Resumo: O texto trata, num primeiro momento, do instituto do Compromisso de Ajustamento de Conduta, examinando sua definição, natureza jurídica, requisitos, legitimidade, alcance e conseqüências. Vistas as regras gerais, é estudada sua potencial utilização na atualidade, na Lei de Improbidade Administrativa e no Projeto de Lei de Ação Civil Pública.
Palavras-chave: Compromisso. Ajustamento. Conduta. Improbidade administrativa. Ação civil pública.
Sumário: 1. Introdução. 2. Breve histórico do surgimento do termo de ajustamento de conduta. 3. O Termo de Ajustamento de Conduta e a Transação – Semelhanças e Distinções. 4. Conceito e classificação. 5. Características e requisitos de validade. 6. Legitimidade. 7. Natureza Jurídica. 8. Finalidade e efeitos. 9. Termo parcial, co-legitimados e terceiros no compromisso de ajustamento de conduta. 10. Foro competente, responsabilidade e vícios no termo de ajustamento. 11. Concessões no bojo do termo de ajustamento e vedações à sua fixação. 12. A redação do artigo 17, parágrafo 1º da Lei nº 8.429/92 e o posicionamento doutrinário. 13. Reflexões sobre o Projeto da Lei da Ação Civil Pública. 14. Considerações finais.
1. Introdução:
Vivemos, atualmente, no denominado Estado Democrático de Direito, nos termos do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil. Ainda que possuidor de imperfeições, este sistema consagra a dialética e destaca conceitos e valores fundamentais em nossa sociedade, tais como o princípio da igualdade e a tutela das liberdades de culto e de expressão nas suas mais variadas formas[1].
Como é cediço, o Estado, no exercício de sua soberania, desempenha basicamente três funções: administrativa, legislativa e jurisdicional. A última, também denominada jurisdição, guarda estreita pertinência com o tema ora estudado[2].
Ao invocar para si o monopólio da função jurisdicional, visou o Estado coibir a chamada “justiça de mãos-próprias”.[3] Mas, nem sempre foi assim[4].
Em primeiro momento, vigorou a chamada autodefesa ou autotutela. Era a época da vingança privada, da justiça de mãos-próprias. Não havia um juiz distinto das partes e ocorria a imposição da decisão por uma das partes à outra.
Em momento seguinte, passa a ser adotada a autocomposição como forma de solução de litígios. Buscava-se, por meio desta, a solução dos conflitos por meio da desistência, renúncia ou transação. Sem dúvida, tal método é infinitamente superior ao anteriormente adotado, de caráter marcantemente desagregador e plenamente incompatível com os preceitos orientadores da vida em sociedade.
Contudo, não obstante a evolução ocorrida, problemas continuavam a existir. Isto porque, a parcialidade continuava a caracterizar as decisões e o que freqüentemente se observava era o predomínio do mais forte em conseqüente detrimento do hipossuficiente. É a partir daí, que se percebe a necessidade de atribuir-se o poder decisório a um agente eqüidistante das partes, capaz de conferir ao caso concreto a justa decisão[5], posto que dotado da devida neutralidade. Transfere-se, então, ao Estado o exercício da função jurisdicional[6].
Acreditava-se que, com tal atitude, todos os problemas relativos à solução dos litígios estariam definitivamente resolvidos, pois os agentes estatais se incumbiriam de aplicar a lei aos casos concretos com imparcialidade sem, contudo, perceber-se que, nem os diplomas legais eram capazes de prever soluções para todos os problemas porventura existentes, nem tampouco possuíam tais agentes os instrumentos processuais necessários para conferir às lides a rápida e justa solução que se reclamava. Tais limitações culminam no panorama que hoje se vislumbra em que o Estado, e conseqüentemente a função jurisdicional, vêm sendo muito criticados[7].
Nesse diapasão, surge o chamado movimento de acesso à justiça[8], ou na expressão de Kazuo Watanabe “acesso à ordem jurídica justa”[9], que vem contestando a falta de efetividade do processo, buscando fundamentalmente aprimorá-lo para que o “consumidor” da tutela jurídica, detentor do direito material em questão, consiga auferir melhor proveito. Notável influência exerceu, nesse sentido, o jurista italiano Mauro Cappelletti que deflagrou o movimento doutrinariamente denominado: “ondas do acesso à justiça”[10].
Ao desenvolver a terceira onda renovatória de acesso à justiça, de caráter eminentemente instrumentalista, o mencionado doutrinador acabou por atribuir maior importância às formas extrajudiciais de solução de lides[11]. A natureza coletiva dos interesses muitas vezes envolvidos leva a uma mudança de perspectiva[12] na medida em que se passa a perceber que, em tais casos, mais eficiente do que a eventual condenação pecuniária do réu é a obtenção de acordos e medidas capazes de garantir a ocorrência da lesão em tela ou, ainda, a pronta e efetiva reparação do prejuízo causado[13].
Com o desenvolvimento destas formas de resolução de litígios alcançamos inegável progresso nas relações processuais posto que, assim, é possível obter-se a tutela dos interesses em questão de forma de forma célere, na medida em que tais meios de solução de litígios primam pela informalidade e dispensam os entraves burocráticos enfrentados constantemente no curso de um processo[14]. Ademais, o Judiciário também é beneficiado na medida em que diminuem significativamente o número de ações ajuizadas ou que aguardam a prolação de sentença[15].
Essa conquista processual ameniza, portanto, dois grandes problemas: a morosidade e o alto custo dos processos judiciais que são, ainda, excessivamente burocráticos, alheios à realidade econômica e social que os circundam, findando, em algumas hipóteses, em representar até a formalização da injustiça.
Cabe ainda ressaltar que estas formas alternativas de solução de litígios, perfeitamente consoantes com o princípio de cunho constitucional do acesso à justiça, não implicam, nem de longe, na formação de um movimento de privatização da justiça[16].
Nesse sentido, perfeita é a abordagem feita por Geisa de Assis Rodrigues[17]:
“A Justiça estatal continua sendo o foro mais importante de solução de litígios, existindo, inclusive, uma estreita relação entre os modos alternativos de solução de controvérsias e os Tribunais, principalmente porque estes, ao exercerem seu papel de definir o direito que deve prevalecer nos conflitos a ele subsumidos, emitem mensagens que irradiam para todo o sistema”.
É nesse cenário que se impõe a necessidade de uma detalhada reflexão acerca do termo de ajustamento de conduta e de sua aplicação no âmbito do ordenamento atual e das perspectivas que já se apresentam com o novel Projeto de Lei que visa a disciplinar a ação civil pública.
2. Breve histórico do surgimento do termo de ajustamento de conduta:
O processo que leva ao surgimento do termo de ajustamento de conduta tem início na década de 80. Este período é comumente denominado como “década perdida” na economia mas, contrariamente, é tido como período de grande evolução na seara jurídica.[18]Ocorrem notáveis progressos legislativos[19], O Ministério Público fortalece-se como nunca antes ocorrera, ganha destaque a tutela dos direitos e garantias dos cidadãos, cresce a preocupação com a resolução breve de pequenas causas e com a tutela dos direitos difusos sob a perspectiva do acesso à justiça. Engajadas nessa perspectiva, surgem as leis nº: 7244/84[20], 7347/85 e 8429/92.
Rompem-se, então, antigos dogmas. A celeridade e a instrumentalidade passam a ganhar destaque quando da análise processual[21]. Uma sucessão de mudanças começa a ocorrer no Código de Processo Civil, ao mesmo tempo em que a tutela dos chamados direitos transindividuais ganha acentuada relevância e, por fim, é editado o Código de Defesa do Consumidor que veio a assumir papel de extrema relevância diante da nova realidade processual que se apresentava.
Assim, o termo de ajustamento de conduta, já previsto no artigo 211 da lei 8069/90, passa a ser regulamentado nos termos do artigo 113 do Código de Defesa do Consumidor, instrumento que veio a introduzir o parágrafo 6º no artigo 5º da Lei 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública), pelo que a nova disposição passou a ser aplicável aos direitos coletivos lato sensu, ou seja, aos direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, considerada a norma do artigo 117 do Código de Defesa do Consumidor, que acrescentou o artigo 21 à Lei da Ação Civil Pública.
Convém destacar que a previsão do compromisso de ajustamento de conduta pela Lei supra-referida, acabou por tornar inócuo o veto ao parágrafo 3º do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, posto que repetia as disposições inicialmente vedadas.[22]
Há, ainda, previsão expressa nos parágrafos 1º ao 4º da Lei nº 8.884/94, Diploma que se aplica à ordem econômica, e nos parágrafos 1º ao 8º do art. 79-A da Lei nº 9.605/98, que cuida das infrações contra o meio ambiente.
É possível afirmarmos, portanto, que o estudo do termo de ajustamento de conduta conjuga, necessariamente, três variáveis: os direitos transindividuais, a solução extrajudicial de conflitos e as implicações do Princípio Democrático[23] na definição de decisões políticas que têm como pano de fundo a tutela dos direitos do homem enquanto inserido numa determinada sociedade.
Isto porque, como é cediço, no Estado Democrático de Direito, alia-se justiça e democracia, entendida a última como o direito a ter direitos, recorrendo-se a mecanismos de proteção da tutela preventiva e repressiva da agressão aos direitos como forma de acesso pleno à justiça, assim compreendido o direito a uma ordem jurídica justa, conhecida e implementável. É o chamado direito altruísta, ou seja, o direito a ter outros direitos.
Devemos ter sempre em mente que o direito que não se preocupa com o acesso à justiça não tem compromisso com a realidade. Sendo certo que a tutela estritamente individual não mais era capaz de permitir o real acesso à justiça, advém a proteção de direitos coletivos como decorrência fundamental do Estado Democrático de Direito.
Portanto, o termo de ajustamento de conduta surge em momento de redemocratização das instituições e de radical mudança ideológica por parte dos operadores do Direito.
Aliás, essa guinada na direção a ser seguida quando da análise e resolução dos litígios era a única solução para que se pudesse prestar a tutela jurisdicional de forma satisfatória, posto que, nos moldes em que tradicionalmente se apresentava, não mais correspondia aos anseios da sociedade brasileira, que já era uma sociedade eminentemente de massa e encontrava-se desprovida de qualquer proteção às relações de consumo[24].
3. O Termo de Ajustamento de Conduta e a Transação – Semelhanças e Distinções:
Importante ressaltarmos, ab initio, que o termo de ajustamento de conduta não possui similaridade com qualquer outro instituto alienígena, ao contrário do que ocorre com outras formas de resolução de conflitos por nós adotadas, tal qual a transação penal, prevista na Lei nº 9099/95, e a formação das ações coletivas, nos moldes da Lei nº 7347/85.
Como é cediço, o primeiro instituto encontra equivalente no direito americano e no direito inglês. No primeiro caso, a correspondência ocorre na figura do plea bargaining e no segundo caso do plea guilty, também denominado guilty plea.[25]
No segundo caso, a semelhança aparece quando da comparação de nossas ações coletivas com as chamadas class actions.
Assim, o direito norte-americano[26] prevê instituto correspondente à transação penal, mas não possui nenhum instituto que seja equiparável ao termo de ajustamento de conduta, ou seja, não prevê a existência de nenhum instituto que, ainda na fase investigatória, permita a formação de um acordo que, uma vez cumprido, leve ao imediato arquivamento do feito e que, se descumprido, permita a imediata execução do mesmo.
Nesse passo, a transação referendada pelo Ministério Público, nos termos do artigo 585, inciso II, do Código de Processo Civil e do artigo 57, parágrafo único, da lei 9099/95 é regulada pelo art. 840 e seguintes do Código Civil e pressupõe a disposição sobre direitos patrimoniais de caráter privado.
Cumpre-nos então, sucintamente, apontar os principais pontos de distinção existentes entre o compromisso de ajustamento de conduta e o instituto da transação.
Muito embora ambas possuam, por expressa determinação legal, natureza de título executivo extrajudicial, a Lei dos Juizados Especiais traz em seu bojo uma transação típica, realizada entre partes capazes, acerca de direitos disponíveis, podendo a mesma vir a ser referendada pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores.
Ressalte-se que tal instrumento é destinado à tutela de direitos individuais. Não obstante haja, eventualmente, pluralidade de partes nos pólos ativo ou passivo da relação processual, haverá, na totalidade dos casos, identidade entre o titular do direito e aquele que está legitimado a transigir.
Ainda no tocante ao instituto da transação, convém lembrarmos que, nesse caso, o integrante do Ministério Público ou da Defensoria Pública poderá apenas mediar o acordo, atuando como coadjuvante.
O termo de ajustamento de conduta, por sua vez, é celebrado pelo Parquet ou pelos demais legitimados, com a outra parte. Desta forma, quando da celebração do referido compromisso, os órgãos públicos serão os personagens principais da trama, pois atuarão como partes no acordo.
Nesse caso, a titularidade do direito não coincide com a legitimidade para firmar o ajuste de conduta, posto que os direitos transindividuais pertencem à sociedade e não aquele que está celebrando o ajuste. Como se torna evidente, temos aqui, ao contrário do que ocorre na transação, hipótese de tutela coletiva de direitos.
4. Conceito e classificação:
Seguindo na análise pontual do termo de ajustamento de conduta, compete-nos apresentar as modalidades de compromisso existentes.
Partimos, então, da definição deste instituto. Nesse diapasão,válida é a observação dos ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho[27]:
“Podemos, pois, conceituar o dito compromisso como sendo o ato jurídico pelo qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa através da adequação de seu comportamento às exigências legais”.
Passando à classificação do instituto ora em tela, convém ressaltar que, em sede doutrinária, é comum encontrarmos a subdivisão do termo de ajustamento de conduta em: compromisso extrajudicial e judicial, o último compreendido como o ajuste firmado pelo réu perante o juiz, no curso da ação civil pública.[28]
No tocante ao termo de ajustamento de conduta judicial, um aspecto peculiar é destacado por alguns autores. Entendem certos doutrinadores que, apesar de firmado perante o órgão jurisdicional, o instrumento sempre mantém seu caráter autônomo já que, segundo os mesmos, consistiria num título executivo extrajudicial ex vi legis.
Parcela doutrinária, contudo, sustenta que, uma vez celebrado em juízo, o termo de ajustamento de conduta adquire natureza de título executivo judicial com todas as particularidades a ele inerentes, muito embora possua a mesma finalidade visada pelo compromisso de ajustamento de conduta extrajudicial.[29]
Por fim, uma terceira corrente sustenta a possibilidade da conversão do compromisso extrajudicial em judicial. Para tanto, ter-se-ía que distribuir o termo de compromisso extrajudicial a órgão judicial, que então o homologaria, dando-lhe a chancela de compromisso judicial.[30]
5. Características e requisitos de validade:
São seis as características do termo de ajustamento de conduta comumente apontadas pela doutrina. Assim: a) dispensa testemunhas instrumentárias, bastando que conste no título a assinatura do compromitente e do compromissário ; b) o título gerado é extrajudicial ; c) mesmo que verse apenas sobre ajustamento de conduta, passa a ensejar execução por obrigação de fazer ou não fazer; d) na parte em que comine sanção pecuniária, permite execução por quantia líquida em caso de descumprimento da obrigação de fazer[31]; e) mesmo que verse apenas acerca de obrigação de fazer, pode ser executado independentemente da prévia ação de conhecimento; f) é imprescritível.
Isto porque, o legislador preferiu não estabelecer prazo específico de prescrição para a ação civil pública e podia tê-lo feito, daí, frente os fundamentos do instituto e a singularidade da tutela coletiva, tem-se a imprescritibilidade do compromisso de ajustamento de conduta.
Passando à análise dos requisitos de validade do instituto ora em tela, necessário é subdividirmos o estudo em quatro diferentes aspectos, quais sejam subjetivos, objetivos, formais e temporais.
Os requisitos subjetivos referem-se às pessoas ou entes que podem fixar, regularmente, o termo de ajustamento de conduta. Assim, participam da fixação de tal compromisso o obrigado, ou seja, aquele que deve adequar sua conduta ao estipulado no termo e um dos órgãos públicos legitimados à propositura da ação civil pública.[32]
Os requisitos objetivos referem-se ao conteúdo do compromisso de ajustamento de conduta. Isto porque, o termo não pode ter por objeto mera confissão de dívida, deve conter, também, a promessa de que certa conduta será adequada, por meio de ação ou omissão, ao disposto em lei.
Quanto aos requisitos formais, dispõe a doutrina inexistirem exigências expressas, como ocorre, de ordinário, em todos os atos administrativos[33], salvo exceções expressas, como, por exemplo, as contidas no artigo 76-A da Lei 9605/98 e na Lei 8884/94.
Cumpre destacar que tal instrumento deverá ser sempre escrito em vernáculo e motivado.[34]
Além disso, deve o termo conter o prazo para cumprimento das obrigações, a identificação das partes signatárias, deve ser público e a obrigação cumprida deve estar prevista de forma clara, ou seja, deve ser líquida e certa.
Por fim, quanto aos requisitos de ordem temporal, ressaltamos que o termo de ajustamento de conduta produz seus efeitos a partir do momento em que é regularmente tomado pelo órgão legitimado e que não nos parece ser obrigatória a presença de cláusula prevendo o prazo de vigência do compromisso, desde que o termo preveja um prazo para o adimplemento das obrigações que fixou.
A razão para tal afirmação é bastante evidente, posto que, inexistindo previsão temporal para o cumprimento das obrigações estabelecidas, inegável será a tendência ao inadimplemento e, por conseguinte, o instituto tornar-se-á desprovido de qualquer eficácia.
6- Legitimidade:
Não há, em se tratando de legitimidade para fixação do termo de ajustamento de conduta, entendimento que se possa dizer ser dominante, ao menos até o presente momento, pois também a jurisprudência acerca do tema ainda é insipiente. Parece-nos, portanto, que apenas o decurso do tempo e as decisões adotadas jurisprudencialmente frente aos casos concretos serão capazes de indicar a orientação a ser seguida.
A problemática surge porque a lei concede, excepcionalmente, ao Ministério Público e aos órgãos públicos legitimidade para gerir direitos transindividuais em seara consensual, o que não é permitido às instituições privadas legitimadas para a ação civil pública.
A questão que surge a partir daí, consiste em verificar quais entes são abrangidos pela norma na locução “órgãos públicos”. Embora esse vocábulo remeta a um conceito técnico específico de direito administrativo, significando um centro de atribuições administrativas, sem personalidade jurídica[35], a lei parece ter adotado um significado mais amplo de órgãos públicos para dar ênfase às atribuições públicas de quem poderá promover a tutela extrajudicial desse direito. Frente a essa situação, a doutrina divide-se e diversos posicionamentos aparecem.
Assim, uma primeira vertente é defendida em sede doutrinária por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro[36], no sentido de que a lei concede legitimidade apenas aos órgãos públicos elencados, vedando sua fixação pelas associações.
Uma segunda vertente, capitaneada por Hugo Nigro Mazzilli, entende ser necessária a subdivisão em:
a)Entes que incontroversamente podem fixar o termo de ajustamento de conduta: aqui estariam incluídos, segundo o autor, o Ministério Público, a União, os estados, os municípios o distrito federal e os órgãos públicos.
b)Entes que incontroversamente não podem fixar o termo de ajustamento de conduta: aqui incluir-se-iam as associações civis e as fundações privadas.
c)Entes cuja legitimidade para fixação do compromisso de ajustamento de conduta é questionável: estariam aqui as fundações públicas, as autarquias, as empresas públicas e as sociedade de economia mista.
Isto porque, o que ocorre nessas situações, é a exploração da atividade econômica em situação análoga a das empresas privadas, daí questionar-se a isenção de tais entes para a persecução do interesse público[37]. Não obstante a relevância desse posicionamento, tal raciocínio vem sendo mitigado em função da legitimidade reiteradamente reconhecida ao PROCON, que assume a feição jurídica de uma fundação pública em alguns estados.
Uma terceira posição é sustentada por Geisa de Assis Rodrigues[38]. Entende a doutrinadora que o termo de ajustamento de conduta pode ser fixado pelo Ministério Público, União, estados, municípios e distrito federal. Não poderia, por outro lado, ser fixado por empresas públicas, sociedade de economia mista e organizações sociais, posto que são pessoas jurídicas de direito privado, bem como pelas associações.
Acrescenta a autora que caberia a cada Ministério Público fixar o termo de ajustamento dentro das suas atribuições mas, caso este viesse a ser celebrado por órgão ministerial desprovido de atribuição para tanto, ou por outro ente fora da pertinência temática das suas atribuições, não deveria ser o termo reputado nulo ou sem efeito.[39]
Em que pese a enorme divergência existente, parece-nos que, uma vez atingida a finalidade social pretendida por meio a celebração do respectivo compromisso, passa a ser secundária a questão relativa à legitimidade do órgão que o fixou.
O que nos parece realmente relevante é a anuência do Ministério Público, caso não seja ele o formulador da proposta. Isto porque o legislador constitucional reserva ao Parquet a missão de velar pelos direitos sociais.
Em outras palavras, como na tutela coletiva o Compromisso vai repercutir direta ou indiretamente na vida de milhares ou milhões de pessoas, sendo certo que não é possível ouvir cada um nos autos para dizer se está de acordo e se considera a proposta razoável, caberia ao M.P. esse papel.
Ademais, antes do encerramento do procedimento, deveriam ser ouvidos os demais legitimados, pois podem contribuir de alguma forma, bem como se pode evitar o ajuizamento posterior de outras demandas por co-legitimados que venham a considerar que o Compromisso não resolve adequadamente a questão, gerando as intermináveis discussões acerca de litispendência e coisa julgada que se vê hoje em dia.
Ou seja, como se trata de uma instância de consenso, é preciso dar oportunidade para que todos possam se manifestar e contribuir; mais vale atrasar um pouco o fechamento do Termo a fim de que se previna incidentes posteriores.
7- Natureza Jurídica:
Questão muito tormentosa é a relativa à natureza jurídica do termo de ajustamento de conduta. Fala-se, comumente, em ser o compromisso de ajustamento de conduta:
a) transação ou acordo
b) reconhecimento jurídico do pedido
c) negócio jurídico
Nesse diapasão, entendendo que o termo de ajustamento de conduta é um acordo, encontra-se Hugo Nigro Mazzilli[40], ao argumento de que, hodiernamente, teria havido uma mitigação da indisponibilidade da ação pública.
Também Rodolfo de Camargo Mancuso[41] admite transação no curso da ação civil pública, ao argumento de que a indisponibilidade do objeto não é motivo suficiente para impedir o acordo judicial, quando o recomende o interesse público ou, ainda, a natureza do interesse metaindividual objetivado na ação. Para o autor, portanto, só não seria cabível transação na ação civil pública quando expressamente vedada, tal qual ocorre em matéria de improbidade administrativa (Lei 8429/92).
Em posição diversa, entendendo tratar-se de reconhecimento jurídico do pedido, assim entendido como o reconhecimento de uma obrigação legal a cumprir, destaca-se Paulo Cezar Pinheiro Carneiro[42]. Afirma o autor ser inviável falar-se, na hipótese, em transação, uma vez que, como é cediço, não é possível transacionar-se com direitos por natureza indisponíveis, como se dá com relação aqueles que são passíveis de tutela por meio de ação civil pública.Corroborando esse entendimento, destaca-se José dos Santos Carvalho Filho[43].
Manifestando-se no sentido de ser o instrumento ora analisado um negócio jurídico, merecem destaque as opiniões de Francisco Sampaio[44] e de Geisa de Assis Rodrigues, cujas palavras ressaltamos para melhor compreensão do posicionamento aqui explicitado:
“É um negócio jurídico bilateral, um acordo, que tem apenas o efeito de acertar a conduta do obrigado às determinações legais.”[45]
A par do forte argumento apresentado pela doutrina, conforme demonstrado, no sentido da impossibilidade de transacionar-se com os direitos metaindividuais em virtude de sua indisponibilidade, parece-nos que esta vedação precisa ser temperada.
Como é cediço, o artigo 841 do Código Civil dispõe que somente direitos patrimoniais estão sujeitos à transação. Contudo, entendemos que os direitos difusos e coletivos, apesar de não possuírem caráter patrimonial, não podem se subordinar, de forma absoluta, ao disposto em tal preceito legal. Assim, tal norma deve ser vista com moderação, posto que cindível, na medida em que se permite ao Ministério Público discutir e estabelecer a melhor maneira para que se alcance a defesa do interesse coletivo tutelado.
Logicamente, isto não significa que é permitido ao Parquet renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, pois, se assim fosse, estaria o Ministério Público contrariando sua função institucional, insculpida no artigo 127 da Carta Magna.
Ademais, a prática evidencia que, sem se conceder ao compromissário vantagens, o instituto tornar-se-ia absolutamente ineficaz, pois não haveria qualquer razão para que o mesmo aceitasse a fixação do termo de ajustamento.
Portanto, não nos parece existir qualquer óbice para que haja, quando da realização do compromisso, acordo entre as partes quanto, por exemplo, ao prazo em que devem as obrigações estabelecidas serem cumpridas. O que não pode ocorrer, repita-se mais uma vez, é a prática de transação entre as partes no tocante à essência do direito material controvertido, já que a titularidade deste é conferida à coletividade.
É certo que o limite, por vezes, é tênue, mas a jurisprudência já vêm entendendo que esse princípio, com aliás quase todos os outros, não são absolutos, e devem ser conjugados com os demais princípios constitucionais e analisados no caso concreto.
Veja-se, a título de ilustração, Acórdão proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 253-885-0/MG[46], Rel. Min. Ellen Gracie, relativizando o Princípio da Indisponibilidade dos Bens Públicos, num contexto pós-positivista:
“Poder Público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. É, por isso, o administrador, mero gestor da coisa pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o principio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse”.
8- Finalidade e efeitos:
Como já ressaltamos, o termo de ajustamento de conduta tem por objeto a conformação às exigências da lei vigente ao momento da ocorrência da ameaça ou da violação do direito transindividual. Pode atingir condutas já findas, por se realizar ou em andamento.
A fim de aferirmos a finalidade precípua do compromisso de ajustamento de conduta, devemos atentar para o caráter preventivo do termo de ajustamento, de modo a evitar a ocorrência de uma lesão ou de impedir o prosseguimento desta, uma vez que pode ser impossível a recomposição da situação original.
Com o citado instrumento processual busca-se, então, o acesso à justiça, a tutela preventiva e específica e a aplicação negociada[47] da norma jurídica. Desta forma, o compromisso de ajustamento de conduta mostra-se decorrente do Princípio Democrático pois, conforme demonstrado, acaba por complementar, por extensão, o rol de garantias individuais.
Ao ser fixado o compromisso, surge uma nova situação jurídica decorrente dos efeitos produzidos por esse instrumento. Para fins de sistematização do trabalho, destacamos os quatro principais efeitos advindos da fixação do termo. São eles:
a) Determinação da responsabilidade do obrigado pelo cumprimento do ajustado;
b) Formação de título executivo extrajudicial;
c) Suspensão do procedimento administrativo no qual foi tomado ou para o qual tenha repercussão;
d) Encerramento da investigação após seu cumprimento.
Como já nos referimos diversas vezes aos dois primeiros efeitos e por serem os mesmos auto-explicativos, nos eximiremos de reexaminá-los neste momento.
Compete-nos, neste ponto de nosso trabalho, fazer breve referência à suspensão do procedimento investigatório ou da ação civil pública no curso da qual o compromisso foi tomado.
Sustenta a doutrina que, vindo a ser realizado no curso de um inquérito civil, o termo de ajustamento de conduta leva à suspensão do procedimento até que as obrigações do previstas no termo sejam cumpridas quando, então, será o procedimento arquivado. Neste sentido, posiciona-se Geisa de Assis Rodrigues:
“Quanto ao Parquet já defendemos em item anterior que o ajustamento de conduta tem sua eficácia a partir do momento em que é celebrado, resultando na imediata suspensão do inquérito civil até que seja devidamente cumprido. Após a certificação do cumprimento do ajuste nos autos do inquérito, não havendo outras medidas a serem adotadas, deve a investigação ser arquivada…”[48]
Não obstante o entendimento acima exposto, parece-nos ser diferente a providência a ser adotada nesta hipótese. Assim, vindo o termo de ajustamento de conduta a ser fixado no curso de procedimento investigatório, deve o mesmo ser submetido a procedimento administrativo de controle e monitoramento. Não se trata nem de arquivamento e nem de propositura de ação civil pública, mas tão somente de acompanhamento interna corporis.
Sendo tal compromisso título executivo extrajudicial, como inúmeras vezes já afirmamos, ocorrendo o seu descumprimento não há que se falar em prosseguimento do procedimento investigatório, nem tampouco no ajuizamento de ação de conhecimento sendo cabível, na hipótese, o ajuizamento de ação executiva.
Por evidente, defender entendimento contrário implica na negação de sua eficácia executiva, e na criação de entraves ainda maiores à célere prestação jurisdicional.
No mesmo sentido, a propósito, posiciona-se José dos Santos Carvalho Filho[49].
O mesmo doutrinador entende que, realizado no curso da ação civil pública, o termo de ajustamento de conduta leva à extinção do processo, devendo-se, em caso de descumprimento do ajustado, ajuizar-se, imediatamente, ação de execução.[50]
Impende destacarmos que aqui se apresentam outras duas opções sobre a sorte da ação de conhecimento quando no curso desta o termo é fixado. A primeira delas aponta para a suspensão do processo judicial até o atendimento pleno das obrigações contidas no compromisso. A segunda, por sua vez, sugere a imediata homologação do termo e a extinção do processo com julgamento do mérito.
Parece-nos que as duas possibilidades são admissíveis[51]e a realidade de cada situação é que determinará a solução mais adequada.
Entretanto, quando o cumprimento do acordo depender de evento futuro, como o resultado de um estudo técnico específico, consideramos mais prudente que o processo seja suspenso até a definição precisa das obrigações do réu, sob pena do compromisso tornar-se inócuo e ser necessário o ajuizamento de nova ação civil pública destinada à reparação dos danos não abrangidos pelo primeiro instrumento celebrado[52].
9. Termo parcial, co-legitimados e terceiros no compromisso de ajustamento de conduta:
Com relação ao termo de ajustamento de conduta parcial, duas observações se impõem.
Inicialmente, compete destacar que, uma vez fixado o compromisso parcial, não só os outros entes, como também o próprio legitimado que fixou o instrumento, pode ajuizar ação civil pública em face do compromissário desde que demonstre os fundamentos que o levaram a pretender mais do que aquilo que já havia sido consensualmente acordado e comprove, assim, que o termo fixado não foi capaz de abranger todo o dano causado.
A segunda observação refere-se à possibilidade de, mesmo após a fixação do compromisso, aquele que se sentir individualmente lesado, poder recorrer ao Judiciário buscando seu ressarcimento por meio da exceptio male gesti processus.
A propósito, apenas em uma hipótese seria possível prever que em matéria de direitos metaindividuais os compromissos extrajudiciais poderiam obstar à propositura de ações individuais. Tal ocorreria se a própria lei federal permitisse que eventual transação isentasse o devedor de outras responsabilidades civis.
No tocante aos co-legitimados, questão que se coloca é a possibilidade ou vedação existente à propositura de ação civil pública caso haja discordância quanto à fixação do termo de ajustamento de conduta.
Mais uma vez, a doutrina diverge e uma primeira corrente capitaneada por Hugo Nigro Mazzilli, sustenta a possibilidade de ajuizar-se ação civil pública superveniente na hipótese descrita[53].
Em posição diametralmente oposta, encontra-se o entendimento de Fernando Grella Vieira.[54]
Sustenta o autor que uma vez fixado o termo de ajustamento de conduta por um dos co-legitimados estariam os demais impedidos de ajuizar ação civil pública pois, do contrário, estaríamos negando a finalidade do instituto consagrado e a sua própria natureza jurídica.
Portanto, ainda de acordo com o entendimento do doutrinador, fixado o compromisso, desapareceria o interesse de agir relativo aos demais co-legitimados para fins de ajuizamento de ação civil pública em razão da desnecessidade de se recorrer à fase de conhecimento, se já se possui título hábil a amparar a execução.
Parece-nos, mais uma vez, que a divergência existente é apenas fictícia, posto que as interpretações supramencionadas complementam-se, sendo necessário avaliá-las com moderação.
Entendemos, assim, que a celebração do termo de ajustamento de conduta impede, em um primeiro momento, o ajuizamento de ação civil pública pelo ente que celebrou o instrumento ou por qualquer outro co-legitimado, inclusive pelo Ministério Público. Isto porque, presumindo-se ter sido regular a fixação do instrumento, e demonstrando o mesmo ser capaz de reparar na íntegra o dano causado, de fato há carência de ação por nítida falta de interesse de agir.
Nesse sentido, adota-se a noção mais ampla e flexível de litispendência para as demandas coletivas e para os instrumentos de tutela nessa seara. Como a legitimação é política e institucional, quando um dos possíveis legitimados age, ele não o faz em nome próprio, mas na defesa daquele direito.
O problema que se pode objetar em sede de compromisso de ajustamento de conduta é que alguns legitimados não podem propô-lo. Logo, para esses, não haveria óbice ao ingresso da ação, mas tão somente aos que possam firmar o TAC.
Essa situação não é a ideal. Seria melhor que houvesse uma forma de intervenção no procedimento do compromisso daqueles que não ostentam legitimidade para a sua proposição, pois assim poderia ser criado um sistema mais amplo e seguro àquele que se interessasse em firmá-lo com o legitimado. Algo como uma preclusão suis generis; aquele que intervém no procedimento, toma ciência e não manifesta objeção ou crítica, fica vinculado pelos efeitos do TAC e, por conseguinte, impedido de, posteriormente, ingressar com uma demanda coletiva.
Contudo, ressalvamos tal posicionamento de lege ferenda, não havendo elementos na legislação atual que permitam tal conclusão, a não ser numa perspectiva teleológica.
Situação diversa é a que ocorre quando o instrumento firmado é eivado de vício que acarreta sua nulidade ou é incapaz de gerar a reparação do dano na sua integralidade, quando configura-se o chamado compromisso parcial. Nestas hipóteses parece-nos perfeitamente possível que o ente que fixou o termo ou qualquer outro co-legitimado, excepcionalmente, discorde do ajuste estabelecido, desconsidere-o e busque os remédios jurisdicionais cabíveis, por meio da propositura de ação civil pública ou da ação coletiva que entendam por bem deverem ajuizar.
Isto porque, se não foi capaz de abranger todo o dano ocorrido ou se possui qualquer irregularidade, o termo não atingiu o fim a que se destina, razão pela qual permite-se que os demais co-legitimados insurjam-se contra tal situação, e busquem alcançar o real escopo de tal instrumento, qual seja a rápida reparação do dano ocorrido, com o retorno da situação, tanto quanto possível, ao status quo ante, sem, contudo, comprometer-se a necessária segurança e estabilidade das relações jurídicas.
10- Foro competente, responsabilidade e vícios no termo de ajustamento:
Não possuem maior complexidade as questões de que passamos a tratar neste momento.
Iniciando pelo estudo do foro, não nos parece haver necessidade de fixar-se no compromisso o foro competente para dirimir eventual conflito entre as partes, salvo na hipótese específica da Lei nº 9.605/98.
Quanto à responsabilidade pelo fixado no termo de ajustamento de conduta, essa só pode ser atribuída ao signatário que, espontaneamente firmou o termo e obrigou-se a cumpri-lo.
Passando, por fim, à breve análise dos eventuais vícios contidos no termo de ajustamento, ressaltaremos alguns aspectos que nos parecem mais relevantes.
Conforme já ressaltamos, há vício no termo de ajustamento se a forma de cumprimento das obrigações estipuladas no compromisso não é capaz de ressarcir o dano, posto que se frustrou a finalidade visada pelo preceito legal. Nesse caso, a ação civil pública posteriormente ajuizada pelo ente que fixou o compromisso ou por qualquer outro co-legitimado terá por objetivo a desconstituição do compromisso bem como a pretensão necessária à tutela do interesse difuso ou coletivo afetado (cumulação de pedidos, pedidos sucessivos, etc.).
Compete destacar que, se o instrumento é fixado por quem não tem legitimidade para tal, diverge a doutrina acerca das conseqüências daí advindas.
Há quem sustente[55], nesta hipótese, que o ato será juridicamente inexistente, não havendo sequer a necessidade de sua desconstituição, pois ausente o ente legitimado, faltaria ao ato pressuposto de constituição, razão pela qual seria reputado inexistente.
Outra parcela doutrinária[56], contudo, sustenta que a ilegitimidade ativa na fixação do termo só enseja a invalidação do ajuste quando o órgão com atribuição regular para fixação do instrumento entender que o objeto do ajuste importou em transação indevida com relação ao direito transindividual, ou seja, conjuga-se aqui a irregularidade subjetiva ativa com a irregularidade do objeto.
Como sustentamos anteriormente, havendo a participação do Ministério Público e se este está de acordo com o Compromisso, parece que tal vício tem menor importância, eis que a formalidade deve adquirir caráter secundário priorizando-se, na totalidade dos casos, a adequada tutela do direito material controvertido.
Observe-se, ainda, que a presença de vícios no termo de ajustamento pode levar à sua desconstituição, que ocorrerá da mesma forma como acontece nos atos jurídicos em geral, ou seja, voluntária ou contenciosamente, por meio de ação anulatória. Se o compromisso foi firmado no curso de ação civil pública, a ação cabível para desconstituí-lo será a anulatória pois, in casu, a sentença é meramente homologatória do ato jurídico transacional.
11- Concessões no bojo do termo de ajustamento e vedações à sua fixação:
Como é cediço, é vedada a prática de concessões no bojo do termo de ajustamento, pois este instrumento não se destina a proteger terceiro que não está agindo em consonância com as exigências legais.
Convém ressaltar, ainda, que o compromisso não pode implicar na renúncia a direitos, pois como já dissemos, sendo os mesmos pertencentes à coletividade, torna-se evidente o caráter de indisponibilidade dos mesmos.
Frisamos, uma vez mais, que pequenas concessões relativas à forma e ao prazo para cumprimento das obrigações fixadas no termo, parecem-nos perfeitamente possíveis, posto que não implicam em transação acerca do direito material controvertido, mas em pequenos benefícios que, não só em nada comprometem a indisponibilidade do direito em questão, como ainda viabilizam a formação do ajuste e, conseqüentemente, a reparação dos danos ocorridos e a tutela do interesse coletivo.
Igualmente, em situações nas quais é impossível o retorno ao estado anterior ao processo (estado do bem antes da ocorrência da lesão), será necessário buscar uma solução alternativa, algo como o “resultado prático equivalente”, previsto no artigo 461, § 5º do C.P.C..
Nesses casos, é inegável que haverá certa dose de discricionariedade na busca e na escolha de tal alternativa, o que levará à negociação de cláusulas específicas e questões concretas quanto ao adimplemento das obrigações pactuadas.
Passando à análise das vedações à fixação do termo de ajustamento, são basicamente, quatro as hipóteses em que tal compromisso não poderá ser firmado, ou poderá ser fixado desde que não possua determinadas cláusulas (algumas das quais já tivemos a oportunidade de analisar).
1- Não pode o termo de ajustamento fixar cláusulas impedindo o acesso dos lesados à jurisdição. Como já dissemos, mesmo com o estabelecimento de compromisso de ajustamento de conduta, aquele que se sentir individualmente lesado poderá recorrer ao Judiciário buscando seu particular ressarcimento.
2- Não pode o termo incluir renúncia a direitos materiais de que não são titulares os órgãos públicos legitimados, mas sim a coletividade.
3- Não pode ocorrer, da mesma forma, transação quanto ao objeto material do litígio, pois não têm os legitimados à ação civil pública disponibilidade sobre o direito material controvertido.
12. A redação do artigo 17, parágrafo 1º da Lei nº 8.429/92 e o posicionamento doutrinário.
O artigo 17, parágrafo 1º da Lei de Improbidade Administrativa assim dispõe: “É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput”.
Numa primeira leitura, parece bastante claro que não há espaço para o termo de ajustamento de conduta no âmbito da Lei . Independentemente da natureza que se queira emprestar ao Compromisso, a vedação do dispositivo parece absoluta.
Contudo, tal comando passou a atrair a atenção de diversos autores nacionais que divergem acerca de seu alcance e extensão. Passemos, agora, a examinar as principais manifestações doutrinárias acerca do tema, para que se possa ter uma idéia da divergência.
Wallace Paiva Martins Junior[57] afirma que
“o interesse público traduzido na repressão construída da improbidade administrativa pela respectiva lei comentada não tolera concessões mútuas ou alguma disposição do interesse. (…)Em se tratando de probidade administrativa, a natureza do interesse em particular não permite renúncia a qualquer dos provimentos típicos previstos, pois a indisponibilidade daí derivada é absoluta. As sanções são irrenunciáveis e indisponíveis, não admitindo transação, composição ou acordo, que, se realizados, são absolutamente nulos, e esse traço reforça o entendimento da cumulatividade das sanções. Os co-legitimados ativos do art. 17 não têm disponibilidade sobre o patrimônio público ou sobre a moralidade administrativa. Igualmente, não é admissível a desistência da ação proposta”.
Contudo, reconhece que, de lege ferenda, será útil e mais eficiente a mitigação do princípio da indisponibilidade, para a adoção do instituto da “delação premiada”, favorecendo co-autores, beneficiários ou cúmplices que espontaneamente denunciassem os mentores e principais autores do fato.
Fábio Medina Osório[58] afirma que a Lei nº 8.429/92 equipara-se a um Código Geral de conduta dos agentes públicos. Segundo o autor,
“é uma Lei Geral, de caráter nacional, seguindo o art. 37§ 4ºm da CF. Isso significa que a Lei alcança todos os agentes do setor público e todas as instituições públicas brasileiras, do Presidente da nação até o mais humilde dos servidores, porque não faz ressalva. Diga-se que a única autoridade que ganhou uma referência autônoma, nesse tópico, foi o Presidente da Nação, no art. 85, V, da CF, mas tampouco tal previsão resulta suficiente a afastar essa máxima autoridade pública dos ditames da LGIA. Diga-se que nem mesmo a prerrogativa de foro alteraria esse quadro institucional, viso como não teria força para eliminar o caráter geral do Código em comento”.
No entanto, reconhece que a Lei está em crise, fruto de um fenômeno global, que atinge as instituições fiscalizadoras. Para o autor[59],
“há que se resgatar uma hermenêutica geral em torno ao fenômeno da improbidade e bem assim fomentar postura comprometida com a eficiência e resultados por parte das instituições de controle. Adotar critérios razoáveis, seguros e previsíveis, na compreensão dos atos improbos, equivale a percorrer o caminho institucional do controle eficiente sobre a má gestão pública, sem descurar dos mecanismos preventivos, tão ou mais importantes”.
A dificuldade de se admitir um acordo lato sensu envolvendo interesse público nos remete a própria dificuldade de se compreender os limites e a flexibilidade de tais interesses.
Como bem ressalta Maria Goretti Dal Bosco[60], a expressão interesse público
“pode tomar diferentes matizes, conforme a época e as circunstâncias, como ocorre com outros vocábulos utilizados no Direito Administrativo, tais sejam, ‘utilidade pública’, ‘interesse social’, ‘uso público’, ‘interesse geral’, entre outros, pois, o que hoje é considerado interesse público, amanhã, poderá não sê-lo”.
Prossegue a autora dizendo que o sentido do interesse público surgiu com o surgimento do Estado, a partir da “transferência das responsabilidades sobre a proteção e provimento do grupo social dos seres individuais para uma ficção criada elo Direito, uma personalidade jurídica que é a expressão jurídica da coletividade que representa”.
Dessa forma, finaliza, “interesse público é dessas expressões cercadas de uma indeterminação que impede a fixação de um conceito objetivo e final. Está entre aquelas a que os autores chamam de conceitos jurídicos indeterminados”.
Geisa de Assis Rodrigues[61], com a habitual clareza, assim leciona:
“A lei pode excluir da possibilidade da tutela extrajudicial algumas matérias que, por sua gravidade e lesividade, tornem inadequada a existência de qualquer margem de negociação quanto a prazo, modo e lugar de cumprimento da obrigação. A lei nº 8.429/92 ao dispor no § 1º do artigo 17 que ‘é vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput’, excluiu da esfera de um possível ajuste de conduta a reparação de danos advindos da prática de improbidades administrativas. O ato de improbidade pode ensejar a incidência das seguintes sanções: reparação do dano ao erário, perda da função pública, multa, suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios, perda dos bens advindos do enriquecimento ilícito. Seria possível que o ajustamento de conduta versasse sobre uma dessas penas? Embora à primeira vista, a abrangência do artigo 17 possa impor uma resposta negativa a esta pergunta, consideramos que, se houver, no caso concreto, a disposição de se reparar integralmente o dano ao Erário Público por parte do agente que cometeu o ato de improbidade, ainda em sede extrajudicial, não podemos, sob pena de violar os princípios que se aplicam à tutela extrajudicial, impossibilitar simplesmente a celebração do ajuste. Este, tendo eficácia executiva, será mais um importante meio de defesa do patrimônio público. As demais sanções, no entanto, a evidência, estão fora da possibilidade de acordo ou negociação. É bom que se frise que o compromissário poderá ser sancionado pela lei de improbidade, ainda que repare integralmente o dano ao Erário”.
A autora concorda, então, com os termos do artigo 364 do Manual do Promotor do Ministério Público Estadual de São Paulo, que assim dispõe: “Tratando-se de ato de improbidade administrativa, o acordo deverá abarcar a integral reparação dos danos, sendo vedada transação acerca das demais sanções previstas no artigo 12 da Lei Federal nº 8429/92”.
Roberto Senise Lisboa[62] também admite tutelar o patrimônio público no ajuste de conduta desde que não seja caso das sanções de improbidade administrativa.
Marino Pazzaglini Filho[63] afirma que a vedação do artigo 17 § 1º é expressa e enfatiza que caso fosse permitida, inviabilizaria a persecução civil, frustrando as demais sanções previstas na Lei. No entanto, admite uma exceção:
“Vislumbra-se, como exceção, uma única situação em que a transação, em caso de improbidade administrativa, poderia ser realizada, ou seja, quando o autor da ação (Ministério Público ou Pessoa Jurídica Lesada) tão-somente postular, no caso de ato de improbidade administrativa que importa em enriquecimento ilícito, a restituição integral do acréscimo patrimonial indevido, e, na hipótese de ato de improbidade administrativa lesivo ao Erário, a reparação total da lesão patrimonial”.
Finalmente, Emerson Garcia e Rogério Pacheco[64], em obra que é referência nacional no tema improbidade administrativa, fazem uma ressalva imprescindível para a correta compreensão do problema.
Sustentam que o desejo do legislador foi proibir a celebração de termos de ajustamento de conduta, em matéria de improbidade, de modo a que se afastasse o ajuizamento da ação em busca da aplicação das sanções previstas no art. 12.
Por outro lado,
“não vedou o legislador, no entanto, que se acordasse quanto às condições, o prazo e o modo de reparação do dano causado ao erário ou mesmo quanto à perda da vantagem ilicitamente obtida pelo agente, inclinando-se por tal solução a melhor orientação doutrinária. Quanto a tais aspectos, como soa evidente, tem-se direitos meramente patrimoniais, disponíveis portanto, nada impedindo que o legitimado, via ajustamento de conduta, sem abrir mão da reparação integral do dano – e da pretensão sancionatória -, acorde quanto às condições de sua mera implementação”.
Nesse passo, o que for acordado entre o agente e o órgão legitimado quanto à reparação integral do dano (condições, prazo e modo) não impedirá o ajuizamento da ação civil para a aplicação das sanções de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o Poder Público ou dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Contudo, “a celebração do ajuste deve ser considerada pelo magistrado por ocasião da dosimetria das referidas sanções civis, atuando a integral reparação do dano ou a reversão da vantagem ilicitamente obtida como verdadeira circunstância atenuante no campo da ação por improbidade administrativa”.
Os autores concordam que, dentro desta perspectiva o ajustamento de conduta não será muito atrativo ao réu. No entanto, vislumbram uma potencial aplicação do TAC em caráter preventivo e em se tratando de obrigação de fazer.
Um exemplo dado é o
“mascaramento de contratos de compra em contratos de prestação de serviços, o que acaba por possibilitar a sua indevida prorrogação, pela administração, por até sessenta meses, frustrando-se o princípio da licitação pública, constitucionalmente consagrado. (…) Em casos tais, nada melhor, sobretudo durante os períodos de sucessão de mandato, por ocasião do início de uma nova administração, que o imediato ajustamento de conduta com vistas a que se evitem as ilegalidades verificadas, ao longo dos anos, em administrações pretéritas, prevenindo, inclusive, litígios futuros com o novel mandatário. O ajustamento de conduta, aqui, versará sobre obrigação de fazer ou de não fazer, com expressa cominação de sanção pecuniária, e será celebrado entre o legitimado e o próprio agente público, que, assim, pessoalmente, assumirá o compromisso de evitar a dilapidação do patrimônio público, abstendo-se de agir em determinado sentido ou implementando medidas impeditivas de tal evento. Descumprido o ajustado, disporá o tomador do compromisso de título executivo extrajudicial, que o habilita à utilização do processo de execução em face do agente público, na forma do art. 645 do CPC.”
Como se pode perceber, a doutrina brasileira vem adotando postura conservadora, não ousando questionar a redação do referido artigo 17, parágrafo 1º, quer pela adoção de uma acomodada interpretação literal, quer pelo fundado receio de que a abertura da via consensual em sede de improbidade administrativa venha a significar a tredestinação do ato, abrindo-se uma inconveniente porta para outros e mais graves atos de improbidade administrativa, justamente no procedimento que tinha como objetivo sancionar tal conduta.
13. Reflexões sobre o Projeto da Lei da Ação Civil Pública.
Vamos partir, aqui, de algumas premissas que orientarão nosso exame.
Temos para nós que, apesar de certo dissenso acadêmico, a ação de improbidade é uma espécie do gênero ação civil pública.
Como tal, deve haver consistência e congruência entre os institutos.
O compromisso de ajustamento de conduta, previsto na legislação “mãe” deve ser aplicado a todas as modalidades, guardadas as devidas proporções.
Por mais que isso não seja, de início, bem visto pela doutrina hoje especializada, parece ser uma tendência do legislador.
O Projeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos[65], apresentado ao Ministério da Justiça em janeiro de 2007, e que acabou por ser arquivado em janeiro de 2009, apresentava a seguinte definição para o compromisso:
“Art. 21. Do termo de ajustamento de conduta. Preservada a indisponibilidade do bem jurídico protegido, o Ministério Público e os órgãos públicos legitimados, agindo com critérios de equilíbrio e imparcialidade, poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta à lei, mediante fixação de modalidades e prazos para o cumprimento das obrigações assumidas e de multas por seu descumprimento”
Prosseguindo, no artigo 25, parágrafo 3º determinava que “preservada a indisponibilidade do bem jurídico coletivo, as partes poderão transigir sobre o modo de cumprimento da obrigação”.
O Projeto, após intensos debates, acabou arquivado e cedeu lugar a uma proposta de Lei mais modesta, ou seja, ao invés de se propor a criação de um “Código”, seria feita uma sugestão para uma Lei regulamentando as ações civis públicas.
Em fevereiro de 2009, foi apresentada a versão sistematizada[66] do chamado “Sistema Único de Ações Coletivas Brasileiras”, com as seguintes disposições acerca do Compromisso e de formas de composição em sede de direitos transindividuais.
Art. 19. Não sendo o caso de julgamento antecipado, encerrada a fase postulatória, o juiz designará audiência preliminar, à qual comparecerão as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.
§ 1o. O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conciliação, sem prejuízo de outras formas adequadas de solução do conflito, como a mediação, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro, observada a natureza disponível do direito em discussão.
§ 2º. A avaliação neutra de terceiro, de confiança das partes, obtida no prazo fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, tendo por finalidade exclusiva orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.
§ 3o. Quando indisponível o bem jurídico coletivo, as partes poderão transigir sobre o modo de cumprimento da obrigação.
§ 4º. Obtida a transação, será homologada por sentença, que constituirá título executivo judicial.
A Lei apresenta, em primeiro lugar, uma hipótese de transação, não esclarecendo, contudo, qual sua extensão, e ressalva, no parágrafo terceiro, que em caso de direito indisponível, as partes poderão pactuar apenas quanto ao modo de cumprimento da obrigação.
Esse dispositivo tem causado certa perplexidade, pois parece contribuir para criar mais uma discussão infindável em sede de ação civil pública, na medida em que não há parâmetros claros que apontem para a disponibilidade ou não do direito.
Interessante, porém ineficaz, a disposição acerca dos meios alternativos de solução de conflitos. A matéria ainda é incipiente no ordenamento brasileiro e não há números expressivos nem mesmo nos conflitos individuais versando sobre direitos disponíveis, quanto mais em sede de direitos coletivos. Seria mais prudente aguardar a aprovação do Projeto de Lei de Mediação (P.L. nº 94) para então traçar uma ponte mais segura entre os institutos.
De qualquer forma, a avaliação neutra de terceiro, que também se pretende inserir no Projeto de Lei sobre mediação, é instrumento de inspiração e traço cultural norte-americano, que consideramos inadequado ao direito brasileiro, sobretudo porque acabará por gerar delongas no já sobrecarregado procedimento coletivo, afrontando o Princípio da Tempestividade Jurisdicional.
Como temos tido a oportunidade de nos manifestar, entendemos que os meios alternativos devem ser intensamente motivados como forma de exclusão do processo; em outras palavras, devem ser tentados, exaustivamente, antes do início da relação processual.
Paralizar a demanda para, só aí, tentar a solução alternativa é contraproducente e desnecessário, pois as partes podem fazer as tratativas ou negociações fora dos autos e, após, simplesmente comunicar ao juízo para fins de homologação.
Frisamos para que fique clara nossa posição. Somos entusiastas dos meios alternativos; contudo, estamos em que eles devem ser utilizados fartamente antes da provocação da via jurisdicional. A utilização incidental deve ser a exceção e não a regra.
Prosseguindo, o artigo 27, § 6º do Projeto dispõe:
§ 6º. Se for no interesse do grupo titular do direito, as partes poderão transacionar, após a oitiva do Ministério Público, ressalvada aos membros do grupo, categoria ou classe a faculdade de não concordar com a transação, propondo nesse caso ação individual no prazo de um ano, contado da efetiva comunicação do trânsito em julgado da sentença homologatória, observado o disposto no parágrafo único do art. 13.
Trata-se de regra inovadora, porém ainda imperfeita. Quer nos parecer que não basta a oitiva do Ministério Público. Ou melhor dizendo: a simples oitiva de nada adianta na prática. A norma teria mais sentido se dispusesse “após a concordância do Ministério Público”, já que, pela inteligência do artigo 127, caput, da Carta de 1988, foi o Parquet o órgão escolhido pelo legislador constitucional para tutelar os interesses transindividuais.
Quer nos parecer que, numa leitura teleológica da norma, ante a física impossibilidade de ouvir todos os interessados, deve optar o legislador por eleger uma instituição que deve se manifestar em nome de todos.
Finalmente, o T.A.C. vem tratado nos artigos 49 a 52, que não apresenta grandes distinções quanto ao modelo atual, salvo pela opção expressa de atribuir-lhe a natureza jurídica de “transação”, embora limitada aos parâmetros de modalidades e prazos para cumprimento, ressalvando-se expressamente a possibilidade de homologação judicial, mesmo quando tomado no curso do procedimento administrativo.
Eis a redação dos dispositivos.
“CAPÍTULO VIII. DO COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E DO INQUÉRITO CIVIL
Art. 49. Os órgão públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante a fixação de deveres e obrigações, com as respectivas multas devidas no caso do descumprimento.
Art. 50. O valor da cominação pecuniária deverá ser suficiente e necessário para coibir o descumprimento da medida pactuada. A cominação poderá ser executada imediatamente, sem prejuízo da execução específica.
Art. 51. O compromisso de ajustamento de conduta terá natureza jurídica de transação, com eficácia de título executivo extrajudicial, sem prejuízo da possibilidade da sua homologação judicial, hipótese em que sua eficácia será de título executivo judicial.
Parágrafo único. Não será admitida transação no compromisso de ajustamento de conduta que verse sobre bem indisponível, salvo quanto ao prazo e ao modo de cumprimento das obrigações assumidas.
Art. 52. A execução coletiva das obrigações fixadas no compromisso de ajustamento de conduta será feita por todos os meios, inclusive mediante intervenção na empresa, quando necessária.
§ 1º. Quando o compromisso de ajustamento de conduta contiver obrigações de naturezas diversas, poderá ser ajuizada uma ação coletiva de execução para cada uma das obrigações, sendo as demais apensadas aos autos da primeira execução proposta.
§ 2º Nas hipóteses do § 1º, as execuções coletivas propostas posteriormente poderão ser instruídas com cópias do compromisso de ajustamento de conduta e documentos que o instruem, declaradas autênticas pelo órgão do Ministério Público, da Defensoria Pública ou pelo advogado do exequente coletivo.
§ 3º Qualquer um dos co-legitimados à defesa judicial dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos poderá propor a ação de execução do compromisso de ajustamento de conduta, mesmo que tomado por outro co-legitimado.
§ 4º Quando o ajustamento abranger interesses ou direitos individuais homogêneos, o indivíduo diretamente interessado poderá solicitar cópia do termo de compromisso de ajustamento de conduta e documentos que o instruem, para a propositura da respectiva ação individual de liquidação ou de execução.
§ 5º Nos casos do parágrafo 4º, o indivíduo interessado poderá optar por ajuizar a ação individual de liquidação ou de execução do compromisso de ajustamento de conduta no foro do seu domicílio ou onde se encontrem bens do devedor.”
Algumas posições que já vinham recebendo ampla acolhida na doutrina foram contempladas no Projeto, como a possibilidade do lesado obter cópia do TAC para viabilizar sua demanda individual, ou mesmo liquidar e executar a parcela que lhe cabe, após sentença condenatória nos autos da ação coletiva.
Também se assegura a possibilidade de co-legitimado ajuizar execução com base no TAC, o que reforça a tese da legitimidade institucional (autônoma e disjuntiva) para as demandas coletivas.
Não há dispositivo específico acerca da improbidade administrativa e nem os artigos finais do Projeto mencionam a revogação de qualquer dispositivo da Lei nº 8.429/92.
Isso certamente trará confusão e incerteza, pois o Projeto fala em transação e compromisso, atenuando a disposição de vontade (mas não eliminando-a) quando em jogo um “direito indisponível”, o que, definitivamente, parece ser o caso da improbidade.
14. Considerações finais.
Vistos os principais pontos relativos ao compromisso de ajustamento de conduta na legislação brasileira, no Projeto de Lei, chegou a hora de sistematizar algumas considerações acerca de sua potencial utilização em matéria de improbidade administrativa.
Nesse passo, sem escapar ao problema central, colocamos de forma clara a indagação: é juridicamente possível que um réu, em ação de improbidade aceite fazer um “acordo” com o autor, seja ele Ministério Público ou o presentante da pessoa jurídica de direito público lesada?
Como vimos, a doutrina majoritária, salvo casos isolados e pontuados, nega peremptoriamente tal possibilidade.
Não obstante, ousamos divergir, em parte, com base nas seguintes premissas:
a) Em regra, proposta a ação de improbidade, deve ela ser encerrada por uma sentença impositiva do juiz;
b) Não é da tradição e nem da essência do direito pátrio acolher soluções consensuais envolvendo direito público, por definição indisponível e não transacionável;
c) Ocorre que, em tempos de neo-constitucionalismo e pós-positivismo, não se pode advogar a tese da existência de direitos absolutos, devendo ser efetivada a ponderação no caso concreto;
d) O cabimento, em tese, de acordo, só é viável em ação judicial. Não pode ser feito em procedimento investigatório ou administrativo, pois o controle judicial é imperioso para “ponderar” o princípio da indisponibilidade do interesse público;
e) Se o Ministério Público não for o autor da ação de improbidade, deve sempre ser ouvido e concordar. A discordância do M.P. impede o acordo, pois o legislador constitucional impôs ao Parquet o mister de presentar a sociedade em juízo, velando pelos interesses sociais e individuais indisponíveis;
f) Pode o réu concordar com o pedido, com o objetivo de abreviar o rito da ação. Trata-se de conciliação na modalidade reconhecimento do pedido. Não há razão plausível para proibir tal prática, eis que haverá menor movimentação da máquina e será poupado dinheiro público e o tempo dos funcionários públicos envolvidos na demanda. Não custa lembrar que nas ações de improbidade, o Estado, por meio de seus ramos e órgãos, está presente em todos os vértices do triângulo processual; ou seja, o autor é um órgão público ou o Ministério Público; o réu é um agente ou ex-ocupante de cargo público. Em regra, há um estudo técnico-contábil que instrui a inicial, preparado pelo Tribunal de Contas; e, finalmente, é o Estado-Juiz quem julgará.
g) Como já ressaltado por Emerson Garcia e Rogério Pacheco, é perfeitamente viável se pensar em um Compromisso preventivo, com o objetivo de monitorar a conduta do agente e evitar que ele venha a cometer um ilícito comum a seus colegas ou antecessores.
h) Deve ser amadurecida a idéia de um “ajustamento” que produzisse efeito semelhante à “delação premiada” que ocorre no direito penal. Tal circunstância deveria ser analisada pelo Ministério Público e pelo Juiz, observadas as peculiaridades do caso concreto, oportunizando-se, sempre que possível a manifestação da sociedade civil organizada e, acima de tudo, fundamentando-se, exaustivamente, o ato.
i) Isso vem ao encontro da idéia de justiça rápida. Não custa lembrar que mesmo na hipótese de ilícito criminal, há previsão para “penas” alternativas, como a transação penal e s suspensão condicional do processo, dependendo do quantum previsto em abstrato. Se assim é na seara criminal, e levando-se em conta que muitas vezes o ato de improbidade configura, concomitantemente, um ilícito penal, não parece razoável a inexistência de algum mecanismo de composição consensual, ainda que controlado ou restrito, no âmbito da ação de improbidade.
Vistas essas considerações, esperamos ter cumprido nosso objetivo de promover um estudo sistemático do compromisso de ajustamento de conduta, enfatizando sua (pouca) utilidade no procedimento da ação de improbidade administrativa, como concebido nos dias atuais.
Não obstante as inovações propostas, o texto do Projeto de Lei ainda precisa ser amadurecido para que soluções mais factíveis sejam viabilizadas.
Talvez esteja faltando um olhar pós-positivista, desapegado de dogmas absolutos, porém ancorado na realidade e nos limites do direito brasileiro.
Pós-Doutor em Direito (Uconn Law School). Mestre, Doutor e Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ. Professor dos Cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UNESA. Promotor de Justiça Titular no Estado do Rio de Janeiro.
Mestre em Direito. Professora de Direito Processual Civil da UCAM. Advogada no Rio de Janeiro.
Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…
O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…
O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…