Arbitragem nos tribunais estatais – 10 anos de jurisprudência


RESUMO: No décimo ano da edição da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96), este estudo faz retrospectiva jurisprudencial sobre o comportamento dos tribunais estatais em matéria arbitral.


SUMÁRIO: 1. Os precedentes jurisprudenciais e a arbitragem. 2. A constitucionalidade da Lei de arbitragem. 3. Aplicação imediata dos dispositivos processuais da lei de arbitragem. 4. Execução específica da cláusula compromissória vazia e impossibilidade do Judiciário se imiscuir na questão de fundo. 5. Cláusula compromissória cheia e a desnecessidade do procedimento do art. 7º da lei de arbitragem. 6. Tendência da admissão da arbitragem para solução de litígios trabalhistas individuais. 7. Impossibilidade de deliberação da assembléia condominial ter natureza arbitral. 8. Revelia no processo arbitral e validade da sentença. 9. Medidas de urgência perante a Justiça Estatal enquanto ainda não instaurado o juízo arbitral. 10. Cabimento do recurso extraordinário em sede de ações que apreciem validade de convenção de arbitragem e impossibilidade de retenção do extraordinário contra decisões interlocutórias (art. 542, § 3º, do CPC). 11. Conclusão. 12. Bibliografia recomendada.


1. Os precedentes jurisprudenciais e a arbitragem. [1]


Alvíssaras! São 10 (dez) anos da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307 de 23.09.1996).


Neste período já houve tempo suficiente para que os tribunais estatais (incluídos aqui os juízes de primeiro grau), provocados pelas partes contratantes, se debruçassem sobre inúmeros aspectos do processo arbitral, produzindo consideráveis precedentes (em que pese muitos deles ainda em construção).


No nosso sistema jurídico, desde o advento da República, as proposições constantes da jurisprudência, inclusive as súmulas, como regra, têm caráter persuasivo e não vinculante, ou seja, não têm obrigatoriedade equivalente à da lei. A sua finalidade é conferir estabilidade à jurisprudência, facilitando o julgamento das questões semelhantes.[2]


Por isso, os precedentes que abaixo se indicarão – os principais até hoje colhidos em matéria arbitral – embora não cogentes, são importante norte para que o operador jurídico possa se comportar no curso do processo arbitral, já que revelam a tendência a ser seguida pela Justiça brasileira em casos semelhantes.


2. A constitucionalidade da lei de arbitragem.


O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária do dia 12.12.2001, concluindo o julgamento do Agravo Regimental da homologação de sentença estrangeira (Espanha) n. 5206, decidiu, por maioria de votos, pela constitucionalidade de todos os dispositivos da lei de arbitragem. Entendeu-se que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, aliada à autorização legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso, não ofende o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Afinal, o preceito constitucional impede que se exclua, não que as partes livremente renunciem à jurisdição estatal, permitindo a apreciação extrajudicial da questão litigiosa.


Portanto, não resta dúvida sobre a validade e eficácia plena de todos os dispositivos da Lei n. 9.307/96, sendo insustentável tese em contrário.


3. Aplicação imediata dos dispositivos processuais da Lei de Arbitragem (inclusive às convenções anteriores à sua vigência).


Em duas passagens bastante interessantes os tribunais pátrios emprestaram eficácia imediata aos dispositivos processuais da Lei de Arbitragem, mesmo em relação às convenções celebradas antes da vigência da Lei n. 9.307/96 (art. 43).


No Recurso Especial n. 712.566-RJ, cuja relatora era a Ministra Fátima Nancy Andrighi, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (j. em 18.08.2005), ao meu ver revendo seu posicionamento anterior (Resp. n 238.174, julgado em 06.05.2003)[3], assentou ser impositiva a extinção de um processo judicial sem julgamento do mérito se, quando invocada a existência da cláusula arbitral, já vigorava a Lei de Arbitragem, ainda que o contrato tenha sido celebrado em data anterior à sua vigência, pois as normas processuais têm aplicabilidade imediata.


Tratava-se de uma ação em que a Espal Representações e Conta Própria Ltda. pretendia a declaração de nulidade de uma cláusula de quitação geral constante de termo de rescisão contratual firmado com o requerido Wilhelm Fette Gmbh. As partes teriam, em outubro de 1955, submetido todas as dúvidas oriundas do contrato de exclusividade na representação comercial celebrado à arbitragem pela Câmara de Comércio Internacional de Paris.


O juiz de 1ª instância afastou a tese de aplicabilidade imediata da Lei de Arbitragem às convenções celebradas anteriormente, decisão esta reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sob o fundamento da aplicabilidade imediata da lei.


A Ministra Fátima Andrighi, após aceitar a divergência com o já mencionado Recurso Especial n. 238.174, manteve a decisão do TJ/RJ, ratificando a extinção do processo em primeiro grau, sem julgamento do mérito, por força do art. 267, VII, do Código de Processo Civil. A Ministra, ao ter votado no Recurso Especial n. 238.174, apesar de acompanhar o relator Min. Antonio de Pádua Ribeiro, não o fez pelo fundamento de inaplicabilidade imediata dos aspectos processuais da Lei de Arbitragem (como fez o relator), mas sim pela existência de cláusulas contraditórias e que, no caso específico, tornavam inválida a convenção de arbitragem.


O outro julgado que reconheceu a aplicabilidade imediata das normas processuais da Lei de Arbitragem é do pleno do Supremo Tribunal Federal. No julgamento da homologação de sentença estrangeira n. 5828 (seguido pela de n. 5847), o Min. Ilmar Galvão assentou que “tendo as normas de natureza processual da Lei n. 9.307/96 eficácia imediata, devem ser observado os pressupostos nela previstos para homologação de sentença arbitral estrangeira, independentemente da data do início do respectivo processo perante o juízo arbitral”. Com este fundamento o Supremo Tribunal Federal afastou a necessidade de dupla homologação da sentença arbitral estrangeira (como ocorria no regime anterior), homologando a sentença arbitral apresentada (art. 35 da Lei n. 9.307/96).


4. Execução específica da cláusula compromissória vazia[4] e a impossibilidade do Judiciário se imiscuir na questão de fundo.


O Superior Tribunal de Justiça, na esteira da declaração de constitucionalidade de todos os dispositivos da lei de arbitragem pelo Pretório Excelso, emprestou plena operatividade aos artigos 6º e 7º da Lei n. 9.307/96, que tratam da execução específica da cláusula compromisória vazia (Recurso Especial n. 450.881-DF, Relator Min. Castro Filho, 3ª Turma, vu, j. 11.04.2003).


Tratava-se de uma execução específica da cláusula compromissória ajuizada por Compushopping Informática Ltda. e outras contra Americel S/A, em que a requerente objetivava a instituição compulsória do juízo arbitral, com a nomeação da Câmara Arbitral da Associação Comercial do Distrito Federal como árbitra, a fim de dirimir desacordo comercial havido entre as partes (rescisão contratual e ressarcimento de danos sofridos).  A requerida Americel se recusava a instituir o juízo arbitral através da celebração do compromisso arbitral, com nomeação de árbitro e etc.


A 1ª instância julgou procedente o pedido e, nomeando árbitro único (Leon Frejda Szklarowsky), supriu a manifestação de vontade da demandada, dando por instituída a arbitragem.


Tal decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal.


Nesse julgado, relatado pelo Desembargador Vazquez Cruxên, revelou-se interessante tendência em se prestigiar a competência do árbitro para a questão de fundo (art. 18 da Lei de Arbitragem), reservadas ao Judiciário só as questões relativas à instituição compulsória do juízo arbitral. De acordo com o Relator, “a plausibilidade para ser instituída a arbitragem existe porque evidente a possibilidade de se pedir, via Judiciário, a pretensão indenizatória. Se uma das partes alega descumprimento de cláusulas contratuais, ensejando rescisões e ressarcimentos no âmbito de nossas corte, não vejo razão de se negar a instituição da arbitragem, sob o fundamento de que a pretensão é impossível por quenão houve qualquer tipo de burla contratual. Se houve, ou não, descumprimento de cláusulas contratuais, isto é matéria para ser dirimida pelos árbitros e não neste procedimento judicial” (destaque nosso).


Os autos foram ao Superior Tribunal de Justiça por força de Recurso Especial da requerida. O STJ, então, mantendo os dois pronunciamentos anteriores, sacramentou ser plenamente possível a execução específica da cláusula compromissória vazia, bastando que sua existência seja aliada à prévia convocação extrajudicial da parte renitente a firmar o compromisso, nos termos do art. 6º da Lei de Arbitragem. Referendou, ainda, a competência plena do árbitro para a matéria de fundo, restando ao Judiciário tão somente aferir na execução específica da cláusula se é o caso de instituição do juízo arbitral.


A Justiça de São Paulo está enfrentando atualmente a mesma questão da execução específica da cláusula compromissória vazia e dos limites da atuação do juiz togado na determinação dos termos do compromisso.


Trata-se de uma execução de cláusula compromissória que teve curso perante a 13ª Vara Cível da Capital Paulista, em que ANEL – Empreendimentos, Participações e Agropecuária Ltda., pretende instituir juízo arbitral para dirimir os conflitos havidos com Trelleborg Industri AB e Trelleborg do Brasil Ltda (processo n. 60.969/200).


O magistrado de 1º grau (Juiz Ademir Modesto de Sousa) ao interpretar o alcance da cláusula vazia, entendeu que “na definição judicial do compromisso arbitral, não está o juiz togado obrigado pela Lei de Arbitragem a resolver todas as controvérsias das partes acerca dos termos daquele. É que o escopo da referida lei foi subtrair da apreciação judicial toda a matéria que comporte a arbitragem, se os interessados resolverem submeter a solução de seus litígios ao juiz arbitral. Por conseguinte, o compromisso arbitral cuja definição a lei atribui ao juiz togado deve restringir aos requisitos obrigados indicados no art. 10 da Lei n. 9.307/96” (escolha do árbitro, matéria arbitrável e local de prolação da sentença arbitral), razão pela qual negou, inclusive, definição quanto às despesas com a arbitragem, algo a ser dirimido pelos próprios árbitros (Fernando de Oliveira Marques, Antonio de Souza Correa Meyer e José Alexandre Tavares Guerreiro) que nomeara compulsoriamente na falta de acordo das partes.


A apelação interposta pela Trelleborg Industri Ab e outra foi parcialmente provida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Cível n. 267.450-4, Rel. Constança Gonzaga, j. 24.05.2006), mantendo-se a instituição compulsória da arbitragem realizada pelo juiz de primeiro grau (afastada, apenas, condenação da apelante pela interposição de embargos de declaração com conteúdo protelatório).


Enfim, o que se pode perceber é não mais haver dúvida sobre a possibilidade, diante da renitência de uma das partes na celebração do compromisso, de se obter judicialmente a instituição compulsória do juízo arbitral nos casos de cláusula compromissória vazia. Competirá ao juiz estatal tão somente a eleição do árbitro e de questões indispensáveis à instauração do juízo arbitral (art. 10 da Lei de Arbitragem), sendo-lhe vedado imiscuir-se nas questões de fundo relativas à controvérsia.


5. Cláusula compromissória cheia[5] e desnecessidade do procedimento do art. 7º da Lei de Arbitragem.


O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgado muito bem fundamentado, enfrentou a questão da necessidade de intervenção judicial para a celebração do compromisso arbitral e instituição de arbitragem decorrente de cláusula compromissória cheia (Agravo de Instrumento n. 124.217-4/0, 5ª Câmara de Direito Público, Relator Des. Rodrigues de Carvalho, vu, j. em 16.09.1999).


Até então duas correntes haviam se formado sobre o tema. Uma primeira, sustentando que a ação do art. 7º da Lei de Arbitragem era a única via para instituição compulsória do juízo arbitral, pouco importando se a cláusula compromissória era cheia ou vazia. Outra, no sentido de que só nas cláusulas compromissórias vazias era necessária a intervenção judicial, já que na cheia o próprio órgão arbitral eleito pelas partes é que dirimiria, de acordo com suas regras, eventuais omissões da cláusula (não havendo necessidade do juiz estabelecer o conteúdo do compromisso arbitral).


Após trazer à baila precedentes de direito comparado, entendeu-se que a existência de cláusula compromissória cheia dentro dos contornos do compromisso dispensava a atuação judicial e o procedimento do art. 7º da Lei de Arbitragem[6]. Afinal, de acordo com trecho do voto vencedor do Desembargador Silveira Netto, “submeter-se às regras de arbitragem de certa entidade significa abraçá-las em todos os seus aspectos, inclusive acatar a possibilidade de indicação dos árbitros, local do arbitramento e outros”.


Com esse entendimento o Tribunal de Justiça reformou a decisão de 1ª instância (processo n. 45.649/99, da 36ª Vara Cível de São Paulo) que havia afastado a preliminar de falta de interesse de agir argüida. E com base nisto, reconhecendo a desnecessidade do emprego do procedimento do art. 7º da Lei de Arbitragem para a instituição do juízo arbitral advindo de cláusula compromissória cheia, extingui o processo sem julgamento do mérito (art. 267, VII, do CPC).


Do V. Acórdão proferido foi interposto recurso especial pelos agravados (Carlos Alberto de Oliveira Andrade e outros), mas não foi ele conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial n. 249.255-SP), pois as partes celebraram termo de aceitação da jurisdição da Corte Arbitral eleita pela cláusula compromissória impugnada.


No mesmo sentido do V. Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi, de certa forma, a decisão tomada pelo Juízo da 16ª Vara Cível Central de São Paulo Capital (Juiz Alexandre Alves Lazzarini) na ação de n. 4.878/2001, em que era autor Celso Varga contra TRW Automotive South America S/A e Câmara de Comércio Brasil-Canadá.


Tratava-se de ação em que o autor pretendia declarar a nulidade de cláusula compromissória cheia no contrato firmado com TRW (algo que me parece a lei só ter admitido ao final através da ação de impugnação), que reconhecia a competência da Câmara de Comércio Brasil-Canadá para dirimir eventuais conflitos das partes.


Apesar de cautelarmente deferida a liminar para suspender a instauração do Tribunal Arbitral – o que gerou perigoso precedente do TJ/SP por força do V. Acórdão proferido no Agravo de Instrumento n. 197.798.4[7] – decidiu-se, ao final, que o autor da ação não tinha razão, já que voluntária e livremente, através da cláusula compromissória cheia, teria aderido à arbitragem da controvérsia. Ficou consignado na sentença, ainda, ser desnecessária a utilização da ação art. 7º da Lei de Arbitragem para a instituição do juízo arbitral, pois, no caso, qualquer outra pendência para a celebração do compromisso seria dirimida pelo próprio órgão arbitral institucional eleito pelos contratantes.


Em grau de apelação a sentença monocrática foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Cível n. 296.036-4). Ficou consignado no V. Acórdão relatado pelo Des. Sousa Lima (j. 17.12.2003) ser desnecessária “a intervenção judicial prevista no art. 7º do mesmo diploma legal, para firmar o conteúdo do compromisso arbitral, ou seja, este dispositivo vale para a chamada cláusula compromissória vazia, que só prevê a arbitragem como meio de solução de controvérsias, sem definir o órgão arbitral e a submissão às suas regras”.


6. Tendência de admissão da arbitragem para solução de litígios trabalhistas individuais.


Vários precedentes do Superior Tribunal de Justiça reconheceram a possibilidade parcial de controvérsias individuais de natureza trabalhista serem dirimidas em sede arbitral (Recurso Especial n. 777.906-BA, Relator Min. José Delgado, 1ª Turma, vu, j. 18.10.2005; Agravo Regimental no Resp. n. 695.193-BA, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, j. 04.10.2005; Recurso Especial n. 635.156/BA, Rel. Min. Castro Meira, j. 09.08.2004; Recurso Especial n. 707.043/BA, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 04.04.2005; Recurso Especial n. 659.631-BA, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 16.12.2004; e Recurso Especial n. 638.150-BA, Rel. Min. Denise Arruda, j. 19.04.2005).


De acordo com esses julgados, como a Lei n. 8.036/90 não faz distinção na forma de reconhecimento da ausência de justa causa para movimentação da conta vinculada do FGTS (art. 31 da Lei n. 8.036/90), nada impede que se admita tal movimentação com base em sentença arbitral (e não judicial) que reconhecera a demissão imotivada, até mesmo porque o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas – óbice sempre alegado pela Caixa Econômica Federal para negar a movimentação – milita em favor do empregado e não pode ser interpretado como forma a prejudicá-lo.


Com este entendimento, parece-me clara a tendência em se aceitar a validade da arbitragem para dirimir os dissídios individuais de trabalho, mitigando a pretensa e falsa tese de indisponibilidade dos direitos patrimoniais de natureza trabalhista.


7. Impossibilidade de deliberação da assembléia condominial ter natureza arbitral.


Outra interessante decisão foi proferida por força da ação n. 587/2002, da 30ª Vara Cível da Capital Paulista (Juiz Alexandre Dartanham de Mello Guerra), referendada pelo Tribunal de Justiça no julgamento da Apelação Cível n. 354.595-4 (Rel. Des. Jacobina Rabello, j. 16.06.2005).


Hélio Vieira Júnior ajuizou ação declaratória de nulidade de multa imposta pelo Condomínio Edifício Vila Bela, em virtude de ter mantido um cão na sua unidade habitacional, o que estaria em contradição com as disposições do condomínio edilício. Tal sancionamento foi ratificado pela assembléia dos moradores, que nos termos da convenção condominial, criativamente, teria força de arbitragem (art. 4º da Lei n. 9.307/96).


Julgado parcialmente procedente a ação exclusivamente para afastar a multa aplicada (negado o pleito indenizatório), o condomínio apelou sob o fundamento de que o Judiciário não poderia se imiscuir na decisão proferida pela assembléia, cuja natureza era arbitral. Pugnava pela extinção do processo em julgamento do mérito (art. 267, VII, do CPC), forte na tese de que somente a assembléia tinha jurisdição sobre o caso.


No julgamento do recurso restou consignado que não é possível se falar que a convenção do condomínio ou a assembléia geral tenham características de arbitragem. Embora o julgado não tenha se alongado na questão, manifesta a falta de seriedade da convenção, já que propósito nítido da cláusula arbitral era por a salvo de qualquer impugnação a decisão da assembléia, que cumulava as incompatíveis atividades de parte e julgador (art. 14 da Lei de Arbitragem).


8. Revelia no processo arbitral e validade da sentença.


O Superior Tribunal de Justiça, já à luz de sua novel competência para a homologação de sentenças judiciais e arbitrais estrangeiras (art. 105, I, “i”, da Constituição Federal, com a redação dada pela emenda n. 45/2004), tem aceitado à plenitude as sentenças arbitrais proferidas à revelia do demandado, desde que observadas as disposições dos artigos 38, III, e 39, parágrafo único, ambos da Lei de Arbitragem.


De acordo com a corte especial do STJ (homologação de sentença estrangeira n. 887), para a homologação de sentença arbitral estrangeira proferida à revelia do demandado compete a ele comprovar (e não ao requerente) que não foi devidamente comunicado da instauração do procedimento. Caso assim não faça cabalmente, nada impede a homologação da sentença estrangeira, nos termos do art. 38, III, da Lei de Arbitragem (Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 06.03.2006).


Em outro incidente de homologação de sentença arbitral (n. 874) estrangeira o STJ reconheceu a eficácia da citação postal realizada em território brasileiro, nos termos do art. 39, parágrafo único, da Lei de Arbitragem.  Pretendia a condenada – que era domiciliada no Brasil – afastar a validade da citação postal, vez que, ao seu entender, a ausência de rogatória de citação viciaria o procedimento e implicaria a negativa ao seu direito de defesa. O Relator Min. Francisco Falcão (corte especial), expressamente afastou a alegada ofensa à ordem pública na medida em que havia comprovação nos autos, além da citação postal admitida pela lei brasileira (art. 222 do CPC), de inúmeras intimações do impugnante para o comparecimento a atos realizados no processo arbitral (j. 19.04.2006).


9. Medidas de urgência perante a Justiça Estatal enquanto ainda não instaurado o juízo arbitral.


Em antigo trabalho acadêmico tive oportunidade de investigar a possibilidade de serem requeridas medidas de urgência ao juiz togado enquanto ainda não instaurado o juízo arbitral (verbis):


Questão interessante surge quando, antes da instauração do Juízo Arbitral, com a aceitação da nomeação pelo(s) árbitro(s) (art. 19, caput, da LA), haja necessidade de alguma dessas medidas cautelares ou de urgência. Quem seria competente para apreciá-la? Haveria instauração antecipada do juízo arbitral?


Parece-me que não. A parte deve requerer diretamente ao Juiz competente para o conhecimento da causa (o da sede do juízo arbitral) a medida (agora sim com prevenção para a futura ação de nulidade do art. 32/33, da LA).


Entretanto, nesses casos, à exceção da medida cautelar de antecipação de provas (art. 846 do CPC), que se esgota com a simples produção, os demais provimentos cautelares ou de urgência deverão, após concedidos pela Jurisdição Estatal (arrestos, seqüestros, etc.), ser ratificados pelo juízo arbitral a se instaurar, remetendo-lhe o juiz os autos tão logo tenha ciência da aceitação da nomeação pelos árbitros, preservando-se, assim, a competência plena da Jurisdição privada sobre o litígio.


Entendendo o juízo arbitral ser impertinente ou desnecessária a medida, poderá, simplesmente, cassá-la, sem que haja problema algum de âmbito processual, posto que as cautelares em geral não fazem coisa julgada material, bem como, as concedidas liminarmente, podem ser cassadas a qualquer tempo (Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato com a jurisdição estatal. Revista de Processo n. 106, p. 202/203).


A jurisprudência acabou acolhendo, ao menos parcialmente, tese que advogávamos.


O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em precioso precedente  em que atuou como advogado Carlos Alberto Carmona, um dos integrantes da comissão de redação do anteprojeto que veio a se converter na Lei n. 9.307/96[8] (Agravo de Instrumento n. 384.896-4, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sérgio Gomes, vu, j. 03.05.2005), aceitou a intervenção excepcional da justiça estatal quando, sendo necessária uma medida de urgência, ainda não tivesse sido instaurado o juízo arbitral.


Tratava-se de uma ação cautelar em que a Companhia Melhoramentos de São Paulo pretendia a suspensão de uma cláusula em acordo de acionistas, cuja liminar foi deferida pelo juízo da 13ª Vara Cível da Comarca da Capital paulista (Juíza Cecília Pinheiro da Fonseca Amendolara – processo n. 131.763/2004), sob o fundamento de que o acordo impedia o exercício do direito de aquisição na forma planejada pela QWLA Participações Ltda, requerida na ação, ao menos até que os árbitros solucionassem em definitivo a questão, com a instauração da arbitragem também convencionada.


O Relator do Agravo de Instrumento interposto de tal decisão (pela QWLA Participações Ltda.), ao afastar a tese da agravante de que o Judiciário não poderia se imiscuir diante da convenção de arbitragem, deixou assentado que “não há violação da Lei n. 9.307/96, porquanto a Melhoramentos não tinha outra alternativa, senão socorrer-se do Poder Judiciário, uma vez que a arbitragem ainda não havia sido instituída, o que, como é notório, depende de inúmeras providências (eleição de árbitros, elaboração do respectivo requerimento, tradução de documentos, etc.)”, ainda mais quando no caso o próprio regulamento da Corte Internacional de Arbitragem – eleita com órgão institucional para o caso – permite o acesso ao Judiciário em determinadas circunstância, entre elas nos casos de medidas de urgência (art. 23.2).


Em 24.03.2006 o Superior Tribunal de Justiça não conheceu do agravo de decisão denegatória do recurso especial que se interpôs do V. Acórdão do TJ/SP, tendo, logo após, transitado em julgado a decisão.


Em outros precedentes os Tribunais pátrios endossaram a tese de que compete à Justiça Estatal dirimir questões urgentes.


A 1ª Câmara de Direito Privado do próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Agravo de Instrumento n. 240.062-4, Rel. Elliot Akel, j. 27.08.2002) já havia assentado que a cláusula arbitral não impede que o Estado, por meio de seus órgãos jurisdicionais, conceda tutelas de urgência.


E o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no mesmo sentido, admitiu que ainda não instaurado o juízo arbitral pela celebração do compromisso, compete ao Judiciário apreciar cautelar de exibição de documentos (Agravo de Instrumento n. 0273072-3, 3ª Câmara Cível, Rel. Edílson Fernandes, vu, j. 24.02.1999).


10. Cabimento do recurso extraordinário em sede de ações que apreciem validade de convenção de arbitragem e impossibilidade de retenção do extraordinário contra decisões interlocutórias (art. 542, § 3º, do CPC).


O Supremo Tribunal Federal, na Medida Cautelar n. 212/RJ, cujo Relator era o Ministro Marco Aurélio, entendeu que estando em jogo jurisdição, ante a cláusula em que prevista a solução de conflito de interesse via arbitragem, tudo recomenda a submissão do tema ao Supremo Tribunal Federal (j. 01.06.2004).


Tratava-se de Agravo de Instrumento tirado contra decisão da justiça carioca, confirmada pelo respectivo Tribunal de Justiça, que não aceitara a validade de cláusula de arbitralidade eleita pelas partes, prosseguindo no conhecimento da demanda e negando a extinção do processo requerida pela parte demandada (art. 267, VII, do CPC).


A demandada, inconformada com a decisão de 2º grau, ofertou Recurso Extraordinário, cujo processamento foi negado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro por força da retenção obrigatória dos recursos excepcionais interpostos contra decisões interlocutórias (art. 542, § 3º, do CPC).


O Pretório Excelso, ao apreciar a citada cautelar recebida como reclamação, determinou o processamento do Extraordinário, apontando expressamente que nesses casos não impera o regime da retenção por força do princípio da economia processual, já que seria contraproducente permitir o prosseguimento do processo sob o risco de, ao final, ser emprestada validade à convenção de arbitragem, com extinção da demanda.


E, ao meu ver, disse mais, revelando que matéria referente à validade de convenção de arbitragem, por envolver o próprio afastamento da Jurisdição Estatal, toca questão constitucional, sendo, portanto, plenamente possível a ativação da jurisdição da Corte Suprema via Recurso Extraordinário.


11. Conclusão.


Da análise dos principais precedentes jurisprudenciais colacionados nestes 10 (dez) primeiros anos da Lei n. 9.307/96, bem se percebe que o Judiciário tem feito sua parte em prol da consolidação da arbitragem, afastando o intervencionismo tão receado por aqueles que apostam no instituto como eficaz meio alternativo de solução das controvérsias.


Ressalvada a sua participação na instauração compulsória das arbitragens decorrentes de cláusula compromissória vazia e da apreciação de medidas urgentes antes da instauração do juízo arbitral, a Justiça Estatal vem terminantemente se negando a interferir nos meandros do processo arbitral, deixando ao critério das partes e do árbitro a resolução das questões litigiosas em seu todo.


Não há razão para se desconfiar de que nos próximos anos haja mudança no cenário jurisprudencial ora apresentado. Não será, portanto, por intervenção da jurisprudência, que a arbitragem estará fadada ao insucesso.


 


Bibliografia recomendada.


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Notas:






[1] Artigo originariamente publicado na Revista da AASP, n. 87, jul-dez/2006.




[2] Em tempos de reforma o poder constituinte derivado resolveu regressar às origens do sistema luso-brasileiro, reinserindo no nosso sistema a súmula vinculante (art. 103-A da Constituição Federal, com a redação dada pela emenda n. 45/2004). De acordo com o novo sistema – semelhante ao regime colonial e imperial dos assentos da Casa de Suplicação – a aplicação das súmulas do Supremo Tribunal Federal é obrigatória a todos os órgãos do Poder Judiciário e da administração pública.




[3] No Recurso Especial n. 238.174-SP, relatado pelo Min. Antônio de Pádua Ribeiro, a própria 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça havia decidido que a Lei n. 9.307/96, sejam considerados os dispositivos de direito material, sejam os de direito processual, não pode retroagir para atingir os efeitos do negócio jurídico perfeito, não se aplicando, pois, aos contratos celebrados antes do prazo do seu artigo 43.




[4] A cláusula compromissória vazia nada mais é do que o acordo de vontades dirigido à solução arbitral da controvérsia, sem especificação, contudo, da forma de instituição da arbitragem (em especial quanto a indicação do árbitro ou órgão arbitral institucional). O art. 6º da Lei de Arbitragem prevê um procedimento extrajudicial (reunião) para preencher as lacunas da cláusula vazia, cuja ausência da outra parte implica execução específica da cláusula (art. 7º da Lei de Arbitragem).




[5] Diversamente da cláusula compromissória vazia, na cheia (também nominada completa) há prévia indicação dos elementos indispensáveis para a imediata instituição do juízo arbitral (nomeação de árbitro ou de órgão arbitral institucional), nos termos do art. 5º da Lei de Arbitragem.




[6] Neste mesmo sentido foi o voto do Min. Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do já mencionado Agravo Regimental na homologação de sentença estrangeira n. 5206.




[7] No referido Agravo de Instrumento n. 197.978-4, da 7ª Câmara de Direito Público, ficou assentado que, além da discutível constitucionalidade do novo regime da arbitragem (algo já afastado pelo STF), havendo dúvida razoável e resistência justificada de uma das partes sobre a idoneidade do procedimento arbitral, prevalece o monopólio estatal da controvérsia, devendo ser suspensa a instauração do juízo arbitral eleito pelas partes (Relator Des. Sousa Lima, j. 09.05.2001).




[8] Os outros dois integrantes desta comissão foram Selma Maria Ferreira Lemes – organizadora desta Revista – e Pedro Antônio Batista Martins.




Informações Sobre o Autor

Fernando da Fonseca Gajardoni

Juiz de Direito no Estado de São Paulo
Doutorando e Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP
Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade Municipal de Direito de Franca/SP
Professor da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – IELF/LFG


Equipe Âmbito Jurídico

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