Resumo: O objetivo do presente trabalho é analisar a aplicação de princípios e regras constitucionais e ambientais por meio de um caso concreto.
Palavras-chave: Constituição Federal – Meio Ambiente – Princípios – Regras
Abstract: The objective of this study is to examine the application of constitutional and environmental principles and rules through a case.
Keywords: Brazilian Constitution – Environment – Principles – Rules
Sumário: Introdução: breve síntese do caso que se comentará – 1. Do entendimento acerca dos princípios e regras e de sua aplicação no julgado em comento – Conclusão – Referências
Introdução: breve síntese do caso que se comentará
Para o cumprimento do objetivo aqui almejado, o acórdão escolhido foi proveniente de julgamento da apelação cível nº 0001121-87.2011.8.26.0516[1], realizado em 18 de julho de 2013, pela 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a relatoria do desembargador Moreira Viegas.
No juízo de primeiro grau, tratava-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, com objetivo de que fosse mantida e reflorestada, pelos réus, área de reserva legal, não obstante a edição do novo Código Florestal, visto que o descumprimento de tais determinações já demonstraria lesão ao meio ambiente.
Saliente-se que o instituto da reserva legal, em comparação com a determinação contida no antigo Código Florestal, é atualmente mais abrandado sob a égide da lei nº 12.651 de 25 de maio de 2012, segundo interpretação ratificada pelo próprio relator do acórdão em comento, que assevera:
“Certo que a instituição da reserva legal é obrigação que se mantém não obstante a edição do Novo Código Florestal. Ainda que menos rigorosa, a legislação atual não modifica a interpretação pretoriana a respeito do tema, embasada no pilar central do ordenamento específico, isto é, o artigo 225 da Constituição Federal”. (destacou-se, pág. 03, do acórdão em questão).[2]
Em sentença, o pleito do Parquet não foi acolhido, de sorte que contra esta se insurgiu, por meio de apelação cível, ao juízo superior, que lhe concedeu parcial provimento.
Assim, em seu voto, o relator ratifica o quanto proposto pelo autor no que tange ao fato de a reserva legal continuar vigente no novo Código Florestal, por estar embasada no artigo 225 da Constituição Federal – CF.
Além disso, destaca que para o cumprimento da função social da propriedade, como disposto no artigo 186, CF, também se encontra a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.
Não somente isso, mas também acrescenta que há ressalva inserida no artigo 170, CF, acerca de a ordem econômica exigir a observância ao princípio de defesa do meio ambiente. Destacando, ademais, o seguinte acerca do novo Código Florestal e dos princípios e regras e do direito à propriedade versus exigências ambientais:
“a Lei 12.651/12 [novo Código Floresta] (…) não admite a consolidação do uso das propriedades sem o respeito da reserva legal, pois todos os imóveis rurais, independentemente da destinação outroda dada às terras estão sujeitos à obrigação de instituir e manter dita reserva. Neste ponto, todos os proprietários que não tiverem área correspondente aos percentuais mencionados no Art. 12 com vegetação estão obrigados a realizar à sua recomposição.
Com estas considerações, é possível perceber a inexistência de conflito de regras ou mesmo de colisão de princípios.
O direito de propriedade não sucumbe diante das exigências ambientais, porém sofre restrições em decorrência da necessidade de preservação e recuperação da natureza como forma de garantir também a existência de futuras gerações.
É este o sentido do art. 225 da Constituição Federal ao garantir a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações”. (página 04 do acórdão anexo).
Observe-se, a seguir colacionada, a ementa do julgado aqui comentado:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MEIO AMBIENTE – INSTITUIÇÃO DE RESERVA LEGAL – OBRIGAÇÃO QUE SE MANTÉM NÃO OBSTANTE A EDIÇÃO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL – DANO AMBIENTAL APURADO – RESPONSABILIDADE PROPTER REM – IRRELEVÂNCIA DA CONDUTA DEGRADADORA DA PARTE – PRECEDENTES – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO”.
Nesse cenário, o relator ratificou o pleito do Parquet, lançando mão dos princípios do desenvolvimento sustentável, da defesa do meio ambiente na ordem econômica, da função social da propriedade, bem como utilizando-se da aplicação da legislação pertinente, harmonizando, portanto, príncípios e regras do ordenamento jurídico, de modo que os presentes comentários seguirão com base nos escritos de Nelson Nery Junior e Humberto Bergmann Ávila[3], acerca desse assunto, consoante se verifica a seguir.
1. Do entendimento acerca dos princípios e regras e de sua aplicação no julgado em comento
É cediço que as doutrinas mais citadas relativamente aos princípios e regras são as de Ronald Dworkin e Robert Alexy. A esse respeito, Nelson Nery Junior os distingue do seguinte modo:
“Em Alexy, “(…) os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Assim, os princípios são mandamentos de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e de que seu cumprimento não somente depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas (…).
[Em Dworkin] (…) os princípios conferem coerência e justificação ao sistema jurídico e permitem ao juiz, diante de hard cases, realizar a interpretação de maneira mais conforme à Consituição (…). Para tanto, o juiz (…) deve construir um esquema de princípios abstratos e concretos que possa dar coerência e consitência aos precedentes do common law (direito consuetudinário) e, nos termos em que esses precedentes se justificam por meio de princípios, o juiz tem de construir também um esquema que justifique tudo isso do ponto de vista consitucional e legal”.[4]
Guardadas as devidas proporções de cada ordenamento jurídico, Humberto Bergmann Ávila, ao contextualizar os posicionamentos de Dworkin e Alexy, destaca as teorias sobre princípios de Josef Esser, Karl Larenz e Claus-Wilhelm Canaris, para os quais tem se que:
“[em Esser] (…) princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado.(…)
[em Larenz] (…) princípios como normas de grande relavância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento. Para esse autor os princípios seriam pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível, mas que ainda não são regras suscetíveis de aplicação, na medida em que lhes falta o caráter formal de proposições jurídicas, isto é, a conexão entre uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica. Daí por que os princípios incidiriam somente a direção em que está situada a regra a ser encontrada, como que determinando um primeiro passo direcionador de outros passos para a obtenção da regra”.[5]
No que pertine ao autor Canaris, citado por Humberto Ávila, princípios possuem conteúdo axiológico, dando sentido às regras[6].
Nesse contexto, importa trazer aqui noções relativas às distinções acerca dos princípios e das regras para cada autor mencionado acima, de modo que se tem os posicionamentos em seguida trazidos, com base nas obras analisadas de Nelson Nery Junior e Humberto Bergmann Ávila.
Para Josef Esser, “a diferença entre princípios e as regras seria uma distinção qualitativa. O critério distintivo dos princípios em relação às regras seria, portanto, a função de fundamento normativo para a tomada de decisão”.[7]
No que se refere ao caráter distintivo entre princípios e regras para Karl Larenz, “(…) também seria a função de fundamento normativo para a tomada de decisão, sendo essa qualidade decorrente do modo hipotético de formulação da prescrição normativa”.[8]
Acerca do tema, Humberto Ávila afirma o seguinte a respeito da posição adotada por Claus-Wilhelm Canaris:
“(…) duas caracterísiticas afastariam os princípios das regras. Em primeiro lugar, o conteúdo axiológico: os princípios, ao contrário das regras, possuiriam um conteúdo axiológico explícito e carecereiam, por isso de regras para sua concretização. Em segundo lugar, há o modo de interação com outras normas: os princípios, ao contrário das regras, receberiam seu conteúdo de sentido somente por meio de um processo dialético de complementação e limitação”. [9]
Já para Ronald Dworkin, segundo explicita Nelson Nery Junior, tem-se que:
“(…) entre princípio jurídico e regra jurídica já uma distinção lógica. Ambos partem de pontos comuns para decisões particulares sobre determinada obrigação jurídica em circusntâncias particulares. No entanto, são diferentes no caráter da direção que cada um deles empreende. As regras são aplicáveis tendo em vista a ideia de tudo ou nada. Dentro dos fatos que a regra estipula, ou essa regra é válida e deve ser aceita, ou ao revés, a regra não é válida e, portanto, em nada contribui para a decisão”.[10]
O que, por seu turno, não ocorre com os princípios, de modo que Humberto Ávila, ao destacar isso, referindo-se à teoria de Dworkin, afirma:
“no caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (dimension of weight), demonstrável na hipótese de colisão entre princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade. Nessa direção, a distinção elaborada por Dworkin não consiste numa distinção de grau, mas numa diferenciação quanto à estrutura lógica, baseada em critérios classificatórios em vez de comparativos”.[11]
Com relação à distinção entre princípios e regras para Robert Alexy, Humberto Ávila assegura que:
“(…) a distinção entre princípios e regras (…) não pode ser baseada no modo ‘tudo ou nada’ de aplicação proposto por Dworkin, mas deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferença quanto à colisão, na medida em que os princípios colidentes apenas têm sua regularização normativa limitada reciprocamente, ao contrário das regras, cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção que inclua a antinomia; diferença quanro à obrigação que instituem, já que regras instituem obrigações absolutas, já que não superadas por normas contrapostas, enquanto os princípios instituem obrigações prima-facie, na medida em que podem ser superadas ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes”. [12]
Conclusão
Assim, e diante a tudo quanto exposto, conclui-se que o relator, ao julgar a apelação cível nº 0001121-87.2011.8.26.0516, o fez de maneira adequada, harmonizando a aplicação tanto dos princípios quanto das regras previstas no ordenamento jurídico pátrio.
Informações Sobre o Autor
Vanessa Santos Moreira
Mestranda em Direito (núcleo Direitos Difusos e Coletivos) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Advogada em São Paulo