Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir o papel da metáfora linguística, licenciada pela metáfora conceptual subjacente, na argumentatividade e persuasividade de textos do domínio jurídico. Para tanto, foram analisados documentos autênticos, relativos a um caso de grande relevância e repercussão no contexto sócio-histórico Norte Americano, qual seja, a ação promovida pelo governo Norte Americano contra onze tabageiras. Reflexões acerca da metáfora como intensificadora da força argumentativa de textos persuasivos foram feitas.
Palavras-chave: Metáfora; Persuasão; Discurso jurídico
Abstract: This article aims at discussing the role of linguistic metaphor, authorized by underlying conceptual metaphor, in the argumentativity and persuasiveness of texts from the legal domain. To accomplish that purpose, authentic documents regarding a case of great importance and repercussion in the North American sociocultural context were analized. Reflections on metaphor as an intensifier of the argumentative strength of persuasive texts were made.
Keywords: Metaphor; Persuasion; Legal discourse
Sumário: 1. Introdução. 2. Discurso jurídico.3. Teorias de metáfora.4. A metáfora no discurso jurídico.5. Conclusão. Referências.
Introdução
Cada profissão desfruta de uma terminologia própria sem a qual a execução satisfatória de determinadas formas de trabalho mais complexas seriam impossíveis. Dessa forma, cabe ao profissional de cada área do conhecimento o dever inescusável de dominar a terminologia que caracteriza seu ofício, linguagem essa especial, diferenciada, técnica, capaz de identificar aqueles que são conhecedores de um saber. No caso do operador do Direito, essa situação é ainda mais séria, uma vez que além da obrigação de dominar o vocabulário da ciência do Direito, esse profissional precisa também usar de forma competente o vernáculo, sem o que poderá ter sérios problemas de comunicação e acabar incidindo em inépcia profissional, ou seja, despreparo para o exercício da advocacia. Ademais, o uso inadequado e equivocado da norma culta da língua poderá causar dificuldades não só para o advogado, mas também para o próprio cliente.
Consoante entendimento de Nunes (2008), não é um exagero dizer que o graduando em Direito está prestes a “entrar num curso parecido com o de línguas, pois vai aprender uma nova linguagem, da qual no futuro será o intérprete”. De fato, os profissionais do Direito fazem uso de jargão específico, também conhecido como ‘juridiquês’, linguagem essa que muitas vezes incomoda os leigos tanto quanto a própria morosidade dos processos. A esse respeito, Vieira (2011) ressalta que, “frequentemente, percebe-se que certos textos parecem ter sido escritos apenas para que os especialistas em Direito os entendam, dado o seu forte componente técnico”. No entanto, segundo nos sugere Acquaviva (2009:12) “a terminologia jurídica, antes de ser encarada como uma dificuldade intransponível, deve ser tida como algo a enobrecer o operador do Direito, pois ela é a mais remota linguagem profissional conhecida.”
Não restam dúvidas de que, nessa linguagem, as palavras são utilizadas de forma diferenciada daquela própria da comunicação cotidiana, deixando, portanto, o interlocutor, que não conhece o significado desse vocabulário, completamente à margem de seu contexto. Como dito anteriormente, trata-se de uma linguagem especializada, própria de um saber do campo técnico-científico. Basta analisarmos a linguagem utilizada pelas mais variadas ciências para percebermos a tentativa de estabelecer para cada campo de estudo uma linguagem própria, técnica, objetivando maior clareza e precisão, evitando as ambiguidades da língua natural.
Outra característica da linguagem jurídica é seu caráter altamente persuasivo. De fato, a capacidade de manipular palavras de forma a sustentar teses, maximizar e minimizar argumentos é uma habilidade essencial aos profissionais do Direito. É por meio da linguagem que o operador do Direito interage com o outro na tentativa de levá-lo a aceitar o que está sendo dito e a fazer o que está sendo proposto. Dessa forma, pode-se dizer que a linguagem jurídica é revestida de intencionalidade: quem fala o faz para alcançar determinado objetivo. Posto isto, justifica-se a busca, por parte do profissional de Direito, de uma melhor elaboração de seu discurso com vistas a torná-lo mais persuasivo e atrativo.
Charteris-Black (2004) argumenta que uma importante característica do discurso persuasivo é o uso da metáfora, em virtude de sua capacidade de mediação entre os meios conscientes e inconscientes de persuasão, ou seja, entre a cognição e a emoção, com o intuito de criar uma perspectiva moral sobre a vida. O autor defende que a metáfora é capaz de influenciar nossas crenças, atitudes e valores, em virtude de sua capacidade de ativar relações emocionais inconscientes entre o domínio fonte e o domínio alvo[1], de forma que possamos transferir associações negativas ou positivas do primeiro para o segundo. O propósito de persuadir pode estar camuflado, mas é sempre central em determinados discursos, tais como o político, o religioso e o jurídico, este último foco da discussão que aqui propomos.
A partir dos pressupostos discutidos, o objetivo principal do presente trabalho é analisar o papel das metáforas no discurso jurídico no que tange à argumentatividade e à persuasividade desse discurso. Para tanto, nos apoiaremos em dois eixos teóricos principais, quais sejam, o discurso jurídico e as teorias de metáfora que serão abordados nas próximas seções.
1. Discurso jurídico
Preliminarmente, faz-se necessário tecer algumas considerações a respeito das peculiaridades da linguagem jurídica para maior clareza da exposição.
A linguagem jurídica apresenta determinadas características que a distanciam da linguagem cotidiana e a tornam, muitas vezes, praticamente ininteligível para os leigos. Para aqueles que não pertencem às comunidades que dominam e fazem uso desse discurso, este pode apresentar um estilo de redação considerado floreado e tortuoso, abundante em palavras de difícil compreensão, brocardos latinos e intermináveis sentenças, de forma que, muitas vezes, a informação principal de um texto acaba se perdendo no meio de tantas informações aparentemente irrelevantes (SCHOCAIR, 2008). Seguem abaixo exemplos das peculiaridades concernentes ao registro jurídico:
A – Palavras especializadas com sentido específico:
Como podemos observar, as mesmas palavras que são utilizadas na linguagem cotidiana com um determinado sentido, são utilizadas no contexto jurídico com outro. Para os advogados, o uso de tais palavras é uma forma de demonstrar que são conhecedores de seu ofício e uma tentativa de explicitar determinados conceitos para efeito de maior precisão possível, dessa forma, minimizando as chances de possíveis enganos.
B – Linguagem arcaica e uso de palavras em latim e francês
Ex. de arcaísmos:
Avença – acordo entre litigantes; ajuste.
Conteúdo – contido. Particípio arcaico do verbo conter; hoje usa-se como substantivo.
Ex. de latinismos:
Periculum in mora – perigo na demora
Ope juris – por força do direito
Ex. de expressão e palavra francesa:
Pas de nullité sans grief – não há nulidade sem prejuízo
Parquet – Ministério Público
Percebe-se, nos exemplos acima, uma intenção clara do emissor em se distanciar do ordinário aqui e agora. Cria-se também um afastamento entre profissional e leigo.
C – Sentenças exageradamente longas
Ex.: “… Embora seja passível de discussão, não se pode generalizar sob pena de banalização da culpabilidade, pois se esses adolescentes erram ao cometerem tais crimes, por outro lado são vítimas do abandono a que estão condenados desde o nascedouro, ao vivenciarem experiências que os afastam do convívio social e os aproximam da negação da humanidade, misturando-se em lixões, comendo restos de comida podre ou morando sobre palafitas ou em favelas insalubres.” (Schocair, 2008)
De acordo com Chaika (2008), o uso de sentenças longas em um texto torna-o mais sério e digno de credibilidade, uma vez que é uma marca de alto nível de letramento, ou seja, uma marca de formação acadêmica. Entretanto, sentenças muito longas podem confundir o receptor tornando o conteúdo da mensagem difícil de validar.
D – Texto persuasivo
Um número crescente de profissões demanda que seus operadores sejam capazes de persuadir outrem de modo convincente e elegante. O discurso do operador do Direito, por exemplo, é fundamentalmente persuasivo na medida em que este profissional precisa argumentar a favor de uma das partes e influenciar a decisão do magistrado em seu benefício, ou no caso do magistrado, precisa fundamentar adequadamente suas decisões. Esse tipo de discurso tem sido associado à arte de convencimento, ou arte retórica. Tradicionalmente, a retórica tem sido associada às técnicas de convencimento (HERRICK, 2005) e segundo argumenta Schocair (2008), ela se caracteriza pelo estudo do uso persuasivo da linguagem que tem por objetivo harmonizar elementos emocionais e racionais.
Diante do exposto acima, observa-se que a linguagem jurídica é um meio comunicativo especial, técnico-científico e lógico, utilizado pelos operadores do Direito no exercício de suas funções, em nível culto, sendo que o dado estilístico de suas composições textuais deve traduzir uma preocupação formal e, em mesmo nível, um cuidado material, de conteúdo e sentido. O Direito sempre foi considerado ciência hermética, reservado para os iniciados em suas lides. Contudo, o Direito não pertence somente aos profissionais da lei, mas sim, e talvez principalmente, às partes, normalmente pessoas leigas nos assuntos jurídicos. Dessa forma, na medida em que uma ciência começa a trabalhar rente à população, abre-se e democratiza-se sua linguagem àqueles que dela necessitam.
Devido à ininteligibilidade do discurso jurídico para os leigos, para quem o entendimento desse universo é tão importante como para os especialistas da área, jornais de Direito têm apresentado propostas para tornar a linguagem jurídica mais acessível. Embora alguns advogados e juízes tenham aderido a esse movimento, ainda falta muito para que essa batalha seja vencida (Chaika, 2008), pois ainda associa-se a fala mais aprimorada e diferenciada a um maior conhecimento do assunto em questão, e, muitas vezes, julga-se a habilidade retórica desses profissionais por seu desempenho linguístico, na medida em que “a prática forense exige um nível de comunicabilidade acima da média, pois se pauta pela conjugação do gestual, da oralidade e da verbalização” (SCHOCAIR, op cit).
Em sua obra Argumentação Jurídica – Teoria e Prática, Fetzner (2012) adverte que embora os termos técnicos devam ser utilizados em virtude de sua necessidade em determinados contextos, os excessos desnecessários devem ser evitados. Nas palavras da autora:
“O importante no texto não é a sofisticação da linguagem, mas a clareza, a concisão, a qualidade dos argumentos apresentados, organizados mediante um raciocínio lógico e coerente, originados de uma seleção madura de fatos relevantes que compõe o caso concreto.”
Assim, deve o operador do Direito evitar o uso de termos arcaicos ou excessivamente rebuscados de forma a assegurar mais segurança ao cidadão leigo e possibilitar sua maior participação no modo de vida do Estado Democrático de Direito (FETZNER, op cit).
2. Teorias de metáfora
Nesta seção, discutiremos algumas visões e teorias clássicas de metáfora, conceituando suas origens aristotélicas até as teorias atuais. Em virtude de sua complexidade, a metáfora tem sido objeto de muitas reflexões ao longo da história perpassando diferentes disciplinas tais como filosofia, psicologia, linguística, entre outras. Diante da impossibilidade de apresentar, em apenas uma seção, todas as teorias de metáfora até hoje desenvolvidas, enfocaremos apenas uma amostra daquelas que consideramos mais relevantes para a proposta deste trabalho.
Visão Tradicional da Metáfora
O termo metáfora deriva da palavra grega metapherein, que, etimologicamente, é a junção de dois elementos, quais sejam, meta que significa ‘trans’ e pherein que quer dizer ‘levar’. Neste sentido, pode-se dizer que a metáfora é uma mudança, transferência, ou seja, em sentido específico, é o transporte de sentido próprio para o figurado (FILIPAK, 1984).
A primeira abordagem do tema da metáfora parece ter sido formulada por Aristóteles há mais de dois milênios. Os pressupostos desenvolvidos por ele teceram uma visão de metáfora ainda vigente na atualidade entre leigos e estudiosos que não têm a metáfora como seu objeto de estudo e fundamentaram o que ficou conhecido como visão tradicional da metáfora[2].
Vieira (2011) discute os três dos principais pressupostos que moldaram a visão tradicional de metáfora e que ainda são compartilhados por muitos na atualidade:
– A metáfora é vista como um fenômeno essencialmente linguístico utilizado para conferir qualidades poéticas ou ornamentais a um texto. Ela seria encontrada, principalmente, na literatura, trazendo um efeito estético para a linguagem utilizada.
– A metáfora é uma figura de linguagem cujo uso não é imprescindível, ou seja, ela pode, perfeitamente, ser substituída por seu equivalente literal sem nenhum prejuízo na mensagem, visto que ambas as expressões compartilhariam o mesmo significado. Ex.: Aquele homem é um animal. / Aquele homem é violento.
– A metáfora é baseada na similaridade pré-existente entre duas entidades quando comparadas.
Dessa forma, percebe-se claramente que, para a visão tradicional, a metáfora era considerada apenas um artifício de adorno da linguagem com o simples intuito de alcançar um determinado efeito discursivo e expressar, mais elaboradamente, a realidade circundante. Logo, a metáfora reduzia-se, na visão tradicional, a esse mero efeito de ornamentação. Consoante Filipak (op cit):
“Outrossim, o emprego figurado das palavras não comporta nenhuma informação nova, não ensina nada, apenas, para Fontanier, adorna a linguagem, dá cor ao discurso e reveste a expressão nua do pensamento. Esses pressupostos são retóricos e qualificam a metáfora como um acidente da denominação.”
Entretanto, Aristóteles admite que a metáfora possibilita a expressão de um conteúdo novo (SARDINHA, 2007). Na medida em que a metáfora exige do ouvinte ou leitor uma atividade cognitiva a fim de que seja encontrado o ponto em comum entre duas entidades, podemos inferir que, para o filósofo, a metáfora não era apenas um artifício vazio, ou seja, ele já reconhece seu efeito cognitivo. Nas palavras do Estagirita: “A metáfora tem um valor instrutivo, ensina com o efeito de surpresa e instrui aproximando coisas que parecem afastadas” (ARISTÓTELES, apud FILIPAK op cit).
Para finalizar esta seção, como mencionado anteriormente, os três pressupostos aristotélicos discutidos fundamentam a visão tradicional de metáfora que ainda perdura. Contudo, em virtude dos progressos experimentados pelos estudos metaforológicos, essa visão tem sido questionada e rejeitada por muitos estudiosos do assunto.
Visão Interacional da Metáfora
As primeiras décadas do século XX impulsionaram os estudos de metáfora, o que possibilitou que sua tradição como mero adorno da linguagem fosse substancialmente revista e ampliada. De fato, foi a partir do estudo pioneiro de I.A. Richards (1936) e do subsequente trabalho de Max Black (1962) que a metáfora deixa de ser considerada apenas no âmbito retórico e poético para integrar também as ciências cognitivas (LIMA, 2005).
Sardinha (2007) ressalta que muitos dos termos utilizados atualmente para descrever a metáfora foram cunhados por I.A. Richards:
– Tópico – porção não-metafórica de uma expressão metafórica.
– Veículo – porção metafórica de uma expressão metafórica.
– Base – relação entre ‘Tópico’ e ‘Veículo’.
– Tensão – incompatibilidade entre o Tópico e o Veículo, quando interpretados literalmente.
Assim, I.A. Richards passa a defender usos da metáfora, até então, nunca considerados pela visão tradicional. Nas palavras do crítico inglês, essa figura é definida como:
“… o agente supremo pelo qual coisas díspares e até então desconexas são ligadas em poesia por causa dos efeitos sobre atitudes e impulsos, que decorrem de sua colocação e das combinações que a mente estabelece entre elas.”
Donde fica clara a visão inovadora de que o pensamento e a metáfora estão articulados entre si por meio de um interacionismo semântico em que a metáfora apresenta um nível de significado inexistente em sua paráfrase literal. Como argumenta Lima (op cit):
“Decorrente de um processo interativo, essas ideias em confronto são responsáveis pela produção de um sentido novo, diferente do que apresentam isoladamente. Para Richards (1950) é essa interação que produz a metáfora, a qual passa a ser entendida por ele como ‘dois pensamentos de diferentes coisas que atuam juntos e escorados por uma única palavra, ou frase, cujo significado é o resultado da sua interação’.”
Essas noções apresentadas por I.A. Richards foram adotadas e aprofundadas por Max Black, outro importante teórico dos estudos de metáfora. Em sua obra “A Metáfora (1954)” ele funda a Teoria da Interação (SARDINHA, op cit). Black argumenta que o sentido novo apresentado pela metáfora adviria da interação entre dois conteúdos semânticos distintos, onde alguns detalhes de um dos conteúdos (veículo) seriam suprimidos e outros realçados, organizando, dessa forma, nossa concepção do Tópico em questão.
“Desta forma, as metáforas, porque expressam novas organizações, favorecem o ser humano a perceber aspectos da sua realidade ao mesmo tempo em que estabelecem certas interações entre ele e essa realidade físico-espiritual.”
Diferentemente do que era defendido pela visão tradicional, na visão interativa não haveria nenhuma similaridade pré-existente entre Tópico e Veículo que nos permitisse resolver a metáfora. Para entendermos seu significado, criaríamos, mentalmente, um sistema de relações através do qual a similaridade entre duas entidades pudesse ser compreendida (SARDINHA, op cit).
Desta forma, a noção de comparação, bem como a de substituição, tão cara à visão tradicional de metáfora é desmontada, dando lugar a uma visão interativa que atribuiria à metáfora um papel bem mais expressivo na elaboração dos significados do que era anteriormente pensado e defendido pelas correntes tradicionais (VEREZA, 2006).
Metáfora Conceptual
Em virtude de sua ênfase no papel cognitivo da metáfora, a teoria da interação, discutida brevemente na seção anterior, propiciou a formulação de uma nova visão dessa figura.
O linguista George Lakoff e o filósofo Mark Johnson desenvolveram uma teoria que, dada sua abrangência e sistematicidade, revolucionaram as pesquisas sobre metáfora. Nos anos 80, em sua obra seminal Metaphors we live by[3], Lakoff e Johnson apresentam o conceito de metáfora conceptual, demonstrando que a metáfora, que antes era percebida como simples figura de linguagem, é, na verdade, um instrumento essencial para nossa compreensão do mundo, ou seja, é uma figura, essencialmente, de pensamento (VEREZA, 2006; SARDINHA, 2007).
A partir do estudo de Lakoff e Johnson (1980) a metáfora deixa de ser abordada apenas no âmbito da linguagem para o ser, primordialmente, no âmbito cognitivo. Eles demonstraram que não se trata de um uso especial da linguagem literária, mas sim de um recurso típico da linguagem cotidiana que permeia todo o tipo de interação, utilizado não por indivíduos dotados de especial talento intelectual, mas sim por todos nós. Para esses autores, a metáfora nos ajuda a entender conceitos abstratos que, podem ser, por um lado, difíceis de serem entendidos literalmente, mas por outro, fundamentais para o funcionamento da mente humana. Os autores argumentam ainda que, sem a atuação constante da metáfora, o pensamento seria impossível.
“A metáfora é, para a maioria das pessoas, um recurso da imaginação poética e um ornamento retórico – é mais uma questão de linguagem extraordinária do que de linguagem ordinária. Mais do que isso, a metáfora é usualmente vista como uma característica restrita à linguagem, uma questão mais de palavras do que de pensamento ou ação. Por essa razão, a maioria das pessoas acha que pode viver perfeitamente bem sem a metáfora. Nós descobrimos, ao contrário, que a metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação. Nosso sistema conceptual ordinário, em termos do qual não só pensamos, mas também agimos, é fundamentalmente metafórico por natureza.”
Dentro dessa perspectiva, os autores defendem a visão de que um sistema conceptual, subjacente à linguagem, influencia tanto o nosso pensamento como as nossas ações. Em outras palavras, as metáforas conceptuais, como representações mentais, licenciariam ou motivariam metáforas linguísticas e “sem esse licenciamento ou motivação, as expressões metafóricas não teriam sentido imediato, aparente” (SARDINHA, op cit).
Sardinha (op cit) esclarece que a teoria de Lakoff e Johnson apresenta alguns conceitos centrais, quais sejam:
– Metáfora conceptual – forma convencional de conceitualizar um domínio mais abstrato da experiência em termos de outro, mais concreto.
– Expressão metafórica ou metáfora linguística – expressão linguística licenciada por uma metáfora conceptual.
– Domínio fonte – experiência humana concreta a partir da qual conceitualizamos algo metaforicamente.
– Domínio alvo – conceito mais abstrato que desejamos compreender em termos do domínio fonte.
– Mapeamentos – correspondências sistemáticas entre domínios.
Ex.: Consideremos a metáfora conceptual AMOR É UMA VIAGEM:
Estes são os mapeamentos que caracterizam a metáfora conceptual AMOR É UMA VIAGEM, que por sua vez, licencia as seguintes expressões metafóricas:
Veja a que ponto nós chegamos.
Agora não podemos voltar atrás.
Nós estamos numa encruzilhada.
Nossa relação não vai chegar a lugar nenhum.
Como se pode observar, a linguagem desempenha um papel central na teoria da metáfora conceptual, na medida em que é através dela que “a metáfora determina não só uma forma de expressar o real, mas, principalmente, de se construí-lo sócio e subjetivamente” (VEREZA, 2006).
Em ‘Metaphors we live by’ Lakoff e Johnson ainda esclarecem que há diferentes tipos de metáforas. São elas:
– Estruturais – a função cognitiva dessas metáforas é propiciar o entendimento do domínio alvo em termos do domínio fonte. São as metáforas conceptuais prototípicas. Ex.: DISCUSSÃO É GUERRA.
– Orientacionais – essas metáforas possibilitam tornar um conjunto de domínios alvo coerentes em nosso sistema conceptual. Sua nomenclatura deriva de orientações espaciais humanas básicas, tais como ‘para cima’, ‘para baixo’, ‘para dentro’, ‘para fora’ etc. Ex.: BOM É PARA CIMA / MAU É PARA BAIXO.
– Ontológicas – a função dessas metáforas é concretizar algo abstrato em termos de uma entidade, em outras palavras, concebemos experiências mais abstratas como se elas fossem objetos, substâncias e recipientes que podem ser contados, medidos, fracionados etc. Ex.: MENTE É UMA MÁQUINA.
– Personificação – É um tipo de metáfora ontológica em que a entidade é especificada como sendo uma pessoa. Ex.: INFLAÇÃO É UM ADVERSÁRIO.
– Primária – É a metáfora mais ‘básica’ por estar presente em muitas culturas e emergir diretamente de experiências com nosso corpo. Ex.: AFETO É CALOR.
Outra característica das metáforas conceptuais ressaltada por Sardinha (op cit) é o fato de elas serem culturais, refletindo a ideologia e a forma de concepção do mundo, por um grupo específico, em determinada cultura. Em virtude de serem compartilhadas socialmente, elas não podem ser criadas por apenas alguns indivíduos, pois não haverá expressões metafóricas em uso que dêem conta delas.
Contudo, Kövecses (op cit) argumenta que algumas metáforas conceptuais parecem ser universais. Entre elas, o autor inclui:
FELICIDADE É PARA CIMA.
FELICIDADE É LUZ.
RAIVA É GÁZ EM UM RECIPIENTE.
O autor esclarece que, em alguns casos, essa universalidade justifica-se em razão de essas metáforas derivarem de experiências físicas que todos compartilhamos em virtude dos corpos que possuímos. Por outro lado, o autor admite que algumas outras metáforas universais podem derivar de outros tipos de correlações, como a cultural, por exemplo.
Para finalizar, é importante deixar claro, mais uma vez, que todos os exemplos de expressões metafóricas discutidos aqui não são exemplos de linguagem literária ou poética fruto da imaginação de pessoas de habilidade linguística especial ou talento inato, mas sim de linguagem cotidiana utilizada por pessoas comuns. Em outras palavras, são metáforas linguísticas licenciadas por metáforas conceptuais que compartilhamos socialmente e por essa razão compreendemos e somos compreendidos.
Metáfora e discurso
Tendo em vista as mudanças ocorridas, nas últimas décadas, na conceituação da metáfora que culminaram na adoção do paradigma cognitivista discutido na seção anterior, no qual a metáfora é deslocada do âmbito da linguagem para o âmbito do pensamento, o interesse pelo estudo dessa figura tem aumentado consideravelmente.
Como resultado da visão de que a metáfora não é simplesmente um recurso do uso da língua, mas uma figura primordialmente de pensamento, a articulação entre a dimensão linguístico-discursiva e a dimensão cognitiva da figuratividade tornou-se um desafio (VEREZA, 2007) nos estudos contemporâneos. De fato, verifica-se que no paradigma cognitivista:
“…estudar a natureza semântica ou discursiva de expressões metafóricas na linguagem tornou-se uma atividade de pesquisa complementar, para não dizer secundária, uma vez que essas expressões passaram a ser vistas apenas como ‘evidências’ do que parecia realmente importar aos linguistas cognitivistas: as metáforas conceptuais subjacentes.”
De fato, Gibbs (2006) afirma que a teoria da metáfora conceptual tem se dedicado mais ao estudo dessa figura como fenômeno cognitivo do que das suas manifestações linguísticas, bem como ignorado questões referentes à forma como a linguagem figurada é utilizada e como seu significado é compreendido pelas pessoas. Dessarte, alguns linguistas, principalmente aqueles de orientação pragmática, têm se manifestado desfavoravelmente a essa ênfase na cognição em detrimento da linguagem. Notadamente, o autor ressalta que “a CMT[4] coloca muita ênfase na ‘metáfora no pensamento’ e diz pouco sobre como processos pragmático-linguísticos são utilizados on-line para inferir os significados da metáfora”.
Outrossim, argumenta-se que o material linguístico utilizado nas pesquisas realizadas pelos estudiosos das áreas ditas mais ‘puras’ é constituído de exemplos inventados, o que poderia refletir apenas aspectos de um falante idealizado, ignorando a forma como pessoas reais verdadeiramente interagem (GIBBS, op cit). Longe de desafiar ou invalidar a teoria, a artificialidade dos exemplos linguísticos, de alguma forma, apenas limitam seu escopo. Como possível solução, Vereza (2006) propõe que:
“Se os exemplos enfocados, por outro lado, representarem amostras autênticas de linguagem em uso, a sua legitimidade e sua eficácia, tanto como objeto de estudo, como evidências explicativas, podem ser garantidas. Os estudos da metáfora desenvolvidos no âmbito da linguística aplicada têm como importante característica,… a contextualização de seu objeto de investigação no âmbito do discurso.”
Posto isto, verifica-se que em estudos mais recentes (GIBBS, 2006; STEEN, 2006; VEREZA, 2007 entre outros) a interação entre metáfora no pensamento e metáfora na linguagem tem sido ressaltada. Seus defensores fundamentam-se na visão de que, não obstante o fato de que a metáfora seja uma figura de pensamento, é na linguagem que ela se manifesta, razão suficiente para que não seja relegada a segundo plano. Contudo, Vereza (op cit) adverte que:
“…isso não significa um retrocesso, ou seja, um retorno à visão puramente linguística da metáfora, típica da visão tradicional… A visão discursiva da metáfora pressupõe a metáfora conceptual, como importante ferramenta na construção de significados em determinados campos do discurso.”
A autora ainda ressalta a visão de Charteriz-Black (2005) no que tange a possibilidade de articulação, teórica e analítica, do enfoque cognitivo da metáfora com o enfoque pragmático, entrecruzando esse último a uma teoria de argumentação[5], possibilitando, dessa forma, a compreensão da metáfora no discurso persuasivo.
Na visão de Vereza (op cit), a metáfora nova, ou seja, aquela que se caracteriza como um recurso da linguagem literária[6], ao ser utilizada, por meio de uma série de desdobramentos[7], textualmente coesivos, contribuiria para aumentar o grau de persuasividade e a força de um determinado texto. Essa contribuição se daria tanto no âmbito linguístico como no cognitivo e pragmático.
A autora refere-se a essa ‘série’ ou ‘cadeia metafórica’ como ‘nicho metafórico’, definindo a expressão da seguinte forma:
“…um grupo de expressões metafóricas, inter-relacionadas, que podem ser vistas como desdobramentos cognitivos e discursivos de uma proposição metafórica superordenada normalmente presente (ou inferida) no próprio co-texto.”
O termo nicho[8] é apropriado pela autora a partir do domínio da ecologia, entretanto, dada sua natureza metafórica neste contexto, Vereza esclarece as noções que devem ser mapeadas do domínio fonte (ecológico) para o domínio alvo (metafórico-discursivo), quais sejam, inter-relacionamento, funcionamento e ajuste no todo.
Propomos abaixo um exemplo de nicho metafórico encontrado em um trecho de texto de gênero argumentativo.
“A internet deixou de ser uma cidade tranquila, em que era possível passear sem medo desde que você evitasse determinados becos e ruas desconhecidas… Nessa cidade de caminhos tortuosos que é a internet, os cibercriminosos no Brasil estão livres para fabricar todo tipo de armamento e apontá-lo para suas vítimas, mas só poderão ser punidos depois que uma delas entregar a carteira, ainda que virtualmente.
Eu costumo pensar que a internet é como as ruas de uma cidade. Existem as avenidas iluminadas em que podemos nos sentir seguros, como a Microsoft ou o Gmail. E os becos, escuros e perigosos, que são os sites menores. Visitar essas ruelas sem luz é uma escolha sua.”
No exemplo acima, percebemos que o nicho metafórico cria uma rede argumentativa por meio dos mapeamentos que vão sendo estabelecidos entre domínios diferentes, a internet e uma cidade. Assim como as ruas de uma determinada cidade podem ser seguras ou perigosas para o cidadão, também diferentes sites da internet podem oferecer maior ou menor risco para o usuário. Da mesma forma que criminosos podem atacar uma pessoa em um beco ou ruela escura, assim também o cibercriminoso pode vitimar o usuário que se arrisca ao acessar sites não confiáveis.
O exemplo acima serviu para demonstrar como as metáforas podem ser utilizadas para promover a argumentatividade de um texto. Elas cumprem o papel de persuadir o leitor a aceitar a tese que está sendo desenvolvida pelo autor. Nas palavras de Vereza (op cit), “desenvolver argumentativamente essa tese por meio de metáforas evidencia, assim, a inseparabilidade entre cognição e pragmática”.
Para finalizar, não obstante a inquestionável relevância do trabalho de Lakoff e Johnson que, definitivamente, contribuiu para modificar uma visão milenar de metáfora e elevar seu status de simples ornamento da linguagem para um fenômeno cognitivo, estudos posteriores vêm demonstrando que as manifestações linguísticas da metáfora, assim como seus aspectos cognitivos, são, igualmente, merecedores de maiores investigações que possam esclarecer a forma como a metáfora no pensamento e a metáfora na linguagem interagem entre si.
4. A metáfora no discurso jurídico
Em pesquisa realizada no ano de 2011, a partir da análise de peças jurídicas referentes a uma ação promovida pelo governo dos Estados Unidos contra onze indústrias do Tabaco no ano de 1999[9], buscamos investigar as seguintes questões:
1 – Quais metáforas linguísticas eram mais frequentes no corpus em foco.
2 – Se essas metáforas linguísticas estavam associadas a metáforas conceptuais. Caso afirmativo, que metáforas seriam essas?
3 – De que forma a linguagem e a cognição metafórica contribuíam para a persuasividade dos textos em questão.
Ao final da pesquisa, constamos que, de fato, a metáfora no discurso é muito mais do que simplesmente uma elegância da argumentação. Essa figura revela-se como um instrumento essencial na argumentação.
De todas as metáforas linguísticas encontradas nos textos analisados, percebemos que a maior parte delas podia ser distribuída entre apenas dois grupos de metáforas conceptuais: ARGUMENTAÇÃO É GUERRA e CONHECIMENTO É LUZ, sendo a primeira preponderante. Nesta seção, apresentaremos alguns exemplos das principais marcas metafóricas encontradas nesses documentos, seguidas de uma breve discussão.
CONHECIMENTO É LUZ
Ex. 1 Além do mais, é claro que o congresso não tinha como intenção que o MSP fosse usado como um…
Ex. 2 …os Réus criaram outra entidade,… cuja função era manter o público, o estabelecimento médico, a mídia e o governo no escuro com relação aos riscos de saúde causados pelo tabaco.
Ex. 3 À primeira vista, o documento do MCRA pode parecer bem claro.
Ex. 4 …a abordagem analítica geral… é, no entanto, instrutiva e iluminadora.
Ex. 5 Um desses princípios é que uma ação legislativa subsequente pode lançar luz sobre a intenção do congresso.
Ex. 6 À luz de todas essas considerações,…
Ex. 7 …, já que os Réus, claramente, não são entidades seguradoras…
Ex. 8…a única decisão citada pelos réus… clarifica a distinção entre aqueles dois muito diferentes padrões legais.
O que nos chamou a atenção foi principalmente a recorrência das palavras clear (claro) e clearly (claramente), além de expressões tais como shed light on (lançar luz sobre) e in light of (à luz de), entre outras, que demonstram o papel preponderante da luz como elemento propiciador do conhecimento da verdade nesse discurso.
A correlação entre o ato de ver e o ato de conhecer ativam, mais especificamente, a correspondência condição favorável de luminosidade é condição favorável de conhecimento, ao passo que impedimento para ver é impedimento para conhecer. Essa correspondência decorre de nossa experiência física com os objetos do mundo que precisam ser adequadamente iluminados para que possam ser vistos, descobertos, revelados e, dessa forma, ‘conhecidos’. Podemos constatar a relevância da oposição claridade X escuridão através do uso, muito comum no corpus, de expressões metafóricas que ativam informações acerca da presença ou ausência de luz.
Percebemos, por meio das evidências linguísticas encontradas, que a ‘claridade’ equivale a ‘conhecimento da verdade’ (CONHECER É VER – BOM É CLARO), ao passo que a ‘escuridão’ denota seu oposto (MAU É ESCURO). A motivação para essas metáforas está na correlação entre claridade e segurança e entre escuridão e perigo.
Em um discurso persuasivo como o jurídico, em que é função do operador do direito revelar a verdade supostamente escondida, mister se faz que ‘haja luz para que esta verdade possa aparecer’. Não é de se estranhar que, nesse discurso, aquele que se acha o ‘dono da verdade’ insiste em demonstrar sua insatisfação e deixar evidente em sua fala/escrita o fato de seu oponente tentar manter informações relevantes “no escuro”, o que contribuiria para o não esclarecimento de questões fundamentais para o bom andamento do processo. Por outro lado, demonstra seu esforço em “deixar às claras” quaisquer informações que possam contribuir para o curso da ação.
O advérbio “claramente” é utilizado com frequência, enfatizando e intensificando os argumentos. O que está sendo afirmado é absolutamente claro, sem sombra de dúvidas, portanto deve ser “visto” como verdade incontestável. Providos dessa clareza, os argumentos ganham força nos discursos persuasivos de um modo geral, e mais fortemente no discurso jurídico, cujo propósito é persuadir por meio da suposta clareza e transparência dos fatos, das provas e dos argumentos.
ARGUMENTAÇÃO É GUERRA
Ex. 1 – As ações da Philip Morris foram ratificadas e aprovadas pelos oficiais e agentes de gestão da empresa Philip Morris. Tais ações são indefensáveis do ponto de vista…
Ex. 2 – A pesquisa e o desenvolvimento do cigarro Saratoga pela Philip Morris, por exemplo, foram realizados como um plano para derrotar qualquer esforço por parte de seus competidores de colocar no mercado um produto menos nocivo. Uma apresentação feita ao Conselho Administrativo da Philip Morris, em outubro de 1964 ressalvava que: “O Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento está trabalhando para estabelecer uma forte base tecnológica com capacidades tanto defensivas como ofensivas no que tange à situação do fumo e da saúde. Nossa filosofia é não começar uma guerra, mas se a guerra vier, temos como objetivo lutar bem e vencer”. Sua estratégia era desenvolver um produto menos nocivo, mas colocá-lo no mercado somente se fosse necessário.
Ex. 3 – Os réus agressivamente fizeram das crianças alvos de suas campanhas para recrutar novos fumantes.
Ex. 4 – Os réus atacaram os estudos científicos que ligavam o fumo à doença.
A metáfora conceptual ARGUMENTAÇÃO É GUERRA licencia parte das expressões linguísticas no corpus analisado. Essa metáfora evidencia claramente que o conceito argumentação é parcialmente estruturado e entendido em termos de guerra. Trata-se de uma metáfora estrutural que, segundo esclarecem Lakoff & Johnson (1980 [2002]) permite que se use “um conceito detalhadamente estruturado e delineado de maneira clara para estruturar outro conceito” (Lakoff & Jonhson, op cit: 134). Dessa forma, a metáfora conceptual ARGUMENTAÇÃO É GUERRA permite que experienciemos uma argumentação jurídica em termos de um confronto físico e que utilizemos expressões linguísticas do domínio de guerra para falarmos do domínio referente a questões legais.
O registro jurídico, conforme discutido em seção anterior, pretende apresentar uma forma ideal de discussão formal, na medida em que se fundamenta no estabelecimento de premissas, na citação de evidências que as sustentam e no uso de vocabulário preciso como ‘únicas’ táticas permitidas. Contudo, podemos observar, pelos exemplos apresentados, que mesmo uma discussão racional desenvolve-se em termos de guerra, visto que há uma posição a ser atacada e outra a ser defendida, um oponente a ser ‘eliminado’ e a consequente vitória ou derrota de uma das partes.
5. Conclusão
Este estudo teve como proposta investigar o papel da linguagem metafórica no discurso jurídico. Para tanto peças processuais relativas a um longo processo promovido pelo Governo dos EUA contra onze indústrias tabagistas no ano de 1999, constituíram o corpus analisado.
A avaliação dos resultados da pesquisa, apresentada na seção anterior, indicou a relevância do uso de expressões metafóricas, particularmente as de guerra e as de luz, para promover a argumentatividade e a persuasividade do texto jurídico.
Segundo nos sugerem Lakoff & Johnson (2002: 53) “A própria sistematicidade que nos permite compreender um aspecto de um conceito em termos de outro… necessariamente encobrirá outros aspectos desse conceito”. Assim, percebemos, através dos textos analisados, que o operador do direito faz uso da linguagem de forma a direcionar a compreensão de seu interlocutor da forma que melhor lhe convém, focalizando determinados aspectos e impedindo que outros aspectos, inconsistentes com a metáfora proposta, sejam considerados. Cabe ao interlocutor assumir uma postura mais crítica no sentido de entender que determinado conceito está sendo apenas parcialmente estruturado, o que nem sempre é uma tarefa fácil, mas necessária, particularmente na posição de um magistrado, que deverá dar uma sentença mediante apresentação de evidências e argumentação jurídica.
Temos a clareza de que os resultados não foram suficientemente abrangentes para que pudéssemos generalizar nossas conclusões para o discurso jurídico de um modo geral. Para isso, precisaríamos de corpora muito mais extensos e abrangentes, com gêneros jurídicos variados. Apesar de a ação jurídica aqui enfocada ter sido uma das mais extensas na história do Direito nos EUA, ela não pode servir como metonímia (a parte pelo todo) do “discurso jurídico” de um modo geral. Por essa razão, muitas vezes, em nossas conclusões, quando falamos sobre metáforas no “discurso jurídico”, estamos nos referindo ao discurso jurídico materializado no nosso corpus. Isso não quer dizer que não possamos, como realmente o fizemos, tecer hipóteses sobre possíveis generalizações. Esperamos que os resultados aqui encontrados possam contribuir de forma significativa para a ampliação do horizonte dos estudos dessa área e que possibilitem maior embasamento para futuras investigações.
Informações Sobre o Autor
Roberta Vieira
Mestre em Letras. Professora de Português Jurídico na EMERJ e de Português e Argumentação Jurídica na Universidade Estácio de Sá (UNESA)