Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar a viabilidade de utilização da arbitragem para solução de dissídios individuais trabalhistas. O Direito do Trabalho possui um princípio fundamental, o da indisponibilidade dos direitos. Tal característica desse ramo especializado vai de encontro com a previsão contida no art. 1.º da Lei de Arbitragem 9.307/96, de 23.9.1996, no sentido de que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Além disso, a utilização da arbitragem para solução de litígios individuais trabalhistas encontra dificuldades no silêncio da Constituição Federal de 1988 (que somente se referiu à possibilidade de sua instituição para solução de dissídios coletivos trabalhistas, conforme o disposto no art. 114, §§ 1.º e 2.º), na situação de fragilidade e hipossuficiência dos trabalhadores pela sua posição econômica de dependência ao empregador e na possível colisão com o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Assim, analisa-se como a jurisprudência e a doutrina têm enfrentado essas dificuldades.
Palavras-chave: Arbitragem trabalhista. Princípio da indisponibilidade. Direitos indisponíveis. Dissídios individuais.
Sumário: Introdução. 1. Arbitragem. 1.1. Conceito. 1.2. Natureza Jurídica. 1.3. Conflitos passíveis de arbitragem. 2. Princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. 2.1. Conceito. 2.2. Indisponibilidade de direitos: renúncia, transação e conciliação. 3. Arbitragem nos conflitos individuais trabalhistas. 3.1. Arbitragem trabalhista e princípio da indisponibilidade. 3.2. A questão à luz da jurisprudência. Conclusão.
Introdução
O Direito do Trabalho é um ramo especializado do direito. Possui regras, princípios e institutos próprios cuja função central é a busca da melhoria das condições da força de trabalho na ordem socioeconômica.
Dentre os princípios especiais da seara trabalhista, o protetor desponta como o fundamental desse ramo do direito, pois influencia e estrutura todas as suas características. Sua finalidade é proteger juridicamente o trabalhador, compensando a inferioridade em que se encontra no contrato de trabalho.
Nesse contexto, a aplicação do instituto da arbitragem para solução de litígios envolvendo direitos dos trabalhadores deve ser analisada com bastante cautela porque os direitos trabalhistas são considerados indisponíveis, vez que as suas normas são imperativas, de ordem pública, a limitar a autonomia de vontade das partes.
A atual Lei de Arbitragem (9.307/96, de 23.9.1996) acentua, em seu art. 1.º, que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Diante disso, poder-se-ia rechaçar de pronto a sua utilização para solução de controvérsias trabalhistas. Contudo, a doutrina e a jurisprudência pátria não são pacíficas. A viabilidade de solução de litígios trabalhistas por um árbitro vem sendo objeto de infindáveis discussões, especialmente no que se refere aos conflitos individuais.
Dessa forma, este trabalho terá como objetivo investigar a possibilidade de instituição de convenção de arbitragem para solução de litígios individuais trabalhistas. Para isso, será necessário estudar os direitos laborais sob o prisma de sua disponibilidade ou indisponibilidade, ponto de maior entrave para a arbitragem trabalhista, bem como a maneira como esses direitos se comportam em relação à renúncia, à transação e à conciliação; verificar se a falta de previsão constitucional sobre a instituição de arbitragem para os dissídios individuais trabalhistas seria um óbice a essa modalidade de solução extrajudicial de conflitos; examinar até que ponto o desequilíbrio de forças entre empregador e trabalhador no momento da assinatura do contrato de trabalho, no curso deste ou após a sua celebração, poderia levar à presunção de vício de consentimento por meio da utilização da coação como forma de impor aos trabalhadores esse mecanismo de solução dos conflitos; e analisar o papel dos sindicatos dos trabalhadores na convenção de arbitragem como forma de eliminar a situação de fragilidade e hipossuficiência dos obreiros em firmar compromisso ou cláusula compromissória para adoção de arbitragem para resolver seus litígios.
Este estudo é importante para verificar se a arbitragem poderia ser uma forma alternativa de solução de conflitos também na seara laboral, o que contribuiria para a redução de demandas que chegam ao Poder Judiciário Trabalhista.
Conforme dados da Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do Tribunal Superior do Trabalho – CESTP, em 2011, o quantitativo de casos novos por Magistrado foi de 835 processos na 1.ª Instância, 1.028 processos na 2.ª Instância e 6.290 no Tribunal Superior do Trabalho. O número de casos novos na fase de conhecimento vem num crescente. No TST, foram recebidos 169.818 casos novos, 8,1% a mais que em 2010. Nos TRTs, foram recebidos 569.270 casos novos, 2,6% a mais que em 2010. Nas Varas, foram recebidos 2.110.718 casos novos, 6,2% a mais que em 2010 [1].
A solução dos conflitos pode ocorrer por diversas maneiras. A forma mais comum e usual é pela apresentação dos litígios ao Poder Judiciário.
Paralelamente a esse sistema, existem os meios alternativos de pacificação social, representados basicamente pela conciliação, mediação e arbitragem. Assim, necessário se faz conceituar o instituto da arbitragem distinguindo-o dessas outras formas de solução de conflitos, para melhor compreensão de suas finalidades e alcance. Todos esses institutos são utilizados para a solução de conflitos de interesse. Mas o que seria conflito de interesse?
Segundo Dinamarco, conflito é a situação existente entre duas ou mais pessoas ou grupos, caracterizada pela pretensão a um bem ou situação da vida e impossibilidade de obtê-lo – seja porque negada por quem poderia dá-lo, seja porque a lei impõe que só possa ser obtido por via judicial[2]. Sobre interesse, Carnelutti acentua que:
“O conceito de interesse é fundamental, tanto para o estudo do processo como para o direito.
Interesse não significa um juízo, senão uma posição do homem, ou mais exatamente: a posição favorável a satisfação de uma necessidade. A posse do alimento ou do dinheiro é antes de tudo, um interesse, porque quem possui um ou outro está em condições de satisfazer sua fome.
Os meios para a satisfação das necessidades humanas são os bens. E se acabamos de dizer que interesse é a situação de um homem, favorável a satisfação de uma necessidade, essa situação se verifica, pois, com respeito a um bem: homem e bem são os termos da relação que denominamos interesse. Sujeito do interesse é o homem, o objeto daquele é o bem”[3]
Assim, faz-se necessário pacificar as pessoas de alguma forma eficiente, eliminando os conflitos que as envolvem fazendo justiça.
Variam os modos pelos quais o sujeito vai em busca do bem pretendido.
Os modos podem ser os da autotutela, da autocomposição – umas das partes, ou ambas, abrem mão do interesse ou de parte dele – ou da heterocomposição – um terceiro imparcial soluciona o conflito.
A autotutela é a imposição da decisão por uma das partes à outra. Consiste em usar a própria força para conseguir a satisfação de sua pretensão. É a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais tímido[4]. Como regra, é afastada no nosso ordenamento jurídico, sendo permitida apenas em casos extremos, como, por exemplo, no âmbito penal com o instituto da legítima defesa. É espécie antissocial e incivilizada[5].
São três as formas de autocomposição: a desistência (renúncia à pretensão), a submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão) e a transação (concessões recíprocas)[6].
A conciliação tem por objetivo induzir as pessoas em conflito a encontrarem uma solução. O conciliador procura obter uma transação, ou submissão de um à pretensão do outro. Tratando-se de conciliação no curso do processo, pode-se chegar ainda à desistência da ação[7].
Assemelha-se à conciliação a mediação. Também utiliza a intermediação de um terceiro, particular, para chegarem à pacificação de seu conflito. A diferença é que a mediação objetiva trabalhar o conflito, surgindo o acordo como mera consequência. Já a conciliação busca sobretudo o acordo entre as partes. Trata-se mais de uma diferença de método, mas o resultado acaba sendo o mesmo[8].
Na heterocomposição, dois institutos se destacam por sua importância: o processo jurisdicional e a arbitragem.
O processo jurisdicional é o instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo cumprir o preceito pertinente a cada caso que lhes é apresentado em busca da solução[9]. É conduzido pelo Estado através de agentes específicos (os juízes e seus auxiliares) mediante o exercício do poder estatal consistente em decidir imperativamente e impor decisões[10].
A arbitragem é definida por Carmona como “uma técnica para solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de sentença judicial”[11].
Já para Scavone Junior, a arbitragem é um “meio privado e alternativo de solução de conflitos referente aos direitos patrimoniais e disponíveis através do árbitro, normalmente um especialista na matéria controvertida, que apresentará uma sentença arbitral”[12].
Assim, a arbitragem se caracteriza por dois aspectos essenciais: são as partes da controvérsia que escolhem livremente quem vai decidi-la, os árbitros, e são também as partes que conferem a eles o poder e a autoridade para proferir tal decisão[13].
Além disso, a arbitragem se caracteriza por permitir uma real composição da lide, o que dificilmente se alcança com o exercício da função jurisdicional, porque a lide é um fenômeno sociológico decorrente de um conflito de interesses ocasionado pela pretensão de uma das partes e pela resistência oposta pela parte contrária a essa pretensão. O exercício da jurisdição pelo Estado não é capaz de compor as lides que são levadas ao seu conhecimento, pois o drama do processo é um fator de acirramento de ânimos[14].
Visto o conceito de arbitragem, há de se abordar a questão de sua natureza jurídica.
1.2. Natureza jurídica da arbitragem
Não é pacífica a natureza jurídica da arbitragem e da função arbitral[15]. A doutrina nacional e estrangeira, ao longo das décadas, defenderam e desenvolveram fundamentalmente duas correntes antagônicas no que se refere a sua natureza jurídica. De um lado, encontra-se a teoria privatista ou contratual, de outro a publicista ou jurisdicional[16]. Segundo Feldstein de Cárdenas e Leonardi de Herbón, a teoria privatista afirma que:
“el arbitraje es equiparable a un contrato privado, como una manifestación más de la soberanía e y poder de disposición de las partes sobre sus relaciones jurídicas’.
Se toma en consideración el origen del arbitraje. El surge del pacto o convenio arbitral, se arguye que ‘del mismo modo que las partes pueden transigir la controversia, pueden ellas comprometerla en árbitros’.
También sostienen que ‘así como es privado el negocio jurídico del que los árbitros derivan sus facultades, así es privada su función, y son de derecho privado las relaciones que se engendran entre ellos y las partes. Del mismo modo lo es el laudo que dictan’. El mismo autor entiende que personal – o privado -, por tanto las funciones de los árbitros son funciones privadas. Del mismo modo son privadas las relaciones entre árbitros y partes y privado será el juicio que desarrollen así como su resultado: el laudo. En general bajo esta teoría se mantiene del contrato que encierra dentro de sí un tracto procedimental.
Asimismo se busca su analogía con la transacción derivada a terceros, o con el mandato, o con la locación de servicios o de obra.”[17]
De acordo com os referidos autores, aqueles que sustentam a teoria publicista ou jurisdicional da arbitragem o fazem sob os seguintes fundamentos:
“La teoría que pone el acento en el elemento jurisdiccional o procesal del arbitraje lo fundamenta, en principio, en el carácter del árbitro. Al equipararlo en su función decisoria al juez subraya el rasgo acerca de la equivalencia entre la sentencia y el laudo.
Así sostiene que la esencia del arbitraje se encuentra en la identidad de fondo de la función jurisdiccional otorgada a los tribunales, instituida por la ley de modo excepcional y temporario a los jueces privados que son los árbitros. De ello resulta destacable que el arbitraje es en verdadero juicio, que el laudo tiene autoridad de cosa juzgada, con independencia de la fuerza ejecutoria que le confieren las normas del exequatur.”[18].
A doutrina mais moderna, procurando conciliar as duas tendências referidas, considera o instituto da arbitragem como portador de uma natureza sui generis, pois nasce da vontade das partes e ao mesmo tempo regula determinada relação de direito processual[19].
Para se verificar se a arbitragem é ou não exercício de função jurisdicional, faz-se necessário traçar algumas noções do que se constitui a função jurisdicional.
A jurisdição seria a função, a atividade e o poder do Estado de aplicar as normas ao caso concreto[20]. Esse conceito exclui a atividade do árbitro do âmbito jurisdicional, pois ele não atua em nome do Estado e nem torna tal atuação efetiva através da coerção[21]. No entanto, o árbitro quando nomeado pelas partes recebe verdadeiro poder de decidir, impondo em caráter obrigatório e vinculativo a solução para um determinado e específico conflito de interesses, aplicando a norma ao caso concreto. A substituição da vontade das partes pelo árbitro, que expressa e sintetiza a vontade da lei, se dá de forma plena, não sendo, portanto, diferente daquela do juiz estatal[22].
A dificuldade de enquadramento da arbitragem no conceito da jurisdição se refere a ausência de poder dos árbitros. Trata-se assim de verificar até que ponto o conceito de jurisdição estaria vinculado à coerção[23]. Quanto a isso, esclarece Carmona:
“No chamado processo declaratório, a força (poder) do Estado é visível de forma mais tênue: o juiz declara qual a norma incidente sobre uma dada relação jurídica e cessa aí sua atividade. A decisão tomada pelo juiz vincula as partes, que não a podem ignorar, sendo impossível a propositura de nova demanda acerca da mesma matéria, eis que os efeitos da sentença tendem à imutabilidade. Não é diverso o fenômeno, se avaliado em relação à arbitragem: o árbitro, investido do poder de decidir, também percorrerá o mesmo caminho, e os efeitos da decisão, vinculativos para as partes, serão ou não idênticos aos da sentença estatal, de acordo com o sistema positivo adotado”[24].
Hoje em dia, no Brasil, em face do novo regime estatuído através da Lei n.º 9.307/96, essas questões passaram a adquirir outras conotações e reflexos, pois antes do advento dessa norma o juízo arbitral só se aperfeiçoava com a homologação do laudo arbitral pelo Poder Judiciário. Hoje deixou de ser assim[25].
O legislador equiparou a sentença arbitral à sentença proferida pelo Estado-juiz, dispondo no art. 31 que “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos Órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui titulo executivo”. E, no art. 18, asseverou que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
O árbitro ou tribunal arbitral não detém o poder de imperium, pois seus poderes são limitados e não se comparam aos dos juízes Estatais. As medidas coercitivas ou cautelares que forem necessárias serão solicitadas ao Poder Judiciário, bem como a execução forçada da sentença arbitral. No mais, os poderes dos árbitros e dos juízes togados são equivalentes, gerando, inclusive, todos os efeitos decorrentes da coisa julgada[26].
Além disso, os árbitros estão impedidos de funcionar quando tenham, com as partes ou com o litígio, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento e suspeição de juízes, aplicando-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, sendo equiparados aos funcionários públicos, para efeitos da legislação penal, quando no exercício de suas funções, de acordo com o disposto nos arts. 14 e 17 da Lei de Arbitragem.
Portanto, o juízo arbitral instituído pela Lei n.º 9.307/96 possui natureza jurisdicional, não havendo qualquer obstáculo, com exceção das hipóteses vedadas por lei, para que o Estado delegue aos juízes privados parcela do poder que detém para dirimir conflitos[27].
Nesse ponto, em decorrência do reconhecimento da natureza jurisdicional da arbitragem pela Lei 9.307/96, outra questão complexa vem à tona, qual seja, o de uma possível colisão com o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de incidente de constitucionalidade nos autos de Homologação de Sentença Estrangeira 5.206-7, do Reino da Espanha, se debruçou sobre a matéria, proferindo decisão no sentido de que a equiparação das sentenças arbitrais às sentenças judiciais, bem como a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória no momento da celebração do contrato e a permissão dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso não ferem a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário[28].
Os Ministros Sepúlveda Pertence, Relator, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves ficaram vencidos. Consideraram constitucional o compromisso arbitral, mas entenderam inconstitucional a cláusula compromissória, dada a indeterminação de seu objeto e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para obrigá-lo a firmar o compromisso. Assim acolheram a violação do princípio do livre acesso ao Poder Judiciário e declararam a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei n.º 9.307/96: 1) o parágrafo único do art. 6º; 2) o art. 7º e seus parágrafos; 3) no art. 41, as novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do Código de Processo Civil; 4) e do art. 42[29].
No entanto, a maioria da Suprema Corte considerou constitucional a Lei de Arbitragem porque são as partes que optam pelo procedimento arbitral, não renunciando à efetivação da defesa de seu direito lesado ou ameaçado. Optam, apenas, em vê-lo solucionado por meio de procedimento legal diverso da jurisdição estatal.
Feitas essas considerações a respeito da natureza jurídica da arbitragem, parte-se agora para outra questão fundamental para o desenvolvimento deste trabalho, qual seja, o de se verificar quais são os conflitos passíveis de solução pela via arbitral.
1.3. Conflitos passíveis de arbitragem
As pessoas que podem convencionar a arbitragem são aquelas que tenham adquirido a capacidade civil. Assim, a cláusula compromissória da instituição do juízo arbitral há de ser firmada por pessoa natural absolutamente capaz[30]. Ademais, tanto as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, poderão valer-se dessa forma de solução de litígios[31]. Os entes despersonalizados – universalidades dotadas de representação ativa e passiva como os condomínios em edifícios, as massas falidas, os espólios e as sociedades de fato – podem valer-se da arbitragem eis que têm capacidade de ser parte e de estar em juízo, nada impedindo que disponham de seus direitos[32].
Porém, não basta a capacidade para submeter aos árbitros um litígio. É necessário ainda que a desavença diga respeito a direito patrimonial disponível[33].
Afirma a Lei de Arbitragem – Lei n.º 9.307/96 –, em seu art. 1.˚ que: “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Direito patrimonial disponível, segundo Belizário Antônio de Lacerda, é:
“todo aquele direito que, advindo do capital ou do trabalho, ou da conjugação de ambos, bem como ainda dos proventos de qualquer natureza, como os acréscimos patrimoniais não oriundos do capital ou do trabalho ou da conjugação de ambos, pode ser livremente negociado pela parte, visto que não sofre qualquer impedimento de alienação, quer por força de lei, quer por força de ato de vontade”[34]
Um direito é disponível quando o seu titular pode exercê-lo livremente, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato transcressor praticado[35].
Carmona assevera que “são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto”[36].
Questões que não envolverem direito que admita transação não são passíveis de arbitragem, como questões penais, referentes ao estado das pessoas, tributárias e pessoais concernentes ao direito de família[37].
No entanto, estas constatações não são suficientes para excluir de forma absoluta do âmbito da arbitragem toda e qualquer demanda que se refira ao direito de família ou ao direito penal, pois as consequências patrimoniais podem ser objeto de solução extrajudicial[38].
Também não podem ser submetidos à arbitragem os direitos da personalidade, por serem indisponíveis, extrapatrimoniais e imprescritíveis, pois consubstanciam a essência dos atributos físicos, morais e psíquicos do ser humano[39].
Irineu Strenger indica o seguinte rol exemplificativo de questões de ordem pública que tornam nulo o compromisso arbitral:
“1. Situação jurídica da pessoa;
2. questões relativas à nacionalidade;
3. questões relativas à adoção;
4. incapacidade e interdição;
5. questões relativas à representação e defesa do ausente;
6. autoridade parental, paternidade, filiação e alimentos;
7. questões que regem o casamento;
8. tutelas;
9. emancipação;
10. questões falimentares.”[40].
Outros casos específicos de possibilidade de utilização do instituto da arbitragem fogem ao objetivo deste trabalho. Seu uso para solução de dissídios trabalhistas, será abordado em capítulo próprio.
2. Princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas
A primeira parte deste trabalho cuidou do instituto da arbitragem, conceito, natureza jurídica e dos conflitos passíveis de solução. Foi visto que a arbitragem pode ser utilizada pelas pessoas capazes para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Dessa forma, para verificar a possibilidade de utilização da arbitragem na solução de dissídios trabalhistas, é necessária uma análise do princípio, essencial e elementar do Direito do Trabalho, da indisponibilidade dos direitos trabalhistas.
É comum a doutrina utilizar a expressão irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, como sinônimo para enunciar o presente princípio. Contudo, a expressão irrenunciabilidade não revela a amplitude do princípio. Renúncia é ato unilateral. O princípio em análise vai além do simples ato unilateral, interferindo também nos atos bilaterais de disposição de direitos[41].
Por essa razão, em face da amplitude do princípio para além do ato meramente unilateral, ele melhor está enunciado através da abrangente expressão princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas[42].
O Direito do Trabalho possui um princípio maior, o protetor, cuja finalidade é a proteção jurídica do trabalhador, compensadora da inferioridade em que se encontra no contrato de trabalho, pela sua posição econômica de dependência ao empregador e de subordinação as suas ordens de serviço[43].
Consiste no princípio referencial dos demais princípios, pois sobre sua base teórica soergueu todo o patrimônio jurídico de proteção ao hipossuficiente[44].
O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas, de ordem pública, que caracterizam a intervenção básica do Estado nas relação de trabalho, visando opor obstáculos à autonomia de vontade[45].
Assim, Amauri Mascaro Nascimento conceitua o Direito do Trabalho, sob esse prisma, como “um conjunto de direitos conferidos ao trabalhador como meio de dar equilíbrio entre os sujeitos do contrato de trabalho, diante de uma natural desigualdade que os separa, e favorece uma das partes do vínculo jurídico, a patronal”[46].
Nesse contexto é que se encontra o princípio da indisponibilidade dos direitos pelo trabalhador, pois “tem a função de fortalecer a manutenção dos seus direitos com a substituição da vontade do trabalhador, exposta às fragilidades da sua posição perante o empregador, pela lei, impeditiva e invalidante da sua alienação”[47].
Para Américo Plà Rodriguez, a irrenunciabilidade é “a impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio”[48].
Existem diversas formas de expor o fundamento desse princípio. Os doutrinadores que tratam do tema podem ser sintetizados em quatro grupos em função da ideia prevalente em cada um deles: os que se concentram no princípio da indisponibilidade, os que o relacionam com o caráter imperativo das normas, os que o vinculam à noção de ordem pública e os que o apresentam como forma de limitação da autonomia da vontade[49].
Ao cogitar de indisponibilidade, parte da doutrina mantém a sua atenção voltada para a essência do princípio, porém lhe empresta maior amplitude já que o direito indisponível não é apenas irrenunciável, mas igualmente insuscetível de ser objeto de transação[50].
Os que o relacionam com o caráter imperativo das normas fazem-no com relação à distinção entre normas dispositivas e imperativas, que correspondem à divisão procedente do Direito Romano entre jus cogens e jus dispositivum. O jus cogens é integrado por normas que devem ser cumpridas qualquer que seja a vontade das partes. O jus dispositivum é constituído pelas normas que se devem cumprir só quando as partes não tenham estabelecido outra coisa[51]. Assim, a obrigatoriedade das normas jurídico-trabalhistas conduz à irrenunciabilidade de benefícios e, com ela, à exceção sistemática da teoria dos atos próprios[52].
Os autores que partem do conceito de ordem pública não efetuam nenhuma distinção com respeito às normas imperativas, geralmente são utilizadas como sinônimos[53].
Clóvis Beviláqua conceitua leis de ordem pública como sendo “aquelas que, em um Estado, estabelecem os princípios, cuja manutenção se considera indispensável à organização da vida social, segundo os preceitos do direito”[54].
Por fim, outros colocam especial ênfase no significado do princípio como limitação à autonomia da vontade. No direito comum, a autonomia é a regra e a heteronomia, a exceção. No Direito do Trabalho a regra é a regulamentação heterônoma e a exceção, o acordo autônomo[55]. Nesse sentido, Alcione Niederauer Corrêa expressa:
“Se é verdade que a liberdade jurídica pertence ontologicamente ao homem, não o é menos que o uso dessa liberdade deve ser limitado pelos interesses de outros homens e da própria organização social. É, aliás, na limitação da autonomia da vontade que se constroem os pilares mais poderosos da garantia de liberdade para todos os que vivem em mútuas relações de dependência na vida social. É na limitação da autonomia individual que o Estado encontra o maior remédio para proteger o trabalho e, em consequência, a liberdade e a dignidade do seu prestador.”[56].
Convém, neste momento, traçar as distinções entre renúncia, transação e conciliação e a forma como esses institutos atuam no âmbito laboral.
2.2. Indisponibilidade de direitos: renúncia, transação e conciliação.
O Direito Individual do Trabalho, como visto, tem na indisponibilidade de direitos trabalhistas por parte do empregado um de seus princípios mais destacados[57].
Ao contrário do que ocorre no direito comum, onde governa o princípio da renunciabilidade, no Direito do Trabalho vige o princípio oposto, que é o da irrenunciabilidade[58].
Verifica-se que no Direito do Trabalho o instituto da renúncia tem seu campo de aplicação reduzido. Isso porque o legislador trabalhista abandonou o princípio da igualdade de direito e passou a guiar-se pela igualdade de fato, concedendo ao trabalhador uma superioridade jurídica em face de sua desigualdade econômica[59].
Para Luis Enrique de La Villa renúncia “é um negócio jurídico unilateral que determina o abandono irrevogável de um direito, dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico”[60].
Mauricio Godinho Delgado a define como “ato unilateral da parte, através do qual ela se desfaz de um direito de que é titular, sem correspondente concessão pela parte beneficiada”. Já a transação é por ele definida como um “ato bilateral (ou plurilateral), pelo qual se acertam direitos e obrigações entre as partes acordantes, mediante concessões recíprocas (despojamento recíproco), envolvendo questões fáticas ou jurídicas duvidosas (res dubia)”[61].
A renúncia pressupõe a certeza do direito de que é objeto; a transação, pelo contrário, pressupõe certa insegurança sobre o direito ou respectiva situação jurídica no que concerne à existência, limites ou modalidades[62].
A regra geral no Direito Individual do Trabalho é a irrenunciabilidade de direitos. Assim, a renúncia efetuada pelo empregado enseja a nulidade do ato, conforme os arts. 9.º, 444 e 468 da CLT[63], que dispõem:
“Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
“Art. 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.”
“Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”
As fontes jurídicas de que emanam direitos irrenunciáveis são as leis, as convenções coletivas e os acordos coletivos. Todos esses atos normativos são, em geral, insuscetíveis de derrogação pela vontade de uma ou ambas as partes, exceto se for mais favorável ao trabalhador. Logo, a renúncia prejudicial ao empregado a direito oriundo dessas fontes é negócio jurídico nulo[64].
A doutrina costuma fazer uma divisão entre os direitos indisponíveis, dividindo-os em absolutos ou relativos.
A indisponibilidade dos direitos é absoluta quando o interesse protegido é o do indivíduo como membro de uma classe ou de uma categoria profissional. Envolve interesse público, como o salário mínimo, ou interesse abstrato da categoria. A indisponibilidade relativa é quando o direito tutela interesse individual, cabendo ao seu titular a iniciativa de defendê-lo, a exemplo do salário no contrato[65].
A indisponibilidade absoluta é rara no Direito do Trabalho. Mas a indisponibilidade relativa nele predomina, como também o fazem a imperatividade das normas e a presunção de vício de consentimento, causas de exclusão quase total do poder de disposição de direitos trabalhistas[66].
São renunciáveis os direitos que constituem o conteúdo contratual da relação de emprego, nascido do ajuste expresso ou tácito dos contratantes, quando não haja proibição legal, inexista vício de consentimento e não importe prejuízo ao empregado[67].
Portanto, os requisitos da renúncia e da transação, no Direito Individual do Trabalho, são os clássicos a essas figuras já no Direito Civil: capacidade do agente, higidez da manifestação da vontade, objeto válido e forma prescrita ou não proibida por lei[68].
O princípio da irrenunciabilidade impede a disposição de direitos e benefícios trabalhistas, mas não estabelece seu exercício de maneira forçada, o que, além de ir contra a liberdade do indivíduo de maneira inadmissível, seria impossível fazer cumprir ou controlar. O que o ordenamento jurídico trabalhista proíbe é que um trabalhador abra mão de um benefício dado a ele para aliviar a precariedade de sua situação. Mas se o trabalhador não se desliga dele, tem plena liberdade quanto a seu exercício[69].
A renúncia e a transação ainda podem ser analisadas segundo o momento contratual: antes da admissão, durante sua vigência e após sua extinção.
Pacífica é a nulidade da renúncia pelo trabalhador na fase pré-contratual e na oportunidade da celebração do contrato de trabalho[70]. A doutrina é praticamente uniforme em considerar inválida a renúncia antecipada, seja qual for a fonte originária desse direito. Afinal, antes do trabalhador se converter em titular do emprego, possui apenas uma expectativa de adquiri-lo. Se renuncia previamente, configura-se uma presunção juris et de jure de que foi constrangido a essa atitude para ingressar ou permanecer na empresa. Assim, tal renúncia deve ser considerada inexistente[71].
Geralmente, também se nega veementemente a possibilidade de renúncia durante a vigência da relação trabalhista[72], pois o empregado encontra-se em estado de subordinação ao empregador[73].
Alice Monteiro de Barros sustenta que a renúncia no curso do contrato de trabalho é permitida quando houver previsão legal, como nos casos da opção pelo FGTS feita pelo empregado estável, da redutibilidade salarial (art. 7.º, VI, da Constituição Federal), da majoração da jornada de oito horas no regime de compensação (art. 7.º, XIII) e da jornada de seis horas nos turnos ininterruptos de revezamento (art. 7.º, XIV), mediante acordo ou convenção coletiva[74].
Cabe agora analisar se é lícita a renúncia de direitos pelo trabalhador após a cessação da vigência do seu contrato de trabalho. A doutrina nesse ponto não é pacífica.
Alcione Niederauer Corrêa sustenta não vigorar o princípio da indisponibilidade após a extinção do contrato de trabalho. Afirma que os possíveis créditos que o trabalhador tenha direito passam a integrar seu patrimônio, sendo por ele disponíveis, pois o obreiro não se encontra mais subordinado ao empregador, fato que acaba com a presunção legal de que se encontra sob coação[75].
Oliveira Viana sustenta que, mesmo manifestada após a extinção da relação contratual, a renúncia deve proceder da livre e espontânea vontade do empregado, sendo inválida não apenas se tiver sido obtida através do dolo, da coação ou da violência, mas também quando ficar provado que o patrão usou de modalidade sutil de coação a chamada pressão econômica[76].
Délio Maranhão também não considera válida a renúncia após a extinção do contrato de trabalho. Afirma que de nada adiantaria proibir o empregado, ao ser contratado, de renunciar ao direito de receber indenização se, ao ser demitido, lhe permitisse a renúncia[77].
Outra questão importante se refere à validade da renúncia efetuada pelo sindicato, mediante convenção coletiva de trabalho, de direitos individuais trabalhistas conquistados antes da celebração do pacto.
Para os que fundamentam a proibição da renúncia nos pressupostos vícios de consentimento, com a melhoria de posição que os trabalhadores obtêm mediante a união, desaparece a presunção de falta de liberdade e, portanto, recupera-se a possibilidade de negociações válidas. Mas para os que fundamentam o princípio em outra gama de razões mais profundas, ligadas à natureza das normas, a conclusão não pode ser a mesma, pois as normas irrenunciáveis continuam sendo irrenunciáveis, seja o renunciante um sujeito individual ou coletivo[78].
Pinho Pedreira sustenta que, nas hipóteses em que o direito do empregado se originou de lei de ordem pública absoluta, falta validade à renúncia porque o caráter coletivo não altera o fato de que o acordado viola a imperatividade legal[79].
Por fim, a lei não proíbe a renúncia por parte do empregador, pois o direito trabalhista visa proteger o empregado. Assim, é admissível a renúncia de direitos do empregador[80].
No tocante à transação, para que ela seja válida é imprescindível que duas pessoas, pelo menos, estejam vinculadas entre si, haja incerteza no pertinente a determinado ou determinados direitos ou obrigações, que a dúvida se refira a direitos patrimoniais e que a controvérsia seja extinta mediante concessões recíprocas[81].
Em geral, a transação é admitida e a renúncia, não, por duas razões fundamentais. A primeira porque a transação supõe a troca de um direito litigioso ou duvidoso por um benefício concreto e certo, enquanto a renúncia supõe simplesmente a privação de um direito certo. A segunda porque o fato de a transação ser bilateral não significa sacrifício gratuito de qualquer direito vez que sempre se obtém alguma vantagem ou benefício[82].
Além disso, a transação diferencia-se da conciliação judicial, que é um ato praticado no curso do processo, mediante a iniciativa e a interveniência do magistrado[83].
A conciliação judicial sempre é considerada válida, uma vez que operadas sob a vigilância e tutela da própria Magistratura especializada[84].
Assim, a conciliação, embora muito próxima às figuras anteriores, se distingue delas em virtude da interveniência da autoridade judicial e em virtude da conciliação poder abarcar parcelas trabalhistas não transacionáveis na esfera privada[85].
3. Arbitragem nos conflitos individuais trabalhistas
A aplicação do instituto da arbitragem na área trabalhista deve ser analisada separadamente, levando-se em consideração a sua utilização nos dissídios coletivos e nos dissídios individuais.
Conforme se verá, a arbitragem no âmbito do Direito do Trabalho vem sendo objeto de infindáveis discussões doutrinárias, especialmente no que se refere aos conflitos individuais do trabalho.
A Lei de Arbitragem (9.307/96) não faz nenhuma menção às causas trabalhistas, porém não há necessidade de qualquer menção específica ao Direito do Trabalho para que o mecanismo de solução de controvérsias seja aplicável também às questões laborais[86].
Por outro lado, não são poucos os estudiosos que sustentam que a arbitragem é incompatível com o processo trabalhista brasileiro, pois a submissão do trabalhador à decisão arbitral significaria deixar o obreiro à mercê do empregador, com ampla possibilidade de fraude, tornando sem sentido o caráter protetivo do Direito do Trabalho[87].
A Constituição Federal de 1988 previu expressamente a possibilidade das partes elegerem árbitros para solucionar conflitos coletivos de trabalho. Em relação aos conflitos individuais, foi silente, embora não tenha proibido tal hipótese[88].
Interessante notar que há dispositivos na ordem jurídica do país que se referem à presença da arbitragem no âmbito do Direito Individual do Trabalho.
A Lei n.º 8.630, de 1993 (Lei dos Portos) tem dispositivo que menciona o caminho arbitral obrigatório. Diz a lei que, inviabilizada a solução de litígios relativos a certos preceitos que menciona, pela comissão paritária criada pelo mesmo diploma legal, “as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais” (art. 23, caput, e § 1.º, da Lei n.º 8.630). No entanto, o referido dispositivo parece afrontar o art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, tendo em vista a orientação, já traçada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos autos da Homologação de Sentença Estrangeira 5.206-7, de ser constitucional a Lei de Arbitragem (9.307/96) porque são as partes que optam pelo procedimento arbitral, não renunciando à efetivação da defesa de seu direito lesado ou ameaçado. Optam, apenas, em vê-lo solucionado por meio de procedimento legal diverso da jurisdição estatal. Já o caso contido na Lei dos Portuários, ao impor caminho arbitral obrigatório, fere o referido dispositivo constitucional.
O Estatuto do Ministério Público – Lei Complementar n.º 75, de 1993 – conferiu legitimidade aos membros do Ministério Público do Trabalho para que atuem, como árbitro, em lides trabalhistas, conforme o disposto no art. 83, XI, da referida lei. Além disso, o Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho, visando aumentar a atuação dos Procuradores do Trabalho na solução extrajudicial dos conflitos trabalhistas, editou a Resolução n.º 32, de 20 de fevereiro de 1998, propôs a regulamentação da atividade de mediação e arbitragem no seio do Ministério Público do Trabalho, tendo em vista a necessidade de se adequar a solução dos conflitos aos tempos de globalização e do Mercosul[89].
Além disso, a Lei Complementar n.º 80, de 1994, que trata da Defensoria Pública da União, embora não se refira especificamente às causas trabalhistas, traz, em seu art. 4.º, como função institucional da Defensoria, a solução, prioritariamente, dos litígios por meio da arbitragem e outras técnicas de composição de conflitos.
A par disso, algumas objeções têm sido lançadas em desfavor da arbitragem de conflitos individuais de trabalho, conforme se passa a descrever.
Sustenta parte da doutrina que a omissão da possibilidade de arbitrar conflitos individuais de trabalho pelo art. 114, §§ 1.º e 2.º, da Constituição Federal fundou-se na vontade do legislador em não contemplar nem permitir o seu uso na seara do Direito Individual do Trabalho[90].
Nesse sentido, Antonio Umberto de Souza Júnior afirma que a Constituição Federal de 1988 apenas tratou da possibilidade de instituição de arbitragem para a solução dos conflitos coletivos. Sustenta que o impedimento para sua utilização nos dissídios individuais se situa na esfera da constitucionalidade ante a previsão exclusiva para litígios coletivos, não havendo compatibilidade na introdução do procedimento para as lides de índole individual[91].
Marcio Yoshida, em sentido contrário, sustenta não haver qualquer proibição, além da contida no art. 1.º da Lei de Arbitragem, para a sua utilização como substitutivo dos dissídios de natureza jurídica, bem como para solução de conflitos individuais do trabalho. Ressalta que a Constituição Federal também não dispôs sobre a arbitragem de litígios cíveis e comerciais, sendo desnecessária tal menção na Lei Maior diante do princípio da legalidade esculpido no art. 5.º, II, da Carta Magna[92].
Outra questão se refere ao desequilíbrio de forças entre o empregador e o trabalhador tanto na celebração da convenção de arbitragem como na concretização do procedimento arbitral[93], já que sua implementação dependerá da existência de uma convenção de arbitragem, isto é, de uma manifestação de vontade de cometer à decisão de árbitros a solução de tais litígios[94]. Nesse contexto, a Lei n.º 9.307/96 trouxe uma importante inovação ao instituto da arbitragem, permitindo que esta se inicie tanto pela cláusula compromissória quanto pelo compromisso arbitral, ambas denominadas convenção de arbitragem[95]. Segundo a sistemática adotada pela referida lei, tanto a cláusula quanto o compromisso excluem a jurisdição estatal, o que antes só era produzido pelo compromisso arbitral, nos termos da antiga redação do art. 301, IX, do Código de Processo Civil[96].
Desta forma, a cláusula compromissória é o pacto através do qual os contratantes avençam, por escrito, submeter à arbitragem a solução de eventual litígio que possa decorrer de uma determinada relação jurídica[97]. Assim dispõe o art. 4.º da Lei n.º 9.307/96: “A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”.
No compromisso arbitral, que pode ser judicial ou extrajudicial, o litígio já existe e as partes formalizam a escolha da arbitragem para a solução do conflito em andamento[98]. Nesse sentido, o art. 9.º da Lei de Arbitragem: “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.”
Nesse contexto, surgem algumas indagações.
A primeira questão que se coloca é saber se uma cláusula compromissória poderá vir inserida em um contrato individual de trabalho através de uma cláusula na qual se estabeleça que, para dirimir conflitos entre si emergentes, as partes acordam em submeter a respectiva solução a determinado tribunal arbitral já institucionalizado ou mesmo a um tribunal arbitral a ser constituído de forma ad hoc. A segunda questão é saber se a referida cláusula compromissória deveria ser antes criada ao por intermédio da autonomia coletiva, mediante inserção em convenção coletiva. Ou, ainda, se a arbitragem de dissídios individuais somente seria possível mediante compromisso posterior, com assistência ao trabalhador pela entidade sindical representativa de sua categoria de classe.[99]
Inicialmente, deve-se refletir sobre o grau de sobreposição do livre arbítrio do trabalhador pela vontade unilateral do empregador nos vários momentos da celebração da convenção de arbitragem, isto é, no ato da assinatura do contrato de trabalho, no curso deste ou após o seu término[100]. Assim, a aplicação da arbitragem para solução dos conflitos individuais do trabalho, diante da situação de fragilidade e hipossuficiência dos trabalhadores, deverá ensejar a adoção de algumas precauções, objetivando não só evitar fraudes às normas trabalhistas de caráter imperativo, mas também para coibir vícios de consentimento por meio da utilização da coação como forma de impor aos trabalhadores este mecanismo de solução dos conflitos[101].
Ciente disso, Alexandre Nery de Oliveira defende não ser aceitável a inclusão de cláusulas compromissórias de arbitragem no seio de contratos individuais de trabalho, porque permitiria a configuração de abusos e a imposição da vontade do patrão contratante sobre o trabalhador, que, a par das vezes, já se submete a apenas aderir ao ajuste proposto pelo empregador. Em tais casos, afirma que haveria a possibilidade do decreto judicial de nulidade de tal cláusula compromissória[102].
Dessa forma, em princípio, deve ser vedada qualquer inclusão, no contrato individual do trabalho, de cláusulas compromissórias[103].
Em relação aos trabalhadores de alto nível, como executivos, diretores de sociedades, gerentes ou de grande especialização, com elevada remuneração, intensa autonomia e poder, Luiz Carlos Amorim Robortella sustenta que é perfeitamente admissível a convenção particular de arbitragem[104]. No mesmo sentido, entende Raimundo Simão de Melo, mas jamais por cláusula compromissória[105].
Entretanto, a desvantagem do trabalhador em relação ao empregador no procedimento arbitral pode ser compensada pela interveniência do sindicato operário[106]. Assim, para a implementação da arbitragem como forma de solução dos conflitos individuais do trabalho, a cláusula compromissória deverá estar prevista em convenção coletiva. Da mesma forma, o compromisso arbitral somente deverá ser firmado com assistência do sindicato de classe ao trabalhador[107]. No mesmo sentido, Alexandre Nery de Oliveira afirma que:
“nada impede que a cláusula compromissória de arbitragem venha inserida em acordo ou convenção coletiva de trabalho, onde a participação do sindicato generaliza a norma para toda a categoria ou grupo. Nesse sentido, a plena aplicabilidade da cláusula compromissória no âmbito da categoria ou grupo decorreria do apoio no artigo 7.º, inciso XXVI, da Constituição, que enuncia o amplo reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho. A tal modo, então, poderia passar a arbitragem a ser aplicada como instrumento de solução extrajudicial também de conflitos individuais de trabalho. Sendo assim, a cláusula inserida no contrato individual, que apenas fosse referência à cláusula coletiva, não teria vício algum de nulidade, reafirmando apenas a vontade individual das partes a tal modo de solução dos conflitos concernentes ao contrato de trabalho, embora e inclusive por desnecessária, ante a existência de norma de maior envergadura, de caráter coletivo (art. 4º).”[108].
Iara Alves Cordeiro Pacheco também entende que é impossível a inclusão de tal cláusula nos contratos individuais de trabalho, tendo em vista a desigualdade entre empregado e empregador, somente podendo ser admitida nos acordos ou convenções coletivas, sob o crivo da entidade sindical, que deve afastar a aplicação da equidade[109].
Dessa forma, a atuação do sindicato, conquanto nada preveja a Lei n.º 9.307/96, é conveniente para que se elimine a presunção de falta de liberdade e da coação perpetrada pelo maior poder econômico do empregador em face do trabalhador hipossuficiente[110].
Por outro lado, Orlando Teixeira da Costa, analisando a situação sindical do Brasil, aponta um grande inconveniente que gera preocupação com a responsabilidade que se quer atribuir aos sindicatos, qual seja, a existência de um arquipélago sindical onde há, por vezes, nos centros industrializados, um sindicalismo forte, capaz de exercer pressão sobre os patrões, que convive com outro sindicalismo, raquítico, das regiões pobres ou insuficientemente industrializadas[111].
Antonio Umberto de Souza Júnior também demonstra preocupação ao afirmar que poderiam ser celebradas convenções coletivas com cláusula compromissória obrigatória exigida pela classe patronal em troca de pequeno incremento remuneratório para a categoria ou vantagens indiretas. Assim, o sindicato obreiro fecharia as portas do Judiciário a seus representados, afastando a solução para a via arbitral[112].
Não obstante as objeções enunciadas, necessário é reconhecer que o legislador constituinte, no inciso III do art. 8.º da Carta Magna, atribuiu aos sindicatos a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais. Também demonstrando o firme propósito de privilegiar a atuação dos sindicatos, a Constituição Federal disciplinou a participação obrigatória dos sindicatos nas negociações coletivas (art. 8.º, VI) e o reconhecimento das convenções e acordos coletivos (art. 7.º, XXVI). Ademais, não se pode deixar de observar que aos sindicatos foi dada a extraordinária prerrogativa constitucional de negociar a redução dos salários, a ampliação de jornada de trabalho, inclusive os turnos ininterruptos de revezamento, conforme o art. 7.º, VI, XIII e XVI da Constituição Federal. Dessa maneira, não se pode inferir a impossibilidade de se legitimar uma convenção de arbitragem para solução de conflitos decorrentes da aplicação de um acordo ou convenção coletiva de trabalho que nesses instrumentos fosse inserida[113].
Por fim, um dos maiores óbices ao procedimento arbitral nos dissídios individuais trabalhistas se refere ao princípio da indisponibilidade dos direitos laborais, conforme será exposto no tópico a seguir.
3.1. Arbitragem trabalhista e princípio da indisponibilidade
O argumento mais forte sobre a inaplicabilidade do instituto da arbitragem na relação trabalhista reside, exatamente, na indisponibilidade de alguns dos direitos dos empregados[114].
Conforme visto anteriormente, o art. 1.º da Lei n.º 9.307/96 prevê a aplicação da arbitragem apenas para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Assim, a possibilidade de se arbitrarem controvérsias na seara laboral deve, necessariamente, ser precedida da análise da disponibilidade dos direitos trabalhistas.
O Direito do Trabalho contém muitos dispositivos de ordem pública absoluta, intransigíveis, irrenunciáveis e inderrogáveis. São minoria as normas trabalhistas que possibilitam a livre manifestação da vontade das partes, no curso da relação de emprego, constituindo reais exceções à regra geral ditada pelos arts. 9.º, 444 e 468 da CLT. Assim, as regras referentes à proteção do trabalho da mulher e do menor, à segurança e medicina do trabalho, normas sobre férias, descansos e nacionalização do trabalho estão na esfera do Direito Tutelar e têm especial conotação imperativa. Também são irrenunciáveis os direitos personalíssimos relacionados ao trabalho, que se vinculam essencialmente ao desenvolvimento e à preservação da dignidade, das liberdades civil, física, moral e intelectual do trabalhador. Além disso, o trabalhador tem o direito de ver preservada sua liberdade política e religiosa, sem que delas resulte qualquer medida discriminatória antes, durante ou mesmo por ocasião da rescisão do contrato de trabalho. Além do mais, não pode o trabalhador ter sua intimidade violada, quer por revistas íntimas pessoais, quer por fiscalizações humilhantes durante o expediente no posto de trabalho ou nos banheiros e vestiários[115].
Iara Alves Cordeiro Pacheco sustenta que o empregado é detentor de direitos de quatro espécies: direitos da personalidade; direitos decorrentes de normas de ordem pública absoluta; direitos derivados de normas de ordem pública relativa; e direitos decorrentes de normas dispositivas. Quanto aos direitos decorrentes de normas dispositivas, bem como aos direitos derivados de normas de ordem pública relativa, afirma que nada impede a utilização da arbitragem. No que se refere aos direitos da personalidade, tratando-se de lesão já concretizada e o ofensor reconheça a caracterização do ilícito, havendo discordância apenas no que tange ao quantum, também, sustenta, será possível firmar o compromisso para o arbitramento da justa compensação. Por fim, em relação a arbitragem sobre normas de ordem pública absoluta, a solução encontrada pela doutrinadora é semelhante à hipótese dos direitos da personalidade, pois nesse último caso os dissídios individuais são passíveis de solução mediante arbitragem desde que referentes a reflexos patrimoniais sobre os quais incida dubiedade, devendo ser observadas pelo árbitro as regras inderrogáveis[116].
Já Maurício Godinho Delgado afirma que o art. 1.º da Lei n.º 9.307/96 cria óbvia dificuldade de inserção dos direitos trabalhistas, principalmente quando considerados no plano das relações bilaterais do contrato empregatício. Sustenta que o princípio da indisponibilidade de direitos invalida qualquer renúncia ou mesmo transação lesiva operada pelo empregado ao longo do contrato. Assim, questiona se a fórmula arbitral teria força para esterilizar, ou mesmo atenuar, esse princípio básico do ramo trabalhista especializado. Ele mesmo responde, tecendo as seguintes considerações:
“Em princípio, parece-nos que a resposta é negativa. As fórmulas de solução de conflitos, no âmbito do Direito Individual do Trabalho, submetem-se, é claro, aos princípios nucleares desse segmento especial do Direito, sob pena de a mesma ordem jurídica ter criado mecanismo de invalidação de todo um estuário jurídico-cultural tido como fundamental por ela mesma. Nessa linha, é desnecessário relembrar a absoluta prevalência que a Carta Magna confere à pessoa humana, à sua dignidade no plano social, em que se insere o trabalho, e a absoluta preponderância deste no quadro de valores, princípios e regras imantados pela mesma Constituição.”[117].
Para Zoraide Amaral de Souza o que deve ser analisado é o momento em que os direitos dos empregados são considerados indisponíveis. Para ela, há indisponibilidade enquanto a relação empregatícia existir. Dessa forma, sustenta que após a sua extinção, não há que se falar em indisponibilidade, pois todos os direitos passam a ser disponíveis[118]. Para sustentar sua afirmação, assevera que:
“a própria Justiça do Trabalho, que possui como princípio básico a conciliação, antes de qualquer ato do juiz, no momento da tentativa do acordo, não faz perguntas sobre se o direito que está sendo submetido à conciliação, é disponível ou indisponível. A razão é simples: neste momento não há que se perquirir, pois a relação material já se extinguiu.”[119].
Carmona, embora não deixe de reconhecer o caráter protetivo do Direito Laboral, entende ser viável solucionar questões trabalhistas que envolvam direitos disponíveis através da instituição do juízo arbitral, inclusive no curso do contrato do trabalho, onde também existe direitos disponíveis[120].
Ademais, conforme visto anteriormente, como consequência do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, tem-se a nulidade da renúncia. Assim, a irrenunciabilidade de direitos trabalhistas pelo empregado constitui regra geral no direito individual do trabalho do país, estando previstos em pelo menos três dispositivos da CLT: arts. 9.º, 444 e 468 .
Todavia, a conservadora interpretação gramatical dos referidos artigos tem sido mitigada pela doutrina e pela jurisprudência que têm dado algum espaço à renúncia à luz da modernização das leis trabalhistas e da Constituição Federal, promovida nas mais de seis décadas que sucederam à edição da norma consolidada[121].
Nesse contexto, o art. 7.º, IV, da Constituição Federal permite a redução de salário, desde que seja por meio da negociação coletiva[122]. Já o art. 7.º, XIV, da Constituição Federal assegura “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.”. Dessa forma, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 423, dispondo:
“TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. FIXAÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO MEDIANTE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 169 da SBDI-1) Res. 139/2006 – DJ 10, 11 e 13.10.2006) Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não tem direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras.”
A CLT também possui exemplos de normas que podem estar sujeitas à negociação pelas partes contratantes, conforme arts. 472, § 2.º, e 475, §§ 1.º e 2.º, in verbis[123]:
“Art. 472, § 2º – Nos contratos por prazo determinado, o tempo de afastamento, se assim acordarem as partes interessadas, não será computado na contagem do prazo para a respectiva terminação.”
“Art. 475, § 1º – Recuperando o empregado a capacidade de trabalho e sendo a aposentadoria cancelada, ser-lhe-á assegurado o direito à função que ocupava ao tempo da aposentadoria, facultado, porém, ao empregador, o direito de indenizá-lo por rescisão do contrato de trabalho, nos termos dos arts. 477 e 478, salvo na hipótese de ser ele portador de estabilidade, quando a indenização deverá ser paga na forma do art. 497.
§ 2º – Se o empregador houver admitido substituto para o aposentado, poderá rescindir, com este, o respectivo contrato de trabalho sem indenização, desde que tenha havido ciência inequívoca da interinidade ao ser celebrado o contrato.”
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho oscila, vezes autorizando a renúncia, ora negando tal possibilidade[124]:
“ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 30 DA SDC DO TST. ESTABILIDADE DA GESTANTE. RENÚNCIA OU TRANSAÇÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. (republicada em decorrência de erro material) – DEJT divulgado em 19, 20 e 21.09.2011) Nos termos do art. 10, II, "b", do ADCT, a proteção à maternidade foi erigida à hierarquia constitucional, pois retirou do âmbito do direito potestativo do empregador a possibilidade de despedir arbitrariamente a empregada em estado gravídico. Portanto, a teor do artigo 9º, da CLT, torna-se nula de pleno direito a cláusula que estabelece a possibilidade de renúncia ou transação, pela gestante, das garantias referentes à manutenção do emprego e salário.”
“SÚMULA N.º 51 DO TST. NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 – RA 41/1973, DJ 14.06.1973)
II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1 – inserida em 26.03.1999)”
“SÚMULA N.º 243 DO TST. OPÇÃO PELO REGIME TRABALHISTA. SUPRESSÃO DAS VANTAGENS ESTATUTÁRIAS (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Exceto na hipótese de previsão contratual ou legal expressa, a opção do funcionário público pelo regime trabalhista implica a renúncia dos direitos inerentes ao regime estatutário.”
Conforme visto, várias regras atinentes ao contrato individual de trabalho admitem renúncia e transação, o que conduz, segundo parte da doutrina, ao convencimento da disponibilidade de direitos que a princípio são considerados indisponíveis[125].
Edoardo F. Ricci, analisando a questão da conexão lógica entre disponibilidade do objeto da lide e admissibilidade de arbitragem, dispõe que ela seria verdadeiramente necessária se a sentença arbitral, em vez de ser o equivalente da decisão proferida pelo juiz, no que concerne a seus efeitos, fosse o equivalente de contrato estipulado pelas partes, com o propósito de resolver a lide mediante transação ou conciliação. Sustenta que nesse caso, as partes obteriam, mediante o árbitro, o mesmo resultado que poderiam conseguir diretamente por meio de acordo. Conclui que esse tipo de arbitragem realmente exige a disponibilidade da lide como pressuposto. Mas afirma que é diferente a situação da arbitragem disciplinada pela Lei n.º 9.307/96, pois a convenção de arbitragem não é convenção sobre o objeto da lide, nem ato de disposição do direito controvertido, é convenção sobre a escolha do juiz[126].
Ademais, o referido autor, explicando as razões históricas da disponibilidade do objeto da lide e a admissibilidade de arbitragem, identifica duas causas. A primeira, de caráter dogmático, concernente à distinção entre direito material e processo. Afirma que, durante muitos séculos, disciplinar a ação significou disciplinar o direito material, assim, não se podia imaginar convenção sobre a tutela processual do direito sem se supor a disponibilidade deste último. A segunda e mais importante razão seria o sentido atribuído à regra por força da qual o Estado tem a tarefa de assegurar a tutela jurisdicional mediante seus juízes. Dessa forma, explica que:
“Essa regra caracteriza todos os Estados, porque pode ser justificada de várias maneiras e combinar-se com qualquer organização estatal. Ela se apóia, no entanto, em duas possíveis premissas de caráter político lato sensu, muito diferentes uma da outra: a tutela jurisdicional como simples serviço e a tutela jurisdicional como manifestação do poder soberano. O maior ou menor sucesso da arbitragem depende muito, sob o ponto de vista histórico, da prevalência de uma ou de outra justificação. Na época da Revolução Francesa, quando não se depositava muita confiança no poder judiciário (em virtude de sua conexão com o Ancien Régime), prevaleceu a idéia da tutela judicial como simples serviço e o direito de escolher a arbitragem foi reconhecido nas Constituições. Sucessivamente, a idéia da tutela jurisdicional como expressão do poder soberano adquiriu mais força e o direito de escolher a arbitragem não foi mais garantido como direito fundamental. A contraposição entre as duas possíveis justificações da tutela judicial como tarefa do Estado pertence à história da filosofia política, e a disciplina da arbitragem é um dos pontos de vista dos quais ela pode ser observada.
Quanto mais o âmbito da arbitragem é limitado, tanto mais se revela a idéia da tutela judicial como manifestação do poder soberano, em vez de simples serviço. Esta última é a verdadeira razão para justificar-se a regra que estamos comentando: a liberdade de escolher o juiz é sacrificada em favor da soberania do Estado.”[127]
Por fim, Edoardo F. Ricci, interpretando os arts. 851, 852 e 853 do Código Civil de 2002, chega a diferentes conclusões em se tratando de cláusula compromissória ou compromisso para instituição da arbitragem. Inicialmente, transcrevem-se os citados dispositivos para melhor compreensão, in verbis:
“Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar.”
“Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.”
“Art. 853. Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial.”
Quanto à cláusula compromissória, o referido autor, analisando o art. 853 do Código Civil que refere-se à “forma estabelecida em lei especial”, conclui que a Lei n.º 9.307/96 permanece totalmente em vigor, inclusive a regra do art. 1º, por força da qual a arbitragem é admitida apenas “para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Mas em relação ao compromisso formado pelas partes depois de nascida lide ele chega a diferente conclusão. Sustenta que nada impediria conciliar-se a norma do art. 851, do Código Civil, com a norma do art. 1º da Lei n.º 9.307/96, para concluir-se que também o compromisso pode ser estipulado apenas nas matérias disponíveis. Mas também afirma que se pode concluir que o art. 851 do Código Civil derrogou a disciplina previgente, tornando-se a fonte única da admissibilidade do compromisso. E, com base no sentido literal do referido art. 851, conclui que o compromisso não pode ser estipulado por pessoas incapazes, mas as pessoas capazes podem estipular compromisso em todas as matérias patrimoniais, quaisquer que sejam, inclusive as não disponíveis[128].
Assim, conforme visto ao longo deste trabalho, nem todas as normas trabalhistas são de ordem pública e imperativa. Desse modo, o que não se pode admitir é que o objeto da arbitragem constitua lesão à ordem pública. Ademais, os direitos trabalhistas tidos por indisponíveis passam a ser disponíveis na medida em que a transação e a renúncia se demonstram possíveis, especialmente em relação aos seus efeitos patrimoniais. Portanto, o dogma da indisponibilidade não pode servir como objeção ao uso da arbitragem para a solução de conflitos individuais do trabalho.
3.3. A questão à luz da jurisprudência
Conforme salienta Fredie Didier, no Brasil, o destaque que se tem atribuído à jurisprudência (marca do common law) é notável, embora a importância da opinião dos doutrinadores ainda seja bem significativa (característica do civil law)[129].
Da mesma forma, Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que a dicotomia entre as famílias jurídicas civil law e common law hoje não é tão nítida e radical como o foi outrora, sendo visível uma gradativa e constante aproximação entre aqueles regimes, pois o direito legislado vai num crescendo, nos países tradicionalmente ligados à regra do precedente judicial, e, em sentido inverso, é a jurisprudência que vai ganhando espaço nos países onde o primado recai na norma legal[130].
Diante disso, pretende-se neste capítulo abordar como os tribunais trabalhistas têm enfrentado a questão da instituição da arbitragem nos dissídios individuais.
Com efeito, o Tribunal Superior do Trabalho já teve a oportunidade de se manifestar sobre o assunto por seu órgão mais importante de uniformização da interpretação da legislação trabalhista federal em matéria de dissídios individuais – a Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1). Tal Subseção decidiu, por maioria, pela impossibilidade da instituição de arbitragem no direito individual do trabalho por entender que os direitos trabalhistas são indisponíveis, que a Constituição Federal possibilitou a adoção da arbitragem apenas para os conflitos coletivos, de acordo com o art. 114, §§ 1.º e 2.º, bem como pela ausência de equilíbrio entre as partes. Ficaram vencidos os Ministros Maria de Assis Calsing e Guilherme Caputo Bastos. Eis a ementa do referido julgamento:
“ARBITRAGEM. APLICABILIDADE AO DIREITO INDIVIDUAL DE TRABALHO. QUITAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. 1. A Lei 9.307/96, ao fixar o juízo arbitral como medida extrajudicial de solução de conflitos, restringiu, no art. 1º, o campo de atuação do instituto apenas para os litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Ocorre que, em razão do princípio protetivo que informa o direito individual do trabalho, bem como em razão da ausência de equilíbrio entre as partes, são os direitos trabalhistas indisponíveis e irrenunciáveis. Por outro lado, quis o legislador constituinte possibilitar a adoção da arbitragem apenas para os conflitos coletivos, consoante se observa do art. 114, §§ 1º e 2º, da Constituição da República. Portanto, não se compatibiliza com o direito individual do trabalho a arbitragem. 2. Há que se ressaltar, no caso, que a arbitragem é questionada como meio de quitação geral do contrato de trabalho. Nesse aspecto, a jurisprudência desta Corte assenta ser inválida a utilização do instituto da arbitragem como supedâneo da homologação da rescisão do contrato de trabalho. Com efeito, a homologação da rescisão do contrato de trabalho somente pode ser feita pelo sindicato da categoria ou pelo órgão do Ministério do Trabalho, não havendo previsão legal de que seja feito por laudo arbitral. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se nega provimento. (E-ED-RR-79500-61.2006.5.05.0028, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 30/03/2010)”[131]
Além disso, todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho também entendem que é inviável a arbitragem nos dissídios individuais, conforme os seguintes precedentes: AIRR-122940-23.2004.5.05.0014, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, DEJT 27/11/2009; RR-117740-69.2007.5.15.0008, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, 2.ª Turma, DEJT 14/9/2012; AIRR-2-56.2010.5.02.0351, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, 3.ª Turma, DEJT 31/08/2012; RR-170400-06.2008.5.15.0008, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, 4.ª Turma, DEJT 19/12/2011; RR-556-10.2010.5.09.0411, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, 5.ª Turma, DEJT 15/06/2012; RR-104100-20.2007.5.02.0021, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DEJT 24/02/2012; AIRR-181740-29.2005.5.02.0067, Relatora Ministra Delaíde Miranda Arantes, 7.ª Turma, DEJT 10/08/2012 e RR-33200-33.2009.5.05.0029, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT 25/05/2012.
Verifica-se que a matéria na Corte Superior trabalhista encontra-se pacificada, sendo majoritário o entendimento pela impossibilidade de arbitragem para solução dos litígios individuais trabalhistas, seja pela falta de previsão constitucional para os dissídios individuais, seja pelo princípio da indisponibilidade dos direitos laborais, seja pela ausência de equilíbrio entre as partes ou ainda pela inafastabilidade da jurisdição.
A jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho tem oscilado ao enfrentar a questão do cabimento da arbitragem de conflitos individuais do trabalho.
O Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região, em voto da Relatoria do Desembargador Valmir de Araújo Carvalho, da 2.ª Turma, entende que a arbitragem, no direito individual trabalhista, só é possível na hipótese de trabalho portuário (art. 23, § 1º, da Lei n.º 8.630/93) ou pelo Ministério Público do Trabalho, sem limitação quanto à matéria, nos termos do art. 83, XI, da Lei Complementar n.º 75/93. (RO-03580-2003-244-01-00-3, DOERJ, P. III, S. II, Federal de 23.6.2006)[132].
No mesmo sentido da impossibilidade da arbitragem nos dissídios individuais o TRT da 2.ª Região (RO n.º 0000823-31.2011.5.02.0317); TRT da 4.ª Região (RO n.º 0128800-15.2007.5.04.0018); TRT da 9.ª, Região (RO n.º 01578-2010-411-09-00-0); TRT da 15.ª Região (RO n.º 00694-2008-051-15-00-1); TRT da 17.ª Região (RO n.º 00398.2007.014.17.00.9 e RO n.º 0177000-96.2002.5.17.0008); TRT da 18.ª Região (RO n.º 01421-2007-141-18-00-8); TRT da 23.ª Região (RO n.º 00285.2011.009.23.00-1 e RO n.º 01800.2004.004.23.00-0), com fundamento na falta de previsão constitucional para os dissídios individuais, no princípio da indisponibilidade dos direitos laborais, na ausência de equilíbrio entre as partes e na violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição.
O TRT da 5.ª Região possui tanto entendimento pela possibilidade quanto pela impossibilidade da arbitragem nos dissídios individuais.
No Recurso Ordinário n.º 0000739-97.2011.5.05.0009, de relatoria do Desembargador Renato Mário Simões, 2.ª Turma, considerou-se possível a aplicação da arbitragem como forma de solução dos conflitos individuais do trabalho quando ausentes as provas de vício de consentimento e também por entender que os direitos pleiteados na Justiça do Trabalho, na sua maioria, são patrimoniais e, por conseguinte, em princípio, disponíveis. Em relação à previsão constitucional, assevera que o art. 114 visou tão somente estabelecer a competência material da Justiça do Trabalho, sem excluir outras formas de solução de conflitos, e que a simples omissão da lei não afasta o uso da arbitragem visto que o art. 769 da CLT autoriza a utilização do direito processual comum subsidiariamente ao processo trabalhista quando as normas deste forem omissas. Ademais, sustenta que a cláusula compromissória deverá vir inserida em acordo ou convenção coletiva de trabalho[133].
Já no Recurso Ordinário n.º 0000206-47.2011.5.05.0007, de relatoria do Desembagador Esequias de Oliveira, 5.ª Turma, entendeu-se pela impossibilidade de instituição de arbitragem para resolver dissídios individuais trabalhistas porque a Constituição Federal somente a previu para conflitos de natureza coletiva e porque o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas invalida qualquer renúncia ou transação lesiva operada pelo empregador, tanto antes, durante, e após o contrato. Além disso, sustenta que a arbitragem viola o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição[134].
O Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região, em voto da Relatoria de Antônio Álvares da Silva, admite a arbitragem nos dissídios individuais, conforme ementa que aqui se transcreve integralmente pela completude e profundidade em que a matéria foi abordada:
“ARBITRAGEM E CONFLITOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO – POSSIBILIDADE – CONCEITO DE INDISPONIBILIDADE DE DIREITOS –EFEITOS JURÍDICOS. 1 – A arbitragem é, por excelência, o meio de solução de conflitos humanos, precedendo no tempo ao próprio Poder Judiciário. 2 – A solução de conflitos por um terceiro isento, escolhido pelas partes, sempre foi o caminho histórico de pacificação de litígios, porque, gozando da confiança dos que lhe pedem justiça, concilia a rigidez da norma com a flexibilização natural da equidade. 3 – Somente na fase imperial de Roma é que se adotou a solução exclusivamente estatal de controvérsias. Antes, no período das ‘legis actiones’ e no período ‘per formulam’, a atuação do pretor se limitava a dar a ação, compor o litígio e fixar o ‘thema decidendum’. A partir daqui, entregava o julgamento a um árbitro, que podia ser qualquer cidadão romano. 4 – Esta situação predominou durante a Idade Média, em que não havia tribunais exclusivamente patrocinados pelo Estado pois, pertencendo o cidadão a reinos e condados, comandados por nobres e senhores feudais, a justiça era feita de comum acordo, por tribunais comunitários, de natureza mais compositiva do que decisória. 5 – Somente a partir do século XVIII, com a criação do Estado Constitucional é que houve o monopólio pelo Estado da prestação jurisdicional. Esta nova postura, entretanto, nunca exclui o julgamento fora do Estado, por terceiros escolhidos pelas partes, pois não é, nem nunca foi possível ao Estado decidir sozinho as controvérsias humanas, principalmente na sociedade moderna, em que se multiplicam os conflitos e acirram-se as divergências, não só dos cidadãos entre si, mas deles contra o Estado e do Estado contra seus jurisdicionados. 6 – O próprio Estado brasileiro, através da Lei 9.307/06 deu um passo decisivo neste aspecto, salientando, em seu artigo primeiro, que: ‘ as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis ‘. Desta forma, conciliou-se o monopólio da jurisdição, naquilo que o Estado considera fundante e inalienável para constituir a ordem pública e o interesse social com direitos em que predominam os interesses individuais ou coletivos, centrados em pessoas ou grupos. 7 – Os conflitos trabalhistas não se excluem do âmbito genérico do art. 1º da Lei 9.307/06 porque seus autores são pessoas capazes de contratar e detêm a titularidade de direitos patrimoniais disponíveis. 8 – A indisponibilidade de direitos trabalhistas é conceito válido e internacionalmente reconhecido porque se trata de núcleos mínimos de proteção jurídica, com que o trabalhador é dotado para compensar a desigualdade econômica gerada por sua posição histórica na sociedade capitalista. Destes conteúdos mínimos, não têm as partes disponibilidade porque afetaria a busca do equilíbrio ideal que o legislador sempre tentou estabelecer entre o empregado e o empregador. 9 – Porém indisponibilidade não se confunde com transação, quando há dúvida sobre os efeitos patrimoniais de direitos trabalhistas em situações concretas. Indisponibilidade não se há de confundir-se com efeitos ou conseqüências patrimoniais. Neste caso, a negociação é plenamente possível e seu impedimento, pela lei ou pela doutrina, reduziria o empregado à incapacidade jurídica, o que é inadmissível, porque tutela e proteção não se confundem com privação da capacidade negocial como atributo jurídico elementar de todo cidadão. 10 – A arbitragem, tradicionalmente prevista no Direito Coletivo, pode e deve também estender-se ao Direito Individual, porque nele a patrimonialidade e a disponibilidade de seus efeitos é indiscutível e é o que mais se trata nas Varas trabalhistas, importando na solução, por este meio, de 50% dos conflitos em âmbito nacional. Basta que se cerque de cuidados e se mantenha isenta de vícios, a declaração do empregado pela opção da arbitragem que poderá ser manifestada, por exemplo, com a assistência de seu sindicato, pelo Ministério Público do Trabalho ou por cláusula e condições constantes de negociação coletiva. 11 – Em vez da proibição, a proteção deve circunscrever-se à garantia da vontade independente e livre do empregado para resolver seus conflitos. Se opta soberanamente pela solução arbitral, através de árbitro livremente escolhido, não se há de impedir esta escolha, principalmente quando se sabe que a solução judicial pode demorar anos, quando o processo percorre todas as instâncias, submetendo o crédito do emprego a evidentes desgastes, pois são notórias as insuficiências corretivas dos mecanismos legais. 12 – A arbitragem em conflitos individuais já é prevista na Lei de Greve- Lei 7.783/89, art. 7º; Lei de Participação nos Lucros – Lei 10.102/00; na Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, ratificada pelo Decreto 4.311/02. Trata-se, portanto, de instituição já inserida no Direito brasileiro, que não pode mais ser renegada pela doutrina ou pela jurisprudência, sob pena de atraso e desconhecimento dos caminhos por onde se distende hoje o moderno Direito do Trabalho.13 – Já é tempo de confiar na independência e maturidade do trabalhador brasileiro, mesmo nos mais humildes, principalmente quando sua vontade tem o reforço da atividade sindical, da negociação coletiva, do Ministério Público, que inclusive pode ser árbitro nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho – art. 83, XI, da LC 75/93. 14 – A relutância em admitir a arbitragem em conflitos individuais de trabalho é uma prevenção injustificada que merece urgente revisão. Não se pode impedir que o empregado, através de manifestação de vontade isenta de vício ou coação, opte por meios mais céleres, rápidos e eficientes de solução do conflito do que a jurisdição do Estado.”[135].
A matéria é polêmica na jurisprudência do TRT da 10.ª Região.
A decisão proferida no Recurso Ordinário n.º 510-2005-014-10-85-0 da 1.ª Turma, de relatoria do Desembargador Pedro Luis Vicentin Foltran, traz entendimento no sentido de que a arbitragem é instrumento legítimo para a solução de lides trabalhistas, requerendo apenas a estrita observância dos termos da Lei n.º 9.307/96. Quanto à tese de incompatibilidade dos direitos trabalhistas com o art. 1.ª da Lei de Arbitragem, consignou que a realidade prática tem demonstrado que os direitos tidos como irrenunciáveis vêm sendo constantemente negociados, seja por meio da autocomposição, heterocomposição ou ante o juízo trabalhista e que esse entendimento de incompatibilidade se dilui diante da previsão contida no art. 25 da Lei de Arbitragem no sentido de que “sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral”. Ademais, afirma que o procedimento arbitral é quase idêntico ao judicial, diante dos arts. 17 e 18 da Lei 9.307/96. Assim, diante da ausência de nulidade e de vício de consentimento, considerou válida a cláusula compromissória e extinguiu o processo sem resolução do mérito[136].
Por outro lado, em caso análogo ao acima referido, a 2.ª Turma, no julgamento do Recurso Ordinário 1870-2009-020-10-85-5, de relatoria do Desembargador Alexandre Nery de Oliveira, embora entendendo válida a instituição de arbitragem para dissídios individuais, consignou que a cláusula compromissória inserida no contrato individual de trabalho só tem validade se amparada em acordo ou convenção coletiva de trabalho, o que não se coadunava com a hipótese dos autos. Assim, rejeitou a preliminar de falta de interesse de agir e analisou o mérito da controvérsia[137]. No mesmo sentido: RO 00102-2010-005-10-00-2, Rel. Desembargador Alexandre Nery de Oliveira, 2.ª Turma, DEJT 3/12/2010.
Em outro caso, de relatoria também do Desembargador Alexandre Nery de Oliveira, firmou-se entendimento de que é inválida a cláusula compromissória contida em contrato individual de trabalho redigida apenas em língua estrangeira[138].
Em decisão proferida no Recurso Ordinário 1946-2009-008-10-00-6, de relatoria do Desembargador André Damasceno, chegou-se ao entendimento de que é aplicável a arbitragem nas controvérsias trabalhistas porque nem todos os direitos nessa seara são indisponíveis e, surgindo dúvida aceca da natureza do direito, há previsão legal (art. 25 da Lei de Arbitragem) de remessa da demanda ao Poder Judiciário[139].
No Recurso Ordinário 1962-2009-011-10-00-1, de relatoria da Desembargadora Maria Regina Machado Guimarães, a 1.ª Turma entendeu possível a arbitragem em se tratando de direitos trabalhistas, mas, no caso concreto, invalidou o compromisso diante da existência de vício de consentimento[140].
Porém, há também entendimento nesse Tribunal Regional de que a arbitragem é inaplicável nos dissídios individuais, ante a ausência de previsão constitucional (art. 114, §§ 1.º e 2.º), bem como pela incompatibilidade da arbitragem com os princípios norteadores do Direito do Trabalho, especialmente os da irrenunciabilidade e indisponibilidade dos direitos trabalhistas[141].
Portanto, dos julgados analisados, extraem-se as seguintes conclusões sobre a arbitragem de conflitos individuais do trabalho: a) parte da jurisprudência trabalhista sustenta a tese de violação do direito do acesso à justiça; b) há entendimento de que a previsão de arbitragem para solução apenas de dissídios coletivos pela Constituição Federal no art. 114, §§ 1.º e 2.º, inviabiliza a sua instituição para solução de dissídios individuais trabalhistas; c) há forte corrente jurisprudencial a defender a indisponibilidade dos direitos trabalhistas e a incompatibilidade destes com a Lei n.º 9.307/96; d) recomenda-se a inserção da convenção de arbitragem em cláusulas de acordos ou convenções coletivas de trabalho para eliminar ou minimizar a coação presumida do trabalhador.
A arbitragem como meio alternativo de solução de controvérsias trabalhistas pode ser altamente benéfica para as partes. Mas para isso, deve ser cercada de algumas cautelas, pois o Direito do Trabalho possui regras, princípios e valores voltados à proteção do trabalhador, parte hipossuficiente na relação laboral. Dessa maneira, não se deixa de reconhecer o caráter protetivo do direito laboral, possuidor de normas de ordem pública, intransigíveis e irrenunciáveis. Todavia, tais características desse ramo especializado do direito não são capazes de afastar, de forma rígida, o cabimento de arbitragem para solução de seus litígios.
A arbitragem é um dos institutos jurídicos mais antigos de que se tem notícia. Quando não existia o Estado como poder político, os conflitos de interesses eram resolvidos pelos próprios litigantes. Assim, somente mais tarde é que o Estado afasta o emprego da justiça privada e, através de seus funcionários, resolve os conflitos surgidos na sociedade. Porém, o Estado não consegue sozinho decidir todas as controvérsias humanas, principalmente na sociedade moderna, onde cada vez mais o cidadão está ciente de seus direitos, buscando aquilo que lhe pertence.
Dessa maneira, a arbitragem, que outrora esteve adormecida, ressurgiu com força no século XX incentivada pela ratificação de diversos tratados internacionais, provocando a inserção do instituto na maioria dos sistemas jurídicos nacionais.
O Brasil, nesse contexto, não ficou para trás. Possui atualmente uma lei que o coloca ao lado de países detentores da mais moderna e atualizada legislação sobre o tema – a Lei n.º 9.307/96, com 44 artigos. Essa lei, embora não se refira expressamente às causas trabalhistas, possui importantes características que reforçam a viabilidade de instituição de arbitragem também para solucionar conflitos individuais do trabalho.
Com efeito, a Lei de Arbitragem equipara o árbitro ao juiz estatal e a sentença arbitral à sentença judicial. Para isso, a Lei de Arbitragem dispõe que o árbitro é juiz de fato e de direito e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação, atribuindo a ela os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, inclusive constituindo título executivo, quando condenatória (arts. 18 e 31).
Nesse ponto, interessante lembrar que boa parte das questões que chegam ao Poder Judiciário trabalhista são resolvidas através da conciliação. A doutrina a entende cabível, inclusive, quanto a parcelas trabalhistas não transacionáveis na esfera privada, em virtude, simplesmente, da presença da autoridade judicial. Dessa maneira, diante do caráter dado ao árbitro, equiparando-o ao juiz de fato e direito, não há como lhe retirar a possibilidade de analisar os conflitos desse ramo especializado, ainda mais porque os árbitros estão impedidos de funcionar quando tenham, com as partes ou com o litígio, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento e suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, sendo equiparados aos funcionários públicos, para efeitos da legislação penal, quando no exercício de suas funções (arts. 14 e 17). A substituição da vontade das partes pelo árbitro, que expressa e sintetiza a vontade da lei, se dá de forma plena, não sendo, portanto, diferente daquela do juiz estatal.
Não obstante isso, reforça ainda a viabilidade da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas o preceito contido no art. 25. Esse artigo dispõe que, “sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral” e no parágrafo único assevera que, “resolvida a questão prejudicial e juntada aos autos a sentença ou acórdão transitados em julgado, terá normal seguimento a arbitragem”.
De acordo com o entendimento da doutrina exposta ao longo deste trabalho, verifica-se possível a utilização da arbitragem para definir o quantum de lesões a direitos indisponíveis já concretizada e reconhecida a caracterização do ilícito pelo ofensor. Assim, o árbitro, diante de um conflito que envolva direitos indisponíveis e desde que essas normas sejam respeitadas, poderá decidir, de pronto, sem a interveniência do Poder Judiciário, os efeitos patrimoniais decorrentes desses direitos. Além disso, conforme visto, nem todos os direitos laborais são absolutamente indisponíveis. Portanto, o dogma da indisponibilidade não pode servir como objeção ao uso da arbitragem para a solução de conflitos individuais do trabalho.
É muito importante ainda destacar que se pode contar com a participação do Ministério Público do Trabalho como árbitro, conforme previsão no art. 83, IX, da Lei Complementar n. º 75/1993 – Estatuto do Ministério Público da União, e com a Defensoria Pública da União, nos termos do art. 4.º, II, da Lei Complementar n.º 80/1994 – Lei Orgânica da Defensoria Pública da União, eliminando qualquer dúvida em torno da lisura do procedimento, além de favorecer as partes com um procedimento célere e gratuito.
O sindicato também se apresenta dentro desse cenário com um papel importante de promover a inserção da convenção de arbitragem nas normas coletivas, administrando diligentemente sua operacionalização e eliminando a desigualdade entre empregado e empregador que poderia levar à nulidade do procedimento por vício de consentimento. É necessário reconhecer, mesmo com eventuais problemas existentes no sindicalismo brasileiro, que o legislador constituinte, no inciso III do art. 8.º da Carta Magna, atribuiu a eles a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais. Também demonstrando o firme propósito de privilegiar a atuação deles, a Constituição Federal disciplinou a sua participação obrigatória nas negociações coletivas (art. 8.º, VI) e o reconhecimento das convenções e acordos coletivos (art. 7.º, XXVI). Ademais, não se pode deixar de observar que aos sindicatos foi dada a extraordinária prerrogativa constitucional de negociar a redução dos salários e a ampliação de jornada de trabalho, inclusive os turnos ininterruptos de revezamento, conforme o art. 7.º, VI, XIII e XVI da Constituição Federal. Dessa maneira, não se pode inferir a impossibilidade de se legitimar uma convenção de arbitragem para solução de conflitos decorrentes da aplicação de um acordo ou convenção coletiva de trabalho que nesses instrumentos fosse inserida.
Quanto à ausência de previsão constitucional de arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas no art. 114, §§ 1.º e 2.º, verifica-se que também não há menção expressa de sua instituição para os conflitos coletivos de natureza jurídica, mas nem por isso levantam-se dúvidas quanto ao cabimento de arbitragem aí também. Assim, não há qualquer proibição, além da contida no art. 1.º da Lei de Arbitragem, para a sua utilização como substitutivo dos dissídios de natureza jurídica bem como para solução de conflitos individuais do trabalho. O princípio fundamental da legalidade insculpido no art. 5.º, II, da Constituição assevera que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Portanto, inexistindo lei proibindo a arbitragem em dissídios individuais trabalhistas, não há de se falar em proibição de sua instituição nesses casos também. Coibir essa possibilidade equivaleria a retirar do empregado sua capacidade jurídica, uma vez que a proteção do trabalhador, parte hipossuficiente na relação laboral, não se confunde com supressão de sua capacidade negocial, característica essencial inerente a todo cidadão.
Portanto, os principais obstáculos apontados como óbices à instituição de arbitragem para resolver dissídios individuais trabalhistas, quais sejam, o da ausência de previsão para os dissídios individuais pela Constituição Federal, o da inconstitucionalidade da Lei de Arbitragem pela colisão com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o desequilíbrio de forças entre empregado e empregador na celebração da convenção de arbitragem e o da indisponibilidade dos direito trabalhistas não se mostram insuperáveis.
Assim, a arbitragem, pacificamente aceita no Direito Coletivo, também se mostra possível, conforme visto, no Direito Individual Trabalhista.
Informações Sobre o Autor
Thiago Vilela Dania
Pós-graduando em Direito Constitucional do Trabalho pela UnB. Bacharel em Música pela UnB e em Direito pelo UniCEUB. Assistente da Ministra Delaíde Miranda Arantes no TST