As cláusulas abusivas em contratos bancários: Para uma análise crítica da Súmula 381 do STJ

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Resumo: O objetivo geral do artigo é analisar, criticamente, a legalidade e a constitucionalidade da Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça em face do disposto no artigo 51, IV, Código de Defesa do Consumidor – CDC. A referida Súmula questiona a nulidade absoluta das cláusulas abusivas nos contratos bancários, na medida em que nega ao juiz conhecer de ofício as mesmas, fato que vai de encontro ao disposto no CDC, uma vez que esse declara ser nula, de pleno direito, as cláusulas abusivas.

Palavras chaves:  Nulidade Absoluta. Cláusulas Abusivas. Contratos de Consumo. Proteção Legal do Consumidor. Sistema hierárquico de normas.

Abstract: The overall objective is to analyze the legality and constitutionality of Precedent 381 of the Superior Court of Justice in the face of Article 51, IV, Code of Protection Consumer – CDC. Precedent questions the absolute nullity of unfair terms in banks contracts, to the extent that the judge denies knowing of the same letter, a fact which goes against the provisions of CDC, since that claims to be invalid by operation of law, the unfair terms.

Key Words: Absolute Nullity. Unfair terms. Consumer Contracts. Legal Protection of Consumers. Hierarchical system of rules.

Sumário: Introdução . 1 Contratos de Consumo e Cláusulas Abusivas. 1.1 Origem dos Contratos de Consumo. 1.2 Conceito de Contrato de Consumo. 1.3 Contratos de Consumo: Características. 1.4 Contratos de Adesão e Cláusulas Abusivas. 1.5 Conceito de Cláusula Abusiva Consumerista. 2. Legalidade e Constitucionalidade da Súmula 381 do STJ. 2.1 Interpretação Sistemática e Vertical da Legislação Infraconstitucional. 2.2 Controle Difuso da Constitucionalidade dos Atos Jurídicos. 2.3 Nulidades do Negócio Jurídico e Cláusulas Abusivas. 2.4 Princípio da Proibição Legal das Cláusulas Abusivas nos Contratos. 2.5 Aplicação do CDC aos Contratos Bancários. 2.5.1 Cláusula de Juros: A Principal Cláusula dos Contratos Bancários. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Cláusulas nulas são aquelas que ofendem gravemente princípio de ordem pública. Sua nulidade pode ser declarada de ofício pelo juiz em qualquer momento processual, conforme o art. 168 do Código Civil – CC/02[1].

Cláusulas contratuais abusivas são aquelas lesivas para uma das partes do contrato e sancionadas como nulas, excluídas do ordenamento jurídico, conforme o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor – CDC[2].

A nova realidade contratual é caracterizada pela abusividade típica ou presumida do conteúdo das cláusulas de contratos confeccionados em massa, nos quais uma das partes somente adere às cláusulas previamente estipuladas, sendo muito reduzido o poder de negociação de uma das partes. É o que acontece com os denominados contratos de adesão de consumo. (MARQUES, 1999).

O objetivo desse estudo é analisar a legalidade e a constitucionalidade da Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça[3] – STJ – em face da proibição das cláusulas abusivas contratuais nos contratos de consumo, expressa no artigo – Art. –  51, IV, CDC[4]. Tal artigo é diretamente vinculado à normativa constitucional, art.5º, caput e inciso XXXII da Constituição Federal – CF/88[5], portanto, violá-lo, é também violar a Constituição.      

Cumpre destacar que o fundamento da Súmula 381 do STJ é o questionamento das cláusulas abusivas de juros em contratos bancários, cuja legalidade, supostamente, não viria da lei consumerista, e sim das taxas médias de mercado controladas e planejadas pelo Conselho Monetário Nacional, dada a complexidade da ordem financeira nacional.

O problema jurídico que então se apresenta é a relação entre a aplicação da Súmula 381 do STJ e o cumprimento do artigo 51 do CDC. A princípio, pode-se dizer que se aplicada a Súmula 381 do STJ, infringe-se a constitucionalidade e a legalidade do artigo 51 do CDC?

Para tanto, estudaremos o conceito, as características, a inserção de cláusulas de adesão nos contratos de consumo, a nulidade absoluta das cláusulas abusivas contratuais presentes no artigo 51, IV, do CDC, os princípios peculiares aos contratos de consumo, e também, aspectos legais da Súmula 381 do STJ, assim como a aplicação do CDC aos contratos bancários, interpretação adequada da legislação infraconstitucional consumerista, breve explanação sobre o controle difuso da constitucionalidade e cláusula de juros.

1  CONTRATOS DE CONSUMO E CLÁUSULAS ABUSIVAS

1.1 Origem dos contratos de consumo

O contrato originou-se da realidade social, das necessidades econômicas, sendo praticado desde a antiguidade. Posteriormente, o direito o identificou, catalogou suas espécies e estipulou-lhe regras de confecção e realização, com o objetivo de oferecer segurança às pessoas. 

Os contratos regidos pelo direito contratual tradicional são aqueles ordenados pelo espírito individualista e de valorização da vontade como legitimadora das obrigações, sendo tal concepção condizente com a realidade do século XIX.

Acreditava-se naquele certame que a liberdade quase absoluta conferida às partes para convencionar, conduziria naturalmente à igualdade contratual, o que descartaria a presença do controle estatal e legal nas relações contratuais no que tange ao seu objeto, ao seu conteúdo. A lei limitava-se a exigir o cumprimento das formalidades convencionadas e também a anular eventual e comprovado vício volitivo. Aliás, essa é a concepção originária desse instituto, a possibilidade de obrigar irrestritamente, de onde sempre surgiram e surgirão inúmeros abusos.

Ocorre que, a partir da segunda metade do século XX[6], a sociedade, predominantemente de características rurais, torna-se urbana e industrial, e suas relações comerciais se tornaram massificadas em larga escala, de modo a surgir e solidificar um imenso mercado de fornecedores e consumidores, dividindo o povo nestas duas categorias.

O sistema de produção capitalista, no seu objetivo de máxima renda, o que implica custo mínimo, criou mecanismos que viabilizassem a massificação na nova realidade empresarial. Esses instrumentos, contratos de consumo em massa[7], não obstante gerarem eficiência, ou seja, redução de custos e agilidade para ambas as partes contratuais, acentuaram ainda mais a histórica e factual desigualdade material entre os grandes proprietários e produtores, agora fornecedores, e a massa anônima populacional, vulnerável sócio-economicamente, os consumidores.

Essa acentuação da desigualdade material entre as classes sociais, refletida nos contratos de consumo, veio justamente do surgimento dos grandes empresários, das multinacionais, dos gigantes “monopólios mundiais” que passam a concentrar enorme poder e influência advinda da concentração de capital. Daí vem a necessidade social de tutelar a classe consumidora.

Importante ressaltar o fato de que a ideologia vigente veiculada pelos meios de comunicação incentiva o consumo em massa de produtos padronizados, mas em contrapartida, não divulgam a ideia de um questionamento prévio a ser feito pelo consumidor quanto às opções, aos preços, informações técnicas, direitos e deveres inerentes a um contrato de consumo. Essas variáveis constituem o núcleo das cláusulas abusivas redigidas e praticadas no mercado de consumo em massa desde o seu surgimento, quando da consolidação da sociedade urbana e industrial.

O doutrinador europeu Gerard Cas esclarece:

“A sociedade industrial formulou uma nova concepção nas relações contratuais que tem por base a desigualdade de fato entre os contratantes.  O legislador pretende proteger o mais fraco contra o mais forte, o leigo em favor do mais informado; os contratantes modernos devem sempre ter em conta aquilo que os juristas chamam de ordem pública econômica. Isto se manifestou com nítida clareza nas relações entre empregadores e assalariados, porém hoje em dia, a relativização da liberdade contratual se pontua nas relações de consumo, que se realizam entre os profissionais fornecedores ou distribuidores de produtos ou serviços e aqueles que os utilizam.[8] (CAS 1980 apud LYRA, 2003, p.3)”

Portanto, esclarece-se a necessidade social da lei de proteção ao consumidor em seu aspecto contratual, mais especificamente quantos aos pactos abusivos, origem de potenciais lesões, absolutamente vedadas no âmbito jurídico consumerista.

1.2  Conceito de contrato de consumo

Todos os tipos de contratos que tenham como partes um consumidor e um fornecedor de bens ou serviços é um contrato de consumo.A natureza jurídica do contrato de consumo exige a presença de três elementos: consumidor, fornecedor e objeto ou bem de consumo. Dessa forma, aplica-se o CDC caso presente todos os elementos, porém, se, inexistir qualquer um deles, o Código Civil deverá ser aplicado.

Para conhecermos o conceito jurídico de contrato de consumo é necessário primeiramente entendermos os conceitos de consumidor e fornecedor, o que será tratado no próximo item.

Assim, as relações de consumo, dentre as quais se destaca o contrato de consumo, inserem-se no rol das espécies de relações jurídicas de maior importância na atualidade.

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1.3 Contratos de consumo: características

O gênero contratual pode ser dividido em duas espécies básicas de contratos: contratos civis e contratos de consumo, cada qual com variáveis subjetivas e objetivas próprias.

Nos contratos civis, poderá ou não haver atuação profissional e o objeto da relação contratual é um bem econômico cuja utilização final será a do próprio adquirente, ou poderá ter também o escopo de arrendamento ou insumo para obtenção de lucro.

Nos contratos consumeristas, o objeto contratual será utilizado pelo adquirente para uso final, porém as partes são presumidamente desiguais, prevalece a presunção de vulnerabilidade de uma das partes, dado o caráter profissional de uma delas, o que explica o tratamento específico da legislação consumerista.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho:

“A legislação civil sobre contratos pressupõe a existência de partes livres e iguais que transigem sobre os respectivos interesses, com pleno domínio da vontade. […] A este cenário corresponde a normas civis e empresariais. A realidade das relações de consumo, no entanto, é bem diferente. O consumidor não contrata se quiser e como quiser, mas se vê muitas vezes obrigado a contratar bens e serviços essenciais, de um ou poucos fornecedores e sem a menor possibilidade de discutir os termos da negociação.(COELHO, 2010, p.100)”

O conceito legal de consumidor, expresso no art. 2º do CDC[9], e que, juntamente com o conceito de fornecedor do art. 3º do mesmo Código[10], define legalmente o contrato de consumo. Consumidor é a pessoa física ou jurídica que retira do mercado de consumo bem jurídico como destinatário final. Acontece que ser destinatário final de um produto ou serviço é algo controverso, na medida em que posso ser somente o destinatário final fático[11] desse objeto ou, além disso, ser também o destinatário final econômico[12]. Com base nisso pode-se limitar ou ampliar a delimitação legal do conceito consumidor. Três teorias surgem para fundamentar essa discussão: finalista, maximalista e finalista moderada.

A tese finalista informa ser a vulnerabilidade do consumidor o princípio maior, juntamente com sua proteção efetiva, real. Portanto, advoga a existência de fragilidade apenas daquela parte que utilizaria o bem para uso de consumo, não o direcionando a potenciais obtenções de lucro, principalmente lucro empresarial, desviando-se da finalidade do CDC. Essa tese, de forma geral, exclui das pessoas jurídicas a situação de consumidora, ou seja, aqueles entes que utilizam o produto como insumo.

A tese maximalista fundamenta-se na literalidade do texto legal, o que também se mostra coerente com o linguajar técnico moderado do Código, visando resultado social em todo o mercado de consumo e não somente proteger o mais fraco e efetivando a boa fé nas relações comerciais. Essa visão prega a abrangência máxima do conceito de classe consumidora, revelando ser aquela que unicamente atua no mercado sob esse “status”, ou seja, o foco da teoria maximalista é a configuração da relação de consumo, retirar definitivamente do mercado o produto ou serviço. 

Mister destacar a teoria finalista moderada ou aprofundada, identificada pela doutrina como originária da interpretação e aplicação jurisprudencial. Significa relativo abrandamento da visão finalista de conceito de consumidor, em que, como medida de exceção, poderá ser o empresário ou pessoa jurídica considerada consumidora, quando cabalmente demonstrada sua fragilidade no caso concreto.

Destaque-se agora o conceito de fornecedor depreendido do art. 3º do CDC. Fornecedor é pessoa física ou jurídica que habitualmente ofereça bens ou serviços no mercado de consumo, com o objetivo de obtenção de lucro, incluindo-se os serviços bancários, financeiros e de crédito como bem disposto no inciso II do art. 3º do CDC.

O conceito de contrato de consumo legalmente estabelecido é amplo sob um aspecto, ou seja, regula todos os tipos de operações em massa envolvendo um consumidor, e ao mesmo tempo tem a tarefa nobre e específica de restabelecer a relação de igualdade contratual entre as partes deste contrato.

Assim sendo, vislumbra-se que o grande diferencial do contrato de consumo em relação ao contrato civil é a vulnerabilidade de uma das partes. Necessário então destacar a diferença entre Vulnerabilidade e Hipossuficiência. Vulnerabilidade é um instituto de natureza material, é direito à proteção diferenciada em virtude da constatação científica do estado de fragilidade de uma pessoa ou grupo de pessoas. Já hipossuficiência é instituto de natureza estritamente processual, podendo ser aplicada em outras relações processuais, e não somente àquelas de consumo. O juiz avaliará a existência de desvantagem exagerada na relação processual e não nos fatos e direitos materiais que encetaram a lide. Assim, vê-se que os dois institutos são parecidos em virtude de possuírem a mesma função ou objetivo: proteção dos vulneráveis; mas não têm nenhum parentesco, já que pela observação de seu critério estrutural, são bem diversas: uma é de causa material e outra, de origem processual. Esse esclarecimento é útil porque assim se infere que um instituto é independente do outro; a aplicação de um não garante a utilização do outro, e vice versa.

Toda essa flexibilização ou relativização faz coro com o sistema multidisciplinar e aberto do CDC, que obriga a verificação judicial de todas as circunstâncias teóricas e práticas da vulnerabilidade no caso concreto, podendo, excepcionalmente ser esse direito, desconsiderado, em caso da evidente ma-fé do consumidor. Porém, grande deve ser a cautela, pois demasiado grau de relativização em campo jurídico dessa índole, implica comprometer sua integridade ou solidez.

É possível também discutir a hipótese de excludente de ilicitude em caso de abuso consentido pelo consumidor, como legítimo exercício de sua liberdade individual. Também é possível analisar a confissão de ato ilícito pelo fornecedor quando este estipula e redige unilateralmente termos abusivos em um contrato de adesão, mas essas são questões para outro momento.

Oportuno destacar que o sistema jurídico brasileiro, em tese, estimula todas as desigualdades ou diferenças possíveis, na medida que não afetem a dignidade do indivíduo. O CDC existe para a evitar a excessiva exploração da pessoa, unicamente na condição de consumidora. Outro ponto interessante é considerar a proteção ao consumidor não como uma proteção excessiva, mas necessária ao fortalecimento e independência do ser humano, dando a todos condições  favoráveis para se distinguirem  entre si.

1.4 Contratos de adesão e cláusulas abusivas

A principal classificação jurídica para os contratos de consumo é a sua natureza de adesão porque a massificação dos contratos só é viável por tal meio de contratação.

Saleme e Fontoura conceituam contrato de adesão dessa forma:

“Contratos de adesão são aqueles em que o proponente não se dispõe a negociar quaisquer cláusulas do contrato, restando ao oblato a simples aceitação ou recusa da oferta. Esses contratos cumprem a importante função de homogeneizar a estrutura de venda ou prestação de serviços de uma determinada firma, permitindo a redução dos custos de negociação e de customização. Embora essencial para a redução de custos de produção e oferta de bens, os contratos de adesão vem sendo criticados como um instrumento de imposição de uma parte mais forte economicamente em relação a mais fraca. (SALEME;FONTOURA;2009,P.81)”

Contratos de adesão, nas palavras de Diniz, “constituem uma oposição à idéia de contrato paritário,[13] por inexistir a liberdade de convenção, visto que excluem a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as partes […].”(DINIZ, 2005, p.81)

A maioria das cláusulas dos contratos de adesão são pré-elaboradas unilateralmente pelo Estado ou por empresários.

Segundo Rizzardo (2006) na prática, é formulário onde se preenche a data, o preço e a qualificação da parte aderente, constituindo essas variáveis, toda a negociação preliminar.

Larentz afirma que “algumas condutas sociais típicas” (LARENTZ 1977 apud MARQUES, 1999, p.51), contratos orais em massa, como o de transporte coletivo não deveriam ser analisados como contratos de adesão e sim como um fenômeno de típica conduta social.

Segundo a autora Marques (1999), a doutrina anglo-americana classifica essa espécie como contratos de “take it or leave it basis[14].

Bessone, (1979 apud MARQUES, 1999 p.56): “an unequal bargaining power[15]” é a característica marcante dos contratos de adesão.

Contratos de adesão são formados por cláusulas ou condições gerais e uniformes para todos os contratos do mesmo tipo, como exemplo temos os contratos bancários de adesão em massa[16]. De acordo com Rizzardo nestes tipos de contratos bancários “não é permitida uma contraproposta” (RIZZARDO, 2006, p.1398). Por isso é um tipo excepcional de contrato, tendo em vista que a maioria das espécies contratuais regulados pela lei civil é de ordem paritária. É pertinente, porém destacar que apesar dessa excepcionalidade, é utilizado de maneira massificada e generalizada na prática social.

“Nos contratos de adesão, a manifestação de vontade de uma das partes é reduzida a mera anuência a uma proposta da outra; uma das partes adere às cláusulas já estabelecidas pela outra.” (ESCOBAR, 2006 p.125).

Essa limitação da vontade, própria dos contratos de adesão, subentende que uma parte do contrato esteja enfraquecida, independentemente do referido contrato ser ou não, especificamente, um contrato de consumo. Portanto, tal fragilidade ou vulnerabilidade também é tutelada pelo CDC em sua parte regulatória dos contratos de adesão.

Por interpretação lógica, entende-se que cláusulas abusivas são dispostas unilateralmente. Por isso os contratos de adesão são ambientes propícios ao entabulamento de cláusulas abusivas, ganhando relevância social se confeccionados em massa e para consumo (presunção de vulnerabilidade de uma das partes).

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O conteúdo das cláusulas de adesão é relacionado pelo Código de Defesa do Consumidor brasileiro, Lei n. 8.078/90, ao conteúdo de cláusulas abusivas, regendo-se pelo artigo 46 e artigo 54 do mencionado Código.

1.5 Conceito de cláusula abusiva consumerista

Cláusula abusiva é “aquela notoriamente desfavorável à parte mais fraca na relação contratual, que no caso de nossa análise, é o consumidor final, aliás, por expressa definição do art. 4º, I, do CDC.” (NERY JR, 2000, p.339). De acordo com Nelson Nery Júnior (2000), a existência de cláusula abusiva anula a relação contratual pela quebra do equilíbrio entre as partes.

A supracitada vulnerabilidade de uma das partes contratuais, a “parte mais fraca”, encontra-se expressa no art.4º, I, CDC, que estabelece como princípio o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”

As cláusulas abusivas são nulas pelo caput do artigo 51 do CDC porque é matéria de ordem pública (art.1, CDC) e relacionadas a direito fundamental constitucional (art.5º, XXXII da CF/88, e artigo 48 das Disposições Transitórias da Constituição Federal). Também é matéria ligada à ordem pública econômica constitucional expressa no artigo 170, inciso V da Carta Magna. Dessa forma a “nulidade de pleno direito das cláusulas abusivas consumeristas podem ser argüidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, podendo o juiz pronunciá-la de ofício” (NERY JR., 2000, p.234).

O CDC exemplifica as cláusulas que considera abusivas, havendo outras disposições esparsas no Código. Dessa forma, o juiz diante do caso concreto poderá excluí-las, fundamentando-se nos princípios de aplicação obrigatória da Boa Fé Objetiva, Equidade Contratual e princípio da Proteção ao Consumidor.

Recorremos ao conceito de clausula abusiva da lei consumerista francesa presente no Artigo 132-I:

“Dentro dos contratos concluídos entre profissionais e não profissionais ou consumidores, são abusivas as cláusulas que tem por objeto ou por efeito criar, em detrimento do não profissional ou consumidor, um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes dos contratos. (Artigo 132-I apud LYRA,2003,p.16)[17]

Sobre o conceito e as características das cláusulas abusivas, Cláudia Lima Marques elucida:

“A abusividade da cláusula contratual é portanto, o desequilíbrio ou descompasso de direitos e obrigações entre as partes, desequilíbrio de direitos e obrigações típicos àquele contrato específico[18]; é a unilateralidade excessiva, é a previsão que impede a realização total do objetivo contratual, que frustra os interesses básicos das partes presentes naquele tipo de relação, é, igualmente, a autorização de atuação futura contrária à boa fé, arbitrária ou lesionaria aos interesses do outro contratante, é a autorização de abuso no exercício da posição contratual preponderante. machtposition[19]·. A abusividade é assim, abstrata, potencial ou atual, porque ataca direitos essenciais àquele tipo de contrato, porque impõe excessivas ou surpreendentes obrigações, porque leva à lesão do co-contratante.[…] a estipulação de cláusulas abusivas é concomitante com a celebração dos contratos, mas a “descoberta”, a “identificação” de sua abusividade é geralmente posterior, é atividade do intérprete[20] do contrato, do aplicador da lei, face aos reclamos daquele que, ao executar o contrato, verificou o abuso cometido.(MARQUES,1999,p.82).”

As considerações acima dão luz à necessidade incontestável da declaração de ofício da abusividade das cláusulas consumeristas, como garantia da efetividade do CDC e tendo em vista a fragilidade do consumidor em identificar tais cláusulas, ou seja, este será de fato prejudicado pela execução do contrato, na hipótese de não ser protegido de forma antecipada pela autoridade competente. Nesse caso, haverá desarmonia e instabilidade em toda sociedade.

Por fim é necessário diferenciar cláusula abusiva de abuso de direito. Este nos remete ao exercício ilegítimo de um direito, anormal, advindo dos excessos de uma liberdade exercida em absoluto, seja em âmbito contratual ou através da conduta do indivíduo, que extrapola as balizas da dimensão social de seu ato, como manda o espírito coletivo do nosso ordenamento jurídico. Na verdade, ambas as figuras extrapolam o interesse social, a busca da igualdade material e dignidade do indivíduo, expressas na Constituição. Assim, podemos vislumbrar que o cumprimento, a execução de uma cláusula abusiva seria uma espécie do gênero, abuso de direito, dado que ambas as figuras jurídicas exigem uma prática, exercício desproporcional, que no caso dos pactos abusivos, considerando-se o aspecto meramente conceitual do termo “cláusulas abusivas”,  exige o ato material para que lhe seja atribuída concretude.

Importante ressaltar que tanto o abuso de direito quanto as cláusulas abusivas são espécies de atos ilícitos, passíveis de reparação em caso de lesão, porque violam o princípio da boa fé objetiva, cujo cumprimento implica regras de conduta que devem ser fielmente obedecidas com o fito de manter a paz social.

2. LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA 381 DO STJ

A jurisprudência da Segunda Seção do STJ consolidou-se na interpretação de que a revisão de ofício pelo órgão judiciário de cláusulas abusivas contratuais bancárias, fere o princípio tantum devolutum quantum apellatum[21]. O suposto abuso contratual, citado na Súmula, deverá ser suscitado e cabalmente comprovado pela parte interessada.

Contudo, é conhecido que a abusividade das cláusulas contratuais bancárias se concentra no valor da taxa de juros remuneratórios e moratórios pelo uso do crédito bancário por parte do consumidor.

Portanto, infere-se que o fundamento da Súmula 381 do STJ é o fato da taxa de juros no Brasil ser regulada por leis complementares e atos normativos do Conselho Monetário Nacional (CMN). Desse modo, não são abusivas ou ilegais as taxas de juros médias do mercado, estipuladas pelo CMN porque essas são regulamentadas pela política de juros governamental.

Neste sentido temos a Súmula 382 do STJ que diz: “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.

Temos também o conteúdo da Súmula 294: “Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato”. Acompanhando a mesma jurisprudência, a Súmula 296 dispõe que “os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitado ao percentual contratado”.

As decisões que amparam a redação da Súmula 381 consideram que os índices utilizados nos contratos não violam a legislação vigente e as Resoluções do CMN porque a matéria, que é complexa, ainda não foi regulamentada para cada área específica da economia.

Quanto à constitucionalidade da Súmula, esta se concentra no artigo 5º caput e incisos referentes à proteção ao consumidor, princípio da isonomia, direito a amplo acesso a justiça preventiva, constatando-se que a matéria tratada pela referida Súmula está organicamente relacionada à efetividade de tais direitos constitucionais fundamentais.

O princípio da isonomia é violado flagrantemente quando o conteúdo da Súmula 381 do STJ exclui a aplicação do CDC aos bancos, no que tange às lesões e abusos contratuais, sem mencionar a violação da mesma isonomia, expressa na proteção e valorização do consumidor.

Importante também é citar que a Súmula 381, na forma como foi editada, ou seja, numa análise superficial, soa contraditória para com o ordenamento jurídico, sendo considerada anomalia jurídica para alguns e até mesmo abusiva para outros.

2.1 Interpretação sistemática e vertical da legislação infraconstitucional

A norma abstrata somente se adapta à realidade quando identificado o seu espírito, a sua legitimidade.

A interpretação sistêmica valida a aplicação da norma ao caso concreto. É o método de interpretação mais adequado na comprovação do objetivo da lei a ser aplicada.

O referido método interpretativo é um entendimento lógico da lei, analisada a partir do sistema à qual está inserida, que se sustenta na norma constitucional.

A legitimidade de toda lei infraconstitucional encontra-se na norma superior e central ao sistema jurídico: a Constituição.

“Os princípios constitucionais constituem a ordem pública de um país; a influenciar todas as leis daquele sistema de direito.” (MARQUES, 1999, p.226)

Assim preleciona a autora Renata Barbosa de Almeida e o autor Walsir Edson Rodrigues Júnior:

“[…] a Constituição exerce as funções derrogatória, de validação e interpretativa. […] A atividade hermenêutica das normas efetivamente vigentes, por fim é concretizada sob os parâmetros dispostos constitucionalmente, como forma de adequação sistêmica. […] Por tudo isso, o entendimento doutrinário  acertado aponta para aplicação imediata dos dispositivos constitucionais, que, como verdadeiras normas jurídicas, têm potencialidade suficiente para apreender os fatos sociais e discipliná-los.(ALMEIDA; RODRIGUES JUNIOR, 2010, p.30/31)”

Dessa forma, em relação ao campo do direito privado ou empresarial, este se submete integralmente aos princípios de ordem pública constitucionais, dado que são inderrogáveis por convenção das partes e de aplicação imediata.

De acordo com artigo 5º, caput da Carta Magna, o magistrado, deverá, diante de qualquer questão que envolva direito individual ou empresarial patrimonialista, raciocinar sempre com base no princípio constitucional da igualdade entre os indivíduos em situação patrimonial desigual.

Ademais, deve-se respeitar outro importantíssimo princípio constitucional: princípio da legalidade, que afirma que a principal fonte de obrigações e direitos é a lei, mormente se esta em seu próprio corpo se declara de natureza pública e interesse social.

Tem-se aqui o entendimento de Júlio Cesar Arana Vargas:

“A elaboração do Código de Defesa do Consumidor se deu em virtude do mandamento constitucional expresso no art. 5º, inciso XXXII, da C.F. -88, que reza que ‘todos são iguais perante a lei…, nos seguintes termos: o Estado promoverá, na forma da lei a defesa do consumidor’. (VARGAS, 2003,p.29)”

Assim vislumbra-se a chamada constitucionalização do direito privado que implica lançar mão de uma interpretação vertical e sistemática da lei infraconstitucional, porque os valores patrimonialistas não mais se sobrepõem ao bem estar do indivíduo à luz da dignidade da pessoa humana, em unidade de sentido com a filosofia do Welfare State, base da norma constitucional. Nesse sentido, explica Gomes:

“[…] o Estado com o fito de reconduzir as partes a um plano de igualdade, de modo que realmente pudesse contratar livremente, como conseqüência disso, há o estabelecimento das cláusulas abusivas contratuais, a derrogação do clássico princípio contratual do “pacta sunt servanda”, a fixação de juros usurários, a limitação da cláusula penal entre outras medidas. (GOMES,2009,p.39)”

Novamente, Vargas (2003) explica que na sistemática hierárquica das normas é pressuposto de autenticidade da norma inferior, sua relação com a norma superior, ou seja, para que a norma inferior seja verdadeira deverá estar em perfeita relação com a norma superior.

O Órgão Judiciário deverá fundamentar sua decisão solidamente, em unidade de sentido constitucional.

“Exige-se do “magistrado a adequação da decisão às necessidades práticas da vida, dos interesses em pauta, dos valores e da proteção destes mesmos interesses de ordem geral já que previstos na lei […] A jurisprudência dos tribunais consagrou como técnica interpretativa o método sistemático, onde o aplicador legal fará análise de todo o ordenamento pré-estabelecido […] O magistrado é um interprete profissional da lei, com o dever de transformar a lei em norma particular para as partes litigantes, ou mesmo para outros entes, no caso de prejulgados, das súmulas e dos enunciados. (SOARES 2001, p.18/29/36).”

Dessa forma, comprova-se racionalmente, a legitimidade do direito presente na decisão judicial, quando baseado nos preceitos constitucionais.

Em relação à categoria dos Consumidores, a Constituição Federal de 1988 contém expresso o direito fundamental de proteção e valorização estatal, na forma da lei, dos consumidores (art.5º, XXXII, CF/88), assim como o princípio constitucional da função social da propriedade que se estende a todos os contratos de ordem privatista regidos pelo ordenamento jurídico.

A norma constitucional veicula valores sociais prevalentes e decisivos na resolução de qualquer problema jurídico que se apresente na complexa e variante ordem social.

2.2 Controle difuso da constitucionalidade dos atos jurídicos

Controle da constitucionalidade é a comprovação racional e sistemática da compatibilidade de um ato jurídico à lei e a Constituição- Por meio de provocação, o judiciário poderá realizar o controle da constitucionalidade que poderá ser abstrato e concentrado (originário), de efeito erga omnes e também por meio difuso, de caráter incidental (derivado), por via de exceção, de efeito inter partes.

“As normas constitucionais são as normas supremas, às quais todas as outras tem de se adequar; a Constituição, […] prevê as formas preservadoras dos direitos fundamentais “in abstracto” e “in concreto”. É graças, sobretudo, à competência atribuída ao Poder Judiciário, que decreta a inconstitucionalidade de um ato normativo do próprio Estado, de maneira originária, ou de qualquer ato concreto ofensivo a normas constitucionais, no decorrer de uma demanda. ”( CAVALLARI 1998,p.14)”

O direito no Brasil adotou um sistema misto de controle da constitucionalidade, adequado à garantia constitucional de acesso amplo à justiça para defesa de direitos, mormente aqueles direitos de “status” constitucional, portanto é garantia prevista na constituição o controle difuso judiciário da constitucionalidade, contido no artigo 5º, XXXV, CF, denominado de princípio da inafastabilidade da jurisdição judiciária.

Nosso ordenamento jurídico permite a qualquer juiz ou tribunal recusar aplicação de lei ou mesmo, mandar executar um contrato ou cláusula que considerar inconstitucional.

“Qualquer juiz ou tribunal possui competência para exercer o controle difuso incidental da constitucionalidade, ao apreciar incidentalmente, de ofício […] questão relacionada à constitucionalidade […] O controle judiciário no Brasil é, em princípio, de caráter difuso. Perante qualquer juiz pode ser levantada a alegação de inconstitucionalidade e qualquer magistrado pode reconhecer essa inconstitucionalidade e deixar de aplicar o ato inquinado.Trata-se, pois, de controle incidental, de efeito inter partes.”(CAVALLARI,1998,p.29)”

Assim, uma vez encetada a ação judicial, o magistrado deverá solucioná-la, podendo, incidentalmente, questionar a compatibilidade do ato jurídico objeto da disputa com a ordem constitucional.

Nelson Flávio Firmino (2009) esclarece:

“Basicamente são dois os dispositivos constitucionais que fundamentam o controle difuso ou incidental da constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro: a) art. 5º, XXXV, da CF, que consagra o denominado princípio da inafastabilidade das decisões judiciais; b) e o art. 97 da CF, que consagra e exige a observância pelos tribunais, para o controle difuso, da cláusula constitucional de reserva de plenário.Assim, pelo que se observa, o controle difuso ou incidental da constitucionalidade é garantia constitucional fundamental. É o que se extrai do art. 5º, XXXV, da CF, quando diz que "a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Com efeito, tem aplicabilidade imediata (§ 1º, do art. 5º, da CF), não lhe é compatível interpretação restritiva e possui natureza de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF). Não fosse isso, é questão de ordem pública e, a depender da situação, poderá ser também de interesse social, o que impõe, havendo demanda em curso, que o Judiciário se pronuncie inclusive ex officio:nenhum juiz está obrigado a observar uma lei ou ato normativo que entenda que seja inconstitucional. Entendemos que é possível que o juiz ou tribunal venham a exercer, excepcionalmente, o controle difuso até mesmo dos efeitos vinculantes de decisão do STF proferida, em controle abstrato na ação com pedido declaratório de constitucionalidade. É certo que esse controle é excepcional, mas poderá ser exercido concretamente, com base no art. 5º, XXXV, da CF, que é garantia constitucional fundamental, para evitar a ocorrência de dano grave, irreparável ou de difícil ou incerta reparação. A essa conclusão se chega porque o controle difuso da constitucionalidade é garantia constitucional fundamental e o acesso à justiça, como acesso a uma ordem jurídica justa, é um dos mais fundamentais direitos de um sistema democrático; até porque é por seu intermédio que geralmente são viabilizados os demais direitos constitucionais fundamentais.Também entendemos que é possível o exercício do controle incidental ou difuso da constitucionalidade das “súmulas vinculantes”, as quais poderão ser editadas pelo STF por força da Emenda Constitucional 45/2004, que se refere à Reforma do Poder Judiciário. (FIRMINO,2009)”

Infere-se, portanto da citação supracitada, que o artigo 5º, inciso XXXV, CF/88 abarca qualquer pretensão de defesa judicial quanto à ameaça ou efetiva lesão a direito, mormente aquela lesão combatida na norma constitucional, de caráter consumerista.

Ainda sobre a discussão temos Nery Júnior e Andrade Nery:

Se o juiz pode controlar, ‘in concreto’, a constitucionalidade da lei ou ato normativo que esteja em desacordo com a CF ou a CE, é possível ao juiz, a fortiori, fazer o controle concreto da constitucionalidade de verbete da súmula simples de qualquer tribunal, decidindo a matéria incidente tantum. Assim, por exemplo, pode o juiz não aplicar a súmula sob fundamento de que é contrária ao espírito ou ao texto da CF/88. (NERY JUNIOR; ANDRADE NERY; apud FIRMINO, 2009)”

A explicação acima referida fundamenta-se no princípio constitucional da inafastabilidade das decisões judiciais, dado que a existência do Poder Judiciário se justifica na inviolabilidade de sua independência e imparcialidade para solucionar em caráter de substituição das partes, o litígio, com o escopo de manter a estabilidade social.

Por fim cumpre ressaltar que o controle difuso da constitucionalidade integra o princípio federativo brasileiro que, notadamente, objetiva a racionalização dos poderes estatais através de sua reconhecida descentralização, tudo em prol da busca da dignidade do indivíduo.

Outros fundamentos de direito público, constitucionais, que vinculam ou normatizam uma efetiva proteção ao consumidor são o princípio democrático e o princípio da cidadania, expressos no texto da norma maior do país.

A efetiva proteção do consumidor, bem como impedir sua lesão por meio de execução de cláusulas abusivas, representa a vontade pública formalizada na lei em um regime político democrático porque se infere que a vontade da maioria dos cidadãos, pertencente à classe consumidora, é ter relações econômicas e sociais equilibradas no mercado de consumo, sendo o exercício e o aprimoramento de tais relações,  verdadeira prática de cidadania.

Assim, devemos destacar que o controle difuso da constitucionalidade é crucial na determinação da abusividade das cláusulas consumeristas porque é através destas que ocorrem lesões em massa ao consumidor, sendo o sistema constitucional de validade e aplicabilidade das normas adequado para o controle, urgente e efetivo do mercado de consumo. A constitucionalidade de um ato indica sua veracidade, imperativa, que em caso de violação, gera coerção na responsabilidade e reparação imediata, portanto, eficácia jurídica.

2.3 Nulidades do negócio jurídico e cláusulas abusivas

Nulidades são defeitos no ato jurídico, tornando-os suscetíveis de anulação.

A falta de algum elemento essencial ao negócio jurídico, ou seja, vontade, objeto ou formalidade não significa sua invalidade ou anulação, e sim sua inexistência jurídica.

A nulidade absoluta e a anulabilidade são invalidades que se diferenciam em grau e origem. A anulabilidade é um vício de grau menor, ofensa menos grave ao corpo social. Já a nulidade absoluta, por sua natureza de grave ofensa à ordem pública, é impossível de ser sanada pelo Direito.

José Jairo Gomes esclarece:

“O principal efeito da nulidade consiste em acarretar a invalidação do negócio. Anulado este, as partes devem ser reconduzidas ao estado em que se encontravam antes de sua conclusão; mas se isso não for possível, a única solução plausível será a indenização por perdas e danos.”(GOMES,2009,p.357)

A anulabilidade é facultativa porque depende de determinados sujeitos, para que, legitimados pela lei, decidam ou não pedir ou declarar a nulidade de um negócio jurídico ou de parte dele.

A nulidade absoluta, em geral, é declarada de ofício pelo magistrado em decorrência do grave dano potencial ou real decorrente de tal nulidade, prevista em lei ou nos princípios gerais do ordenamento jurídico, de forma sistemática.

O Novo Código Civil em seu artigo 168 estipula: “As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.”

Roberto Senise Lisboa explica:

“A nulidade absoluta pode ser requerida por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público, porque decorre de ofensa a uma norma de ordem pública ou, sob uma orientação mais recente, de interesse social. Já a nulidade relativa somente pode ser requerida por aquele que possui interesse jurídico, pois a questão é de esfera privada e se acha desprovida de repercussão social.(LISBOA,2004,p.522)”

As nulidades presentes no Código de Defesa do Consumidor obedecem a uma sistemática peculiar. Nesse sentido, Nery Junior:

“Abandonam-se, no sistema do CDC, a dicotomia existente entre as nulidades do direito civil, pois o código reconheceu as nulidades de pleno direito quando enumera as cláusulas abusivas, porque ofendem a ordem pública de proteção ao consumidor, base normativa de todo código, conforme disposto no Art.1º do CDC. (NERY JUNIOR,1999,p.490/491)”

Também se coaduna com a opinião do mestre Nelson Nery Junior o entendimento da autora Marques (1999, p.549): “Uma vez que a nulidade absoluta deverá ser decretada ex officio pelo Poder Judiciário, cria o CDC, na prática, um novo controle incidente do conteúdo e da equidade de todos os contratos de consumo submetidos à apreciação do judiciário.”

O reconhecimento de ofício das cláusulas abusivas consumeristas é coerente com o fato de que na maioria dos casos o consumidor ignora a nulidade, fato esse decorrente de sua vulnerabilidade jurídica ou científica, que se traduz na falta de conhecimentos técnicos jurídicos, empresariais e tecnológicos sobre o negócio.

Em relação à nulidade absoluta na seara processual, ainda tem-se o acolhimento da idéia de questões de ordem pública poderão ser verificadas de ofício pelo magistrado, harmonizando-se com as regras derivadas do princípio dispositivo.[22] (CALDEIRA, 2008).

Mais importantes esclarecimentos de Nelson Nery Junior citado por Vargas:

“As normas do CDC são de ordem pública e interesse social (art.1º). Isto quer dizer, do ponto de vista prático, que o juiz deve apreciar ex-officio qualquer questão relativa às relações de consumo, já que não incide  nesta matéria o Princípio dispositivo. Sobre elas não se opera a preclusão e as questões que dela surgem podem ser decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição. O tribunal pode inclusive, decidir contra o único recorrente, reformando a decisão recorrida para pior, ocorrendo o que chamamos de reformatio in pejus permitida, já que se trata de matéria de ordem pública a cujo respeito à lei não exige iniciativa da parte, mas, ao contrário, determina que o juiz examine de ofício. (NERY JR. apud VARGAS, p.38, 2003).”

Importante esclarecer que o objetivo maior da existência da nulidade, seja ela natureza processual ou material é única: a indisponibilidade e preservação do interesse público.

2.4  Princípio da proibição legal das cláusulas abusivas nos contratos

As normas do CDC são imperativas. Portanto, qualquer cláusula “relativa ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, […] incompatíveis com a boa fé ou equidade;” (art.51, inc.IV, CDC), são legalmente classificadas como cláusulas abusivas e nulas.

“O Poder Judiciário declarará a nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido do consumidor, de suas entidades de proteção, do Ministério Público e mesmo incidentalmente, ex ofício. (MARQUES, 1999, p.391).

Mesmo que o consumidor realize o ato formal de assinatura do contrato e, portanto autorize o cumprimento da cláusula abusiva, esta fere norma de ordem pública, devendo o magistrado declarar sua nulidade de ofício para impedir a concretização do grave dano anti-social, ato que inclusive, poderá ser interpretado e considerado incidentalmente e derivadamente[23] inconstitucional. (art.5º, inciso XXXII, CF).

Pressuposto que a análise e o controle judicial das cláusulas contratuais consumeristas é determinado legalmente sob o critério da equidade contratual e boa fé objetiva, não somente o rol exemplificativo previsto no artigo 51 do CDC é válido na anulação das cláusulas abusivas contratuais. Os parâmetros legais amplos e abertos da equidade e boa fé objetiva autorizam o magistrado a recorrer a outras normas de direito econômico como a lei da economia popular, lei antitruste, lei de crimes contra a ordem econômica, dentre outras.

Exemplo da amplitude e abertura legal da boa fé objetiva e equidade contratual na determinação da abusividade do conteúdo das cláusulas contratuais é a existência de empresários atuantes em oligopólios, cartéis, monopólios, incorporações e fusões empresariais que eliminam as possibilidades de equilíbrio dos preços e quantidades ofertadas de mercadorias circulantes, a chamada “concorrência perfeita”, que dá estabilidade à economia e a sociedade.

O princípio obrigatório da autonomia privada nos contratos na consecução dos interesses individuais, limitado pelo objetivo social do contrato, é defeituoso, viciado quando ocorre a coação de consumidores a pagar determinado valor em troca de uma mercadoria para os grandes proprietários e produtores (fornecedores), organizados ilicitamente para eliminar os preços advindos da concorrência perfeita.

Ressalte-se que o preço abusivo e os juros abusivos são as cláusulas abusivas mais impactantes ao consumidor e o princípio da equidade objetiva o preço justo nos contratos.

Importante ressaltar novamente que o critério de nulidade contratual do CDC é diferenciado daquele próprio do Código Civil. A norma consumerista brasileira expressamente declara a nulidade absoluta das cláusulas abusivas nos contratos de consumo, permitindo ao magistrado suprimi-las sem que tal ato seja parte do objeto da ação judicial.

A sistemática processual de defesa e proteção dos direitos materiais do consumidor, prevista legalmente no Título III, CDC, é diferenciada porque manda que se facilite o acesso do consumidor vulnerável à justiça sob pena da não efetivação do Código. Dessa forma, insere-se neste contexto jurídico a declaração de ofício de cláusulas abusivas consumeristas, questão de ordem pública, preferencialmente, antes da ocorrência do dano[24], na fase de execução do contrato.

Conclui-se que “as normas proibitórias de cláusulas abusivas são normas de ordem pública, normas imperativas, inafastáveis pela vontade das partes, compensando a vulnerabilidade fática do consumidor.” (MARQUES 1999, p.401).

2.5   Aplicação do CDC aos contratos bancários

Segundo Rizzardo (2006, p.1938) Contratos bancários são aqueles em que uma das partes é o banco e cujo objeto vem a ser o crédito.”

“Banco é a empresa que, com fundos próprios ou de terceiros, faz da negociação do crédito a sua atividade principal” (RIZZARDO, 2006, p.1397). Portanto, o empresário bancário é o intermediário na negociação do crédito, captando-o do público ou outras de fontes e repassando-o novamente ao público, porém com ágio, chamado de spread bancário.

Importante destacar que o crédito bancário pode ser dividido em duas espécies: crédito ao consumidor e crédito à produção dado que a incidência do CDC deverá regulamentar somente aquele destinado ao consumo, excluindo aquelas pessoas físicas ou jurídicas que contratam o crédito para investir na produção de bens ou serviços. Esta linha de raciocínio é coerente com a teoria finalista de conceito de consumidor.

Cláudia Lima Marques esclarece;

“Podemos denominar, genericamente, contratos bancários aqueles concluídos com um banco ou uma instituição financeira. Entre eles destacam-se o depósito bancário, depósito em conta corrente, conta poupança, ou a prazo fixo, o contrato de custódia e guarda de valores, o contrato de abertura de crédito, de empréstimo e o de financiamento. Na sociedade atual os contratos bancários popularizam-se, não havendo classe social que não se dirija aos bancos para levantar capital, para recolher suas economias, para depositar seus valores ou simplesmente pagar suas contas. É o contrato de adesão por excelência, é uma das relações de consumidor-fornecedor que mais se utiliza do método de contratação por adesão e com “condições gerais” impostas e desconhecidas. (MARQUES,1999,p.197)”

Dados esses importantes esclarecimentos, é necessário diferenciar quais operações de crédito ou contratos bancários se inserem na relação jurídica específica de consumo.

Constata-se que a própria Lei 8.078 no seu art.3º parágrafo 2º, é bem objetiva quando determina que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhistas”. Ou seja, a grande maioria dos contratos realizados pelos bancos é passível da aplicação da norma consumerista.

Como já dito, os contratos bancários em sua grande maioria são contratos de adesão por excelência, porém contratos de tal formação são ordenados pelo artigo 46 do CDC[25].

O CDC também dá sustentação jurídica aos contratos bancários de adesão em seu artigo 54, parágrafo 3º: “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão” (BRASIL, 2011d). 

Dessa forma, é obrigatória a aplicação do CDC aos contratos bancários, pois nestes “proliferam as cláusulas abusivas e leoninas, previamente estabelecidas, imodificáveis, e indiscutíveis quando da assinatura dos contratos. (RIZZARDO, 2006, p.24).

Outras disposições do Código ordenam os contratos bancários consumeristas. O art.52, incisos II e III, e parágrafo 2º do inciso V, CDC, estipula:   

“No fornecimento de produtos e serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre […] o montante de juros de mora e da taxa efetiva anual de juros e acréscimos legalmente previstos. […] É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos. (BRASIL, 2011d)”

Portanto, são nulas pelo Código de Defesa do Consumidor as cláusulas abusivas de eleição de foro, escolha unilateral pelo banco de índice de correção monetária, taxa de juros, vencimento antecipado do contrato em caso de inadimplência, dentre outras, típicas de contratos bancários.

Por fim, temos a Súmula 297 do próprio STJ cujo conteúdo é o que se segue: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Tal entendimento pacificado inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação de Inconstitucionalidade 2591, só faz confirmar a expressa previsão legal, contida no artigo 3º, parágrafo 2º do CDC que claramente diz que é objeto de consumo serviços de natureza bancária, financeira e de crédito, dissipando todos os questionamentos encaminhados ao Poder Judiciário relativos à não incidência do CDC aos contratos bancários.

2.5.1  Cláusula de juros: a principal cláusula dos contratos bancários

Juro é o preço do uso do dinheiro pelo investidor ou consumidor. É o capital na forma de dinheiro como fruto civil do arrendamento do próprio dinheiro. O juro remuneratório do capital emprestado ou outorgado ao consumidor, acrescido de encargos ou comissões, compõem o preço final do produto ou serviço contratado, ou seja, o valor final do crédito bancário fornecido ao consumidor.

O valor da taxa de juros é proporcional ao risco calculado pelos analistas econômicos. A ciência econômica contabiliza como determinante do grau de risco as chamadas externalidades, que inclui potenciais custos jurídicos indenizatórios ou sancionatórios, formando-se assim a taxa de juros sob a ótica econômica.

Importante ressaltar que as altas taxas de juros e elevada carga tributária desorganizam a economia real e financeira, porque causam anomalias no processo de demanda e oferta de bens e moeda, movidos por abusos especulativos como aumento irreal de preços, o que é uma fraude sob o ponto de vista jurídico. Pode-se dizer que a taxa de juros desproporcional à taxa de crescimento real da economia causa queda nos rendimentos do consumidor, ou seja, dano patrimonial ao consumidor, vedado legalmente, além de perdas nos lucros empresariais, e baixa qualidade na produção a nível macroeconômico, pois o valor dos juros é controlado nacionalmente pela administração pública federal, leia-se BC, Banco Central, que é controlado e fiscalizado pelo CMN, Conselho Monetário Nacional.

Porém, dado que este trabalho é voltado também à questão jurídica da taxa de juros, cumpre afirmar que a cláusula contratual consumerista mais propensa à abusividade é aquela praticada pelo fornecedor de crédito bancário.

O decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura), em seu artigo 1º determina: “É vedado e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal”. Leia-se 12% ao ano. Posteriormente, a Lei n.4.595/64 delegou ao Conselho Monetário Nacional, delegação essa dada pelo Congresso Nacional, estabelecer juros, comissões e encargos cobrados nas operações bancárias, gerando aparente antinomia, que foi resolvida com a edição da Súmula 596 do STJ, derrogou parcialmente a lei de usura.

Na sequência recente da história da regulamentação dos juros no Brasil, temos a Emenda Constitucional 40/03, que revogou o limite de 12% ao ano de juros como mandamento constitucional de 1988 (art.192, parágrafo 3º), determinando que a complexa questão de juros no Brasil fosse regulamentada por leis complementares. Antes mesmo da emenda, o STF já havia reconhecido que o parágrafo constitucional supracitado necessitava de norma regulamentadora (leis complementares), sob a alegação de que a taxa de juros estipulada pelo legislador constituinte era por demais genérica, não incidindo na complexa ordem financeira nacional.

Dessa forma, ao revogar o aludido parágrafo, a emenda permitiu que o limite legal da taxa de juros no Brasil fosse regulamentado por diversas leis especiais e mormente por determinações do BACEN e CMN.

Cumpre, porém dizer que a atuação do BC na influência da taxa de juros é autorizada pela Constituição somente como mero agente de mercado e ainda limitado administrativamente pelo princípio da Proporcionalidade na Administração Pública, ou seja, não pode cometer excessos na sua atividade de controlar, via mercado, a taxa de juros.

Segundo Rizzardo (2000), a taxa de juros insere-se nas cláusulas por estipulação direta ou acrescida de correção monetária, comissão de permanência e multa moratória, ou mesmo inserida dentro do valor da correção monetária ou comissão de permanência previamente estipuladas em valores médios cobrados no mercado financeiro.

Como explica o autor, a forma de calcular os juros eleva muito a taxa porque o banco sobrevive do “spread”, valor diferencial entre a captação e aplicação do crédito mutuado, emprestado ou financiado. O lucro do banco será sobre os rendimentos que ele paga para captar o dinheiro.

O valor de captação supracitado, é necessário dizer, é ditado pelo mercado e controlado somente em parte pelo governo, porque é muito suscetível de variações e especulações advindas do mercado financeiro internacional.

O CMN como órgão executivo de política monetária e crédito nacional é vinculado á normativa constitucional, essencialmente por seu caráter de direito público.

Assim ensina Lupinacci (1999): A delegação pelo CN ao CMN o poder de limitar a taxa de juros a níveis excessivos sob alegação de necessidade de política econômica equivale ao exercício inconstitucional de poderes normativos, função essa do legislador, mormente na regulamentação de ordem genérica, abstrata e obrigatória como é a questão dos juros. O referido autor também argumenta que a normatização de taxa de juros como tratamento de questões econômicas pelo Estado é limitada ao respeito à integridade dos direitos fundamentais individuais e sociais garantidos na Constituição.

Outro ponto de discussão é voltado ao caráter axiológico e constitucional da proteção do consumidor, fundado na busca permanente na dignidade do indivíduo e na sua igualdade social, valores estes garantidos pela Carta Magna e positivados pelo CDC.

O caráter axiológico do CDC permite que práticas e valores sociais relevantes e vigentes sejam aplicados na resolução de problemas jurídicos. Esses valores entram legitimamente no ordenamento jurídico através de figuras do direito de grande abertura e amplitude, quais sejam, no caso dos juros abusivos, valorização do consumidor, equidade contratual, a proporcionalidade e a boa fé objetiva, positivados no CDC.

Neste sentido tem-se o brilhante voto do ministro do STJ, Castro Filho no Resp n. 612470-RS (2003/0211681-6), que se refere à revisão de ofício de cláusulas abusivas contratuais:

“[…] Diante desse prisma, em razão do interesse social consagrado constitucionalmente, o Código de Defesa do Consumidor foi dotado pelo legislador de princípios de índole peculiar e de natureza pública, tais com o da dimensão coletiva da relação de consumo, o da transparência, o da equidade, o da justiça real, o da repressão eficiente, além de realçar o poder de intervenção estatal. São princípios que mitigam ou até mesmo afastam certos preceitos do Processo Civil ou de outros ramos de direito, para em consonância com os novos valores jurídicos introduzidos pelo constituinte, buscar o estabelecimento de um efetivo equilíbrio nas relações de consumo, munindo o consumidor, parte mais vulnerável nessas relações, de instrumentos apropriados à concretização da justiça individual e coletiva. […] (STJ, Resp.. n.612470/RS, voto Ministro Castro Filho , julgado em 09/03/2006)”

Dessa forma poderá o aplicador da lei optar[26] ou preferir que um valor constitucional, positivado na lei, solucione o caso concreto, podendo deixar assim de aplicar a regra ou até mesmo princípio fundamental, sempre que houver um aparente conflito de normas, lançando mão de princípios básicos do direito, capazes de harmonizar o conflito de interesses.  

Neste sentido, Lupinacci:

“Em que medida incide toda essa principiologia[27] na disciplina do juro? Há, em regra, nas Constituições, uma arquitetura axiológica que se sustenta na conexão racional de fundamentos ou princípios e normas colocadas tanto para interagir sinergicamente, como para repelir elementos antagônicos que se contraponham a cada preceito ou ao conjunto do sistema. (LUPINACCI, 1999, p.84).”

Importante concluir que somente existe a tão almejada segurança jurídica quando a interpretação e aplicação da lei são adequadas às práticas ou valores sociais vigentes, que são escolhas, preferências de toda coletividade, presentes no espírito da norma constitucional, capazes de garantir a validade das leis, por sua eficácia social.

CONCLUSÃO

A necessidade social de tutelar a categoria dos consumidores advém da acentuação da desigualdade material entre as classes como um processo histórico, agravada na sociedade de consumo industrial e efetuando o acirramento hodierno dos conflitos sociais.

O preço, os encargos, falta de opções (padronização de produtos e contratos), falta de clareza e lealdade são o foco da abusividade das cláusulas contratuais consumeristas.

O presente trabalho analisou aspectos legais e constitucionais do conteúdo da Súmula 381 do STJ que trata da nulidade das cláusulas abusivas em face do art. 51, IV, CDC.

Após pertinente exposição sobre a proteção contratual do CDC sob o prisma constitucional e enfatizando também a sistemática de valorização do consumidor, própria do Código, conclui-se pela incompatibilidade da Súmula analisada e o art. 51 do CDC.

A aplicação da Súmula também implica evidente violação do princípio fundamental constitucional da isonomia e proteção ao consumidor, cláusulas gerais e pétreas da Constituição. Tal violação significa retrocesso absolutamente vedado pelo ordenamento jurídico.

Em relação à ordem consumerista, é nítido o conflito da aplicação da Súmula com a essência legal do CDC.

O princípio da boa fé objetiva e o princípio da equidade contratual (art.51, IV, CDC) são os critérios adequados para a classificação legal das cláusulas abusivas, dada a complexidade e vicissitude das relações sociais.

A positivação de tais princípios de índole constitucional e especial no CDC fundamenta e autoriza a anulação de oficio de qualquer cláusula abusiva consumerista pelo Órgão Judiciário, dada a questão ser de grande interesse social, e também, como demonstrado neste trabalho, pela obrigação da efetivação do direito do consumidor, que por sua vulnerabilidade jurídica ignora a presença de cláusulas abusivas, necessitando que o juiz suprima tal abusividade do contrato.

Considerando que o fundamento da Súmula 381 é a complexidade da taxa de juros bancários no Brasil, destaque-se que o CDC não reconhece essa complexidade, exige objetivamente transparência e equidade no preço do contrato de fornecimento de serviços bancários.  

Portanto, aplicada a Súmula 381 do STJ, infringe-se a constitucionalidade e a legalidade do artigo 51, IV, CDC.

Dessa forma, fica evidente sua ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser cancelada ou revogada.

 

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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. v. 2 3 ed. São Paulo: Atlas, 2006. 676 p.
 
Notas:
 
[1] Art. 168 do CC/02 – Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes. (BRASIL, 2001c)

[2] Art. 51 do CDC. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: […](BRASIL, 2011d)

[3] Súmula 381 do STJ- Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas. (BRASIL, 2011f)

[4]Art. 51. do CDC São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: […]IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade. […](BRASIL, 2011d)

[5] Art. 5º da CF/88. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; […] (BRASIL, 2011a)

[6] Nesse período histórico, alguns governos de países centrais europeus adotaram o modelo do Estado de Bem Estar Social, ambiente político e jurídico em que surgiu e se desenvolveu a legislação consumerista, e, no que tange aos contratos, a busca de sua função social.

[7] Tais contratos são em sua maioria, contratos de adesão, cuja disposição unilateral de cláusulas pelo fornecedor, só faz acentuar a superioridade econômica daquele. Daí a necessidades de se restabelecer o equilíbrio financeiro-econômico dessa espécie de contrato.

[8] Francês. Tradução nossa.

[9] Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. (BRASIL, 2011d)

[10] Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. […](BRASIL, 2011d)

[11] É considerado destinatário final fático aquele que põe fim a cadeia de produção do produto ou serviço, não o inserindo, novamente, no mercado de consumo.

[12] É considerado destinatário final econômico aquele não usa o produto ou serviço como insumo para a produção de outro objeto.

[13]Nos contratos paritários, as cláusulas são discutidas uma a uma pelas partes.

[14]Inglês.  Do tipo “pegar ou largar”.

[15]Inglês. Poder de negociação desigual.

[16] Existem contratos de adesão não massificados como os contratos administrativos, pois são celebrados individualmente ao final de um processo licitatório.

[17] Francês. Tradução minha.

[18] Contratos de massa.

[19]Alemão. Posição superior.

[20] Esse momento especial de verificação da existência de cláusulas abusivas, momento da execução do contrato, relaciona-se diretamente com a necessidade de decretá-las de ofício pelo Órgão Judiciário.

[21] Princípio da proibição de decisão judicial “extra petita”.

[22] Trata-se do impedimento do juiz de decidir além, aquém ou fora daquilo que foi objeto do pedido da parte na ação judicial. É afastado em caso de  questões de ordem pública e constitucional.

[23] A competência originária para interpretar a Constituição é do STF.

[24] O Direito é uma ciência preventiva.

[25] Art.46- Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

[26] Opção essa que se origina do poder discricionário do magistrado, inviolável; pela ordem constitucional.

[27] Princípio da Igualdade Social, Dignidade do indivíduo, Proteção ao consumidor e função social da propriedade.


Informações Sobre os Autores

Juliana Evangelista de Almeida

Doutoranda em Direito Privado pela PUC Minas. Professora de Direito Civil e Empresarial da FACHI-FUNCESI. Coordenadora de TCC da FACHI-FUNCESI. Membro do Colegiado da FACHI-FUNCESI. Membro do NDE da FACHI-FUNCESI. Professora de Direito Civil da Nova Faculdade.

Leonard Moura Coppus

Bacharel em Direito pela Fundação de Ensino Superior de Itabira FUNCESI


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