Responsabilidade civil do profissional liberal no âmbito do Código de Defesa do Consumidor

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RESUMO: O presente artigo trata da responsabilidade civil do profissional liberal no Código de Defesa do Consumidor. Assim, tece considerações a respeito do caráter subjetivo da responsabilidade dessa espécie de fornecedor, a qual destoa da regra objetiva que rege a responsabilidade civil das demais espécies de fornecedores. Considera, entretanto, a possibilidade de o profissional liberal poder ser responsabilizado objetivamente, nos casos em que a obrigação, a que estiver adstrito, tratar-se de obrigação de resultado. Utilizar-se-á, para tanto, de pesquisas bibliográficas, além de pesquisa jurisprudencial, considerando notadamente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Ter-se-á, por fim, a demonstração de que a possibilidade de defesa oferecida ao profissional, mediante verificação da culpa, nos casos de obrigação de meio, e a responsabilidade objetiva derivada do vinculo estabelecido entre ele e a garantia de resultado, oferecida ao consumidor, estão de acordo com a teleologia pretendida por aquele diploma normativo.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Consumidor. Fornecedor. Profissional Liberal.

ABSTRACT: This article deals with the civil responsibility of the professional person in the Code of Consumer Protection. Thus, weaves considerations about the subjective nature of the responsibility of this kind of supplier, which clashes with the objective rule that governs the civil responsibility providers the other species. Considers, however, the possibility that the professional person be liable to the point, where the obligation, to which is attached, that it is the obligation of result. Use will be for both, bibliographic searches, in addition to research case law, especially considering the jurisprudence of the Superior Court. Will have, finally, the demonstration that the defense offered the possibility of professional, upon verification of guilt in cases of obligation of means, and strict liability derived from the bond established between him and the guarantee of results offered to the consumer, are in agreement with the teleology desired by that law normative.

Abstract: Civil Responsibility. Consumer. Provider. Liberal Professionals.

Sumário: Introdução; 1. Do conceito de profissional liberal; 2. Responsabilidade civil; 3. Obrigação de meio e resultado; 4 .responsabilidade dos profissionais liberais. Conclusão.  Referências.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXII, estabeleceu que: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor", o que quer dizer, em outras palavras, que o Governo Federal tem a obrigação de defender o consumidor, de acordo com o que estiver estabelecido nas leis.

Por seu turno, o mesmo diploma normativo voltou a mencionar a defesa do consumidor quando tratou dos princípios gerais da atividade econômica no Brasil, citando em seu artigo 170, V, que a defesa do consumidor é um dos princípios que devem ser observados no exercício de qualquer atividade econômica.

E, finalmente, o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal determinou que o Congresso Nacional elaborasse um código de defesa do consumidor.

Por tais imperativos constitucionais, porquanto, em 11 de setembro de 1990, fora elaborado o Código de Defesa do Consumidor.

O referido diploma, em seu artigo 1º estabeleceu que:

“O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

Tal conformação normativa apresenta-se como um parâmetro impositivo, determinando, ao Estado, a promoção de políticas públicas que consagrem a defesa do consumidor e a promoção de seus direitos.

Tal ponderação é apresentada por Eros Roberto Grau[1], o qual assevera que:

“Outro dos princípios da ordem econômica – além dos atinentes à livre concorrência, que anteriormente examinei – é o da defesa do consumidor (art 170, V). Princípio constitucional impositivo (Canotilho), a cumprir dupla função, como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado. No último sentido, assume a feição de diretriz (Dworkin) – norma-objetivo – dotada de caráter constitucional conformador, justificando a reivindicação pela realização de políticas públicas.”

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor, logo a seguir, em seus artigos subsequentes, delimitou o âmbito de sua atuação, definindo uma relação de consumo, a partir do estabelecimento de seus elementos objetivos e subjetivos.

Assim, como consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, apresentou os seguintes vértices conceituais:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.(…)

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento(…)

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”

Por sua vez, quanto ao fornecedor, o Código de Defesa do Consumidor também estabeleceu uma conceituação ampla, determinando que:

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”

E, finalmente, ao se referir aos elementos objetivos da relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor, definiu, respectivamente, produto e serviço, valendo-se da seguinte dicção:

Art. 3º. (…)

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Desse modo, por tais derivações, o Código de Defesa do Consumidor foi o grande marco na evolução da defesa do consumidor brasileiro, sendo uma lei de ordem pública e de interesse social com inúmeras inovações, inclusive de ordem processual, editado segundo os Princípios de um Estado Democrático de Direito, o que em muito inovou em comparação com o Código Civil então vigente.

1 DO CONCEITO DE PROFISSIONAL LIBERAL

Inicialmente há que se ponderar que fornecedor é gênero, onde se incluem os fabricantes, os produtores, os construtores, os importadores e os comerciantes, esses como espécies daquele conceito.

Por seu turno, a figura do profissional liberal não escapou à égide do Código de Defesa do Consumidor. Desse modo, a figura da pessoa física está identificada como fornecedor.

Nesse sentido, quanto ao conceito de profissional liberal, a partir do Estatuto da Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL[2], coteja-se a seguinte conceituação:

“Profissional Liberal é aquele legalmente habilitado a prestar serviços de natureza técnico-científica de cunho profissional com a liberdade de execução que lhe é assegurada pelos princípios normativos de sua profissão, independentemente do vínculo da prestação de serviço”.

Nesse sentido ainda, Rizzatto Nunes[3], ao tratar dos profissionais liberais, pondera que:

Os profissionais liberais clássicos são bem conhecidos: o advogado, o médico, o dentista, o contador, o psicólogo etc.

As características do trabalho desse profissional são: autonomia profissional, com decisões tomadas por conta própria, sem subordinação; prestação de serviço feita pessoalmente, pelo menos nos seus aspectos mais relevantes e principais; feitura de suas próprias regras de atendimento profissional, o que ele repassa ao cliente, tudo dentro do permitido pelas leis e em especial da legislação de sua categoria profissional”.

Dentro dessa acepção, esclarece-se que as profissões não tipicamente tidas como liberais, também poderão ser enquadradas nessa acepção, uma vez identificadas, naquele fornecedor, as características acima apresentadas.

Portanto, os profissionais liberais apresentam-se como espécie do gênero fornecedor, se sujeitando, portando, aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL

Como fundamento da responsabilidade civil tem-se o principio do neminem laedere, o qual expressa que a ninguém é dado causar prejuízo a outrem.

Nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[4] explicam que:

“…responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária a vitima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisa.”

Desse modo, afigura-se patente que a responsabilidade civil tem como razão de ser o mais elementar sentimento de justiça, na medida em que considerando o dano causado, pelo agente em relação à vítima, propugna pelo restabelecimento do statu quo ante.

Nesse sentido, Sergio Cavalieri Filho[5] explica que:

“O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Impera nesse campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima a situação anterior à lesão.”

O Código Civil, quanto a tal temática, disciplina, em artigo 186, que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Na mesma seara, disciplina, o artigo 187 do mesmo diploma legal, que: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes”.

Por sua vez, o artigo 927 do Código Civil estabelece que: “Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Ainda, o parágrafo único do referido dispositivo determina que:

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Assim, considerando os artigos acima mencionados, em sua vertente subjetiva, têm-se, como elementos da responsabilidade civil: a conduta humana, a qual pode ser positiva ou negativa; a culpa lato sensu, o dano ou prejuízo e, o nexo de causalidade.

Por sua vez, em outra vertente, a responsabilidade civil, ainda, divide-se em objetiva, quando não existe necessidade de verificação de culpa lato sensu.

Tal vertente se originou por conta da revolução industrial que, em suas consequências, deu ensejo ao progresso científico e a explosão demográfica, originando-se, porquanto, uma nova conformação da responsabilidade civil.

A partir desse novo paradigma, tem-se o esgotamento do modelo baseado na culpa, visto a impossibilidade de se prová-la, em situações comuns, na sociedade contemporânea, como acidentes do trabalho.

Nesse sentido, Sérgio Cavalieri Filho[6] explica que:

“Logo os juristas perceberam que a teoria subjetiva não mais era suficiente atender a essa transformação social ocorrida em nosso século; constataram que, se a vítima tivesse que provar a culpa do causador do dano, em numerosíssimos casos ficaria sem indenização, ao desamparo, dando causa a outros problemas sociais, porquanto, para quem vive de seu trabalho, o acidente corporal significa a miséria, impondo-se organizar a reparação.”

E nesse sentido, ainda, a matriz da responsabilização no Código Civil é predominantemente subjetiva e excepcionalmente objetiva, incluindo no conceito de ato ilícito, o ato praticado com abuso de direito.

O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, apresenta uma matriz inversa, quanto à responsabilização civil dos fornecedores. Assim, baseia-se predominantemente na responsabilidade objetiva, e, de forma excepcional, utiliza-se da responsabilidade subjetiva.

Portanto, como se pode depreender do disposto no artigo 1º do referido código em questão, o mesmo destina-se a proteção e a defesa do consumidor, estatuindo, pois, normas de ordem pública nesse pormenor, em atendimento ao imperativo constitucional.

Assim, o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor preconiza a responsabilização objetiva no dever de reparação dos danos, causados pelo fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador aos consumidores.

Assim, tal dispositivo legal apresenta o seguinte teor:

“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”

Em outra medida, no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, ainda que excepcionalmente, há menção a responsabilidade subjetiva. Nesse caso, como referido, existirá a análise de culpa lato sensu.

Como exemplo de tal concepção, aventa-se a responsabilização do profissional liberal, nos termos preconizados pelo art. 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, sinteticamente, tem-se que o Código de Defesa do Consumidor, em regra, se baseia na responsabilização objetiva dos fornecedores e prestadores de serviços, não deixando margem a questionamentos referentes às possibilidades de avaliação de culpa lato sensu dos mesmos, em caso de defeito do produto ou serviço.

Pondere-se, desse modo, que tais bases axiológicas fundantes da teleologia que direcionou a redação do Código de Defesa do Consumidor, deram-se, como já referido, especificamente em 1990, razão, por si só, bastante em si, a justificar o exame das premissas que possibilitaram, naquele momento histórico, tamanha inversão dos princípios fulcrais que regiam todo o direito privado.

Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves[7] explica que na responsabilidade objetiva prescinde-se, totalmente, da prova da culpa. Ela é reconhecida, como mencionado, independentemente de culpa. Basta que haja relação de causalidade entre a ação e o dano.

Assim, tem-se que:

DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA ELETRÔNICO DE MEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS. MERCADO LIVRE. OMISSÃO INEXISTENTE. FRAUDE.

FALHA DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PRESTADOR DO SERVIÇO.

1. Tendo o acórdão recorrido analisado todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia não se configura violação ao art. 535, II do CPC.

2. O prestador de serviços responde objetivamente pela falha de segurança do serviço de intermediação de negócios e pagamentos oferecidos ao consumidor.

3. O descumprimento, pelo consumidor (pessoa física vendedora do produto), de providência não constante do contrato de adesão, mas mencionada no site, no sentido de conferir a autenticidade de mensagem supostamente gerada pelo sistema eletrônico antes do envio do produto ao comprador, não é suficiente para eximir o prestador do serviço de intermediação da responsabilidade pela segurança do serviço por ele implementado, sob pena de transferência ilegal de um ônus próprio da atividade empresarial explorada.

4. A estipulação pelo fornecedor de cláusula exoneratória ou atenuante de sua responsabilidade é vedada pelo art. 25 do Código de Defesa do Consumidor.

5. Recurso provido.” (REsp 1107024/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 14/12/2011)

Desse modo, o partir do paradigma traçado pelo Código de Defesa do consumidor, a responsabilidade civil do agente, titular do produto ou serviço disponibilizado no mercado de consumo, é objetiva.

3 OBRIGAÇÃO DE MEIO E RESULTADO

As obrigações de resultado são aquelas em que o profissional se obriga a alcançar um fim especifico, podendo responder por perdas e danos se o resultado não ocorrer e se verificado, por isso, a inadimplência do contrato.

Por seu turno, a obrigação de meio é aquela em que o profissional se obriga a prestar um serviço com atenção, cuidado e diligência, de acordo com sua qualificação e com os recursos que dispõe, sem, no entanto, garantir um resultado específico.

Desse modo, como explica Rizzatto Nunes[8]; de forma ordinária, a atividade dos profissionais liberais não é de fim, mas de meio; visto que tal profissional não assegura o fim de sua própria atividade. Ao revés, apesar de querer o fim proposto, não possui condições objetivas de assegurá-lo.

De outra parte, excepcionalmente, algumas atividades são de fim.

Assim, por exemplo, as atividades que pressupõem a capacitação profissional do prestador do serviço, e não se prestam a circunstâncias outras, poderão ser classificadas como atividades fim.

Tais situações, como referido, são apresentadas por Rizzatto Nunes[9] da seguinte forma:

“Assim, por exemplo, se um dentista examina a radiográfica que acaba de tirar da arcada dentária de seu cliente e diagnostica que o dente tem de ser extraído, por problema insolúvel lá existente, e resolve extraí-lo e, depois, verifica-se por exame correto feito por outro dentista que o dente não deveria ter sido extraído, trata-se de defeito das prestações do serviço, que é tipicamente de fim e não de meio. O serviço-fim foi o exame da radiográfica e a decisão de extração do dente. É muito diferente do dentista que corretamente diagnostica pelo exame da radiografia que tem de extrair o dente – atividade-fim – e, depois, o cliente acaba tendo complicações na gengiva no local do dente extraído (atividade-meio, cujo resultado não dava para assegurar).”

Portanto, de forma preliminar, conclui-se que os profissionais liberais responderão civilmente, tanto quando desempenharem atividade-meio como atividade-fim.

4 RESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

De acordo com o parágrafo único do art. 927 do Código Civil, tem-se que:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem haverá responsabilidade independentemente de culpa, ou seja, obedecendo a teoria do risco, o autor do dano será responsabilizado objetivamente.

É o que ocorre no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 12 e seguintes, em razão do principio da vulnerabilidade do consumidor, que possui presunção juris et de jure, ou seja, o mesmo que presunção absoluta.

Apesar disso, o art. 14, §4º do CDC, revela uma exceção à responsabilidade objetiva quando dispõe que o profissional liberal será responsabilizado mediante verificação de culpa lato sensu, ou seja, culpa stricto sensu e dolo.

Assim, tem-se que:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (…)

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

A razão para a diversidade de tratamento deriva da natureza intuitu personae dos serviços prestados por profissionais liberais. Assim sendo, somente serão responsabilizados por danos quando ficar demonstrada a ocorrência de culpa, em quaisquer de suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia.

Nesse sentido, Zelmo Denari[10] explica que:

O § 4º abre uma exceção ao princípio da objetivação da responsabilidade civil por danos.

Trata-se do fornecimento de serviços por profissionais liberais cuja responsabilidade será apurada mediante verificação de culpa.

Explica-se a diversidade de tratamento em razão da natureza intuitu personae dos serviços prestados por profissionais liberais. De fato, os médicos e advogados – para citarmos alguns dos mais conhecidos profissionais – são contratados ou constituídos com base na confiança que inspiram aos respectivos clientes.

Assim sendo, somente serão responsabilizados por danos quando ficar demonstrada a ocorrência de culpa subjetiva, em quaisquer de suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia.”

No entanto, há que se verificar se o enquadramento do serviço como obrigação de meio e não de resultado ou fim.

Ocorre que as obrigações contratuais dos profissionais liberais, no mais das vezes, são consideradas como "de meio", sendo suficiente que o profissional atue com a diligência e técnica necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado.

Contudo, há hipóteses em que o compromisso é com o "resultado", tornando-se necessário o alcance do objetivo almejado para que se possa considerar cumprido o contrato[11], são exemplos os procedimentos estéticos dos cirurgiões plásticos e alguns tratamentos odontológicos que, mesmo não visando somente o lado estético, podem ter seus resultados previstos.

Desse modo a responsabilidade subjetiva do profissional liberal tem presunção relativa, juris tantum, pois somente pode ser considerada dessa forma se tratado o serviço como obrigação de meio. Ao revés, se verificada a obrigação de resultado, passa-se a avaliar o caso de acordo com a responsabilidade objetiva.

Como exemplo, tem-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO ODONTOLÓGICO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. TRATAMENTO ORTODÔNTICO. EM REGRA, OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DE RESULTADO. REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE.

1. As obrigações contratuais dos profissionais liberais, no mais das vezes, são consideradas como "de meio", sendo suficiente que o profissional atue com a diligência e técnica necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado. Contudo, há hipóteses em que o compromisso é com o "resultado", tornando-se necessário o alcance do objetivo almejado para que se possa considerar cumprido o contrato.

2. Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos, os profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra, comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos aos tratamentos, de cunho estético e funcional, podem ser atingidos com previsibilidade.

3. O acórdão recorrido registra que, além de o tratamento não ter obtido os resultados esperados, "foi equivocado e causou danos à autora, tanto é que os dentes extraídos terão que ser recolocados".

Com efeito, em sendo obrigação "de resultado", tendo a autora demonstrado não ter sido atingida a meta avençada, há presunção de culpa do profissional, com a consequente inversão do ônus da prova, cabendo ao réu demonstrar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu em decorrência de culpa exclusiva da autora.

4. A par disso, as instâncias ordinárias salientam também que, mesmo que se tratasse de obrigação "de meio", o réu teria "faltado com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada", impondo igualmente a sua responsabilidade.

5. Recurso especial não provido.” (REsp 1238746/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 04/11/2011)

CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO PARTICULAR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. HOSPITAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

1. Os hospitais não respondem objetivamente pela prestação de serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem vínculo de emprego ou subordinação. Precedentes.

2. Embora o art. 14, § 4º, do CDC afaste a responsabilidade objetiva dos médicos, não se exclui, uma vez comprovada a culpa desse profissional e configurada uma cadeia de fornecimento do serviço, a solidariedade do hospital imposta pelo caput do art. 14 do CDC.

3. A cadeia de fornecimento de serviços se caracteriza por reunir inúmeros contratos numa relação de interdependência, como na hipótese dos autos, em que concorreram, para a realização adequada do serviço, o hospital, fornecendo centro cirúrgico, equipe técnica, medicamentos, hotelaria; e o médico, realizando o procedimento técnico principal, ambos auferindo lucros com o procedimento.

4. Há o dever de o hospital responder qualitativamente pelos profissionais que escolhe para atuar nas instalações por ele oferecidas.

5. O reconhecimento da responsabilidade solidária do hospital não transforma a obrigação de meio do médico, em obrigação de resultado, pois a responsabilidade do hospital somente se configura quando comprovada a culpa do médico, conforme a teoria de responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais abrigada pelo Código de Defesa do Consumidor.

6. Admite-se a denunciação da lide na hipótese de defeito na prestação de serviço. Precedentes.

7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1216424/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 19/08/2011)

Portanto, os profissionais liberais figuram como exceção à regra estabelecida no Código de Defesa do Consumidor, respondendo de forma subjetiva, pelo dano causado aos consumidores, com suas nuances próprias; diferentemente das demais espécies de fornecedores que figuram no âmbito daquele diploma normativo.

Entretanto, há que se frisar que tal ponderação não é absoluta na doutrina. Assim, por exemplo, Sergio Cavalieri Filho[12] preceitua que a responsabilidade do profissional liberal, no que tange as obrigações de resultado, não subverte a regra da responsabilidade subjetiva, estabelecido aos profissionais liberais, de modo geral. Aduz, ao revés, que nas obrigações de resultado, existirá uma presunção de culpa sobre o profissional liberal que realizou o serviço; utilizando-se da casuística inerente às cirurgias plásticas estéticas.

Nesse sentido, portanto, Sérgio Cavalieri Filho pondera que:

“E como se justifica essa obrigação de resultado do médico em face da responsabilidade subjetiva estabelecida no Código do Consumidor para os profissionais liberais? A indagação só cria embaraço para aqueles que entendem que a obrigação de resultado em alguns casos apenas inverte o ônus da prova quanto à culpa; a responsabilidade continua sendo subjetiva, mas com culpa presumida. O Código do Consumidor não criou para os profissionais liberais nenhum regime especial, privilegiado, limitando-se a afirmar que a apuração de sua responsabilidade continuaria a ser feita de acordo com o sistema tradicional, baseado na culpa. Logo, continuam a ser-lhes aplicáveis as regras de responsabilidade subjetiva com culpa provada nos casos em que assume obrigação de meio; e as regras de responsabilidade subjetiva com culpa presumida nos caso em que assumem obrigação de resultado.”

Assim, os profissionais liberais respondem subjetivamente pelos serviços inerentes ao seu ofício.

Inobstante, no caso das obrigações de resultado, os profissionais liberais responderão objetivamente, considerando sua responsabilização civil, de modo a se vincularem ao resultado prometido ao consumidor, quando da celebração do contrato.

Frisando, de outra ponta, o posicionamento doutrinário que insiste, nessa situação, na responsabilização subjetiva, propugnando pela inversão do ônus da prova; devendo, portanto, o profissional liberal ter a obrigação de gerar provas que o isente da culpa presumida.

CONCLUSÃO.

O profissional liberal, por prestar serviço de natureza técnico-científica e por estar sujeito a fiscalização de Conselhos Profissionais que estabelecem os procedimentos técnicos e éticos para o exercício da atividade, possui certa relativização no que tange a responsabilidade de reparação pelo defeito do serviço previsto no Código de Defesa do Consumidor.

Além disso, ao contrário do fornecedor de produto ou serviço comum, o profissional liberal é exercida de forma pessoal, com base, na grande maioria dos casos, em confiança recíproca.

Assim, considerando tais situações, o profissional liberal é excluído do sistema comum de responsabilidade que se baseia o Código de Defesa do Consumidor; de modo que deverá ser civilmente responsabilizado,  mediante a verificação de culpa.

Trata-se, porém, de presunção relativa, uma vez que ainda há que se avaliar se o serviço se encaixa no conceito de obrigação de meio ou resultado, pois se encaixando nesta ultima o profissional será responsabilizado objetivamente, na media em que se responsabiliza pelo resultado prometido.

Por tais razões, conclui-se que a submissão dos profissionais liberais prestadores de serviço a tal sistema de responsabilização civil, lastreado, como referido, na culpa, representa uma solução justa, adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, na medida em que oferece possibilidade de defesa ao profissional, não inviabilizando a atividade econômica, ante o caráter pessoal que emana de tal prestação de serviço, nas obrigações de meio; e, de outra ponta, vincula esse profissional às garantias de resultado oferecidas ao consumidor, quando da fase de celebração do contrato, nas obrigações de resultado.

 

Referências

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

FILOMENO, J.G.B. Manual de Direitos do Consumidor. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

GAGLIANO, P.S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo Curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

GRINOVER, A.P. et al. Código Brasileiro de defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

NUNES, Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008

 

Notas:


[1] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª ed. Malheiros Editores, p. 248.

[2] Reconhecida pelo Decreto nº 35.575, de 27 de maio de 1954.

[3] NUNES, Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 359.

[4]GAGLIANO, P.S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo Curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pag. 09.

[5] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas, p. 13.

[6] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 135.

[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, passim.

 

[8] NUNES, Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 353 e 354.

[9] NUNES, Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 354.

[10] GRINOVER, A.P. et al. Código Brasileiro de defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 205.

[11]  RECURSO ESPECIAL Nº 1.238.746 – MS (2010/0046894-5).

[12] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 381.


Informações Sobre os Autores

Alexandre Gazetta Simões

Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC). Direito Constitucional (UNISUL). Direito Constitucional (FAESO). Direito Civil e Processo Civil (FACULDADE MARECHAL RONDON). Direito Tributário (UNAMA). graduado em Direito (ITE-BAURU. Analista Judiciário Federal – TRF3. Professor de graduação de Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino. Membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré. – Ethos Jus. Co-autor da obra “Ativismo Judicial – Paradigmas Atuais” (2011) Letras Jurídicas. Co-Organizador da obra “Ensaios Sobre a História e a Teoria do Direito Social” (2012) Letras Jurídicas

Cassia Mariane dos Santos

Acadêmica de Direito pela Faculdade de Direito EDUVALE Avaré