As brincadeiras das crianças do século XXI

Resumo: A criança precisa das brincadeiras para crescer sadia. Também a pratica do estudo concorre para o desenvolvimento da criança. A criança que brinca e que estuda tem uma grande probabilidade para se tronar um adulto feliz. A história mundial nos mostra que a exploração do adulto sobre a criança vem ocorrendo desde épocas bem antigas. Não podemos permitir que práticas hediondas continuem correndo no século XXI.


Sumário: 1) Brincar é Coisa de Criança; 2) Brincadeira e Trabalho; 3) A Fiscalização do Trabalho Infantil no Brasil; 4) A Proteção à Infância no Plano Internacional; 5) O Trabalho Infantil e o Poeta Zé Adalberto; 6) Conclusão.


É a utopia que dá instrumentos para ver e construir, pela luta, o Direito do amanhã. (J. B. Herkenhoff, 2001).


Brincar é Coisa de Criança


As brincadeiras das crianças do início século XXI diferem muito pouco daquelas do século XX.


Criança é criança em qualquer século.


Eu nasci no século XX.


Na minha infância, na década de 1960, as brincadeiras das quais eu participava eram: o jogo de bolinhas de gude, o jogo de pião, de ferrinho, futebol que era praticado com os pés descalços, daí o nome: pelada, o jogo de amarelinha. Além desses, havia: a brincadeira de empinar pipa ou papagaio, de subir em árvores etc. Também os personagens das revistas em quadrinhos proporcionavam importantes entretenimentos: Tio Patinhas, Zé Carioca, Bolinha, Popaye, Manda-Chuva, Riquinho, Urtigão, Brasinha, Gato Félix, Tininha, Piduca, Os sobrinhos do Capitão Fantasma, Zorro, Mandrake – o mágico, Flash Gordon, Roy Rogers, Tex, Búfalo Bill, Bat Masterson, Super-Homem, Batman etc.


As brincadeiras das crianças do século XXI são: jogos eletrônicos, jogos de futebol de campo, de salão, vôlei, basquete, “pelada” etc. Outros entretenimentos: surfar, andar de bicicleta, fazer escaladas (alpinismo), empinar pipas ou papagaios, praticar o skate ou os patins, fazer leituras das revistas em quadrinhos dos personagens atuais, colecionar e trocar figurinhas de álbuns de futebol, assistir jogos de futebol, de vôlei, de basquete ao vivo ou pela televisão etc.


As brincadeiras do século XXI são tão saudáveis quanto as do século XX.


Que bom seria se todas as crianças pudessem brincar. Brincar e estudar, evidentemente. Pois a brincadeira e o estudo são considerados imprescindíveis para o crescimento saudável.


Brincadeira e Trabalho


Criança, brincadeira e trabalho.


A criança está para a brincadeira, assim como o adulto está para o trabalho.


O termo trabalho está afeto ao adulto.


O termo brincadeira é próprio das crianças.


Como pode, então, nos dias de hoje (século XXI) ocorrer o trabalho infantil?


O estudo publicado pelo DIEESE em 2001, intitulado A Situação do Trabalho no Brasil[1] nos informa que existem crianças e jovens adolescentes em atividade laboral no nosso país e em vários outros. Estima o estudo que em nosso país cerca de aproximadamente quatro milhões de crianças passam boa parte em atividades de labor, muitas vezes em atividades penosas, perigosas ou insalubres. Registra a obra que o trabalho na infância e na primeira fase da adolescência aparece desde os primórdios da história do capitalismo e que, somente com a luta de trabalhadores adultos, foi que o trabalho das crianças veio sendo restringido, protegido, fiscalizado e finalmente proibido. Pois aqui no Brasil, em 1891, um Decreto-Lei regulava a idade mínima e a jornada máxima para o trabalho nas fábricas. No ano de 1917 a idade mínima para o trabalho passou a ser de catorze anos e a jornada máxima de seis horas diárias. Passados dez anos, o Brasil editou o seu primeiro Código de Menores. No ano de 1941 foi criado o SAM – Serviço de Assistência ao Menor. Em 1964 crio-se a FUNABEM – Fundação de Bem-Estar do Menor. No ano de 1979 o Brasil editou o seu último Código de Menores. Valendo lembrar que referidas entidades e instrumentos legais visavam a criança em situação irregular, para os casos excepcionais, ficando as demais crianças sem qualquer referência ou proteção legal. Porém, as discussões que antecederam a Constituição Federal de 1988, por meio de grupos preocupados com os direitos da criança, deram vida ao Fórum Nacional Permanente de Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Fórum DCA – que encaminhou à Assembléia Constituinte o combate à violência estrutural e cotidiana contra a infância e a adolescência, através de mecanismos institucionais, fato que resultou na aprovação do artigo 227 da Constituição Federal. Da mesma forma, também na CF, foi inserido o inciso XXXIII, ao artigo 7º e ficou proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito anos e de qualquer trabalho aos menores de catorze anos, salvo na condição de aprendiz. No ano de 1990 entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que adotou a doutrina da proteção integral, que tem esse nome por integrar os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais da criança e do adolescente. No ano de 1998, por meio da Emenda Constitucional de nº 20, a idade mínima para o início do trabalho passou de 14 para 16 anos de idade.


A Fiscalização do Trabalho Infantil no Brasil


Vera Jatobá (2002) por meio do Caderno 148 da OIT comenta a fiscalização do trabalho infantil, que agora passo a relatar em apertada síntese:


1) As experiências brasileiras de combate ao trabalho infantil têm se projetado nos relatórios da Organização Internacional do Trabalho. Também, dentre os países da América Latina, o Brasil foi o primeiro a ser escolhido para implantação em 2002 do IPEC – Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil.


2) Através de mapeamento foram constatados focos de trabalho infantil nas carvoarias, indústrias de calçados, plantações de cana-de-açúcar, sisal etc.


3) A principal causa de exploração do trabalho infantil é a pobreza.


4) O trabalho precoce traz prejuízos à saúde física, psíquica, e social e condiciona a criança ou o adolescente a um ciclo de pobreza que se transfere para as gerações seguintes.


5) O Ministério do Trabalho e Emprego executa estratégias sustentadas em dois eixos: políticas gerais de desenvolvimento econômico e social e políticas de combate ao trabalho infantil.


6) Na área da saúde pode-se mencionar o programa de prevenção dos riscos causados pelo trabalho da criança e do adolescente; na área da assistência social o Programa Brasil Criança Cidadã e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI); e na área da justiça o Programa Nacional de Direitos Humanos.


7) O surgimento e desenvolvimento de programas não governamentais de proteção aos direitos da criança e do adolescente: Empresa Amiga da Criança da Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ), o Instituto Pró-Criança criado por empresários das indústrias de calçados com a participação do Sindicato de Sapateiros (em São Paulo) e a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência.


8) Como prioridade do governo, o tema trabalho infantil foi incluído no Plano Plurianual 2000/2003, dentro do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, cujas ações são desenvolvidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.


9) As ações do Ministério do Trabalho e Emprego produzem insumos para atender aos demais programas, em especial aos de assistência à criança e promoção social das famílias; fiscalização; mapas de focos do trabalho infantil por município; estudos e pesquisas sobre o trabalho infantil e seus impactos; edição e distribuição de publicações institucionais sobre o trabalho infantil; promoção de eventos para sensibilização da sociedade e campanha nacional que enfoque a importância do combate ao trabalho infantil.


10) As ações no âmbito da previdência social estão orientadas à distribuição de bolsa ou subsídios para as famílias que retirarem suas crianças do trabalho e as mantiverem na escola em tempo integral.


11) Como ações da inspeção do trabalho na prevenção e combate ao trabalho infantil a partir de 1995 foram criados os Núcleos Estaduais de Combate ao Trabalho Infantil, depois transformados nos Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e de Proteção ao Trabalhador Adolescente (GECTIPA).


O sítio eletrônico do Ministério do Trabalho e Emprego (www.mte.gov.br) nos informa:


A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil – CONAETI, coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com participação quadripartite, visa implementar a aplicação das disposições das Convenções nºs 138 e 182 da OIT. Possui, como uma de suas principais atribuições, o acompanhamento da execução do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, por ela elaborado em 2003.


A Convenção 138 determina que todo país-membro deve seguir uma política nacional que assegure a abolição efetiva do trabalho de crianças. Já a Convenção 182 determina que todo país-membro deverá elaborar e desenvolver programas de ação para eliminar, com prioridade, as piores formas de trabalho infantil.


Assumindo esses compromissos, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) instituiu a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), criada por intermédio da Portaria n.º 365, de 12 de setembro de 2002.


O combate ao trabalho infantil no país deve levar em conta, primeiramente, o reconhecimento de que é um problema com várias interfaces, indo desde a garantia de uma escola de qualidade até a integração social mediante ações culturais e esportivas, passando pelas considerações quanto ao gênero e à raça como características desse flagelo. Considerando que a pobreza é um fator determinante para a persistência do trabalho precoce na infância e na adolescência, a articulação com outras políticas públicas voltadas para o combate à pobreza é outra vertente a ser explorada na CONAETI, sem olvidar do fato de que o fenômeno concentra-se nas atividades exploradas sob o regime de economia familiar. Não menos importante é a busca de um crescimento econômico do país comprometido com a questão da criança e do adolescente como fidelidade aos compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional.


A Proteção à Infância no Plano Internacional


No plano internacional a infância ganhou proteção por meio da: 1) Declaração de Genebra sobre os direitos da criança de 1924; 2) Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948; 3) Declaração dos Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas – 1959; 4) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovado na XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 19 de dezembro de 1966 – aprovada no Brasil por meio do Decreto-Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991 e promulgada através do Decreto nº 591, de 06 de julho de 1992. Também estão no mesmo sentido da proteção à infância as seguintes Convenções da Organização Internacional do Trabalho: nº 06 sobre Trabalho Noturno dos Menores na Indústria; nº 138 sobre a Idade Mínima para Admissão no Emprego; e a de número 182, sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a Ação Imediata para sua Eliminação.  


O Trabalho Infantil e o Poeta Zé Adalberto


O SINAIT – Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho e o Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho do Trabalho Infantil, dentre outros parceiros, por ocasião do III Fórum Social Mundial (Porto Alegre – RS, 2003), realizaram oficina estruturada em dois painéis: “Trabalho Infantil no Brasil e no Mundo” e “Desafios e Perspectivas para a Erradicação do Trabalho Infantil”. Nessa oficina foi apresentado o poema do Zé Adalberto, poeta e trabalhador rural. Referido poema é um grito que nos lembra qual é o verdadeiro papel da criança na sociedade. Nos mostra em que lugar a criança deve estar:


Chega de crianças nas carvoarias,

No corte de cana,

No sal do sisal,

Nas quebras de pedras, nas olarias.

Tirem essas crianças do trabalho rural.

Que país é este, onde a mão-de-obra

Escraviza a mão infanto-juvenil,

Explorando a força

De que não tem força?

Isso não é justo,

Mas isso é Brasil.

Tira essas crianças do trabalho rural,

Bota essas crianças no campo da bola,

Crianças precisam de casa e saúde,

Paz, muita paz, lazer e escola.

Chega de criança nas carvoarias,

No corte de cana,

No sal do sisal,

Nas quebras de pedras, nas olarias,

Tira essas crianças do trabalho rural.

Deixe que a criança mostre um sorriso,

Cantem como as aves que vivem lá fora,

Sua liberdade depende da gente,

Faça uma criança ser feliz agora.

Brasil, você é grande,

Dentro de seu peito bate um coração.

Talvez de uma criança.

É bom que ele comece a bombear agora

O sangue do progresso da nossa esperança.

Viva as crianças brasileiras

Viva a gente que ama este país,

E que amo o ser humano como fundamento de tudo.

Conclusão


Em que pese todos os esforços para a proteção das crianças e dos adolescentes em face da exploração ocorrida pelos adultos, ainda temos muitas atividades para fazer.


Assim todo engajamento em lutas ou campanhas de proteção à infância e à adolescência são necessárias.


Todos nós somos responsáveis pelas crianças e adolescentes, como cidadãos que somos.


Não basta esperar simplesmente. É preciso ação de nossa parte também.


Podemos construir uma sociedade mais justa para as crianças.


 


Referências bibliográficas:

DIEESE. A Situação do Trabalho no Brasil. São Paulo: DIEESE, 2001.

GOMES, José Luiz Valdetaro. Porta Aberta – Lembranças de Vila Velha 1950/1960. Santa Maria de Jetibá: Follador, 2010.

HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. 4ª. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

JATOBÁ, Vera. A Inspeção do Trabalho no Marco da Modernização da Administração do Trabalho. Brasília: OIT, 2002.

SINAIT. Memória da Oficina Um Futuro sem Trabalho Infantil – III Fórum Social Mundial. Brasília: SINAIT, 2003.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT e outros Tratados. 3ª. ed., São Paulo: LTr, 2007.

www.mte.gov.br acesso em 27.09.2010.

 

Nota:

[1] Trata-se de um estudo realizado pelo DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos, acerca das mudanças e profundos desequilíbrios ocorridos nos anos 90 – final do século XX e início do atual século – em nosso país. O Brasil ficou marcado pelo crescimento acelerado das taxas de desemprego, pela precarização das condições de trabalho, pelas extensas jornadas de trabalho e modificações na legislação nacional.


Informações Sobre o Autor

José Carlos Batista

Auditor-Fiscal do Trabalho. Graduado em Direito pela UFES. Curso de Especialização em Direito Civil e Direito e Processo do Trabalho pela PUC Minas. Autor de artigos jurídicos. Livro publicado pela Ltr: A Empreitada na Indústria da Construção Civil, o Acidente de Trabalho e a Responsabilidade Civil, em co-autoria com o Auditor-Fiscal do Trabalho e Professor Jair Teixeira dos Reis.


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