncia da herança, segundo uma dada espécie: a) o que obsta a transmissão causa mortis, em nada refletindo no patrimônio do renunciante (renúncia pura/abdicativa) e b) o que induz um reflexo na esfera jurídico-patrimonial do renunciante, podendo influenciar suas relações anteriormente formadas ante o ato cessionário (imprópria/translativa).
A renúncia da herança, ademais, não deixa de ser uma forma de alienação, já que por meio dela há a transferência de coisa ou direito a outra pessoa, seja a título gratuito ou oneroso. É neste ponto que reside a problemática do ato adbdicativo na esfera patrimonial de um casal.
2 Regimes de bens e suas implicações na sucessão
Trata-se de um verdadeiro conjunto de normas as quais disciplinam as relações econômicas dos cônjuges durante o casamento, quer entre si, quer no tocante a terceiros. Regula, essencialmente, o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal.
Os casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916 devem ser normatizados pelo regramento esculpido naquela carta civilista, não se lhes aplicando o regime de bens do novo sistema do atual Código.
No código vigente, prevê-se a disciplina de quatro regimes: o da comunhão parcial, o da comunhão universal, a participação final nos aquestos e o da separação. Todavia, tais disposições sofreram várias mutações ao longo dos anos, segundo os ditames da legislação da época. O cronograma abaixo reflete alguns marcos da evolução deste instituto, comparando-os com a atual conjuntura:
1916. O Código Civil de 1916 fez vigorar, por 87 (oitenta e sete) anos a regra de que “o regime dos bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável.” – art. 230. Ora, vê-se desde logo que a outorga uxória não estava atrelada ao regime de bens, pois este Código previa que ela sempre se fazia necessária.
1977. Até o ano de 1977, o casamento era regido pelo regime de comunhão universal de bens, contudo, com o advento da Lei 6.515/77, denominada "Lei do Divórcio" foi alterado o regime de bens adotado pelo casamento simples, quando não há pacto antenupcial.
1988. Com a atual Carta Constitucional, estabeleceu-se uma similitude nas relações advindas da união estável, a qual reflete diretamente na escolha do regime que irão adotar.
Atualmente. Há, basicamente, 4 (quatro) regimes de bens, disciplinados no Código Civil. Permitiu-se, inclusive, a mescla destes segundo a conveniência do casal (art. 1639, caput/CC) e, de igual, forma, a migração de regimes, fundamentadamente.
Modernamente, o novo Código Civil estabelece uma margem de liberdade na estipulação do regime a ser adotado pelos nubentes, cabendo a estes estipular a forma como serão guiados os seus bens podendo, inclusive, modificar o disposto inicialmente em momento posterior à junção, desde que devidamente motivado e autorizado judicialmente. Tal liberalidade decorre da adaptação normativista às necessidades práticas hodiernamente pactuadas.
É essa a posição do regramento do caderno civilista, para o qual: “Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. § 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento. § 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.
Note-se, mais: “Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: I – praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecida no inciso I do art. 1.647;II – administrar os bens próprios; III – desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial; IV – demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647; V – reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos; VI – praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente”.
2.2 Separação legal ou obrigatória
Trata-se de um regime imposto legalmente, não havendo, pois, necessidade de pacto antenupcial. Nesse sentido, SÍLVIO DE SALVO VENOSA ensina que o regime de separação de bens tem por característica "a completa distinção de patrimônios dos dois cônjuges, não se comunicando os frutos e aquisições e permanecendo cada qual na propriedade, posse e administração de seus bens" (VENOSA, op. cit. p.196).
O regime da separação total de bens tem duas condições básicas para a sua efetivação: a manifestação de vontade dos habilitantes (por escritura pública) e a imposição legal.
O atual Código Civil especifica em seu artigo 1.641 a obrigatoriedade deste regime, nos seguintes termos: “Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de sessenta anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial”.
Há casos em que o próprio código impõe tal regime por contravenção a alguns ditames legais, atuando como reparo desta transgressão, como acima elencado. São elas, pois: (I) Inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, expostas no art.1.523 do Código Civil. O desrespeito a estas causas vicia o casamento, sendo imposto o regime de separação como sanção aos nubentes. Há caso, porém, em que se poderá solicitar ao juiz que não lhe seja imposta tal reprimenda, com isto, dispensando a causa suspensiva, cessa o obstáculo à livre convenção (RODRIGUES, 1967, p.136); (II) Maior de sessenta anos. Trata-se, em verdade, de norma de caráter protetivo, no intuito de obstar a realização de casamento exclusivamente por interesse econômico. Neste ponto, plausível a observação jurisprudencial da Corte do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual obtemperou que referida restrição é incompatível com as cláusulas constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana, igualdade jurídica e da intimidade, de igual forma a garantia do justo processo da lei, numa concepção substantiva[2]. Neste mesmo sentido é o posicionamento doutrinário de FRANCISCO JOSE CAHALI, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, PAULO LUIZ NETTO LÔBO, dentre outros; (III) Dependentes de autorização judicial para casar. Neste último caso, intenta-se a proteção dos menores de idade que obtiveram o suprimento judicial de idade ou o do consentimento dos pais.
Quando um dos pretendentes ao casamento for viúvo, e do casamento anterior existir patrimônio a partilhar e não tiver sido concluído o inventário devido, a lei obriga também ao casal o regime da separação de bens, com o fito de não prejudicar os direitos dos herdeiros do casamento anterior.
Diante destas análises, é de rigor a referência da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF), para a qual “no regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. É de se notar que esta norma não mais vigora, pois que a mesma teve como base o art. 259 do Código Civil de 1916, em que ditava o princípio da comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento, em sendo silente o contrato, mesmo que o regime não seja o da comunhão. Some-se a isto, o fato de que o art. 1.641 do novo Código deixa claro a revogação da dita súmula, rezando não haver comunhão de aquestos no regime de separação legal de bens. Sem aplicabilidade prática, pois.
2.2.1 Separação absoluta ou convencional
O Código Civil refere-se a este regime apenas como “separação de bens”. Aqui, preferimos adjetivar de “convencional” para diferenciar da legal, a qual é tratada no código nas disposições gerais do regime de bens. A natureza das situações, portanto, é bastante diversa, pois que na separação obrigatória a lei obstaculiza a vontade dos nubentes, enquanto que na separação contratual a consagra. Daí que, presente essa diferença de tratamento à volição dos noivos, doutrina e jurisprudência vêm emprestando às duas formas de separação tratamento diferenciado. À separação obrigatória a flexibilidade da regra, à separação convencional o império da vontade plasmada pelo contrato.
Assim dispõe o art. 1.687 do Código Civil: “Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real”.
Neste, os cônjuges detêm a plena liberdade de disposição e fruição de seus bens, com administração plena dos mesmos, sem necessidade de qualquer interferência de seu consorte, pois que é ele o titular de direitos e obrigações oriundos de seu patrimônio. Basta a convenção ser registrada por escritura pública. Trata-se de uma verdadeira exceção quando se refere à disposição de bens sem outorga do convivente por expressa previsão legal, em que inclui no rol de proibição, dentre outro, “alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis”, com a ressalva do “regime de separação absoluta” (art. 1.647/CC).
Tal regime também poderá advir de imposição, nos casos previstos no art. 1. 641 do Código Civil, já analisado. Como há esta divisão patrimonial, acaso um dos cônjuges precise despender valor para fins de contribuição no imóvel pertencente ao seu consorte, justa será a devida indenização para com àquele.
2.3 Comunhão parcial ou limitada
Este é o regime adotado quando da ausência de qualquer manifestação dos nubentes, segundo expressa o art. 1.640, in verbis: “Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas”.
Nos ditames de SILVIO RODRIGUES, “regime de comunhão parcial é aquele em que basicamente se excluem da comunhão os bens que os cônjuges possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento, como as doações e sucessões; e em que entram na comunhão os bens adquiridos posteriormente, em regra, a título oneroso” (RODRIGUES, op. cit., p.178). Trata-se, assim, de um regime híbrido, composto em parte pelo da comunhão universal e em outra pelo da separação, tendo como marco a união do casal.
A propriedade comum dos bens do casal é aquela adquirida após a data do casamento e com os rendimentos do trabalho de um e outro cônjuge. De fato, é neste sentido que o atual Código Civil disciplina este regime, em seu art. 1.658 e seus artigos seguintes, subdividindo-se, praticamente, em dois tópicos: os bens excluídos da comunhão e os que o adentram.
2.3.1 Bens excluídos da comunhão parcial
O regime em epígrafe caracteriza-se pela incomunicabilidade dos bens adquiridos anteriormente à relação conjugal, conforme dispõe o art. 1.658, comportando algumas exceções, conforme adiante exposto: “Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes. Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III – as obrigações anteriores ao casamento; IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes” (grifo nosso).
Vê-se, assim, que os bens incomunicáveis não são apenas os particulares de cada cônjuge adquiridos antes da união, mas também os do artigo supramencionado, os quais passamos a analisar.
(I) Os bens que cada um possuía antes da união são considerados bens próprios, portanto, para este regime, incomunicáveis. A comunicabilidade somente compreende os adquiridos a título oneroso na constância do casamento. Após esta união, ainda serão considerados bens particulares os que advierem de herança ou doação, pois que são particularizados, em nada teve ingerência sobrevinda do casamento. Trata-se a doação de uma mera liberalidade de quem a efetua, seja gratuita ou onerosa; já a sucessão referida na lei é a hereditária, decorrente da morte do transmissor do bem, seja legítima ou testamentária. Neste caso, há a opção do beneficiado pela herança de que o patrimônio componha os bens do casal, bastando, para tanto, que faça uma doação ou legado em favor, conforme determina o art. 1.660, III do código. A subrrogação ocorre quando um bem é substituído por outro, isto é, um do casal já detinha um determinado bem, portanto incomunicável, havendo, posteriormente, apenas uma substituição do mesmo, em nada interferindo em sua composição patrimonial. Atente-se, contudo, ao fato de que há comunicação dos frutos dos bens particulares percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão (art. 1.660, V/CC).
(II) O inciso II, em verdade, reforça o determinado pelo anterior. É a configuração da subrrogação real, na qual o valor auferido pela venda de um bem particular, portanto adquirido antes do matrimônio, é utilizado na compra de outro, em nada afetando a incomunicabilidade anteriormente vingada. Caso o bem subrrogado seja mais valioso que o alienado, o sobejante do valor, se não foi coberta com recursos próprios e particulares do adquirente, passa a ingressar o acervo comum do casal, em parte ideal desta diferença.
(III) Obrigações contraídas anteriormente ao casamento são, de igual forma aos bens, incomunicáveis, pois que também são integrantes do acervo de cada qual, visto que compreende-se no patrimônio de uma pessoa, segundo as observações de CLÓVIS, “tanto os elementos ativos quanto os passivos, isto é, os direitos de ordem privada economicamente apreciáveis e as dívidas. É a atividade econômica de uma pessoa, sob o seu aspecto jurídico, ou a projeção econômica da personalidade civil” (p. 153). Entende-se, ao revés, que haverá comunicação dos débitos anteriores no caso de se beneficiar o cônjuge que não os tenha, numa hipótese de dívida contraída na aquisição de bens de que lucram ambos, como bem dispõe o art. 1.664 do código.
(IV) O inciso IV estipula uma forma de afastar a responsabilidade civil por ato de terceiro, regrando que cada cônjuge deve suportar as obrigações advindas de ilícito por ele cometido, pois que esta é, em regra, personalíssima, devendo o ser, de igual forma, qualquer dívida dela derivada. É de se ressalvar que até mesmo no regime de comunhão universal as obrigações de atos ilícitos não se comunicam, assim também não haveria de ser na parcial. Havendo penhora de bens comuns para este fim, poderá o cônjuge inocente opor embargos de terceiro com o fito de livrar sua meação da constrição judicial. Sobreleve-se, porém, que se o dano foi provocado no exercício de profissão ou atividade de que depende o sustento da família, ou se proporcionou proveito ao patrimônio familiar, uma possível indenização recairá na totalidade dos bens, e não somente na meação do culpado.
(V) Os bens de uso pessoal, assim como os instrumentos de profissão, também serão incomunicáveis, haja vista possuírem caráter pessoal, de utilitário personalíssimo. Serão, contudo, comunicáveis caso os livros ou instrumentos de profissão sejam indispensáveis ao exercício da atividade própria dos cônjuges e não integrem um fundo de comércio ou patrimônio de uma instituição industrial ou financeira da qual participa o consorte, ou não tenham sido adquiridos a título oneroso com dinheiro comum. Tal dispositivo se assenta na previsão de que os bens pessoais foram adquiridos com esforço próprio, particular. Sendo parte de investimento do casal, contudo, serão comunicáveis. A avaliação deverá partir do caso concreto.
(VI) Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge também estão inseridos no rol por igual motivo: são frutos de um esforço pessoal, desligado, prima facie, da relação conjugal. Ressalte-se que, recebido o numerário, este adentra ao patrimônio comum, por uma lógica sistemática: acaso se permitisse interpretar que apenas o que com ele fosse adquirido seria passível de comunicabilidade, estar-se-ia prevalecendo o cônjuge que optou por conservar seus proventos em espécie em detrimento do outro, que investiu em outras aquisições, as quais fariam parte do patrimônio conjunto. Haveria uma dissonância completa, mormente porque é do labor pessoal de cada cônjuge que advém os recursos necessários à aquisição dos bens conjugais. Por isso, achamos despiciendo tal regramento.
(VII) O inciso VII dispõe sobre as pensões – quantias mensalmente pagas a um beneficiário em virtude de sentença, lei, contrato ou disposição de última vontade; meio-soldo – metade do soldo que o Estado paga aos militares reformados; montepio – pensão devida pelo instituto previdenciário aos herdeiros do devedor falecido e “outras rendas semelhantes”. Aqui se tem igual lógica a dos demais incisos: o caráter personalíssimo. Tão-somente o direito ao recebimento destas verbas é que não se comunicam, todavia, quando incorporadas ao patrimônio, passam a ser bem comum do casal, numa regra de similitude com os proventos normalmente percebidos em razão da profissão, conforme já mencionado.
2.3.2 Bens comunicáveis na comunhão parcial
Aqui, perfaze-se a regra da comunicabilidade tendo como base a data da efetiva união, conforme previsão do art. 1.660 do diploma civilista, in verbis: “Art. 1.660. Entram na comunhão: I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão”.
Analisá-los-ei.
(I) Conforme regimentado anteriormente, o primeiro inciso deste artigo reflete a outra face do explicitado, vez que é a característica e essência do regime de comunhão parcial, pois são estes bens que darão azo à porventura partilha.
(II) O supratranscrito inciso estatui a comunicabilidade dos bens adquiridos por fato eventual, a exemplo da loteria, tesouro ou aposta, independentemente do esforço comum para tal aquisição.
(III) A outra hipótese de serem comunicáveis os bens adquiridos por doação, herança ou legado em favor de ambos os cônjuges. Note-se: dever haver esta menção, pois caso contrário se estará diante do art.1.659, I anteriormente citado. Necessário, para isto, que a vontade do duplo beneficiamento seja externada de forma expressa, sob pena de se incidir no regramento geral da incomunicabilidade.
(IV) Este inciso presume que, embora sejam feitas benfeitorias em bens particulares, foram-na com esforço comum, devendo o valor empregado incorporar-se ao patrimônio do casal.
(V) Sobreleve-se, neste caso, que se trata de proteção dos frutos percebidos na constância do casamento ou os pendentes ao tempo da cessação da comunhão, isto é, também são frutos originários da relação, independentemente se se tratam de bens particulares. Tratam-se, pois, de bens adquiridos conjuntamente, pois que adentram no patrimônio do casal.
Vê-se, assim, que o novo código estabeleceu regras claras e objetivas para este tipo de regime, predominando a inferência de que os bens adquiridos na constância do casamento são frutos do esforço comum, não mais se admitindo o regramento antes esculpido no código de 1916, para o qual o marido era o administrador das finanças do casal. De igual forma, resguarda os bens adquiridos anteriormente à união, estabelecendo uma dicotomia justa e sensata.
Neste regime, conforme descrição de CARLOS R. GONÇALVES: “[…] comunicam-se todos os bens, atuais e futuros, dos cônjuges, ainda que adquiridos em nome de um só deles, bem como as dívidas posteriores ao casamento, salvo os expressamente excluídos pela lei ou pela vontade dos nubentes, expressa em convenção antenupcial” (CC, art.1.667) [GONÇALVES, op. cit., p. 430].
Com o advento da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), houve uma substituição do regime legal da comunhão universal para o da parcial. Assim dispõe o novel código quanto a este regime: “Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte”.
Predomina no aludido regime o acervo comum, sem qualquer disparidade ou distinção entre uns e outros, até o instante da dissolubilidade da sociedade conjugal. Há possibilidade, contudo, de que, por convenção ou lei, haja certas exclusões desse monte. Tratam-se, portanto, de exceções. Eis: “Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659”.
Vamos à sua análise pormenorizada:
(I) e (IV) Situações de doações ou heranças gravadas com cláusulas de incomunicabilidade, assim como os subrrogados em seu lugar excluem, de plano, o caráter universal de um determinado bem, pois que não são passíveis de comunicabilidade.
(II) Trata-se de uma espécie de substituição testamentária, em que há dois beneficiários sucessivos. Os bens em questão ficam, por um período de tempo ou condição, fixados pelo testador, em poder do fiduciário, passando, após, ao substituto ou fideicomissário. Para que se possa cumprir a obrigação imposta pelo testador, tais bens não devem ser comunicáveis ao outro cônjuge, pois que, embora seja titular de domínio, seu direito é, bem verdade, resolúvel, não tendo sentido se falar em comunicabilidade. Vê-se, com isto, que o fideicomissário possui um direito eventual, o qual apenas se complementa quando do evento morte do fiduciário. Caso faleça antes do fiduciário, seu direito caducará. Pouca aplicabilidade pela raridade da situação.
(III) Aqui também se está privilegiando a personalidade da dívida adquirida anteriormente ao casamento, com exceção das que provierem no intuito de proveito comum ou assim também quando estas dívidas resultarem dos preparativos do casório.
(V) Estes incisos do art. 1.659 são os de uso pessoal, livros, instrumentos de profissão, os proventos do trabalho pessoal e as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes, as quais já foram alvos de devida análise em tópico passado.
Interessante observar que, quanto à administração dos bens comuns, esta compete a ambos os cônjuges. É o que se denomina de sistema de co-gestão, vez que é o casal que deve zelar pela conservação e utilidade do patrimônio conjunto. Com relação aos bens particulares, tal prerrogativa caberá ao proprietário tão-somente, salvo convenção em contrário (arts. 1.670, 1.663 e 1.665).
Saliente-se que essa obrigação e responsabilidade mútua entre os cônjuges é prevalecente enquanto durar a comunhão, conforme disciplina do art.1.671 da carta civilista.
2.5 Participação final nos aquestos
Preleciona MARIA HELENA DINIZ consistir a participação final nos aquestos no: “[…] regime matrimonial de bens em que cada cônjuge possui patrimônio próprio, abrangendo os bens que tinha ao casar e os adquiridos a qualquer título na constância do casamento; mas, à época da dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, lhe caberá o direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, durante a vigência do matrimônio. Sobrevindo a dissolução do casamento, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se subrogarem; os que sobrevieram a cada cônjuge por herança ou doação e as dívidas relativas a esse bem. Desses aqüestos, dissolvida a sociedade ou vínculo conjugal, cada um dos cônjuges terá direito à metade” (op. cit. p. 234.).
Vê-se que há uma mescla de regimes: vige, durante o casamento, o regime de separação absoluta e, após, o da parcial. É um regime sujeito aos deslindes do caso concreto, pois que somente haverá divisão acaso seja o matrimônio desfeito. Trata-se de uma inovação apresentada pelo Novo Código Civil. É ideal aos indivíduos que exercem atividades empresárias, visto que confere liberdade na administração de disposição dos seus bens, sem afastar a participação nos aquestos em caso de restar dissolvida a sociedade conjugal, apurada à época da cessação da convivência. Tem efeito meramente contábil diferido (GONÇALVES, op. cit. p.439).
Caso não seja possível a divisão dos bens em natureza, poderá haver uma reposição em valor devido, devendo ser avaliados, mediante autorização judicial e alienados “tantos bens quantos bastem” (art. 1.684/CC), apenas havendo exclusão dos bens incomunicáveis (art. 1.674/CC). Em relação aos bens móveis, salvo prova em contrário, presumir-se-ão adquiridos pelo esforço comum, já em face de terceiros, presumem-se de domínio do cônjuge devedor, com a exceção de que seja de uso pessoal do outro (arts. 1.674 e 1.680/CC).
Os arts. 1.675/1.676 dispõem da situação de poder o cônjuge prejudicado, ou mesmo seus herdeiros, reivindicar, finda a comunhão conjugal, os aquestos doados ou por outra forma alienados sem sua autorização, podendo optar pela compensação por outro bem ou mesmo uma indenização. A todas estas regras de solução de dívida aplica-se o princípio geral do pagamento com subrrogação, pois que o consorte somente assume a dívida contraída pelo outro caso haja revertido em seu proveito. Ressalte-se, mais, que o direito à meação não é passível de renúncia, cessão ou penhora, conforme previsão do art. 1.682/CC.
Diante de complexidades contábeis após a dissolução da vida conjugal, este regime acaba por ser de pouca opção entre os nubentes.
Portanto, diante da instituição de vários regimes, assim com também da maior liberalidade que a atual legislação oferece aos nubentes, faz-se necessário analisar todas estas estipulações à luz da relação instituída entre um casal, pois que são o cerne para uma adequada compreensão dos efeitos que poderão delas advir.
2.6 Necessidade da outorga uxória para fins de renúncia da herança
“Outorga” significa ação ou efeito de outorgar; concessão; beneplácito; consentimento[3]. Em determinados casos, para a prática de atos considerados potencialmente lesivos, a lei exige que a pessoa casada tenha o consentimento do outro cônjuge (marido ou esposa) para finalizar um dado negócio. Essa autorização é denominada de outorga uxória.
Há autores que fazem distinção entre os termos outorga uxória e marital, considerando que no primeiro caso tratar-se-ia de autorização dada pela mulher, enquanto que no segundo referir-se-ia a do homem.
Contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988 (art.5º, §1º) e do Código Civil de 2002 (art. 1.567), esta distinção se esvai, haja vista que ambos os cônjuges possuem igualdade de direitos e obrigações, inclusive quanto à capacidade de dispor dos bens que pertencem ao patrimônio comum.
Dessa forma, de maneira geral, a outorga uxória deve ser entendida como a necessária participação de um dos cônjuges nos negócios realizados por outro quando o ato praticado puder prejudicar o patrimônio familiar. É pautada no princípio da contribuição recíproca, do compromisso em comum que se estabelece numa união conjugal.
Quando a outorga uxória é exigida por lei, a falta dessa autorização pode repercutir na validade do ato praticado pelo outro cônjuge. Portanto, a outorga uxória tem por objetivo proteger o patrimônio comum do casal contra atos que possam dilapidar o patrimônio de uma família.
Feitas as considerações acima, nota-se a curial importância que a manifestação de aceitação de uma dada herança pode ensejar, cujos reflexos patrimoniais poderão ser dos mais variados possíveis e, assim, requerer alguns atos inerentes à configuração de sua validade, sob pena de se deturpar sua natureza e efeitos legais.
Partindo da incidência do princípio da saisine, e tendo em vista o esculpido no art. 1.784 do Código Civil, impõe-se o reconhecimento de que, com o evento morte, o cônjuge herdeiro já obteve acréscimo em seu acervo patrimonial, o qual apenas poderá ser elidido com a expressa renúncia a esta subsunção.
Em suma: o herdeiro recebe, desde o momento da morte do autor da herança, o domínio e a posse dos bens. É de se indagar: a recusa a estes não poderia, de alguma forma, interferir no direito sucessório/patrimonial de seu cônjuge? Não haveria, então, a necessidade de anuência do outro cônjuge, ante a possibilidade de restar supérstite com o falecimento de seu consorte?
É, assim, sob a ótica do pacto antenupcial adotado pelos cônjuges que se deve trilhar o parâmetro de manifestação acerca da aceitação da herança ou legado, visto que acarreta influências jurídicas no casamento, podendo ser alvo de interferência jurídico-patrimonial no futuro.
Convém analisar o constante nos arts. 80 e 1.567 em consonância com os arts. 1.647 e 1.656 do Novo Código Civil, que assim estabelecem, in verbis: “Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: (…) II – o direito à sucessão aberta. Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses. Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III – prestar fiança ou aval; IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aquestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.”
Nota-se que, ao contrário do estabelecido no Código Civil de 1916, o legislador atual pretendeu estabelecer algumas ressalvas à necessidade de outorga uxória quanto à disposição de bens pertencentes a um dos consortes. Observe-se, contudo, que não se trata de entendimento pacífico e indistinto, devendo essa necessidade ser observada sob o viés do regime adotado pelo casal, este sim, o ponto de partida para a validade do ato.
O novel diploma buscou, com isto, dispensar essa anuência nos casos em que o regime de bens adotado delineia, de forma particularizada, o acervo patrimonial de cada consorte, não havendo comunicação entre eles.
Após esses apontamentos, o que se pode extrair é que o deslinde dessa questão está diretamente vinculado à espécie de renúncia formulada pelo herdeiro. É que se a renúncia for abdicativa, esta se amoldará à previsão contida no parágrafo único do art. 1.804 do Código Civil e prescindirá de outorga uxória, independentemente de qual seja o regime de bens, já que não ocorre a transmissão da herança. Em não havendo a transmissão da herança, também não há que se falar em alienação por parte do herdeiro. Em verdade, não chega a ser propriamente uma renúncia, já que, pela falta da aceitação, o patrimônio não se transmite ao herdeiro, que, na espécie, é como se não existisse (tanto assim que nem pode ser representado).
Sendo a renúncia translativa, entretanto, a solução é outra. Nesta hipótese, ocorre a transmissão da herança, que passa a integrar o patrimônio do herdeiro. Dessa forma, o regime de bens adotado pelos cônjuges é que vai determinar a necessidade ou não do consentimento. Se for o de separação de bens ou de participação final nos aquestos (desde que exista, para este, a convenção acima referida) não será necessária a outorga uxória. Nos demais regimes ela é imprescindível. Senão, vejamos.
Tendo compactuado ou legalmente imposto um regime em que não há comunicabilidade de patrimônio entre os nubentes, não há que se falar em interferência ou consentimento de um na abdicação do outro quanto à herança adquirida, já que este ato em nada lhe afetará economicamente. Há uma perfeita distinção patrimonial, sem qualquer liame entre os bens de cada consorte. Cada qual é proprietário singular do monte que detém, independentemente de como foi adquirido.
Límpido é que somente nos demais regimes há que se falar em necessidade de consentimento para fins de repúdio de um dado acervo, visto que o monte também integra de alguma forma, embora posteriormente, o patrimônio do consorte do herdeiro.
Caso esta outorga não seja concretizada, diz-se que o negócio jurídico dispositivo não é nulo nem anulável, mas apenas ineficaz, assim como o é a consequente adjudicação do quinhão hereditário a terceiro, nos ditames de NELSON NERY JÚNIOR (op. cit. p. 1159). Configuram-se atos de disposição os quais interferem na esfera patrimonial do cônjuge não-herdeiro, podendo este, se assim entender, obstaculizar o dito repúdio patrimonial. Trata-se de um ato de perfectibilização. A sua irregularidade se perfaz quando da divergência do aceite.
Nas hipóteses em que a outorga é necessária, a sua falta vicia o ato. Muito embora o ilustríssimo doutrinador supracitado considere não ser o ato passível de anulação, apoiado em julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, poder-se-ia assim considerar por efeito analógico ao disposto nos arts. 1.649 e 1.650. Para tanto, deverá o cônjuge a quem cabia concedê-la (ou seus herdeiros) pleitear a anulação até dois anos após o término da sociedade conjugal. Vale lembrar que a recusa injustificada da outorga ou a impossibilidade do cônjuge em concedê-la poderá ser suprida judicialmente. Note-se: “Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal. Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento público, ou particular, autenticado. Art. 1.650. A decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros”.
Considere-se, mais, que futura pretensão de ineficácia do ato de renúncia da herança, ante a ausência de outorga uxória/marital, não acarreta nulidade do ato em seu todo, mas tão somente na meação a que cabe ao cônjuge afastado da referida anuência. Assim o é por não se justificar que o cônjuge manifestante se beneficie de sua própria torpeza, pois que não era seu intuito adquirir a herança que lhe foi ofertada.
Neste sentido, segue julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA DE RENÚNCIA DE HERANÇA CUMULADA COM ANULAÇÃO DE PARTILHA. SENTENÇA QUE AFASTOU A NULIDADE DA RENÚNCIA, PORÉM RECONHECEU A SUA INEFICÁCIA NO TOCANTE À MEAÇÃO DA MULHER DO HERDEIRO, FACE À AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA, DECRETANDO A NULIDADE DA PARTILHA E SOBREPARTILHA OPERADAS. MANUTENÇÃO. NULIDADE DO ATO JURÍDICO. DESCABIMENTO, PORQUANTO NÃO COMPROVADO O ALEGADO ERRO NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO RENUNCIANTE. OUTORGA UXÓRIA. Havendo renúncia de herança por herdeiro casado sob o regime da comunhão universal de bens, necessária se faz a outorga uxória ou consentimento do cônjuge, razão por que correta a sentença que declarou ineficaz a renúncia havida tão-somente no tocante à meação da mulher, já que, caso admitida a nulidade total do ato, estar-se-ia permitindo com que o renunciante se beneficiasse da própria torpeza, já que, quando renunciou, sabia da necessidade do consentimento da cônjuge. Recurso desprovido”. (Apelação Cível Nº 70018543744, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 13/06/2007).
Verificado, assim, que a herança é bem imóvel, que a sua renúncia é uma forma de alienação e que nosso ordenamento acolheu o princípio da saisine de forma mitigada, vê-se que, numa mescla de situações, tais como, regime adotado e tipo de renúncia, haverá a necessidade da vênia conjugal para fins de renúncia da herança.
3 Possibilidade de extensão da outorga à união estável
3.1.1 Quebra de paradigma quanto à similitude de institutos
União estável é a entidade familiar formada por um homem e por uma mulher desimpedidos de casar, que convivem publicamente como marido e mulher, de forma contínua e duradoura no intuito de constituir uma família.
Num breve retrocesso histórico, depreende-se que a união estável foi considerada, por longo período, como uma relação de concubinato, tratando de forma generalizada e discriminada esse novo parâmetro de relacionamento. Não se confunde com este, pois que, no concubinato, homem e mulher são impedidos legalmente de contrair núpcias. Nos dizeres de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, esse instituto recente trata das diretrizes de uma vida prolongada em comum, sob igual teto, com aparência de casamento (MONTEIRO, op. cit. p.30-31).
Em referência ao concubinato, CARLOS ROBERTO GONÇALVES transcreve a lição de ERRAZURIZ nos seguintes termos: “A expressão concubinato, que em linguagem corrente é sinônima de união livre, à margem da lei e da moral, tem no campo jurídico mais amplo conteúdo. Para os efeitos legais, não apenas são concubinos os que matem vida marital sem serem casados, senão também os que contraíram matrimônio não reconhecido legalmente, por mais respeitável que seja perante a consciência dos contraentes, como sucede com o casamento religioso; os que celebrarem validamente no estrangeiro um matrimônio não reconhecido pelas leis pátrias; e ainda os que vivem sob um casamento posteriormente declarado nulo e que não reunia as condições para ser putativo. Os problemas incidem, por conseguinte, em inúmeras situações, o que contribui para revesti-los da máxima importância” (op. cit. p. 539-540).
Resta evidente que se tratam de institutos diversos: casamento, concubinato e união estável. O primeiro refere-se ao vínculo jurídico entre homem e mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família, legaliza-se por intermédio de um negócio jurídico celebrado pelos contraentes; concubinato, como dito alhures, especifica uma união não formalizada pelo casamento civil; já a união estável, foco de nossa pesquisa, consiste na convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família, desde que não haja impedimento matrimonial. Nesta, há liberdade de descumprimento dos deveres inerentes ao matrimônio, sem qualquer previsão de sanção.
Vê-se, pois, que a união estável (ou “livre”) é uma relação menos formal, na qual seus integrantes não detêm direitos perfeitamente delineados tal como o casamento, especificamente quanto à assunção de compromissos recíprocos. Há, apenas, uma proteção patrimonial, ante a consagração de esforço múltiplo.
3.1.2 Aspectos jurígenos da união estável
Trata-se a união estável, em verdade, de um instituto evolutivo, vez que no Código Civil de 1916 era tratado de forma precária e restrita. Alguns dispositivos, inclusive, faziam restrições a este modo de convivência, a exemplo da proibição de doações ou benefícios testamentários do homem casado à concubina ou mesmo à inclusão desta como beneficiária de contrato de seguro de vida (CC/1916, 248, IV e 1474). Conforme bem obtempera SILVIO RODRIGUES (op. cit. p. 256), há apenas 1 referência à mancebia no referido código sem completa hostilidade à situação de fato estabelecida: o revogado art. 363, I, o qual permitia ao investigante da paternidade a vitória na demanda se provasse que, ao tempo de sua concepção, sua mãe estava concubinada com o pretendido pai. Vê-se, assim, que a legislação à época entendia que o concubinato pressupunha fidelidade da mulher ao companheiro, ocasionando presunção júris tantum de que o filho havido por ela houvera engendrado desta relação liberal.
A primeva regulamentação da união estável adveio da Lei nº 8.971/94, a qual definiu como “companheiros” o homem e a mulher que mantinha uma convivência comprovada por mais de cinco anos, na qualidade de solteiros, separados judicialmente, divorciados, viúvos ou com prole. Em 10 de maio de 1996, consagrou-se a Lei nº 9.278/96, alterando este conceito com a omissão dos requisitos de natureza pessoal, tempo mínimo de convivência e existência de prole, utilizando-se a expressão “conviventes” em substituição à “companheiros”. Veja-se: “Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade (Lei nº 8.971/94). Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família (Lei nº 9.278/96)”.
Como bem obtempera EUCLIDES DE OLIVEIRA (op. Cit. p. 138-139), o que a legislação não admite, em vista dos contornos exigidos legalmente para a configuração da união estável, é a ligação adulterina ou mesmo incestuosa de forma simultânea ao casamento, sem ao menos existir separação de fato. Nestes casos, dá-se primazia à constituição da família no âmbito matrimonial, pois que a(s) outra(s) seria(m) de caráter marginalizatória. E mais, “(…) em tais casos geralmente a vivência extramatrimonial é mantida com reservas, sob certo sigilo ou clandestinidade. Falta-lhe, pois, o indispensável reconhecimento social (…)”.
A Lei de 1996 normatizou, inclusive, a meação sobre os bens adquiridos a título oneroso na vigência da relação da união, regulamentando o art. 226, § 3º da Constituição Federal. Estabeleceu-se a presunção de colaboração entre os companheiros, em referência à integração do esforço comum na aquisição do bem em conjunto, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Note-se: “Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. § 1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união. § 2° A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito”. A evolução foi-se aos poucos se estabelecendo, de início na legislação previdenciária, reconhecendo-se alguns direitos da concubina consagrados na jurisprudência vigente. Basilar desta constatação é o direito à meação dos bens adquiridos pelo esforço comum. A consagração jurisprudencial fincou-se, sobremodo, na edição da Súmula nº 380 do STF, nos seguintes termos: “comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. A expressão “esforço comum” ensejou à época, dúvidas quanto à sua abrangência, situação que ocasionou a decisão acertada do e. Superior Tribunal de Justiça (STJ)[4], para o qual: “DIREITO CIVIL. SOCIEDADE DE FATO. RECONHECIMENTO DE PARTICIPAÇÃO INDIRETA DA EX-COMPANHEIRA NA FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO ADQUIRIDO DURANTE A VIDA EM COMUM. PARTILHA PROPORCIONAL. CABIMENTO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS. RESSALVA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I – Constatada a contribuição indireta da ex-companheira na constituição do patrimônio amealhado durante o período de convivência "more uxorio", contribuição consistente na realização das tarefas necessárias ao regular gerenciamento da casa, aí incluída a prestação de serviços domésticos, admissível o reconhecimento da existência de sociedade de fato e consequente direito à partilha proporcional. II – Verificando-se que haja diminuição de despesas (economia) proporcionada pela execução das atividades de cunho doméstico pela ex-companheira, há que se reconhecer patenteado o "esforço comum" a que alude o enunciado nº 380 da Súmula/STF. III – Salvo casos especiais, a exemplo de inexistência de patrimônio a partilhar, a concessão de uma indenização por serviços domésticos prestados, prática de longa data consagrada pela jurisprudência, não se afeiçoa à nova realidade constitucional, que reconhece "a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar" (art. 226, § 3º, da Constituição). (…) V – Na fixação do percentual, que necessariamente não implica meação no seu sentido estrito (50%), recomendável que o seu arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao tempo de duração da sociedade, a idade das partes e a contribuição indireta prestada pela concubina, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso” (grifos nossos).
As restrições do código passaram, então, a serem aplicadas ao concubinato adulterino, pois que somente neste havia um real impedimento de fruição da meação patrimonial ou mesmo de responsabilidade conjunta. Estabeleceu-se, ademais, duas espécies de concubinato: a) puro ou companheirismo, entendido como a duradoura convivência de um casal como marido e mulher, sem impedimentos advindos de outra união; b) impuro, referindo-se ao adulterino, envolvendo pessoas que possuem um impedimento conjugal.
A relação da união estável resta moldada juridicamente na atual Magna Carta: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (grifos nossos).
De igual forma no Código Civil, equiparando-se, por vezes, ao instituto do matrimônio. Perceba-se: “Art. 1.562. Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz com a possível brevidade. Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos. Art 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro. Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável. Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos” (grifos nossos).
Especificamente, o Novo Código Civil regulamentou a união estável do Título III do caderno legislativo. In verbis: “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. § 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
Especificamente neste último artigo do Código Civil é que se conceitua a relação de concubinato como é hoje entendida, vez que se visualiza um impedimento legal, oriundo de um obstáculo anteriormente consagrado o qual impede o casal de contrair núpcias. Malgrado a expressão “impedidos de casar” esteja inserida no referido artigo, é de se ater que não são todos os casos de impedimentos proibitivos de casamento que configuram concubinato, haja vista que o próprio artigo 1.723, §1º atribui como relação de união estável a convivência duradoura entre pessoas separadas de fato e que mantêm vínculo de casamento, não se encontrando separadas legalmente.
Revogadas as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96, em face da inclusão da matéria no diploma civilista, percebe-se que o novo regramento delineou de forma mais ampla e aceitável o novel instituto humano, consagrando o que já resta moldado na esfera social hodierna. No título supramencionado, tratou-se de aspectos pessoais e patrimoniais desta relação estável. No art. 1.790 e seguintes, tem-se a regulamentação do direito sucessório para esta esfera institucional. O que define a união estável, modernamente, são aspectos subjetivos elencados no referido artigo – convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, permitindo-se, inclusive, estabelece-se uma união estável entre pessoas que mantêm seu estado civil de casada, desde que separadas de fato.
Reitera o novo diploma os deveres de “lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”, visto que se trata de obrigação recíproca dos companheiros. Tendo em vista a equiparação do instituto ao casamento, aplicam-se-lhe os mesmos princípios e normas atinentes à assistência entre os cônjuges. Referente aos direitos patrimoniais, hão que se aplicar as normas do regime de comunhão parcial de bens, no que couber, salvo estipulação em contrário.
Note-se que, em todo o momento de regulamentação da união estável, o diploma civilista intenta equipará-la ao instituto do matrimônio, dentre algumas ressalvas, com o fito de que aquela se converta neste, conforme expressa menção no art. 1.726. Busca a lei, assim, desburocratizar a alteração legal existente entre um casal, apoiando a consagração do casamento como forma de união afetiva. Seriam resquícios da ausência de laicidade das constituições anteriores, a qual detinha na religião católica a raiz para a configuração do matrimônio? Ou simplesmente um maior grau de zelo e juridicidade conferido a este instituto histórico, o que, em verdade, reverte-se à mesma proteção aqui debatida? Não se sabe o que, de fato, integra esta proteção, somente se constata a blindagem a ela conferida, mas que, aos poucos está sendo desconfigurada em sua essência.
A configuração da união estável não requer muito formalismo, ao revés, assenta-se em requisitos preliminarmente delineados pela legislação civilista, de fácil constatação, prescindindo do processo de habilitação por qual transpassa o casamento, sendo suficiente a consagração da vida em comum. Para a quebra da preferência acima apontada, recomenda-se a instituição da união por meio de um contrato de convivência, regulamentando os demais aspectos oriundos desta relação. Some-se a isto, o fato peculiar da constatação exata da existência da união estável, quando ausente qualquer instrumento probatório, havendo que se analisar aspectos subjetivos e temporais do convívio para, só então, delinear os regramentos aplicáveis ao caso.
CARLOS ROBERTO GONÇALVES (op. cit. p. 548-549) bem delineia os aspectos inerentes à união estável, dividindo-os em subjetivos e objetivos. Estes seriam: a) diversidade de sexos, já que há uma equiparação deste instituto ao do casamento, não se legaliza a relação homoafetiva, caracterizando-se como ato inexistente a união entre pessoas do mesmo sexo (contrato de sociedade); b) notoriedade, no sentido de que a relação estabelecida seja pública, difundida no meio social; c) estabilidade ou duração prolongada, tratando-se de um relacionamento duradouro sem, contudo, exige-se um tempo mínimo para sua configuração. A essência da estabilidade é que é indispensável; d) continuidade, verificada ante a ausência de interrupções, é a estabilidade afetiva, ensejadora da segurança jurídica do relacionamento; e) inexistência de impedimentos matrimoniais, especificados no art. 1.521, com a ressalva do inciso VI, o qual proíbe o casamento de pessoas casadas em caso de separação judicial ou de fato, haja vista que é possível, nestes casos, o estabelecimento da união estável e f) relação monogâmica, devendo haver a constituição de vínculo único entre os companheiros. Ressalte-se que se admite a instituição de uniões estáveis sucessivas, vez que diversos os períodos de convivência, cada qual sendo considerado como tal. Ademais, também se admite a união estável putativa, quando da ignorância de um dos companheiros da situação de impedimento do outro. Os subjetivos abarcariam: a) a convivência more uxório, considerada como sendo a comunhão de vidas, em sentido material e imaterial, envolvendo mútua assistência e b) o affectio maritalis, consistente no animus de constituição de uma família, é o elemento primordial na convivência a dois, fim precípuo. A exigência deste último elemento se configura de extrema importância, pois que, “se assim não o fosse, o mero namoro ou noivado, em que há somente o objetivo de formação familiar, seria equiparado à união estável”.
A barreira legislativa imposta contra a legalidade da união homoafetiva há tempos é discutida no mundo jurídico, haja vista que o direito rege relações humanas, as quais são passíveis de alterações sociais das mais diversas possíveis. Não se deve negar a relevância que este tema e, por conseguinte, esse tipo de relação acarreta a esfera jurídico-patrimonial dos companheiros homossexuais, pois que, de fato, estabelece-se um convívio que necessita ser regulamentado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Neste viés, foi apresentado o Projeto de Lei nº 1.151/95 pela então deputada MARTA SUPLICY no intuito de disciplinar parte desta relação, considerando-as como uma verdadeira união estável. Intenta possibilitar aos conviventes o direito a herança, previdência, declaração comum de imposto de renda e nacionalidade, enfim, todos os direitos que, de alguma forma, já restam amoldados e garantidos a eles, só que de aplicabilidade análoga a um contrato social. Acaso tais prerrogativas fossem aprovadas, estar-se-ia tão-somente legalizando uma prática que já vem sendo reiterada em todo território brasileiro, pois que o direito não pode ficar inerte aos acontecimentos fático-sociais, especialmente numa época de vanguardismos forenses[5].
3.1.3 Deveres e direitos dos companheiros
Os deveres esculpidos no art. 1.724 do Código Civil supramencionado são os “de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”, referindo-se tanto aos deveres e direitos recíprocos quanto em relação à terceiro – filhos do casal. Ressalte-se que, embora não esteja expresso no aludido artigo, o dever sufragado de fidelidade resta implícito na norma em apreço, vez que a ela se refere quando estipula o dever de lealdade. Vê-se que, nestes princípios moralistas e de convivência entre companheiros, em tudo se assemelha com as obrigações impostas entre os cônjuges numa relação marital. Saliente-se que, de igual forma ao matrimônio, o dever de coabitação não é essencial à vida em comum, visto que é a análise da relação em concreto que determinará a caracterização do companheirismo.
Há toda uma proteção jurídica ofertada à relação instituída na união estável, abarcando o complexo de direitos no âmbito pessoal e patrimonial, com especial atenção a três aspectos: alimentos, meação e herança.
O direito a alimentos resta assegurado no Subtítulo III do Capítulo VI do Código Civil, nos seguintes termos: “Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia”.
A obrigação legal de prestar alimentos reveste-se de uma forma especial no universo jurídico. Seu adimplemento relaciona-se diretamente com a sobrevivência do alimentando, passível, pois, de mecanismos coercitivos para seu implemento, dentre os quais a única possibilidade de prisão civil admitida no ordenamento pátrio (art.5º, LXVII/CF). Também é por ele que se garantem o privilégio creditório (art.100, caput e §1º/CF), garantias especiais de execução (art.475-Q/CPC) e o privilégio de foro do domicílio ou da residência do alimentando em ações de alimentos (art.100, III/CPC). O direito a recebimento de alimentos, após a dissolução da união estável, advém da necessidade do querelante e da possibilidade de cessão do antigo parceiro, cessando em casos do credor adquirir nova união ou casamento ou se este tiver procedimento indigno em relação ao devedor (art.1.708, parágrafo único/CC).
Houve uma verdadeira equiparação dos direitos dos parentes e dos cônjuges ao dos companheiros, relacionando-os numa verdadeira similitude fático-assistencial. Em decorrência, aplicam-se-lhe iguais regras devidos na separação judicial, tendo direito à utilização do rito especial da Lei de Alimentos, inclusive (Lei nº 5.478/68). Em casos de culpa na separação e, simultaneamente, indignidade perante o parceiro, o companheiro causador da discórdia não terá direito a qualquer assistência daquele, mesmo que em situações de necessidades essenciais. Assim como nas demais relações regulamentadas pelo Código Civil, na união estável também há possibilidade de pagamento em desconto em folha ou mesmo a possibilidade de fixação de alimentos provisionais, ante a demonstração de uma prova pré-constituída.
A relação instituída entre companheiros enseja diversos direitos patrimoniais decorrentes da interação econômica, estabelecida, primordialmente, pelo regime de bens adotado. O direito à meação, esculpido no art. 1.725 da carta civilista adota o regime da comunhão parcial de bens como o legalmente estipulado, na ausência de outra estipulação. Em suma: os bens adquiridos a título oneroso na constância da união são pertencentes a ambos os companheiros, havendo de ser partilhados em observância aos regramentos regentes do regime parcial. A administração dos aludidos bens também é alvo de observância análoga, pois que cada parceiro administrará livremente seus bens particulares, enquanto a administração do patrimônio em comum restará cabível a qualquer dos conviventes.
De igual forma ao estabelecido no casamento, na união estável busca-se a integralidade dos bens adquiridos, os quais formam o patrimônio comum do casal, havendo necessidade de autorização em casos de alienação, vez que tal ato poderá repercutir negativamente na esfera patrimonial conjunta. Como a instituição de uma união decorre, por vezes, de uma situação fática, não sendo objeto de registro, inexiste um ato que dê a devida publicidade a esta convivência e que faça a necessidade de anuência do companheiro para fins de alienação de um dado imóvel, quando atua um terceiro de boa-fé. Deve ser invocada a teoria da aparência nestes casos, sendo cabível ao pleiteante prejudicado justa indenização.
Outra ilação se perfaz quanto à necessidade ou não da imposição do regime de separação de bens para os companheiros em dadas situações pessoais, analogicamente ao casamento (art. 1.641/CC). Perspicaz anotação consagra CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (1976. v. 6. p. 547), para o qual a aceitação dessa possibilidade de não obrigatoriedade, isto é, de previsibilidade de opção do regime de comunhão parcial mediante prévio contrato, significaria estar-se: “[…] mais uma vez, prestigiando a união estável em detrimento do casamento, o que não parece ser o objetivo do legislador constitucional, ao incentivar a conversão da união estável em casamento. No nosso entender, deve-se aplicar aos companheiros maiores de 60 anos as mesmas limitações previstas para o casamento para os maiores desta idade: deve prevalecer o regime de separação legal de bens. A omissão do legislador na hipótese dos companheiros idosos criou flagrante conflito de interpretação”.
Em verdade, não achamos que se trata de conflito de interpretação, visto que, a todo o momento, aplicamos a analogia requestada pelos ditames da Lei de Introdução ao Código Civil (art.4º) para maior aplicabilidade normativa às relações de união estável, situação que, de per si, implicaria admitir a obrigatoriedade de adoção do regime de separação de bens em casos previstos para a consumação do matrimônio às uniões estáveis e, principalmente, diante do comando emergente do art.226, §3º da Magna Carta.
Poder-se-ia discutir se esta restrição de idade atrelada à obrigatoriedade de regime de separação de bens é compatível com as cláusulas constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana, intimidade e igualdade jurídica, assim como também a garantia do justo processo legal, tendo como parâmetro a acepção substantiva (arts. 1º, III e 5º, I, X e LIV/CF). De todo o modo, vê-se que se busca um fim maior, albergado nas instáveis relações humanas e no protecionismo legal.
3.1.4 Direito sucessório na união estável
Resta moldado o direito sucessório na união estável no Novo Código Civil, o qual estabeleceu regras especiais para regência desta situação no campo de relacionamento entre companheiros. Segue abaixo: “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Inexistindo convenção dos companheiros quanto ao regime de bens a ser adotado, segue-se a regra de estabelecer o regime de comunhão parcial de bens, havendo que se adotar os parâmetros expostos no artigo supracitado. O patrimônio hereditário do companheiro – autor da herança – será inventariado após exclusão da parte devida ao companheiro supérstite, a título de meação. Com isto, a parte meeira somente é devida ao membro sobrevivente da relação estável, nela não se incluindo qualquer dos outros herdeiros do de cujus.
Saliente-se que, embora não conste no rol de herdeiros legítimos, instado no art. 1.829 do Código Civil, a qualidade sucessória do companheiro em união estável é de verdadeiro sucessor legítimo, ao lado do cônjuge. Pode-se, de igual forma, ser sucessor testamentário. Acaso seja necessário, com o fito de garantia de seus direitos – meação (art.1.725/CC) e herança (art.1.790/CC) – podem ser formalizados perante o juízo do inventário, com base no art. 1.1001 do Código de Processo Civil, pedido de reserva de bens, desde que apresentada prova convincente da existência de união estável. Trata-se de um ato cautelar, vez que, na maioria dos casos, os companheiros não dispõem de prova documental da existência de sua situação conjunta.
Após dessecada a meação do sobrevivente, adentra-se na divisão prevista no art. 1.790 do Código Civil, incluindo-se os filhos, comuns ou não, e os demais parentes sucessíveis na ordem hereditária. Neste ponto reside a disparidade e preferência adota pela carta civilista ao instituto do matrimônio, visto que, na divisão de bens a partilhar, a sucessão legítima do companheiro se dá de forma mais desvantajosa do que a reservada ao cônjuge sobrevivente. Na ordem acima prevista, o companheiro beneficiário não prefere a nenhum parente sucessível, nem mesmo aos colaterais, o que ocasionam diversas situações:
I. Ocorrência: companheiro supérstite que possui filhos em comum com o autor da herança. Solução: tem direito de suceder o de cujus, recebendo uma quota equivalente a que foi atribuída ao filho em relação aos bens que foram adquiridos onerosamente pelo falecido;
II. Ocorrência: companheiro sobrevivente sem filhos em comum com o autor da herança. Solução: possui direito de suceder o defunto, recebendo uma quota equivalente à metade da que foi atribuída ao filho quanto aos bens que o falecido adquiriu onerosamente;
III. Ocorrência: de cujus sem descendentes, mas possui ascendentes ou colaterais. Solução: o companheiro sobrevivente possui direito a receber 1/3 (um terço) do que foi adquirido onerosamente pelo autor da herança;
IV. Ocorrência: o falecido não possuía qualquer parente sucessível, apenas teve uma união estável. Solução: o supérstite companheiro terá direito à totalidade da herança.
As situações acima vergastadas referem-se, essencialmente, à disposição dos bens adquiridos onerosamente pelo autor da herança, considerando o especial rol estabelecido para fins de partilha na união estável. Quanto aos bens adquiridos a título gratuito pelo de cujus e, no caso de haver simultaneidade de ausência de parentes sucessíveis para a nova aquisição, a solução não resta moldada expressamente na legislação. Indaga-se se, em face do disposto no artigo supratranscrito, o legislador teve o intuito de afastar o companheiro da divisão dos bens gratuitos. NELSON NERY JÚNIOR consagra seu posicionamento no sentido de considerar não cabível esta exclusão, nos seguintes termos: “Parece-nos que não, por três motivos: a) o CC 1844 manda que a herança seja devolvida ao ente público, apenas na hipótese de o de cujus não ter deixado cônjuge, companheiro ou parente sucessível; b) quando o companheiro não concorre com parente sucessível, a lei se apressa em mencionar que o companheiro terá direito à totalidade da herança (CC 1790 IV), fugindo do comando do caput, ainda que sem muita técnica legislativa; c) a abertura de herança jacente dá-se quando não há herdeiro legítimo (CC 1819) e, apesar de não constar do rol do CC 1829, a qualidade sucessória do companheiro é de sucessor legítimo e não de testamentário”.
De fato, como aceitar que o direito sucessório do companheiro em uma união estável restringe-se aos bens adquiridos onerosamente pelo de cujus? Haveria uma dissonância legislativa no tratamento de per si dado ao instituto, sem qualquer congruência legal, obstruindo-se o regramento-mor previsto na Carta Constitucional (art.226, §3º).
Veja-se o previsto quanto à sucessão legítima: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais”.
O companheiro não é herdeiro necessário e nem tem direito, exegeticamente, à legítima, o que ocasionaria uma interpretação de que poderia livremente ser excluído pelo testador na sucessão testamentária, podendo-se aplicar a regra do art. 1.850 aos companheiros, diante da faculdade de o testador dispor livremente de seu patrimônio. Note-se: “Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima. Art. 1.850. Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar”.
De igual posicionamento adotamos ao da jurisprudência do Rio Grande do Sul, com a qual reconhece a necessidade de se normalizar a relação existente entre homossexuais, situação já ocorrente hodiernamente, vez que há aplicação analógica com o contrato social, mas órfã de legislação específica permissiva. Não pode o Judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a todo tipo de relação existente e notória, como o é na união entre homossexuais. Colaciono o referido precedente: “União estável homoafetiva. Direito sucessório. Analogia. Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo, impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a Justiça colmate a lacuna legal fazendo uso da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada. Embargos infringentes acolhidos, por maioria”. (TJRS, 4ª G. C.Cív., EI 70003967676, Redatora para acórdão Desª. Maria Berenice Dias, j. 09.05.2003)[6].
Resta latente que a bandeira que se quer levantar é o da igualdade de todos perante a lei e, primordialmente, o da dignidade da pessoa humana, pautados no moderno conceito adotado, inclusive, pelo Novo Código Civil à entidade familiar. Não se pode desprezar a necessidade de amparo legal aos que realmente precisam em razão de preconceitos político-religiosos. Estamos tratando de um Estado laico, por que, então, haveria de se ignorar a existência de uma relação notória na esfera social? A sociedade resta moldurada de uma gama de relações, sendo a união homoafetiva um ponto de destaque que merece respeito e, por isso, solução. Retroceder-se-ia se assim não fosse.
Em vistas à equiparação efetiva da união estável ao matrimônio, no que tange ao direito sucessório, projeto-se a Lei nº 6.960/2002, requestando a modificação do aludido art. 1.790, nos seguintes termos: “Art. 1.790. O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte: I – em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros se tivesse ocorrido, observada a situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (art. 1.641); II – em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes; III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidade da herança. Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.
CAIO ROBERTO GONÇALVES, citando o ilustre doutrinador ZENO VELOSO (op. cit. p. 571), assim transcreve: “Na sociedade contemporânea, já estão muito esgarçadas, quando não extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de 4º grau (primos, tios-avós, sobrinhos-netos). Em muitos casos, sobretudo nas grandes cidades, tais parentes mal se conhecem, raramente se encontram. E o novo Código Civil brasileiro (..) resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só vai herdar, sozinho, se não existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais até o 4º grau do de cujus. Temos de convir: isto é demais! Para tornar a situação mais grave e intolerável, conforme a severa restrição do caput do artigo 1.790 (…), o que o companheiro sobrevivente vai herdar sozinho não é todo o patrimônio deixado pelo de cujus, mas, apenas, o que foi adquirido na constância da união estável”.
Hão de ser consideradas, portanto, a possibilidade sucessória igualitária do companheiro sobrevivente numa relação de união estável, vez que possui direitos patrimoniais perfeitamente delineados no pacto previamente subscrito ou na vasta legislação esculpida no Código Civil, comparada com a igualdade prevista na Magna Carta, em caso de ausência daquele.
3.2 Necessidade de anuência na união estável para fins de renúncia da herança
Corroborando esse entendimento, e tendo em conta a equiparação adotada pela Constituição Federal e o Código Civil entre a união estável e o casamento, especificamente quanto aos direitos sucessórios daquela advindos, frisa-se a discussão acerca da extensão da aplicabilidade da outorga uxória referida ao casamento na união de companheiros.
Saliente-se que esta equiparação não tende à similitude institucional, pois que não é a intenção do legislador, mas tão-somente em relação à proteção estatal dos direitos advindos da união estável, tendo, ainda, o casamento, prevalência e privilégio perante as normas civis.
A Lei 8.971/94 introduziu no direito positivo brasileiro normas de regência no que tange aos direitos patrimoniais dos concubinos derivados da sucessão mortis causa. Observe-se, novamente, o que prevê a referida Lei: “Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança” (grifo nossos).
Anote-se que, além do direito de usufruir de parte do patrimônio do de cujus, a referida legislação, na parte em destaque, modificou o art. 1.603 do Código Civil de 1.916 vigente à época, incluindo o companheiro supérstite no rol de herdeiros legítimos, bastando, para tanto, que o de cujus não houvesse deixado herdeiros descendentes ou ascendentes ou, nesta hipótese, não houvesse testado o patrimônio de forma a afastar da sua sucessão o convivente.
Some-se a isto a redação do art. 1.790 do Código Civil analisada no tópico anterior, a qual também prevê a possibilidade de, em não havendo parentes sucessíveis, o companheiro ter direito à totalidade da herança, deixando patente a situação de herdeiro legítimo do companheiro sobrevivente.
Regulamentando o §3º ° do art. 226 da Constituição Federal, adveio a Lei nº 9.278/96. Há previsão de, por exemplo, direito real de habitação do cônjuge supérstite em caso de morte do companheiro. Veja-se: “Art. 7° (…) Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”.
Ressalve-se que a Lei nº 9.278/96 não ab rogou a Lei nº 8.971/94, a qual continuou vigente naquilo em que não foi modificada pela legislação posterior, possuindo um nítido papel de complementador das regras protetivas de sucessão entre companheiros, garantidor da coerência da constatação de formação de uma entidade familiar a qual deva ser regulamentada de forma plausível e analógica à estabelecida em um matrimônio.
Atente-se que a efervescência desta matéria reside na ampliação dos direitos familiares e patrimoniais abarcados pelo atual Código civilista, legitimando as relações estáveis e regulamentando as consequências inerentes a este tipo de relação. De fato, a Lei 9.278/96 refere-se à presunção de existência de sociedade e, assim, garantem-se direitos inerentes a esta.
Não há que se negar, com isto, a forte incidência de direitos patrimoniais e, por via de consequência, de direitos sucessórios às uniões estáveis. De igual forma, insta a preocupação de se verificar a extensão dos efeitos ocasionados pela eventual recusa de um dos companheiros à herança ou legado que esteja à sua disposição, vez que tal ato poderá repercutir de forma drástica na esfera patrimonial do companheiro sobrevivente.
Diante disto, não seria o companheiro afetado pela não-aceitação do quinhão hereditário de seu parceiro? Hipoteticamente, no referido art. 7º da Lei 9.278/96, vê-se que, sendo o imóvel objeto de herança hereditária de um dos companheiros, não tendo à época o herdeiro o aceitado como tal, certamente não teria um imóvel familiar e, assim, não afetaria futuro interesse do companheiro supérstite, caso pudesse ser o único imóvel do casal? Ora, dadas ocorrências abdicativas na esfera patrimonial de um dos companheiros tende a afetar pretensão de seu convivente em determinados casos, sendo coerente que a dispensa de um dado bem deve ser precedida de anuência da parte que lhe é companheira, em estrita consonância com os ditames anteriormente frisados na relação conjugal instituía pelo matrimônio. Não há que se ter discrepância de tratamento quanto a este ponto. A singularidade, aqui, deve-se restringir a forma delineadora de instituição da relação, não à suas consequências.
Doutrina e jurisprudências são uníssonas em aceitar que esse tipo de relacionamento deve se abarcado pelo direito sucessório e, mesmo no caso da companheira não ter efetivamente colaborado com a formação patrimonial do casal, teria direito à sua meação. Via análoga, teria ela direito, também, à parte acrescida com a herança de seu companheiro, caso venha este a falecer, considerando-se, ainda, que poderá ser a única herdeira do acervo deixado pelo de cujus[7].
Segundo CARLOS MAXIMILIANO, “a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante”. (1998, p. 208). Por que, então, haveria de se ter situações distintas em casos de renúncia translativa de herança em regimes de comunicação de bens? Inimaginável.
Assim, considerando-se as mesmas ressalvas feitas à necessidade de outorga uxória no enlace matrimonial, observar-se que a união estável também abarcaria aquelas, haja vista a possibilidade de instituição de vários regimes, o que influenciaria no direito sucessório do companheiro supérstite.
Eis a razão de ser da herança.
Diante da análise elaborada no presente trabalho, observou-se como o regime de bens havido entre os cônjuges exerce papel de valiosa importância para validação do ato de renúncia à herança praticado por um deles, especificamente quanto à renúncia na modalidade translativa.
Isto porque, como visto, na referida modalidade de rejeição opera-se uma verdadeira alienação, de modo que, na hipótese do renunciante ser casado sob o regime de comunhão de bens, o outro cônjuge não herdeiro haverá de se manifestar sobre a transmissão, sob pena de estar-lhe sendo sonegado bem que lhe é intrinsecamente de direito pois que, no momento do evento morte do de cujus, foi incorporado ao seu patrimônio, por via reflexa (advindo do patrimônio de seu cônjuge), por força do princípio da saisine.
Notou-se, ainda, cotejando os dispositivos legislativos e entendimentos jurisprudenciais, como o regime de bens entre os cônjuges se trata de ponto crucial para verificação dos efeitos jurídicos posteriores à manifestação da renúncia pelo cônjuge herdeiro, tornando-a, portanto, imprescindível à para a análise de validade do ato.
No tocante à extensão da supracitada outorga uxória aos casos de união estável, há de se considerar os dispositivos mencionados no presente trabalho, notadamente a orientação constitucional de ampliação de direitos dos companheiros, especialmente na seara familiar e patrimonial, o que evidencia, numa análise conjuntural, que também nesse caso deverá haver tal autorização.
Com tudo isto, buscou-se apresentar os aspectos doutrinários diversos acerca do tema em debate, a fim de demonstrar, embora ainda existam opiniões resistentes, a evidente necessidade de outorga uxória na situação de renúncia do cônjuge herdeiro, inclusive na hipótese de união estável, posicionamento inigualável de corroboração igualitária.
Referências
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FERRI, op. Cit., p.98; Sebastião José Roque, Direito das Sucessões, cit., p.31-3.
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VENOSA, Silvio de Salvo. DIREITO CIVIL: DIREITO DAS SUCESSÕES. Atlas: São Paulo, 2009.
Notas:
[1] Neste sentido: STJ-RT 782/202, 773:194 e 727/131.
[2] TJSP, Ap.7.512-4 –São José do Rio Preto, 2ª Câm., rel.Des.Cezar Peluso, j. 18-8-1998.
[3] Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. São Paulo, Nova fronteira, 1986.
[4] REsp 183.718-SP, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 1º-10-1998. Em igual sentido: Resp 60.073-DF, 4ª T., rel. Min. Asfor Rocha, DJU, 15-5-2000.
[5] TJRS, Ap. 70.009.550.070, 7ª Câm. Cív., relª Desª Maria Berenice Dias, j. 17-11-2004.
[6] No mesmo sentido: TJRS – AC 70001388982, 7ª C. Cív.. Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 01/03/2000.
[7] REsp 418365 (2002/0025728-2 – 28/04/2003).
Graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Acadêmica de História pela Universidade de Pernambuco (UPE). Assessora de gabinete da 17ª Vara Federal/SJPE
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