Resumo: O presente artigo inspirou-se em palestra proferida pela primeira autora no Seminário de Direito Administrativo do Triângulo, promovido pelo Instituto Mineiro de Direito Administrativo. Trata-se de apanhado de reflexões oriundas de estudos e discussões realizadas no âmbito do GEPPA – Grupo de estudos e Pesquisa em Processo Administrativo, na Universidade Federal de Uberlândia. O objetivo externado no texto é trazer à colação questionamentos e conclusões acerca das inflexões do dever jurídico de eficiência na teoria e na prática do processo administrativo federal (Lei nº 9.784/99).
Palavras Chave: Princípios da Administração Pública. Eficiência. Processo Administrativo.
Sumário: 1.Introdução; 2.Eficiência administrativa 3.Processo administrativo: conceito, natureza jurídica e aspectos relevantes; 4 Processo administrativo federal: Lei nº 9.784/99 5.Inflexões do princípio da eficiência no processo administrativo 5.1 Juridicidade; 5.2 Respeito à cidadania e à dignidade humana; 5.3 Efetividade do processo; 5.4 Profissionalização da função pública; 5.5 Duração razoável do processo; 5.6 Pas de nullité sans grief; 5.7 Case-by-case approach; 5.8 Defesa técnica nos processos punitivos; 6 Referências bibliográficas
“Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.” (Constituição de 1946, art. 1°)
1. Introdução
É inegável a profundidade do conteúdo do princípio da eficiência no processo administrativo, como instrumento de garantia os direitos dos cidadãos, de um lado, e de proteção do interesse público, de outro. Assim, partindo de análise teórica que enfatiza o princípio da eficiência aplicado à teoria do processo administrativo, o presente trabalho tenciona contribuir na empreitada de apreender de que modo o manejo dos meios adequados possibilita à Administração alcançar a solução que seja ótima ao atendimento das finalidades públicas.
De forma mais sólida, pretende-se alargar paradigmas advindos do modelo de administração burocrática, a fim de reforçar e consolidar a incidência do princípio da eficiência, que abarca a flexibilidade, com o intuito de promover a satisfação do cidadão e o alcance dos fins almejados pela Administração Pública, quais sejam, o interesse da sociedade.
Compreender melhor o contexto em que se encontra a perspectiva da aplicação do princípio da eficiência no processo administrativo mostra-se importante pela necessidade da adaptação da Administração aos anseios da sociedade, e como conseqüência a reafirmação da legitimidade do Estado. Tornar eficiente a função administrativa é focar o cidadão, suas aspirações, manifestações e demandas específicas. Além do mais, é possibilitar o aprimoramento da organização estatal, através da imposição ao agente público do dever de proceder ao constante aperfeiçoamento pessoal e técnico.
Os princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição da República e na Lei 9.784/99 permitem concluir que a execução do Direito demanda, hodiernamente, a conjugação de regras e princípios, de modo a efetivar a construção da norma no caso concreto, levando em consideração seus contornos específicos.
Portanto, reputa-se essencial buscar a conciliação entre processo e eficiência, efetivando-se sistema jurídico-administrativo que, em última análise, concretize os fins colimados na Carta Magna.
2. Eficiência administrativa
Isto posto, duas funções podem ser atribuídas aos princípios: uma positiva, externada na orientação da produção de atos jurídicos, e outra negativa, revelada na atribuição de invalidade aos atos jurídicos praticados em desconformidade com o seu conteúdo.
Quanto à sua identificação no sistema jurídico, os princípios podem apresentar-se como expressos ou implícitos, estes últimos chamados também de reconhecidos. Os explícitos são aqueles que figuram textualmente no dispositivo normativo. No caso dos princípios do Direito Administrativo, a Constituição da República reportou de modo expresso à Administração Pública cinco princípios, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, por sua vez, incluiu os princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, enfim, princípios que não estão presentes no dispositivo constitucional. Os segundos, chamados princípios implícitos ou reconhecidos, não estão expressos nos dispositivos normativos, em que pese seu valor normativo equivaler ao dos princípios explícitos. A força normativa de ambos é, pois, equivalente.
O princípio da razoabilidade determina que a Administração Pública atue de maneira lógica e coerente no exercício da função administrativa, principalmente quando no exercício de competência discricionária, hipótese em que deverá o administrador obedecer a critérios racionais para dar legitimidade à sua conduta.
Os princípios não são meras normas programáticas ou de organização, mas normas de regulação direta da ação administrativa, que devem inspirar a legislação.[1]
A Constituição da República consagra no artigo 74, inciso II, o dever de autotutela dos Poderes constituídos, a fim de comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como, da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado.
Nesse diapasão, positivou-se o princípio da eficiência no caput do art. 37 da Constituição, no afã de plasmar maior robustez a esse mandamento nuclear imanente à atividade pública, ao exercício de função.
O princípio da eficiência, insculpido no caput do artigo 37 da Constituição da republica Emenda Constitucional nº 19/1998, implica a existência de servidores mais qualificados (aspecto subjetivo) e na prestação de um serviço público melhor (aspecto objetivo).
Assim, quando no manejo de competência discricionária, o princípio da eficiência exige que o administrador escolha a solução que seja ótima para a solução da situação concreta. Esta escolha, apesar de gozar de certa dose de flexibilidade, é fulcrada em critério acolhido pelo Regime Jurídico Administrativo considerando que, ao analisar todas as possíveis alternativas, ao administrador não é facultado eleger a pior delas.
Princípio[2] é mandamento nuclear de um sistema, alicerce, pedra de toque, disposição fundamental que esparge sua força por todos os escaninhos do ordenamento,[3] norma que impõe obrigatoriamente uma conduta e ao mesmo tempo, repele comportamentos praticados em desconformidade ao que preceitua seu conteúdo (funções positiva e negativa dos princípios).[4]
O princípio da eficiência, incorporado ao texto do art. 37 da Constituição da República, pela Emenda Constitucional nº19/1998, se mostra como importante baliza da atuação administrativa, na medida em que impõe ao agente público o dever de proceder ao constante aperfeiçoamento pessoal e do serviço, é dizer, das técnicas e equipamentos envolvidos no exercício da função pública.
Segundo Moraes[5], princípio da eficiência é a norma jurídica
“que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir maior rentabilidade social”.
No Direito público, em que predomina o exercício de função e não a autonomia da vontade, o agente deve adotar as medidas que conduzam à melhor solução na gestão dos interesses da coletividade, tendo em vista as circunstâncias concretas envolvidas. É nesse sentido que deve ser abordado o princípio em pauta. Na lição de Marcelo Harger, o princípio da eficiência “traduz o dever de alcançar a solução que seja ótima ao atendimento das finalidades públicas. Não basta que seja uma solução possível. Deve, isto sim, ser a melhor solução. Há um dever jurídico de boa administração para o atendimento da finalidade legal”.[6]
O princípio da eficiência, sinteticamente, impõe a busca pela Administração Pública do máximo aproveitamento possível dos meios de atuação disponíveis, superando formalidades burocráticas em atenção ao interesse público.[7] A eficiência, como princípio administrativo expresso, serve para reforçar a necessidade de melhor atuação da Administração, incrementando a mera reflexão estática sobre o adequado uso das suas prerrogativas.
Para Ferraz & Dallari, o princípio da eficiência, aplicado ao processo administrativo “exige que este, no mínimo, chegue ao seu final, com celeridade, com uma decisão conclusiva que afirme ou negue um direito, ou solucione uma controvérsia” [8].
Moreira entende que a “eficiência processual garante o desenvolvimento de um processo célere, simples, com finalidade predefinida, econômico e efetivo” [9]. Nessa linha, destaca-se o imperativo constitucionalmente consagrado que prevê a duração razoável do processo, seja judicial ou administrativo, a embasar o decisum seguinte:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PRAZO PARA EXAME DE PEDIDO DE RESSARCIMENTO. ART. 24 DA LEI Nº 11.457/07. 1. Verificada a demora injustificada, correta a estipulação de prazo para que a administração conclua procedimento administrativo. Aplicável a jurisprudência da Corte que assegura a razoável duração do processo, segundo os princípios da eficiência e da moralidade, não se podendo permitir que a Administração postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo. Precedente do STJ. 2. Recurso especial não conhecido”. ( RESP – RECURSO ESPECIAL – 1145692. Relator(a). ELIANA CALMON. STJ. Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA. DJE DATA:24/03/2010).
Nesse diapasão, a eficiência se desdobra nos seguintes elementos, no magistério de Moreira[10]: celeridade, a qual impõe que os atos processuais sejam praticados no mais curto espaço de tempo possível, de forma contínua e coordenada; simplicidade, exige que o processo não se deve revestir de formalidades extravagantes ou desnecessárias ao alcance da finalidade por si visada; finalidade predefinida, consistente em não haver processos administrativos aleatórios, sem escopo claro; economia processual, que preconiza o máximo de resultado na aplicação do direito com o menor emprego possível de atividades processuais e; efetividade, no qual o processo deve prestar-se a um fim útil, atingindo um resultado concreto que atinja efeitos práticos no mundo real.
O processo administrativo deve apresentar-se como um instrumento de obtenção do máximo possível de resultado com o emprego do mínimo possível de recursos, tanto materiais quanto humanos. Desse modo, obedece-se o dever de economia processual e de proporcionalidade, promovendo o balanço adequado das variáveis que compõem a “Energia Administrativa”[11]. Tal simbologia representa o tempo gasto pela Administração para praticar certo número de atos administrativos, mobilizando o pessoal necessário e afetando determinada parcela do patrimônio público, como segue:
Ead = T + A + P + $
No que concerne à variante tempo, a lei 8884/94 – Lei Antitruste, estabelece prazos relativamente exíguos tanto para a instauração do processo (8 dias – art. 32), apresentação de defesa pelo representado (15 dias – art.33), instrução probatória (45 dias – art. 35, § 1º), regulação temporal do direito à palavra do representado no ato de julgamento em Plenário (15 minutos – art. 45).
À guisa de exemplo, a natureza das decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, títulos executivos extrajudiciais (art. 60 – L.8884/94), favorecem a promoção da economia processual, na medida em que afastam, de certo modo, o manejo da via judicial como alternativa ao representado em caso de inconformismo frente às decisões da autarquia[12], contribuindo para desafogar minimamente o Estado-Juiz. O dispositivo normativo que autoriza a decretação judicial de intervenção nas empresas para viabilizar a execução das decisões do CADE, mediante a nomeação de interventor (art.69 – L.8884/94), corrobora as afirmações supra.
Nesse sentido, cite-se:
“Tratam os presentes autos de recursos interpostos contra uma mesma Medida Preventiva, por meio de idênticas petições […]. Por essas razões, levando em consideração os princípios da economia processual e da eficiência […], entendo adequado realizar sua apreciação conjuntamente – como aliás fez este CADE relativamente a outros recursos interpostos contra a mesma medida e julgados há duas sessões.” (g. n.)[13]
O direito de petição, elencado no rol dos direitos fundamentais (art. 5º, XXXIV, “a”, da CR), consiste na faculdade de provocar o Estado e obter resposta motivada[14]. Como corolário do direito de participação, vem garantido no artigo 30 da Lei Antitruste, que permite que qualquer pessoa represente perante a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Ministério da Justiça, caso haja lesão real ou potencial à liberdade concorrencial, erigindo o processo em instrumento de controle social. A garantia de reclamação do interessado o guarnece de prerrogativa fiscalizatória sobre a Administração Pública, cabendo-lhe exigir eficiência e presteza processual.
A consulta pública, prevista no art. 31 da lei 9784/99, encontra aplicação na lei concorrencial e permite que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica abra um período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada. Ademais, com intuito de dar maior publicidade aos casos julgados, aprimorando a eficiência do processo administrativo antitruste, as sessões de julgamento passaram a ser transmitidas ao vivo pela internet a partir da 338ª Sessão Ordinária. O objetivo principal, neste caso, é proporcionar maior agilidade e transparência na divulgação das ações do Conselho, bem como beneficiar todos os interessados nos processos em trâmite no CADE[15].
A eficiência administrativa só é alcançada se o agente público se eximir de paixão própria ao conduzir o exercício da função pública, já que maneja interesses da coletividade.
A lei 9784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública federal, estabelece instrumentos que permitem o afastamento do agente impedido (art.18) ou suspeito (art. 20). Em virtude de sua aplicação subsidiária ao processo antitruste, tais dispositivos deverão ser observados para a preservação da isenção de animo da autoridade antitruste. Nesse sentido, Ferraz & Dallari:
“Seria total e absurdamente inútil o processo administrativo se inexistisse para os litigantes a garantia de imparcialidade na tomada da decisão. Do administrador-julgador há, pois, de se exigir, como condição de capacidade subjetiva, a inexistência de fatores que, direta ou indiretamente, sejam suscetíveis de prejudicar a total isenção que há de marcar sua atuação, em face dos direitos e interesses contrapostos (ainda quando entre tais direitos e interesses figurem aqueles de que titular a própria Administração).”[16]
A lei 8884/94 contém dispositivos que asseguram tratamento imparcial ao administrado, como o art. 42, que prevê o sorteio como critério de seleção do Conselheiro-Relator. A aleatoriedade em tese assegura que a distribuição dar-se-á de forma a prestigiar a isenção de ânimo daquele que formará um juízo de valor sobre a suposta infração à ordem econômica.
O princípio da eficiência administrativa coaduna, indubitavelmente, com o impositivo do razoável em face da relação estabelecida entre as situações de fato (motivo) e a atuação concreta da Administração (conteúdo do ato administrativo).
A razoabilidade, considerada como princípio geral de direito, estabelece a valoração do que seja a conduta realizada por um homem mediano[17]. Destarte, o administrador público, no exercício de seu mister, deve agir com coerência, fixando-se em critérios aceitáveis e lógicos. A razoabilidade implica a exigência de que o agente público, ao exercer função, proceda de modo a alcançar o máximo de resultados, com o menor dispêndio de “energia administrativa”.
Considerando que a intervenção estatal na seara econômica ganha contornos de excepcionalidade, de acordo com os ditames enunciados pelo art. 173, §4º da Constituição da República, o processo administrativo antitruste só deverá ser utilizado, na medida em que for estritamente necessário para a consecução dos fins que lhe são inerentes, quais sejam, a repressão ao abuso do poder econômico e a recomposição da movimentação concorrencial dos agentes competidores, em atenção também à proporcionalidade da medida.
O princípio da razoabilidade estabelece que apenas são consideradas ilegais as condutas que limitam a concorrência de forma desarrazoada[18]. Em estudo anterior, assentou-se a viabilidade de práticas que, apesar de criarem restrições à livre concorrência, encontrem razão de ser juridicamente aceita. A “rule of reason” pode elidir a configuração da hipótese de incidência na norma antitruste [19].
O art. 35 da Lei 8884/94, no tocante à instauração e instrução do processo administrativo, determina que:
“após decorrido o prazo de apresentação da defesa, a SDE determinará a realização de diligências e a produção de provas de interesse da Secretaria, a serem apresentadas no prazo de quinze dias, sendo-lhe facultado exercer os poderes de instrução previstos nesta Lei, mantendo-se o sigilo legal quando for o caso.”
Imperioso anotar, por meio desse dispositivo, a importância da aplicação do princípio da razoabilidade, pois, embora tal princípio não tenha sido mencionado expressamente no art. 35, a SDE deverá pautar-se por meios razoáveis na determinação da produção de provas, devendo admitir somente as que sejam realmente indispensáveis para a instrução do processo.
Neste mesmo sentido, encontra-se o art. 43 da referida lei, ao dispor que o Conselheiro Relator do CADE, poderá determinar a realização de diligências complementares ou a produção de novas provas, quando entender que são insuficientes os elementos existentes nos autos para formação de sua convicção.
Por outro enfoque, no que diz respeito à decisão do CADE, uma vez julgada procedente a representação, o Presidente determinará a cessação da prática considerada abusiva, quando tratar-se de infração continuada, bem como aplicará a multa a ser recolhida pelo representado.[20] Caberá, portanto, ser arbitrada multa de forma razoável e proporcional à infração cometida, uma vez que a razoabilidade deve atrelar-se às necessidades da coletividade, à economicidade e à legitimidade[21]. Ademais, é imprescindível considerar o contexto específico em que cada infração é cometida, bem como sua razoabilidade econômica.
Outro aspecto de grande relevância relacionado ao princípio da razoabilidade é o que trata do abuso de posição dominante na lei 8884/94. Pode-se afirmar que o referido abuso é lícito desde que não produza seus efeitos, uma vez que a razoabilidade é utilizada como critério balizador da eficiência como excludente da ilicitude.
Em outras palavras, o princípio ora referido, orientador da lei 8884/94 em matéria de condutas e de controle de atos de concentração, determina minuciosa análise de custo e benefício das práticas restritivas da concorrência, admitindo a manutenção de comportamentos que, embora anticompetitivos, produzam benefícios compensatórios para o bem-estar econômico. A esse respeito, o CADE tem firmado a convicção que se segue:
“Processo Administrativo. Conduta: apuração de formação de cartel, entre outras práticas infratoras à concorrência. Análise de infração à concorrência no âmbito de serviço regulado. Conclusão: Adoção de série de normas regulatórias, fulcradas no poder de polícia da Administração Pública Municipal, que se destinam a estabelecer limites e condições às fontes de mercado (preço e entrada). Decisões regulatórias foram conseqüência imediata de política expressa e bem definida de regulação e encontram-se devidamente fiscalizadas. Razoabilidade das normas regulatórias vis a vis o princípio constitucional da livre concorrência. Fatos descritos não configuram infração à ordem econômica. Voto pelo arquivamento do processo”.[22]
Conclui-se, pelo exposto, que a aplicação do princípio da razoabilidade, por meio de parâmetros coerentes, medianos e sensatos, somado aos demais princípios, permite o aprimoramento da eficiência administrativa. Assim, é possível que as finalidades públicas objetivadas pelo processo administrativo sejam alcançadas, tanto pelo respeito à dignidade humana quanto por meio do estímulo às práticas e estruturas eficazes na Administração Pública.
Atrelado ao processo administrativo, o princípio da eficiência impõe que o procedimento seja conduzido eficazmente ao seu desfecho, que não se reduza a um conjunto estéril de formalidades excessivas, que fomente a participação daqueles que poderão vir a sofrer os reflexos de seu provimento em suas esferas jurídicas, que estabeleça mecanismos assecuratórios da neutralidade e isenção das autoridades julgadoras, que considere os aspectos de razoabilidade no decorrer de suas fases e que promova a economia processual, evitando desperdícios e repetições desnecessárias.
Na Constituição da Espanha, o princípio da eficiência está expresso no art.103[23], que determina que: “A Administração Pública serve com objetividade aos interesses gerais e atua de acordo com os princípios de eficácia, hierarquia, descentralização, desconcentração e coordenação, com obediência plena à lei e ao Direito.”
A Constituição Italiana, no art. 97, menciona “buon andamento e l’imparzialità dell’amministrazione”: o princípio da boa administração indica o dever de os agentes públicos desenvolverem a própria atividade de maneira idônea, segundo critérios de eficiência, eficácia, celeridade e economicidade da atividade administrativa, com o menor sacrifício dos interesses individuais dos cidadãos. O princípio da imparcialidade se consubstancia no dever de agir com justiça e de evitar disparidade de tratamento.
O art. IX, B, seção 03, da Constituição das Filipinas dispõe que “a Comissão do Serviço Público (…) adotará medidas destinadas a promover a disposição de ânimo, eficiência, integridade, pronta colaboração, dinamismo e cortesia no serviço público”. O princípio da eficiência está também presente na Constituição de Portugal, art. 267, estabelecendo ser dever da Administração, “evitar a burocratização, aproximar os serviços das populações, assegurar a participação por meio de formas de representação democrática”. Ainda, Constituição de Cuba, art.66, “c”: “aproveitamento de recursos e possibilidades locais” e participação popular.
3. Processo Administrativo: conceito, natureza jurídica e aspectos relevantes
Em face da teoria do processo administrativo, pode-se conceituá-lo como procedimento participativo[24] de exercício da função administrativa conduzido por agentes públicos[25] capazes, competentes e isentos, segundo balizas previamente disciplinadas no ordenamento jurídico (Regime Jurídico Administrativo).[26]
Processo administrativo é como relação jurídica que se caracteriza por um procedimento participativo. Assim, cumpre-se conceituar cada elemento que compõe o conteúdo de tal instituto para melhor delimitá-lo.
A relação jurídica consiste no vínculo intersubjetivo travado entre Administração e sujeitos processuais que sofre a incidência de normas jurídicas de direito público, estabelecendo direitos e deveres entre os envolvidos. Daí seu caráter jurídico. Tal relação jurídico-processual administrativa apresenta as características básicas das relações jurídicas em geral[27], além de atributos próprios, quais sejam: a hierarquização dos sujeitos participantes[28] e a finalidade preestabelecida em lei.[29]
O vínculo jurídico descrito acima se desdobra temporalmente numa seqüência de atos lógica e juridicamente encadeados, visando uma decisão final do Estado. Cada um dos atos administrativos processuais apresenta um nexo de causalidade em relação aos demais e ao mesmo tempo, devem resguardar sua autonomia, uma individualidade jurídica, incorporando uma finalidade própria dentro do conjunto.
Esta seqüência harmônica de atos deve ser realizada em contraditório, permitindo que os interessados possam dialeticamente influir na formação do provimento que afetará suas esferas jurídicas. Conforme manifestação exarada alhures,
“Acolher a expressão processo administrativo significa admitir que o procedimento no qual atuem os interessados em contraditório acontece também na Administração Pública. Processo caracteriza-se então por: formas procedimentais particulares, debate contraditório, certa dose de formalismo e publicidade, viabilizando destarte a formação da decisão final, motivada.”[30]
O processo administrativo é a forma da função administrativa, ou seja, a via pela qual o Estado aplica o direito ao caso concreto, de ofício ou mediante provocação, para contemplar o interesse público sem definitividade e que permite participação dos interessados, destinatários do ato final, na formação deste ato.
O processo administrativo tenciona: a) assegurar uma atuação administrativa eficiente, (através da disciplina dos meios pelos quais a Administração Pública toma decisões), pois o pré-estabelecimento de um caminho a seguir representa, ao lado de segurança jurídica, importante fator de economia processual e; b) garantir a maximização dos direitos dos administrados. Segundo Moreira (2003, p. 63), o processo administrativo é “instrumento de participação, proteção e garantia dos direitos individuais. Caso prestigiado, o cidadão terá convicção de que o ato administrativo é legítimo e perfeito”[31].
O instituto sob análise pode ser classificado de acordo com os mais variados critérios.[32] Para os fins deste estudo, enaltece-se a simples e segura distinção promovida por Ferraz & Dallari (2003, p. 43): para os autores existe um processo administrativo geral, regulado pela lei 9784/99 (globalmente incidente em toda a processualística administrativa que não tenha sido alvo de tratamento legal específico) e processos administrativos especiais, que contam com procedimentos próprios em face do conteúdo ou objeto que lhes é peculiar.[33]
O processo administrativo poderá ser realizado por uma só autoridade administrativa ou por órgão colegiado. “O essencial é que se desenvolva com regularidade formal em todas as suas fases, para legitimar a sanção imposta a final.” Apesar de a gradação das sanções aplicadas basear-se em escolhas administrativas, não se trata de arbitrariedade e, por isso, a punição deve ser razoável e proporcional à infração apurada no respectivo processo, além de estar tipificada em norma, pois não cabe à Administração aplicar penalidade não disciplinada no ordenamento jurídico. A conseqüência punitiva deve resultar de processo administrativo desenvolvido em contraditório, com o devido processo legal, “que se erige em garantia individual de nível constitucional”. [34]
Segundo MEDAUAR[35], os processos administrativos punitivos dividem-se em internos, cujas sanções são aplicadas no âmbito da Administração e externos, mediante os quais aplicam-se sanções fora do âmbito da Administração. Entre os processos administrativos internos, estão os chamados processos administrativos disciplinares, nos quais apuram-se faltas cometidas no corpo da Administração Pública.
O Direito Administrativo sancionador pode incidir em campos distintos, tais como infrações tributárias, econômicas, contra a saúde pública, contra a segurança pública, entre outras, ou seja, em qualquer hipótese em que se configure dever do Estado controlar e reprimir determinados comportamentos emanados de agentes públicos ou de particulares. A aplicação das normas administrativas punitivas exige processo administrativo ou judicial válido. Pugna-se pela busca de igualdade e racionalidade no exercício da pretensão punitiva estatal, restringindo-se direitos e patrimônio, em vez de institucionalizar torturas físicas e psicológicas, como o regime jurídico de outrora, evidenciando-se sentido humanístico.[36] As sanções administrativas e penais se diferem pelo conteúdo, pela substância:
“É verdade que o poder estatal sancionatório, que era unificado e depois se especializou, deve obediência às finalidades ordinárias de quaisquer penas, há de ser público, proporcional. Submete-se, indiscutivelmente, a princípios constitucionais que norteiam o exercício da pretensão punitiva estatal, ainda que, no plano concreto, esses princípios apresentem diferenças entre si.”[37]
Conforme lição de OSORIO[38], são elementos da sanção: autoridade (sujeito público, estatal); restrição (conteúdo), privação de direitos e imposição de deveres; repressão (finalidade correcional, pedagógica, recomposição da legalidade, restabelecimento e reafirmação de valores consagrados na ordem jurídica); processo administrativo (formalização, legitimação pelo processo).
“Observa-se que o legislador constituinte conferiu nova redação à cláusula que, desde a Constituição de 1934, consagra o princípio da soberania popular em nossas constituições. Assim, à tradicional afirmação de que ‘todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido’, enunciado emblemático de um modelo de democracia predominantemente representativa, não conduziu o Constituinte de 1988, que preferiu declarar que ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’. Estaria assim assinalada a passagem ao que tem sido interpretado como um modelo de democracia participativa, semidireta ou plena, em que o exercício da soberania popular se estende para além do voto, com a preservação da potencial constituinte dos cidadãos.”[39]
O processo é o modo de exercício legitimo das funções estatais, instrumento mediante o qual o Estado realiza o direito em quantidade e qualidade, assegurando ao seu titular o exercício do interesse juridicamente protegido, na exata medida dessa proteção. O processo pode ser concebido, portanto, como relação jurídica (sujeitos fixos) ou situação jurídica (em face da flexibilidade/fungibilidade inerente à pessoa dos interessados, diretamente proporcional ao grau de interesse público envolvido) expressa por seqüência de atos logicamente encadeados visando ao ato final estatal – provimento. O adjetivo devido significa adequado, razoável, desenvolvido mediante motivo e fins cogentes (inafastabilidade da via procedimental determinada para o fim colimado e indisponibilidade do interesse público). O caminho a ser percorrido deve ser o legal, é dizer, tipificado, autorizado ou exigido no ordenamento. Acresçam-se as determinações principiológicas de razoabilidade e de juridicidade, ou seja, de legalidade ampla, pugnando pela aplicação racional, social e humanística do direito. Conceituando o direito fundamental constitucionalmente garantido, devido processo legal seria o direito de todos que corresponde ao dever do Estado de adotar a via procedimental e participativa como caminho dialético de tomada de decisões, ou seja, de exercício das funções públicas; dever do Estado, que corresponde ao direito do interessado, à relação jurídica logicamente estabelecida, tipificada por meio de seqüência participativa de atos encadeados, visando ao provimento estatal nos moldes determinados pelo ordenamento jurídico.
Pela moderna vertente da consensualidade no exercício da função pública, a decisão final estatal deve ser conjuntamente construída, razão pela qual sua imperatividade é legal e desejada. Mediante o equilíbrio normativamente previsto das posições jurídicas subjetivas, o arbítrio cede lugar à razoabilidade.
4. Processo administrativo federal: Lei nº 9.784/99
O advento da lei nº 9.784/99, de 29 de janeiro de 1.999, por se tratar de coroamento de esforços de sistematização de princípios e regras aplicáveis à generalidade dos processos administrativos que tramitam perante a Administração federal, constitui marco significativo na trajetória evolutiva do Direito Administrativo brasileiro. Ainda que sua aplicação limite-se formalmente à União, posto que lei federal, apesar da vocação nacional, tal construção normativa influencia outras esferas, como demonstra a publicação das leis de processo administrativo de Minas Gerais e de Goiás, antecedidas pelas de Sergipe e de São Paulo, pioneiras mesmo em relação à Lei federal.
Citem-se, na esfera federal, diplomas legais atinentes a processos administrativos especiais, assim denominados pelas especificidades características de seus respectivos objetos, conteúdos, ou ainda, finalidades: Decreto 70.235/72, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal; Lei 811290, que é o Estatuto dos servidores públicos civis federais; Lei 8443/92, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, que regula processos administrativos de controle, que podem ou não se tornar punitivos; Lei 8.666/93, que regulamenta o artigo 37, XXI, da Constituição Federal e institui normas gerais (nacionais) para Licitações e Contratos Administrativos; Lei 8884/94, a Lei Antitruste, que transformou o CADE/MJ em autarquia federal e regula o processo administrativo de proteção à concorrência, mediante prevenção e repressão a infrações contra a ordem econômica; Decreto 1602/95, que regulamenta as normas que disciplinam o processo administrativo antidumping, cujo escopo é proteger a indústria doméstica e via reflexa, a economia nacional, de atuações nocivas de empresas multinacionais; Lei 9503/97; que institui o Código de Trânsito Brasileiro e o correspondente processo administrativo.
A lei 9784/99 estabelece normas gerais sobre o procedimento participativo perante a Administração direta e indireta da União, tendo em vista a proteção dos direitos dos administrados e a satisfação das necessidades públicas. O conteúdo da Lei aplica-se também aos Poderes Legislativo e Judiciário federais, quando em exercício da função administrativa. Sua aplicação aos processos federais especiais é subsidiária: em havendo situações descobertas pelas normas especiais, incidirá da Lei Geral.
Entre os princípios expressos no artigo 2º da Lei, destacam-se: Legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, participação e defesa, segurança jurídica, interesse público e eficiência. A expressão “entre outros” quis incluir os princípios de publicidade, controle da Administração, isonomia, impessoalidade, devido processo legal, impulso oficial, verdade material e formalismo moderado. Erigem-se como valores a serem observados no exercício da função administrativa: a) atuação conforme a lei e o direito – legalidade ampla; b) aplicação das regras à luz dos princípios – razoabilidade e interpretação sistemática; c) atuação conforme padrões de probidade, moralidade e boa-fé – transparência e sinceridades de intenções e nas atitudes; d) divulgação oficial – publicidade – em razão das noções de função e de dever, ressalvadas hipóteses de sigilo determinadas pela lei e pelo interesse da sociedade e do Estado; e) adequação entre meios e fins, proibindo-se a imposição de obrigações, restrições e sanções em quantidade superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público – necessidade (motivo), adequação qualitativa, e proporcionalidade (coerência quantitativa); f) indicação dos pressupostos de fato e de direito que levaram o administrador público a agir – motivação; g) observância das formalidades indispensáveis a proteger direitos dos interessados e assegurar o interesse público – formalismo moderado, não se decreta nulidade sem gravame; h) adoção das formas simples e suficientes para garantir segurança jurídica, é dizer, previsibilidade da conseqüência das atitudes dos sujeitos no processo; i) garantia de participação nos processos dos quais possam resultar modificações na esfera jurídica de alguém, seja pessoa física ou jurídica; j) impulsão de oficio, sem prejuízo da movimentação dos interessados, como expressão do dever de colaboração e coordenação entre Estado e sociedade e internamente ao próprio Estado; k) aplicação do RJA (regime jurídico administrativo) para garantir a proteção do interesse público, vedada a retroatividade de nova orientação administrativa, em nome da segurança jurídica; l) busca de aproximação da verdade dos fatos, mediante formação do conjunto probatório de maneira a permitir a elucidação da questão objeto de atuação da Administração Pública – verdade material ou real; m) objetividade na consecução do interesse público – impessoalidade e isonomia.
Entre direitos e deveres do Estado e dos cidadãos no processo administrativo, sintetiza-se a dignidade da pessoa humana e a boa-fé recíproca, exteriorizando-se pela honestidade e transparência de intenções e de comportamentos de todos os sujeitos envolvidos no processo. Cabe ao interessado a faculdade de presença e de audiência, o direito de expor suas verdades, suas versões da verdade.
A máxima divisão adotada por BANDEIRA DE MELLO[40] separa os processos administrativos em dois grupos, os processos ampliativos e os restritivos de direitos. No entendimento desse autor, para qualquer das espécies citadas, a denominação empregada é ‘procedimento’, “numa opção terminológica que não tem maior valor senão o de ‘codificação’ de linguagem”, para tanto adotando-se “a voz usual (…), já consagrada pela tradição.” [41] Deve-se ressaltar entretanto que, se a Constituição da República, no inc. LV do art. 5º, adota a expressão processo administrativo, inexiste motivo para manter-se a generalização ‘procedimento’ para denominar ambos, processo e procedimento.
É preferível dar vida à distinção, que tem razão jurídica de ser (cf. Cap. I, item 2). Processo é processo, e procedimento é procedimento. Trata-se de conceitos e objetos distintos à luz da ciência processual administrativa. Portanto, razão assiste àqueles que, como FERRAZ & DALLARI [42], consideram “equivocado usar o título ‘procedimento administrativo’ para nominar, a um só tempo, o processo e o procedimento (em senso estrito) administrativos”, por imperativos de lógica formal, de natureza sistemática (Constituição da República, art.5º, LV) e de caráter ideológico (processo como procedimento e relação jurídica). Supera-se então, expressamente, a concepção que centraliza no ato administrativo em sentido restrito – manifestação unilateral do Estado dotada de efeitos externos – a atividade da Administração. Emerge, lenta e gradualmente, a via procedimental como fonte e forma precípua de criação das decisões do Estado-Administração. Prestigia-se, destarte, a sucessão de atos logicamente encadeados em detrimento de um querer que se manifesta de modo instantâneo, imediato, autoritário, irresponsável, ineficiente, desarrazoado, desproporcional.
Os princípios determinam condutas obrigatórias, posto que repelem comportamentos com eles incompatíveis, negando-lhes validade, ao mesmo tempo em que se erigem em vetores interpretativos, porquanto apontam a direção e o sentido compulsório da gênese jurídica (produção de atos jurídicos por particulares e pelo Estado), segundo os papéis negativo e positivo dos princípios, respectivamente.
O formalismo racional ou razoável, mais frequentemente denominado de informalismo ou informalidade, ou ainda, formalismo moderado, no processo administrativo significa que os atos independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir (art. 22 da Lei nº 9.784/99). Nesse diapasão, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade, salvo norma legal. As especificações legais concernentes à forma devem levar em conta critérios racionais, uma vez que os parâmetros para a exteriorização do ato só se tornam relevantes quando prezam por bens jurídicos maiores que a forma em si mesma. No processo, as nulidades são pronunciadas com supedâneo no prejuízo haurido. Em não havendo dano, não há falar em nulidade. A obediência à forma deve limitar-se aos patamares suficientes a propiciar segurança jurídica e estabilidade das relações, derivados do princípio da legalidade ampla ou juridicidade. A forma é instrumento, não se justificando em si mesma; atribui-se relevância à forma com restrição, nos casos em que for exigida por razões de segurança jurídica e previsibilidade. Nas demais situações, consideram-se limites racionais e razoáveis, fornecidos por interpretação sistêmica do ordenamento jurídico. (STJ. MS 7059/DF. DJ 12/03/2001. p. 86.) [43].
Pelo exposto, é lícito concluir que “aos tribunais toca utilizar o processo com total fidelidade aos dois princípios máximos do Direito Processual contemporâneo: instrumentalidade e efetividade.” [44] A Administração, na condução do processo administrativo, “não pode ficar asfixiada por um legalismo burocrático, puramente artificial e formalista. É nesse sentido que o Estado de Direito goza de prioridade axiológica sobre os princípios de segundo grau.” [45]
MEIRELLES [46], CRETELLA JR [47], BANDEIRA DE MELLO [48], MEDAUAR [49] e NERY COSTA [50] admitem a relevância da distinção entre os processos administrativos punitivos e os demais processos administrativos. O procedimento dialético (processo) por meio do qual a Administração Pública apura a prática de infração e impõe penalidades por descumprimento de norma jurídica chama-se processo punitivo ou processo sancionador. Nele impera a necessidade do contraditório, com a ampla defesa como corolário, segundo o devido processo legal, sob pena de nulidade da sanção imposta. A sua instauração dar-se-á mediante ato administrativo contendo exposição dos atos ou fatos ilegais atribuídos ao acusado, bem como indicação da norma infringida.
5. Inflexões do princípio da eficiência no processo administrativo
Estabelecidas as premissas necessárias, cumpre estudar alguns aspectos relacionados na busca do equilíbrio entre processo administrativo e a aplicação do princípio da eficiência. Logo, aplicada ao processo administrativo, a eficiência administrativa exige que este instrumento, seja conduzido com celeridade, sem descuidar dos mecanismos que assegurem a neutralidade inerente ao exercício de função pública, e dos meios que permitem uma efetiva participação daqueles que poderão vir a sofrer os reflexos do provimento estatal.
A eficiência exige postura ativa da Administração, na busca da efetivação da juridicidade, ou seja, cabe à Administração atingir o efeito útil e adequado expresso em lei, de forma transparente, moral e impessoal. É o cumprimento da finalidade normativa, adequada a gerar os efeitos esperados pelo ordenamento.
Consiste também, na participação máxima dos administrados através de um diálogo recíproco que tenha como fundamento a boa – fé e a maximização do respeito à dignidade humana, por meio de uma administração mais humanizada e social.
Tal princípio manifesta-se por meio de um processo célere, simples, finalístico, econômico e efetivo, que garanta aos administrados um resultado jurídico útil, necessário, adequado, proporcional e moral. A celeridade processual (aspecto temporal da economicidade) foi alçada à categoria de direito fundamental após o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, que incorporou ao art. 5º, o inciso LXXVIII, garantidor da “razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A eficiência administrativa pugna por um processo célere que, ao mesmo tempo, zela pela matéria discutida. A celeridade deve ser encarada como objetivo relativo, inserido num contexto maior de proteção ao interesse público e aos direitos individuais.
A dinâmica das relações sociais num contexto de globalização é muitas vezes incompatível com o tempo levado para que a autoridade administrativa obtenha cognição exauriente acerca da matéria debatida. O Ente Estatal não pode, sob o discurso da segurança jurídica, obstar o desenvolvimento de atividades sujeitas a sua ingerência. Assim, as medidas antecipatórias da tutela administrativa, quando devidamente preenchidos seus requisitos autorizadores, são cabíveis no processo administrativo a fim de resguardar sua efetividade, garantindo ao cidadão decisão hábil e tempestiva que solucione a questão deduzida no processo.
Considerando o processo, como modo de exercício das funções estatais e instrumento de realização do direito material, a efetividade, valem dizer, a exeqüibilidade e a execução das decisões proferidas na via procedimental guardam relação estreita com a credibilidade do Estado e, em última análise, com a sanidade da convivência social.
No que tange à função administrativa, a tutela de urgência erige-se em valioso recurso em face de situações imprevisíveis e/ou inevitáveis que possam afetar a instauração, a manutenção, o desenvolvimento e o desfecho da marcha processual.
No processo administrativo, a adoção dos mecanismos de tutela de urgência assume especial relevância. Em primeiro lugar, da dinamicidade das relações sociais entre os cidadãos decorre o dever de a autoridade administrativa ser dotada de reais instrumentos processuais capazes de garantir o atendimento às necessidades ditadas pelo interesse público sem representar intervenção desarrazoada do Estado na esfera privada do cidadão. Outro aspecto que merece ser ressaltado é a de que no transcurso do processo administrativo podem surgir inúmeros incidentes que retardam a sua conclusão. Não se pode admitir que durante todo este período em que o processo administrativo esteja perante o órgão público competente esteja havendo lesão ao interesse público posto na regra de competência.
Por outro lado, deve-se considerar que é também interesse público que os cidadãos tenham suas necessidades lícitas satisfeitas pela autoridade administrativa de forma eficiente e tempestiva. Assim, o Estado não pode retardar os efeitos de relações sociais quando benéficas à própria dinâmica da sociedade. Entre as técnicas processuais destinadas a evitar o risco de dano para o direito deduzido, a função cautelar se exaure quando assegurado o resultado prático de outro pedido e a antecipação de tutela supõe necessariamente uma decisão de tomada de posição da autoridade, ainda que sem compromisso definitivo.
É claro que a adoção destes mecanismos, conforme já ressaltado, consubstancia-se atos administrativos vinculados, de forma que, presentes os requisitos autorizadores, a adoção destes mecanismos é poder-dever da autoridade pública competente. A razão da adoção destas medidas consiste na probabilidade de existência do direito e tem como requisito a verificação da verossimilhança do direito e a necessidade de antecipar provisoriamente sua satisfação. Fora destes requisitos, a medida torna-se eivada de abuso de poder e escapa aos limites da legalidade estrita que rege os atos da Administração Pública.
Outro reflexo do tema, relativo à celeridade no processo antitruste, concerne ao instituto da medida preventiva, prevista no art. 52 da lei 8884/94, que faculta ao secretário da SDE ou ao Conselheiro-Relator a faculdade de aplicá-la “quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo”.
Diante da circunstância autorizadora da aplicação da medida cautelar administrativa, surge a exigência de que o Estado seja ágil e atue rapidamente, tendo em vista a potencial lesão a direitos difusos, ordenando a imediata cessação da prática infringente da ordem econômica. (art52, §1º). Tal exigência concretiza aplicação do principio da eficiência e efetividade do processo. [51]
5.1. Juridicidade
O princípio da legalidade estrita, que vincula todos os atos da Administração à lei foi durante muito tempo instrumento de controle por parte do poder legislativo, em face do poder executivo. Assim, o poder tornava-se objetivo, tendo em vista que à Administração somente era possível praticar os atos determinados na lei.
De acordo com o exposto e para que se desse maior discricionariedade às atividades desenvolvidas pelos agentes públicos, “ […] buscou-se assentar o princípio da legalidade em bases valorativas, sujeitando as atividades da Administração não somente à lei votada pelo legislativo, mas também aos preceitos fundamentais que norteiam todo o ordenamento.[…].” [52]
A juridicidade consiste na aplicação do princípio da legalidade contíguo ao da razoabilidade, ou seja, a Administração deve pautar-se ao que está adstrito à lei, no entanto cabe velar pela melhor aplicação do dispositivo legal, não permitindo que este seja entrave para a eficiência da função pública.
Em análise ampla, a juridicidade consiste na aplicação do princípio da legalidade tendo em vista a garantia de todos os outros princípios expressos no art. 37 da Carta Magna, no intuito de promover a realização dos direitos da sociedade sobre a mera aplicação da lei.
Consiste não apenas na aplicação da lei seca, mas requer da Administração uma orientação que leve em consideração a valoração de todos os pontos de vistas possíveis para a solução do problema, ou, em suma, tenha uma orientação sistemática.
Nesse sentido, o entendimento de Juarez Freitas:
“Como é inescapável, ainda que sem dizê-lo, efetua hierarquização superior – no seu catálago – do princípio do efeito integrador, exatamente significando que, na solução das aporias jurídicas, dever-se-ia conferir primazia aos critérios que favoreçam a integração e a unidade, vinculando a este, também, o princípio da máxima efetividade, consoante o qual a uma norma deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.”[53]
Assim, a Administração, na aplicação dos princípios que fundamentam o processo administrativo, deve se valer do que Juarez Freitas denomina de hierarquização axiológica, de forma que a eficiência deve ser encarada como um dos mais relevantes princípios, tendo em vista que tal princípio almeja a justiça social, em detrimento do excessivo formalismo.
5.2. Respeito à cidadania e a dignidade da pessoa humana
Considerando que a expansão da regulação e o aprimoramento da organização estatal são resultantes do chamado direito administrativo ordenador, tal intervenção na autonomia privada deve fazer-se acompanhar de participação efetiva do cidadão na formação da decisão administrativa que o possa atingir, direta ou indiretamente, por meio do processo administrativo.
O termo processo reveste-se de complexa significação, abarcando direito fundamental ao devido processo legal, ao contraditório e à defesa. Dessarte, pode-se afirmar que o processo é a forma necessária de atuação do Estado para criação e aplicação da lei no exercício de suas funções, nos termos do art. 5º, LIV, e LV, da Constituição da República. A processualidade ampla implica reconhecer no processo o instrumento legitimador das funções estatais. Nesse sentido, o processo administrativo surge como o procedimento participativo pelo qual a Administração Pública cumpre o dever de aplicar o direito ao caso concreto, de ofício ou mediante provocação, a fim de realizar a finalidade específica de interesse público posta na regra de competência, sem definitividade.
A todos deve ser garantido que o trâmite do processo administrativo seja célere, no qual seja dado uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, respeitando a dignidade da pessoa e tutelando os direitos dos cidadãos.
Cabe à Administração, no âmbito da função estatal e no processo administrativo agir conforme os preceitos constitucionais, uma vez que se encontra vinculado a estes conforme determina o art.5, § 1° da Carta Magna. “[…] o efeito vinculante dos direitos fundamentais alcança não apenas cada pessoa jurídica de direito público, mas também as pessoas jurídicas de direito privado que, nas suas relações com particulares, dispõem de atribuições de natureza pública […]”. [54]
A Administração deve agir com respeito à cidadania e a dignidade da pessoa humana, elementos que limitam a discricionariedade e permitem a concretização do Estado Democrático de Direito. A inobservância desses fundamentos constitucionais pode acarretar a invalidação dos atos administrativos.
5.3. Efetividade do processo
O processo deve ser desenvolvido da forma mais célere e jurídica possível, uma vez que, para se garantir um processo efetivo é necessário que os trâmites para a realização sejam pré-estabelecidos, ou seja, cabe ao Estado editar normas que regulamentem o processo e seu procedimento. Desta forma, o processo deve ser dotado de mecanismos e técnicas adequadas para alcançar os resultados pretendidos, garantindo à população o acesso à ordem jurídica.
A efetividade do processo é termo que esclarece que o processo não é um fim em si mesmo, mas o instrumento para a solução dos conflitos de interesses e pacificação social. Tem-se, desta forma, salientar que embora a lei determine o seguimento de determinados regramentos, o ato processual será válido mesmo sem sua observância, desde que tenha alcançado o resultado para o qual foi previsto.
Importante ainda, que o órgão responsável seja tempestivo na solução da demanda ou da requisição, para que o cidadão receba a solução em momento oportuno e apto a estar satisfazendo suas necessidades. Assim, nos dizeres de Volteire “a justiça fora do tempo é injustiça.” O artigo 5°, LXVIII, determina que a todos no âmbito judicial e administrativo será assegurado a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior, recorda que para Paulo Hoffman: “um processo judicial ou administrativo pode levar uma pessoa ou uma empresa à ruína financeira ou ao desespero total”.[55] Desta forma, necessário que o prestação da função do estatal seja eficaz para que nenhum cidadão seja lesado em seu direito.
Carlos Alberto Alves de Oliveira salienta que “como fonte jurídica de normas jurídicas processuais devem ser considerados especialmente dois grupos de direitos fundamentais, pertinentes aos valores da efetividade e da segurança jurídica, valores esses instrumentais em relação ao fim último do processo, que é a realização da justiça no caso concreto.”[56]
5.4. Profissionalização da função pública
Para que se almeje uma boa administração, necessário que os agentes públicos estejam preparados para atender aos anseios da sociedade, servindo de instrumento para as finalidades Estatais. Assim, devem os servidores desempenhar suas atividades funcionais com respeito, zelo, eficiência, dedicação e responsabilidade. Régis Fernandes de Oliveira salienta que “agir com eficiência não é apenas recomendação ética, mas jurídica, na medida em que o valor eficiência foi encampado pela norma jurídica (caput do art. 37 da Constituição).”[57]
Segundo Marianne Nassuno, “o servidor ineficiente é definido como aquele que não alcança e não sustenta um padrão de eficiência que poderia ser razoavelmente esperado no desempenho de suas funções.” [58] A avaliação de desempenho não é assim um fim em si mesmo, mas um instrumento para melhorar os resultados dos recursos humanos da organização.
A administração pública gerencial, vivenciada nos dias atuais, exige a descentralização, a delegação de autoridade e de responsabilidade ao gestor público, o rígido controle sobre o desempenho, sendo desta forma, mais eficiente para gerir o Estado, envolvendo estratégias efetivas contra a burocratização. No entanto, esta se insurge, tendo em vista que o resultado e a produtividade de seu trabalho serão analisados.
Na Constituição Cidadã há diversos dispositivos que introduzem a profissionalização dos gestores públicos como requisito para se conquistar uma vaga na Administração. Pode-se citar a licitação e o concurso público como instrumentos que exigem dos agentes, destinados a seleção, maior qualificação para vencer o certame, garantindo-se que o mais preparado seja o escolhido para desempenhar as atividades inerentes à Administração Pública.
A Emenda Constitucional n°19/98 traz diversos requisitos para que seja avaliado o desempenho dos servidores, na realização de seu trabalho, tendo como consequência a sua demissão ou não do cargo que ocupa, dependendo somente do resultado (ou no caso, da falta de resultado) obtido em tal avaliação. Assim, o art. 41 da Constituição determina que para a aquisição da estabilidade são necessários três anos de efetivo exercício e submissão à avaliação especial de desempenho por Comissão instituída para essa finalidade. Além do mais, o art. 247, parágrafo único dispõe que a perda do cargo de servidor público estável ocorrerá em virtude de insuficiência de desempenho, através de processo administrativo em que seja assegurado ampla defesa e contraditório.
O art.39, § 2°, estabelece que a União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira. No Brasil há, dentre outras, a ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), além de universidades que possuem departamentos destinados a formação direcionada especificadamente ao curso de Administração Pública, tais como: Fundação Getúlio Vargas(FGV), Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Escola de Governo de Minas Gerais/ Fundação João Pinheiro, e Universidade Federal de Uberlândia (UFU), esta última oferece curso de Graduação em Administração Pública, na modalidade educação à distância, destinando proporcionalmente, cinquenta por cento das vagas para servidores públicos e demanda geral, ou seja, população interessada em participar do processo seletivo. No âmbito federal, o Instituto Rio Branco é responsável pela seleção e treinamento dos diplomatas brasileiros, em processo contínuo de formação. Há outras instituições públicas e privadas, estas em parceria com aquelas, que desenvolvem programas e cursos a fim de desenvolver e profissionalizar os funcionários públicos. No entanto, para o Brasil ainda é insuficiente.
O Decreto n° 5.707/2006 institui a política e as diretrizes para o desenvolvimento de pessoal da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e regulamenta dispositivos da lei n°8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
Com os crescentes anseios da população, em todos os setores sociais, é exigido atualmente que os administradores públicos sejam mais criativos, capazes de trabalhar em grupo, de superar as dificuldades e colocar em prática as decisões. Não há mais tempo a perder com exigências burocráticas sem sentido. O que se espera agora é que se use bem, com eficiência e responsabilidade, aquilo tudo que é recurso público, seja ele uma escola, um avião ou um campus de universidade.
5.5. Duração razoável do processo
Um dos caracteres identificadores da eficiência do processo administrativo é sua duração razoável. No entanto, o conceito do que seja razoável é relativo, uma vez que é necessário que seja analisado cada caso concretamente.
Lecionando sobre a duração razoável do processo, o professor Humberto Theodoro Jr., em palestra proferida em Uberlândia, na ESAMC, firmou orientação de três critérios, de definição da duração razoável: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes; c) a atuação do órgão jurisdicional.
Diante de orientação jurisprudencial da Corte Constitucional Espanhola[59], estabelece-se que:
a) A duração razoável do processo é conceito jurídico indeterminado, forma elástica e flexível a depender de circunstâncias concretas para sua delimitação e aplicação;
b) A integração se faz mediante a resposta a algumas perguntas: Houve efetivamente dilação? Caso afirmativo, a dilação se justifica?
c) Direito fundamental à duração razoável não é sinônimo de Direito ao cumprimento rigoroso de prazos;
d) Deve-se ponderar dimensão temporal global do processo e razoabilidade;
e) São critérios de determinação da duração razoável: complexidade da matéria objeto do processo; duração costumeira de processos de mesma ou semelhante natureza; grau de interesse público envolvido; conduta processual dos interessados e, finalmente, atuação dos agentes públicos que funcionam no feito.
Cogitando-se da razoabilidade na duração do processo, não se pode deixar a esmo outros valores constitucionais, que devem ser contrabalanceados e devidamente respeitados, como o contraditório e a ampla defesa, que não podem ser suprimidos no intuito de se garantir um processo célere. Assim, eficiente será o processo administrativo que dure o tempo necessário e respeite todos os outros direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição. No entanto, em algumas situações, o exercício de determinadas faculdades processuais serão adiados, e não suprimidos, tendo em vista a necessidade de garantir aos envolvidos a efetividade dos direitos pleiteados, mesmo que em caráter provisório, por meio de concessão das chamadas tutelas de urgência, tais comoa antecipação de tutela.
A Constituição da República, em seu artigo 37, § 6° determina que o Estado deve indenizar os prejuízos materiais e danos morais que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso nos casos de dolo ou culpa. Logo, o processo que não teve duração razoável, ao contrário, foi exageradamente demorado, causando, em virtude disto, prejuízo ao cidadão, permite a este requerer indenização pelos danos sofridos. “Como a aferição da razoabilidade da duração do processo é questão de fato, analisada em cada situação concreta, uma vez acionado o Poder Público e sendo demandado a indenizar pela duração exagerada do processo, o ônus de que o processo teve duração razoável é do Estado […].” [60]
É inegável o paralelo existente entre o processo e a constituição, uma vez que coube a esta determinar os princípios fundamentais a que o processo se submete, fixando também a estrutura dos órgãos jurisdicionais e garantindo a distribuição da justiça, o que implica a efetivação dos direitos fundamentais.
5.6 Pas de nullité sans grief
O conteúdo em epígrafe, que se encontra no artigo 114, § 2° do CPC francês, remete à idéia de que “não há nulidade sem prejuízo”. Desse modo, só será retirado do mundo jurídico o ato processual administrativo que causar prejuízo ao interesse público ou aos direitos e garantias individuais, em nome da segurança jurídica, expressa no processo pela instrumentalidade das formas e, no processo administrativo, pela informalidade ou formalismo razoável.
A mitigação do rigoroso legalismo permite que as finalidades maiores do Estado sejam alcançadas, mesmo que no método processual haja alguma irregularidade, ou seja, esteja em desconformidade com o direito. Assim, “o saneamento da nulidade é a regra; o não aproveitamento do ato e do que ele representa para o processo, de seus efeitos, portanto, é exceção.” [61]
O princípio do prejuízo consiste na representação, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, de tal instituto francês, determinando que, mesmo nas nulidades relativas, quanto nas absolutas, o ato processual deve ser considerado, desde que não acarrete dano para qualquer das partes. Permite, assim, que o direito seja materializado, através do aproveitamento máximo dos atos processuais.
O Princípio da Instrumentalidade das formas é reflexo do princípio supramencionado, pois permite a discricionariedade no uso das formas processuais, quando a lei não as prescrever, de forma expressa. Determina o CPC, que quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.
O prejuízo, que invalida o ato processual, é aquele que impossibilita a este alcançar a sua finalidade. Cabe à Administração invalidar o ato danoso, tendo em vista que se submete ao princípio da legalidade, no entanto, a este princípio deve ser agregado o da razoabilidade, que permite reconhecer, em certas circunstâncias especiais, a convalidação do ato administrativo.
O artigo 53 da Lei nº 9.784/99 determina que cabe à Administração o dever de anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, podendo revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, seguindo assim matéria sumulada, no verbete n°473 do STF.
É possível deduzir que no âmbito administrativo há a prevalência do princípio do interesse público sobre o da legalidade estrita.
“Atualmente, como já observamos, a doutrina moderna tem considerado aplicável também o princípio da segurança jurídica (na verdade inserido no princípio do interesse público), em ordem a impedir que situações jurícidicas permaneçam eternamente em grau de instabilidade, gerando temores e incertezas para as pessoas e para o próprio Estado”.[62]
5.7 Case-by-case approach
Considerando que os princípios, como normas genéricas que são, não prevêem situações determinadas, faz-se necessário que seja cada caso analisado individualmente para a devida aplicação de tais mandamentos. Disto resulta a aplicação do princípio da razoabilidade e proporcionalidade nos processos administrativos. Assim, a razoabilidade deve estar presente quando seja necessária a ponderação de princípios, direitos ou valores diante do caso concreto, respeitando-se sempre a finalidade do agir administrativo posta na regra de competência.
Pelo enunciado em análise, “ a missão do intérprete envolve aptidão para extrair a finadidade da norma acrescentando-lhe quando da aplicação desta, as circustâncias específicas do cado concreto.”[63] Assim, cabe ao administrador extrair da norma todas as suas interpretações e aplicar ao caso concreto àquela que melhor se adequa a situação, dentro dos parâmetros da razoabilidade,uma vez que, uma proviência desarrazoada, não pode ser havida como aceita pela lei.
As infrações contra a ordem econômica, consideradas dentre outras, as que limitam a livre concorrência, devem ser interpretadas de forma a sopesar os prejuízos e os ganhos causados por determinado ato, ou seja, o fato de um ato ser ílicito não induz a direta aplicação da sanção, porque “ pela regra da razão, somente são consideradas ilegais as práticas que restringem a concorrência de forma não razoável”.[64]
5.8 Defesa técnica nos processos punitivos
Em síntese consistente, BACELLAR FILHO ressalta a importância do diálogo processual: “impondo regras de lealdade entre as partes para que estas não mistifiquem os elementos que alegam, não dispersem os elementos relevantes, não impeçam o adversário de fazer valer suas razões e o juiz de exercer seus poderes, o contraditório desempenha relevante papel social, mormente no cumprimento da competência sancionatória.” Em sede de processo administrativo sancionador, “o sistema legal brasileiro filia-se à civil law, a partir da dotação de amplos poderes à autoridade instrutora, justificados pela assunção da busca da verdade ou, na linguagem da Lei nº 8.112/90, da ‘completa elucidação dos fatos” [65].
Nelson Nery Costa estabelece que “O Processo Administrativo disciplinar deve ser entendido como o conjunto ordenado de procedimentos que a Administração Pública dispõe para apurar e punir as faltas dos servidores públicos e demais agentes públicos.” [66] É através da ampla defesa e do contraditório que o acusado poderá apresentar todos os argumentos necessários para oferecer uma versão diferente da que está sendo acusado, interpretando a legislação de uma forma que lhe convenha na aplicação do caso. Isto, no entanto, somente será possível se acompanhado de profissional capacitado para a interpretação das leis, normas e princípios dispostos no ordenamento jurídico.
A súmula 343 do STJ, que determina a obrigatória presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar, é mecanismo garantidor do princípio da ampla defesa e do contraditório, inseridos na Carta Magna em seu art. 5° LV da CF. Isto porque, assegura a “participação dos envolvidos no processo administrativo, de modo que a decisão administrativa a ser proferida resulte do confronto dialético, em que os argumentos sejam examinados, mesmo que venha a ser, posteriormente e motivadamente, refutados pela autoridade competente.”[67] A participação do advogado, é pois requisito necessário e inafastável da ampla defesa, indispensável à administração da justiça (artigo 133, da CR).
A defesa apresentada por leigo perante a Administração em processo administrativo disciplinar pode ser considerada ausência de defesa, tendo em vista que não se pode esperar que o servidor público tenha conhecimento técnico suficiente para garantir aplicação dos corolários do direito de defesa e de contraditório. Ademais, levando em consideração que a Administração terá sempre condições de munir-se de pareceres emitidos por órgãos técnicos especializados, o agente se encontra em flagrante desigualdade perante o acusador, o que afronta as garantias constitucionais do processo.
Disto resulta que a súmula vinculante n° 5 do STF, que proclama a facultatividade da defesa técnica por advogado nos processos administrativos disciplinares, é manifestamente diversa ao disposto na Constituição (art. 133) e súmula n°343 do STJ, inviabilizando a segurança jurídica em tais processos.
A legitimação de qualquer sanção disciplinar imposta ao agente público concretiza-se a partir do momento em que a Administração garante ao acusado a aplicação dos princípios processuais constitucionais mencionados. Somente quando o processo administrativo percorre todos os seus trâmites, respeitando os direitos dos envolvidos, notadamente do acusado, é que a penalidade poderá ser aplicada legítima e validamente.
6 Conclusão
Considerando que a função pública é atividade daquele que pratica atos no interesse alheio, isto é, da coletividade, ao agente público cabe o dever de zelar integralmente pelo exercício de suas competências, a fim de desincumbir-se do melhor modo possível das tarefas decorrentes de seu oficio.
Considerando que o Direito Administrativo é um ramo do Direito Público, as vozes função e dever se reiteram no exercício da denominada função administrativa, em contraposição ao papel desempenhado pela vontade no que tange à manifestação de um particular. Função é a prática de atos em nome alheio, manejando interesse titularizado por outrem. Dever carrega conteúdo cogente, obrigatório, distanciado de subjetivismos e voluntarismos do agente.
A atividade administrativa se prende a motivos e fins cogentes, não eletivos a princípio, indicados ou elencados na regra de competência, significando que a liberdade e a eficiência do agente público se nos afiguram diretamente proporcionais ao cumprimento dos ditames normativos. A felicidade, ou melhor, a tranqüilidade no exercício da função pública se vincula diretamente ao cumprimento dos imperativos normativamente postos, aos abençoados desígnios estabelecidos na ordem jurídica, sobremaneira se tomados os fundamentos consagrados na Carta Cidadã.
Considerando-se que o exercício das atividades executivas do direito promove ingerência na vida dos destinatários dos atos praticados, o operador jurídico deve transformar-se num crítico das normas positivadas, para que sejam aplicadas em benefício da coletividade e em nome da razoabilidade e da legalidade, pilares do Estado de Direito democrático.
O princípio da instrumentalidade das formas, no âmbito administrativo, veda o raciocínio simplista e exageradamente positivista. A solução está no formalismo moderado, afinal as formas têm por objetivo dar segurança e previsibilidade e só nesta medida devem ser preservadas. A liberdade absoluta impossibilitaria a seqüência natural do processo. Com isso, o processo jamais chegaria ao fim. A garantia da correta outorga da tutela jurisdicional está, precisamente, no conhecimento prévio do caminho a ser percorrido por aquele que busca a solução para uma situação conflituosa. Neste raciocínio, resta evidenciada a preocupação com os resultados e não com formas preestabelecidas e engessadas com o passar dos tempos – (Princípio da Eficiência).
Diante disso e considerados os obstáculos ao desempenho razoável e humanístico da função pública pelos agentes oficiais na marcha processual administrativa, as mudanças de concepção e de mentalidade fazem-se urgentes e necessárias, na medida em que colheremos todos, seja na condição de sujeitos públicos ou privados, os alvissareiros frutos do aprimoramento subjetivo e técnico da Administração e da administração, bem como dos caminhos de tomada de decisões administrativas punitivas pelo Estado.
Sucedem-se situações de singular complexidade no exercício quotidiano da função pública, notadamente no que tange à realização da pretensão punitiva estatal, perante a Administração Pública, de acordo com as fronteiras estabelecidas pelo Direito Administrativo sancionador. A gama variada de agentes públicos que integram a Administração Pública Federal, de formação das mais diversas, traz basicamente duas espécies de resultados do desempenho de suas atribuições: de um lado, a diversidade de conhecimentos e experiências que permeiam os atos praticados, enriquecendo o serviço público nas acepções subjetiva e objetiva e, de outro, ignorância, despreparo, comodismo e inércia tanto no aspecto pessoal, humanístico e psicológico quanto no aspecto técnico, cognitivo e intelectivo – insegurança, portanto, irresponsabilidade e imaturidade para a tomada de decisões em processo administrativo, cujos reflexos danosos são experimentados por todos os afetados pela atividade estatal, tanto no que toca os direitos individuais quanto no que diz respeito a direitos transindividuais.
Cabe ao Poder Público zelar de modo geral pelo andamento do processo administrativo, determinando, quando cabível, a prática de atos pelos interessados. Se a Administração o retarda ou dele (processo administrativo) se desinteressa, infringe o Regime Jurídico Administrativo, violando, em ultima análise, o Estado de Direito Democrático.
Contudo, impulso oficial não é sinônimo de arbítrio oficial. Significa que o Poder Público pode e deve agir de ofício, respeitando – sempre e em qualquer circunstância – a dignidade humana e o interesse geral.
Informações Sobre os Autores
Shirlei Silmara de Freitas Mello
Doutora em Direito pela UFMG. Professora Adjunta na Faculdade de Direito “Prof. Jacy de Assis” da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Ana Paula Dutra Borges
Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Pitágoras. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Processo Administrativo- GEPPA- Universidade Federal de Uberlândia