Resumo: A aposentadoria especial é um benefício importante e de difícil manejo, porque a legislação sobre ela tem sido alterada continuamente ao longo dos anos. Este artigo apresentará as principais alterações legislativas sobre o tema, e como elas influenciaram na concessão do benefício de aposentadoria especial ao vigilante. Partindo da legislação e de interpretações reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência, os resultados mostrarão que, mesmo atualmente, é possível ao vigilante a obtenção do benefício.
Palavras-chave: Direito Previdenciário. Aposentadoria Especial. Vigilante.
Abstract: Special retirement is an important and difficult to manage benefit because the legislation on it has been continually changed over the years. This article will present the main legislative changes on the subject, and how they have influenced the granting of the special retirement benefit to the vigilant worker. Based on the legislation and interpretations recognized by the doctrine and jurisprudence, the results will show that, even today, it is possible for the vigilant worker to obtain the benefit.
Keywords: Social Security Law. Special Retirement. Vigilant.
Sumário: Introdução. Desenvolvimento. Conclusão.
Introdução
A aposentadoria especial é um benefício previdenciário que permite a aposentação do trabalhador com um menor tempo de contribuição, em razão do exercício de atividades (consideradas especiais) que merecem do legislador esta distinção previdenciária, quer pela nocividade, e, em muitos casos, pelo risco ou penosidade.
O benefício merece especial atenção do aplicador do direito, uma vez que tem um intrincado arcabouço jurídico que se alterou ao longo dos anos. Com isso, diversas atividades laborais que conferiam, no passado, o direito ao benefício a seus titulares, hoje já não permitem mais a concessão do benefício. Saber como isso é possível, e quais instrumentos jurídicos permitem essa conclusão, é indispensável para quem pretende compreender as hipóteses em que o benefício pode ser concedido.
Se é certo que ao longo dos anos a situação jurídica do benefício vem sendo alterada, não é menos certo que há instrumentos jurídicos que permitem uma orientação segura sobre a aplicação da norma. Tais instrumentos vêm sendo consagrados pelos Tribunais, como regra, formando uma jurisprudência fértil sobre o tema.
O escopo deste trabalho é delimitar como a aposentadoria especial evoluiu legislativamente ao longo dos anos, e como isso influenciou seu reconhecimento para os profissionais que atuam no ramo da vigilância. Com o aumento exponencial da violência no Brasil, é importante compreender se os profissionais do ramo da vigilância, responsáveis pela defesa e segurança de diversos tipos de transportes e estabelecimentos, comerciais ou não, possuem direito a esta aposentadoria diferenciada, pelo grau de risco a que exposto. Este escopo justifica a importância do tema analisado.
A presente monografia utilizará do método dedutivo, partindo de afirmações aceitas para se chegar em uma conclusão lógica, bem como da documentação indireta lastreada em pesquisa bibliográfica, análise da legislação e jurisprudência. O trabalho será dividido em três partes: esta introdução, seguida pelo desenvolvimento do tema e finalizada pela conclusão.
Espera-se, com isso, contribuir com o tema da aposentadoria especial, e, principalmente, permitir que o aplicador do direito tenha subsídios para entender como se formou e como vem sendo aplicada a jurisprudência sobre o tema, em especial no que toca a atividade do vigilante.
Desenvolvimento
A aposentadoria especial, na sucinta definição de Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior (2007, p. 251):
“Na essência, é uma modalidade de aposentadoria por tempo de serviço, com redução deste, em função das peculiares condições sob as quais o trabalho é prestado, presumindo a lei que o seu desempenho não poderia ser efetivado pelo mesmo período das demais atividades profissionais.
A carência é idêntica à das aposentadorias por idade e por tempo de serviço. O requisito específico será o tempo de 15, 20 ou 25 anos de serviço, conforme a atividade”.
Trata-se, portanto, da possibilidade de jubilação com tempo reduzido, diante das características do trabalho realizado (ditos especiais), que, como mencionado, são legalmente reconhecidos como prejudiciais em algum aspecto ao trabalhador, não se podendo exigir dele o exercício pelo mesmo tempo de outras atividades (ditas comuns) para as quais a legislação prevê a jubilação com 35 anos de tempo de contribuição o homem, e 30 anos a mulher.
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei 3.807, de 26 de agosto de 1960 (LOPS), sendo concedida ao segurado que houvesse trabalhado em serviços que, conforme a atividade profissional, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
O Decreto n.º 53.831, de 25 de março de 1964 regulamentou a Lei nesta parte, criando um quadro anexo estabelecendo a relação de agentes químicos físicos e biológicos considerados nocivos no trabalho, bem como os serviços e atividades profissionais classificadas como insalubres, perigosas ou penosas.
Embora este Decreto tenha sido expressamente revogado pelo Decreto n.º 66.755, de 22 de maio de 1968, no dia seguinte (23/05/68), foi publicada a Lei n.º 5.440-A, que exigiu um novo Decreto para sua regulamentação: o Decreto n.º 63.230, de 10 de setembro de 1968.
Em conformidade com a Lei n.º 5.440-A, o Decreto n.º 63.230 ressalvou, em seu artigo 7º, o direito à aposentadoria especial na forma do revogado Decreto n.º 53.831/64 aos segurados que, até 22 de maio de 1968 (data da revogação do Decreto), houvessem completado o tempo de trabalho previsto para a respectiva atividade profissional como previsto no quadro anexo àquele Decreto n.º 53.831/64.
Após isso, a Lei n.º 5.527, de 08 de novembro de 1968, passou a prever que:
“As categorias profissionais que até 22 de maio de 1968 faziam jus à aposentadoria de que trata o artigo 31 da Lei n.º 3.807, de 26 de agosto de 1960, em sua primitiva redação e na forma do Decreto n.º 53.831, de 25 de março de 1964, mas que foram excluídas do benefício por força da nova regulamentação aprovada pelo Decreto n.º 63.230, de 10 de setembro de 1968, conservarão direito a esse benefício nas condições de tempo de serviço e de idade vigentes naquela data”.
A conclusão a que se chega, portanto, é que o Decreto n.º 53.831/64, mesmo expressamente revogado, acabou encontrando fundamento de aplicabilidade inicialmente na Lei n.º 5.440-A e Decreto 63.230/68, e, após, fundamento direto na Lei n.º 5.527/68, de forma que permaneceu em vigor, até o advento do Decreto n.º 2.172/97 (de 05 de março de 1997) que visou regulamentar a alteração legislativa operada pela medida provisória n.º 1.523/96 (que expressamente revogou a Lei n.º 5.527/68).
Posteriormente, por força da Lei n.º 5.890, de 08 de junho de 1973, elaborou-se o Decreto n.º 72.771/73, que, devido a alterações legislativas posteriores (consolidadas na CLPS instituída pelo Decreto n.º 77.077/76), foi substituído pelo Decreto n.º 83.080, de 24 de janeiro de 1979, cujos anexos I e II traziam novo rol de agentes nocivos e atividade insalubres. O Decreto 83.080/79 passou a viger, juntamente com o Decreto 53.831/64, constituindo-se em diplomas recíprocos e complementares.
A tabela prevista no Decreto 83.080/79, e a prevista no Decreto n.º 53.831/64, permaneceram em vigor até o advento do o Decreto n.º 2.172/97, porque com a edição da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991 houve ressalva no art. 152 que “a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, no prazo de 30 (trinta) dias a partir da data da publicação desta lei, prevalecendo, até então, a lista constante da legislação atualmente em vigor para aposentadoria especial”, quais eram, os Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79 (os Decretos n.º 357/91 e 611/92 eram expressos em determinar a aplicação dos antigos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79). Note-se que a norma nunca foi submetida ao Congresso, sendo que o art. 152 acabou revogado pela Lei n.º 9.528/97, que expressamente determinou a regulamentação por Decreto do Poder Executivo.
O importante, no entanto, é se notar que desde sua implementação pela LOPS, e mesmo após com a Lei n.º 8.213/91 (somente até a edição da Lei n.º 9.032/95), a aposentadoria especial era devida ao segurado que trabalhava sujeito a condições especiais enquadrados de duas formas: (a) ou por atividade profissional; (b) ou por agente insalubre, perigoso ou penoso. As atividades estavam elencadas nos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79, assim como o estavam os agentes perigosos, insalubres e penosos.
A Lei n.º 9.032, de 28 de abril de 1995, conferindo nova redação ao artigo 57 da Lei n.º 8.213/91, teve o claro condão de afastar o enquadramento da atividade especial por categoria profissional, elencada nos Decretos regulamentares. Exigiu-se, com esta lei, a realização de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, devendo o segurado comprovar exposição aos agentes nocivos em todo o período. Mesmo neste período, até o advento do Decreto n.º 2.172/97, os agentes nocivos eram os previstos nos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79, por força da regulamentação do Decreto em vigor, à mingua de lei sobre o assunto (art. 58 da Lei n.º 8.213/91).
A Lei n.º 9.032/95 somente veio a ser definitivamente regulamentada com a edição do Decreto n.º 2.172/97, que excluiu qualquer referência ao enquadramento por atividade profissional, e definiu novos agentes nocivos, atendo-se somente a agentes insalubres, sem fazer menção a agentes penosos ou perigosos. O Decreto n.º 2.172/97 manteve sua vigência até que veio a ser substituído pelo Decreto 3.048/99, em vigor atualmente, e que contém novo rol de agentes insalubres.
Note-se que o conhecimento da evolução legislativa é de suma importância, porque a jurisprudência pacífica dos Tribunais firmou-se no sentido de que o exercício de atividade que enseja a concessão de aposentadoria especial se integra ao patrimônio jurídico do trabalhador quando segue as regras em vigor no momento em que houve a prestação do serviço. Em outras palavras: é a lei em vigor no momento do trabalho realizado que vai determinar se a atividade é especial (enseja aposentadoria especial) ou se é comum (enseja aposentadoria comum). Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça já está pacificado:
“RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL E COMUM. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE. ART. 9º, § 4º, DA LEI 5.890/1973, INTRODUZIDO PELA LEI 6.887/1980. CRITÉRIO. LEI APLICÁVEL. LEGISLAÇÃO VIGENTE QUANDO PREENCHIDOS OS REQUISITOS DA APOSENTADORIA. 1. Trata-se de Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com intuito de desconsiderar, para fins de conversão entre tempo especial e comum, o período trabalhado antes da Lei 6.887/1980, que introduziu o citado instituto da conversão no cômputo do tempo de serviço. 2. Como pressupostos para a solução da matéria de fundo, destaca-se que o STJ sedimentou o entendimento de que, em regra; a) a configuração do tempo especial é de acordo com a lei vigente no momento do labor, e b) a lei em vigor quando preenchidas as exigências da aposentadoria é a que define o fator de conversão entre as espécies de tempo de serviço. Nesse sentido: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC. 3. A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço. Na mesma linha: REsp 1.151.652/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 9.11.2009; REsp 270.551/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 18.03.2002; Resp 28.876/SP, Rel.
Ministro Assis Toledo, Quinta Turma, DJ 11.09.1995; AgRg nos EDcl no Ag 1.354.799/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 5.10.2011. 4. No caso concreto, o benefício foi requerido em 24.1.2002, quando vigente a redação original do art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991, que previa a possibilidade de conversão de tempo comum em especial. 5. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (REsp 1310034/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/10/2012, DJe 19/12/2012).”
É por este motivo que, até a vigência da Lei n.º 9.032/95, para comprovação do tempo especial, bastaria a apresentação do formulário SB-40, DISES SE 5235 ou DSS 8030, preenchido pela empresa, empregador ou preposto, comprovando o enquadramento do segurado numa das atividades elencadas nas listas dos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79.
Após a Lei n.º 9.032/95, até a publicação da medida provisória n.º 1.523, de 13 de outubro de 1996, basta apresentação dos mesmos formulários, que devem fazer menção ao agente nocivo, já que, nesta época, não mais vigia a sistemática de enquadramento em atividade profissional considerada especial, sendo necessária a comprovação de exposição do segurado aos agentes nocivos também previstos nos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79.
Note-se que a exigência de laudo técnico, embora seja imperiosa para o agente ruído, a qualquer tempo, diante da especificidade da medição, somente veio a ser requisito imprescindível para outros agentes com a edição da medida provisória nº 1.523, de 13 de outubro de 1996, convertida na Lei n.º 9.528/97. Por este motivo, após 13 de outubro de 1996 exige-se formulário emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho atestando a exposição aos agentes nocivos previstos: a) nos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79 até 05 de março de 1997; b) no Decreto 2.172/97 a partir de 05 de março de 1997; c) no Decreto 3.048/99, que passa a embasar os enquadramentos posteriores a sua edição (06/05/1999).
O formulário a que se refere a lei, atualmente, é o perfil profissiográfico mencionado pelo § 4º acrescentado ao artigo 58 da Lei n.º 8.213/91, regulamentado pelo Decreto n.º 4.032, de 26 de novembro de 2001, a partir de quando se tornou o documento probatório da efetiva exposição dos segurados aos agentes nocivos.
A questão relativa ao uso de equipamentos de proteção individual (EPI), e sua eficácia, foi discutida e pacificada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 664.335 em 04/12/2014. Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2015, p. 28) esclarece este ponto:
“Questiona-se, assim, se o fornecimento do equipamento de proteção individual ao empregado exclui ou não o direito do segurado ao recebimento da aposentadoria especial.
A respeito do tema, cabe registrar que a Súmula nº 9 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais assim prevê: "Aposentadoria Especial. Equipamento de proteção individual. O uso de equipamento de proteção individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado" (DJ 05.11.03).
O art. 166 da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que a empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.
A Norma Regulamentadora nº 6 do Ministério do Trabalho e Emprego prevê que se considera equipamento de proteção individual (EPI) "todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho" (item 6.1).(…)
De todo modo, a eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorre: I – com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; e II – com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância (art. 191 da CLT).
Isso é confirmado pela Súmula nº 80 do Tribunal Superior do Trabalho, ao prever que "a eliminação da insalubridade mediante fornecimento de aparelhos protetores aprovados pelo órgão competente do Poder Executivo exclui a percepção do respectivo adicional".
Não é suficiente, entretanto, apenas o fornecimento do equipamento de proteção individual pelo empregador. Efetivamente, segundo explicita a Súmula nº 289 do TST, ‘o simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade, cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, dentre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado’.
Considerando os parâmetros normativos aqui expostos, prevaleceu no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o equipamento de proteção individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial" (Pleno, ARE 664.335, com repercussão geral reconhecida, Rel. Min. Luiz Fux, j. 04.12.2014).
Trata-se de decisão que procurou interpretar sistematicamente as previsões legais incidentes sobre a aposentadoria especial, considerando, notadamente, os §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213/91, acima indicados, sobre a comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, no qual devem constar: informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância; e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
Entretanto, deve-se reconhecer que, nesse aspecto em específico, a tese firmada evidentemente não é favorável aos segurados que postulam o recebimento do benefício previdenciário em questão.
Nota-se, por fim, que cada caso merece exame específico e cuidadoso, com o fim de se verificar o exercício, pelo segurado, de atividades com efetiva exposição a condições especiais, que não tenham sido eliminadas nem neutralizadas, as quais sejam consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física.
Mesmo porque, ainda de acordo com o entendimento fixado pelo STF, "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do perfil profissiográfico previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do equipamento de proteção individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria" (Pleno, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, j. 04.12.2014).
Ou seja, não basta a declaração formal do empregador no mencionado documento, devendo prevalecer, como não poderia deixar de ser, a realidade concreta dos fatos, a respeito do trabalho em condições especiais.”
Com este panorama normativo em mente, podemos definir alguns critérios em relação ao vigilante. A classificação brasileira de ocupações (CBO) descreve sumariamente a atividade de vigilante:
“Vigiam dependências e áreas públicas e privadas com a finalidade de prevenir, controlar e combater delitos como porte ilícito de armas e munições e outras irregularidades; zelam pela segurança das pessoas, do patrimônio e pelo cumprimento das leis e regulamentos; recepcionam e controlam a movimentação de pessoas em áreas de acesso livre e restrito; fiscalizam pessoas, cargas e patrimônio; escoltam pessoas e mercadorias. Controlam objetos e cargas; vigiam parques e reservas florestais, combatendo inclusive focos de incêndio; vigiam presos. Comunicam-se via rádio ou telefone e prestam informações ao público e aos órgãos competentes”.
Trata-se, como se pode depreender, de atividade que envolve risco, isto é, atividade perigosa. A própria Lei n.º 12.740, de 08/12/2012, quando alterou o art. 193 da CLT, deixou isso patente:
“Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
§ 1º – O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.”
Pois bem. No que se refere a questão previdenciária, a função de vigilante é definida como categoria profissional enquadrada no Anexo do Decreto n.º 53.831/64 (item 2.5.7), validado pelos Decretos 357/91 a 611/92. Estes últimos (que regulamentaram a Lei nº 8.213/91) consideraram, para efeito de aposentadoria especial, o Anexo do Decreto 53.831/64 e os Anexos I e II do Decreto 83.080/79.
A presunção absoluta de exposição a agentes agressivos relativamente às atividades elencadas em tais decretos perdurou até a edição da Lei nº 9.032/95, como já foi visto, uma vez que, após essa lei, não mais se permite o enquadramento por atividade profissional, mas tão somente por efetiva exposição a agente nocivo.
Acontece que, se analisarmos a possibilidade de enquadramento da atividade de vigilante por critério de periculosidade, podemos perceber que, com a edição do Decreto n.º 2.172/97, que visava regulamentar a Lei n.º 9.032/95 e sepultar definitivamente qualquer regulamentação com enfoque em enquadramento por atividade profissional, nenhum agente penoso ou perigoso foi inserido como agente para fins de concessão de aposentadoria especial; somente agentes insalubres permitem a concessão do benefício a partir do Decreto n.º 2.172/97 (o que foi repetido no Decreto atual, n. 3.048/99).
Com base nesta norma, portanto, restaria cessada a concessão de aposentadoria especial ao vigilante a partir de 05/03/1997 por critério de periculosidade, por não haver agente perigoso no rol dos agentes que permitem a concessão do benefício. Se podemos afirmar, por um lado, que a Autarquia previdenciária (INSS) embasa-se neste fundamento para negar quaisquer pedidos de reconhecimento de atividade especial do vigilante a partir do Decreto n.º 2.172/97, não é menos verdade que a doutrina e a jurisprudência vem trilhando um caminho distinto. Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro (2007, p. 298) explica:
“A doutrina hodierna e a jurisprudência têm se posicionado no sentido de que a lista de atividades perigosas, insalubres ou penosas prevista nos anexos do RBPS não é taxativa, mas exemplificativa.
Consideram que cabe o reconhecimento como tempo de serviço especial, quando o segurado comprovar a exposição aos agentes nocivos, ainda que não descritos nos regulamentos.
A orientação jurisprudencial conforme a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos é no sentido de que, ‘Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial se a perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento’(…)
Ao examinar questão pertinente à periculosidade, a jurisprudência se orienta no sentido de que, se a atividade desempenhada pelo segurado não estiver expressamente prevista em normas específicas, mas sua periculosidade for evidente, porquanto realizada em áreas de risco, com sujeição a explosões e incêndios, deve-se reconhecer a especialidade do tempo de serviço.
E, ainda, que, em se tratando de periculosidade, sua caracterização independe da exposição do segurado durante toda a jornada, como ocorre no caso da insalubridade, na qual ganha importância o tempo em que o organismo se sujeita à presença da nocividade.
A conclusão é no sentido de que a exposição regular do segurado à possibilidade de um evento, de um acidente tipo, que, em ocorrendo, já traz como consequência do infortúnio, é suficiente para a configuração como especial do tempo de serviço”.
Por tal motivo, o que se vê é que, sendo a atividade do vigilante uma atividade legalmente (Lei n.º 12.740/2012) considerada perigosa, o simples fato de não ser arrolada no Decreto n.º 2.172/97 e Decreto n.º 3.048/99 não é suficiente a negativa de seu reconhecimento como atividade especial que enseja aposentadoria especial. Isto porque a jurisprudência é forte no sentido do caráter exemplificativo das atividades elencadas nos decretos regulamentadores.
Há alguma controvérsia sobre a necessidade de prova da efetiva periculosidade da atividade (laudo pericial ou outra prova), não havendo uniformidade sobre o tema. Marcelo Sanches da Fonseca (2016, p. 86) defende a concessão da aposentadoria especial aos vigilantes, em qualquer tempo, independentemente de realização de perícia para a prova da periculosidade:
“Diz-se isto, pois, há tempos promulgada a Lei nº 12.740, de 8 de dezembro de 2012, alterando a redação do art. 193 da CLT e inserindo o inciso II, nesses termos:
‘Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.’
Em razão da previsão contida no caput do artigo supramencionado, referente à necessidade de regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o referido órgão, em 3 de dezembro de 2013, editou a Portaria nº 1.885/2013, regulamentando as atividades e as operações perigosas com exposição a roubos ou a outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial – da Norma Regulamentadora 16 – Atividades e Operações Perigosas.
Com isso, foi inserido o anexo 3 na NR-16, que trata das atividades e operações perigosas, destacando a exposição dos profissionais de segurança pessoal e patrimonial a roubos ou a outras espécies de violência física, considerando-a perigosa.
Nessa esteira, é imperioso concluir que, atualmente, a atividade de vigilância/segurança pessoal e patrimonial possui o binômio: ‘previsão legal + regulamentação da atividade’. Consequentemente, denota-se que a atividade dos profissionais de segurança/vigilância é considerada perigosa ex lege, ou seja, por força ou em razão de lei. Isso porque a própria profissão, por sua essência, encontra-se na condição de trabalho perigoso, sendo certo que a Lei nº 12.740, de 8 de dezembro de 2012, e a Portaria nº 1.885/2013, supramencionadas, apenas reconheceram e confirmaram essa condição, concedendo a previsão legal necessária ante a lacuna anteriormente existente no ordenamento jurídico.
Sendo assim, em razão da atividade de segurança/vigilância ser considerada perigosa ex lege, não há que se falar em necessidade de perícia ou elaboração de laudo técnico para que se confirme essa condição, pois a própria lei já confere essa condição”.
O que se conclui, portanto, é que a atividade de vigilante enquadra-se como atividade profissional que permite a concessão de aposentadoria especial expressamente por força do Decreto n.º 53.831/64 (item 2.5.7), validado pelos Decretos 357/91 a 611/92, até o advento da Lei n.º 9.032/95, e, mesmo após esta data, e mesmo tendo sido a atividade perigosa excluída do rol dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99, é juridicamente válido o enquadramento com base na periculosidade da atividade, lastreado na Lei n.º 12.740/2012 combinado com posicionamento da Súmula 198 do extinto TFR, sob premissa de que o rol dos decretos regulamentadores é meramente exemplificativo. Não é outro o posicionamento de nossa jurisprudência, com variáveis sobre a necessidade, ou não, de laudo atestando a periculosidade:
“PREVIDENCIÁRIO. VIGILANTE. PORTE DE ARMA DE FOGO. ATIVIDADE PERIGOSA. ENQUADRAMENTO. DECRETO N.º 53.831/64. ROL EXEMPLIFICATIVO.
I – Restando comprovado que o Autor esteve exposto ao fator de enquadramento da atividade como perigosa, qual seja, o uso de arma de fogo, na condição de vigilante, deve ser reconhecido o tempo de serviço especial, mesmo porque o rol de atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas, descritas naquele decreto, é exemplificativo e não exaustivo.
II – Recurso desprovido.
(REsp 413.614/SC, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2002, DJ 02/09/2002, p. 230).”
Conclusão
Com o aumento exponencial da violência no Brasil, torna-se relevante saber se há direito a aposentadoria especial aos vigilantes, diante do exercício de atividade perigosa.
Em que pese, saiba-se que houve grande alteração legislativa nesta aposentadoria ao longo dos anos, a jurisprudência pacífica dos Tribunais firmou-se no sentido de que a lei em vigor no momento do trabalho realizado que vai determinar se a atividade é especial (enseja aposentadoria especial) ou se é comum (enseja aposentadoria comum.
A função de vigilante é definida como categoria profissional enquadrada no Anexo do Decreto n.º 53.831/64 (item 2.5.7), sendo que a presunção absoluta de exposição a agentes agressivos relativamente às atividades elencadas em tais decretos perdurou até a edição da Lei nº 9.032/95.
Como a Lei n.º 9.032/95 excluiu o enquadramento por exercício de atividade profissional, restaria o enquadramento por exposição a agente perigoso, mas, mesmo neste tocante, o Decreto n.º 2.172/97 que regulamentou referida lei, excluiu todos os agentes penosos ou perigosos do rol dos agentes nocivos para fins de concessão de aposentadoria especial.
Sob tal premissa, o INSS, porquanto jungido a legalidade estrita, interpreta pela impossibilidade de concessão de aposentadoria especial ao vigilante deste a edição da Lei n.º 9.032/95 e Decreto n.º 2.172/97. A doutrina e jurisprudência, com base no entendimento enunciado pela súmula 198 do extinto TFR, entende que o rol é meramente exemplificativo, e, se houver prova pericial que constate o exercício de atividade penosa, perigosa ou insalubre, deve ser concedida a aposentadoria especial, mesmo que o agente não esteja especificado em qualquer decreto regulamentador.
Por tal motivo, o que se conclui é que a atividade de vigilante enquadra-se como atividade profissional que permite a concessão de aposentadoria especial expressamente por força do Decreto n.º 53.831/64 (item 2.5.7), até o advento da Lei n.º 9.032/95. Após esta data, o enquadramento da atividade do vigilante deverá ser lastreado na periculosidade da atividade, com base na súmula 198 do extinto TFR. Há quem defenda a dispensa de qualquer prova (pericial ou não) de periculosidade da atividade do vigilante, com base no reconhecimento legal da periculosidade pela Lei n.º 12.740/2012. Mas, de rigor, não há consenso na jurisprudência sobre a necessidade da produção de prova pericial (ou outra prova) acerca da periculosidade da atividade do vigilante.
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Joyce Ramos Rodrigues Antonio
Jurista, Parecerista, Advogada