As Decisões Judiciais Frente À Pandemia E A (In)capacidade Contributiva Tributária

Rafaella Cavalcanti Macedo, advogada, pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera – Uniderp, pós-graduanda em Direito Público pela Faculdade Legale. ([email protected]).

Resumo: O presente artigo é embasado por um estudo bibliográfico e jurisprudencial detalhado do princípio da capacidade contributiva e a sua aplicação no Direito Tributário. Nesse trabalho, observa-se que essa premissa que garante a isonomia tributária, respeitando assim a dignidade da pessoa humana. Além disso, há uma análise acerca dos efeitos da crise humanitária, social e econômica decorrente da pandemia do COVID-19 na arrecadação de tributos brasileiros. Destaca-se a necessidade de adoção de medidas pelos entes federados para amenizar a dificuldade econômica dos indivíduos e a baixa na arrecadação tributária. Evidenciam-se as decisões do Poder Judiciário quando questionado acerca da redução ou até mesmo da ausência da capacidade contributiva frente à pandemia do Coronavírus. Por fim, demonstram-se os fundamentos judiciais para a impossibilidade de suspensão dos tributos pelos juízes, por norma.

Palavras-chave: Princípio da capacidade contributiva. Direito Tributário. Pandemia do COVID-19. Decisões judiciais tributárias.

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Abstract: This article is based on a detailed bibliographical and jurisprudential study of the principle of contributive capacity and its application in Tax Law. In this work, it is observed that this premise ensures tax equality, thus according to the human dignity. In addition, there is an analysis of the effects of the humanitarian, social and economic crisis resulting from the COVID-19 pandemic on the revenue of Brazilian taxes. Stands out, the need for adoption of measures by federal entities to soothe the economic hardship of individuals and a decrease tax revenue. It highlights the judicial decisions when asked about the reduction or even the absence of contributive capacity in the face of the Coronavirus pandemic. Finally, it demonstrates the legal foundations for the impossibility of suspension of taxes by judges, as a matter of course.

Keywords: Contribution capacity principle. Tax law. COVID-19 pandemic. Tax court decisions.

 

Sumário: Introdução. 1. O princípio da capacidade contributiva. 1.1. Espécies da capacidade contributiva. 1.1.1. A capacidade contributiva objetiva. 1.1.2. A capacidade contributiva subjetiva. 1.2. Subprincípios da capacidade contributiva. 1.2.1. Progressividade. 1.2.2. Proporcionalidade. 1.2.3 Seletividade. 1.3. Consequências da incapacidade contributiva. 2. A pandemia e os efeitos na tributação. 2.1. Reflexos da pandemia no direito tributário brasileiro. 2.2. Medidas possíveis a ser adotadas no direito tributário. 2.2.1. Prorrogação do prazo do vencimento. 2.2.2. Moratória e Parcelamento. 2.2.3. Remissão. 2.2.4 Desburocratização das medidas administrativas. 3. As decisões judiciais tributárias frente à pandemia. Conclusão. Referências.

 

Introdução

            A pandemia causada pelo Coronavírus tornou-se um fato histórico mundial, porque trouxe um caos global, caracterizado, ao mesmo tempo, por uma crise sanitária, humanitária e socioeconômica. Por conta de medidas para proteger o Brasil, para tentar controlar a disseminação do COVID-19, muitos cidadãos e pessoas jurídicas acabaram enfrentando uma das maiores crises financeiras.

Como reflexo dessa crise econômica mundial, é possível perceber a queda na arrecadação dos encargos tributários brasileiros, afetando diretamente os cofres públicos estatais, dificultando a prestação de serviços essenciais.

Esse artigo visa demonstrar a importância da aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva na tributação em frente a pandemia do COVID-19, evitando assim o aumento da desigualdade social, além da análise do comportamento do Poder Judiciário quando questionados diretamente sobre isso.

O presente trabalho vai abordar de forma minuciosa sobre o princípio da capacidade contributiva, demonstrando também o quanto a arrecadação fiscal foi afetada no Brasil, devido à pandemia. Além disso, irá fazer uma análise das decisões quando o Poder Judiciário é abordado para decidir sobre a aplicação desse princípio diante da dificuldade em recolher os tributos brasileiros diante da pandemia.

 

  1. O princípio da capacidade contributiva

O princípio da capacidade contributiva é considerado um desdobramento do fundamento da isonomia tributária, porque garante que haja um tratamento igualitário para os contribuintes que possuam a mesma capacidade de dispor de seus recursos financeiros para arcar com os encargos fiscais e, ao mesmo tempo, que também haverá distinção para os contribuintes que possuam capacidade econômica diferentes.

Em outras palavras, esse fundamento tributário é o que vai garantir a máxima do princípio da isonomia do direito geral nesse ramo jurídico, ou seja, tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade no que se refere ao Direito Tributário, ou seja, é esse princípio que vai trazer a justiça da tributação.

            O jurista Cláudio Carneiro (2020, p. 467) inclusive afirma que

Vale ressaltar que a igualdade genérica já existia quando a igualdade tributária foi preconizada por Adam Smith, que a chamava de princípio da justiça tributária, exteriorizando que os súditos deveriam contribuir de forma proporcional às suas capacidades. Daí por que temos hoje uma íntima relação do princípio da capacidade contributiva como forma de prestigiar a isonomia tributária. Ocorre que no Brasil, com a teoria da personalização do imposto, essa igualdade deixou de ser simplesmente matemática, ou numérica, ou real, para ser uma igualdade pessoal, justificada pelas condições pessoais do contribuinte, daí as isenções de tributos reais (IPTU, IPVA, IPI etc.), que, repisa-se, levam em conta a pessoa do titular da coisa, daí termos uma igualdade econômica e uma igualdade jurídica”

Ademais, a capacidade contributiva está intimamente interligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois o contribuinte não deve ser tributado de modo que afete a sua subsistência mínima de forma digna. Em suma, a pessoa deve arcar com o custeio dos tributos, mas conforme sua capacidade econômica, de modo que não prejudique o cidadão, atingindo assim o seu mínimo existencial.

Destaca-se assim, que a dignidade do ser humano e a garantia do básico para a sua sobrevivência e de seus familiares, deve ser preponderante e superior ao poder de tributar do Estado.

Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva é possível ser visualizado na análise, tanto do indivíduo que não pode ser tributado, se for afetar o seu mínimo vital, quanto do cidadão detentor de riquezas econômicas, que não pode ser tributado de forma excessiva que torne confisco de seus bens, desestimulando assim os contribuintes à geração de riqueza.

Além do mais, a natureza jurídica desse princípio para alguns doutrinadores como Claudio Carneiro, Sacha Camon trata-se de uma limitação constitucional ao poder de tributar. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou-o como uma norma programática, ou seja, uma orientação a ser seguida pelo legislador infraconstitucional e que poderia ser retirada da constituição através de uma emenda constitucional. (CARNEIRO, 2020, p. 142).

Essa premissa tributária é considerada por muitos doutrinadores como um princípio de sobredireito ou metajurídico, isto é, tem o dever de conduzir todo o sistema tributário, mesmo que não fosse expresso na Carta Magna brasileira.

Contudo, a Constituição Federal de 1988 trata explicitamente do princípio da capacidade contributiva, no parágrafo primeiro do seu artigo 145: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

No campo doutrinário, esse termo “sempre que possível” é entendido por duas vertentes, na primeira – que será sempre possível fazer a análise da capacidade contributiva em qualquer tributo, e na outra é a interpretação literal do texto constitucional, em qual a capacidade contributiva deveria ser aplicada nos impostos pessoais, ou seja, haverá situações em que o Estado ficará impossibilitado de aplicar o princípio. Frisa-se, que essa expressão não torna a aplicação do princípio uma faculdade para o legislador ou intérprete da lei.

Note-se que o texto constitucional supracitado afirma que o princípio da capacidade contributiva é aplicado aos impostos, porque são neles que a sua aplicação será indiscutivelmente visualizada.

É importante ressaltar, que embora a legislação constitucional só se refira à espécie tributária dos impostos, já é um consenso para grande parte da doutrina que esse princípio é aplicável aos demais tributos, desde que respeitado as suas particularidades.

Do mesmo modo, é notória a sua aplicação no tocante aos empréstimos compulsórios; as contribuições, como, por exemplo, a contribuição social sobre o lucro, também pode ser aplicado às contribuições previdenciárias.

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Além disso, isso já foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário n. º 406.955/MG, no qual confirmou o entendimento que “todos os tributos submetem-se ao princípio da capacidade contributiva (precedentes), ao menos em relação a um de seus três aspectos (objetivo, subjetivo e proporcional), independentemente de classificação extraída de critérios puramente econômicos. ”

Contudo, ilustres doutrinadores como Leandro Paulsen e Hugo de Brito Machado afirmam que não seria possível a aplicabilidade desse princípio no que se refere a espécie tributária de taxas, por ser um tributo contraprestacional, ou seja, tem como fato gerador a prestação de uma atividade estatal, não sendo possível assim analisar a capacidade contributiva do tributado. Em frente a essa corrente, há ilustres tributaristas como Ricardo Lobo Torres que afirma que o princípio aqui discutido deve ser aplicado de forma negativa, em outras palavras, analisaria a incapacidade contributiva dos cidadãos.

Embora haja essa discussão doutrinária, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já possui julgamentos em sentido contrário, como, exemplificado, no Recurso Extraordinário nº 232.393/SP, em que foi discutido a possibilidade de considerar a área do imóvel do contribuinte ao calcular a taxa de coleta de lixo, e no Agravo Regimental no RE 176.382-5 CE, na discussão da Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários.

Nesses casos citados na jurisprudência, utiliza-se a premissa que para a base de cálculo do tributo existe alguma riqueza do contribuinte, por exemplo, quem possui um imóvel maior presume-se que produz mais lixo de quem tem um imóvel menor, justificando assim a utilização do valor venal da propriedade urbana para analisar a capacidade contributiva ao aplicar a taxa de coleta de lixo, assim como na taxa de fiscalização da CVM, em que tem como critério para base de cálculo o patrimônio líquido da empresa.

Por fim, o princípio da capacidade contributiva tenta amenizar as desigualdades sociais existentes e estimula o desenvolvimento social, pois o FISCO não irá cobrar ou amenizará a arrecadação tributária dos menos privilegiados economicamente, e recolherá mais dos contribuintes que possuem mais riquezas tributáveis.

 

1.1 Espécies da capacidade contributiva

1.1.1 A capacidade contributiva objetiva

A capacidade contributiva, por um lado haveria a capacidade objetiva ou absoluta que é observada pela simples análise do aspecto econômico, isto é, uma verificação de indícios de riqueza do contribuinte, descontando os gastos necessários para a geração daquele patrimônio ou renda. Sendo assim, o cidadão ao ser tributado, deveria ser analisado seu patrimônio líquido.

 

1.1.2 A capacidade contributiva subjetiva

Por outro lado, a capacidade subjetiva (relativa ou pessoal) vai analisar as características pessoas desse cidadão, vai considerar todos os seus gastos pessoais, como alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, ou seja, considerará a renda líquida do contribuinte, como, por exemplo, acontece no Imposto de Renda, em que se analisa a quantidade de dependentes, que se deduzem os gastos com plano de saúde e/ou despesas com educação.

Parte significativa da doutrina, defende que a Carta Magna, ao expressar o princípio da capacidade contributiva se refere a sua capacidade subjetiva, porque observa a capacidade econômica real do contribuinte, garantindo assim que ele é capaz de arcar com a carga tributária, sem renunciar ao que seria imprescindível para a sua sobrevivência e de sua família.

Há juristas que afirmam ser a aplicação da teoria da personalização ou personificação, em que o tributo necessita se ajustar as condições pessoais de cada contribuinte.

 

1.2 Subprincípios da capacidade contributiva

1.1.2 Progressividade

A progressividade fiscal é uma técnica na qual se utiliza as alíquotas progressivas para aplicar o princípio da capacidade contributiva, ou seja, as alíquotas irão variar segundo a capacidade econômica do contribuinte.  Nesse caso, pode-se visualizar que quanto mais o indivíduo ganhar, mais terá o ônus de pagar os tributos. Esse subprincípio pode ser aplicado tanto aos impostos pessoais, quanto aos reais.

Além disso, a progressividade pode ser considerada simples – quando há variação de alíquotas conforme o aumento da base de cálculo – ou gradual – que será visualizada quando há a aplicação de alíquotas maiores somente nos valores que ultrapassarem a parte da base de cálculo referente a alíquota mínima, havendo uma tabela progressiva, como, por exemplo, o que ocorre no Imposto sobre Renda. Dessa forma, por ser a progressividade gradual a mais eficiente para promover a justiça na tributação, ela é a adotada pelo direito brasileiro, via de regra.

Há um entendimento jurisprudencial no sentido que essa progressividade das alíquotas nos impostos reais somente pode ser aplicada com expressa previsão constitucional.

Desse modo, seriam progressivos apenas: a) o Imposto sobre a Renda, no artigo 153, §2º, I da Constituição Federal – no qual se tributa menos o contribuinte com menor capacidade econômica, assim como mais o contribuinte que tiver uma maior capacidade econômica; b) o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, no artigo 153, §4º, I da Constituição Federal – que desestimula propriedades improdutivas e c) Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano, no artigo 156, §1º, I e II da Constituição Federal – haverá alíquotas progressivas conforme o valor venal do imóvel, além de acordo com o binômio localização e uso do imóvel.

Salienta-se que o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 1.038. 357 em Agravo Regimental, entendeu que o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural também pode ter alíquotas progressivas em razão do tamanho da propriedade rural, desde que cumulado com a observação do grau de utilização da terra, estimulando assim a produtividade do imóvel rural.

Ademais, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano – o IPTU poderá ter as alíquotas diferenciadas em relação a sua localização, se é área residencial, comercial ou industrial e/ou a observância se é uma área nobre ou de risco, é aplicado o princípio da capacidade contributiva, ao subentender que quanto mais caro o imóvel, mais condições econômicas teria para ajudar a custear com o Fazenda Estatal. Vale frisar, que a quantidade de imóveis de propriedade do contribuinte não pode ser utilizada como medida para capacidade contributiva, conforme entendimento já sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme a súmula nº 589.

Embora não esteja expressa a progressividade do Imposto sobre Transmissão Causas Mortis e Doação, o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 562.045/RS admite a possibilidade de alíquotas progressivas nesse imposto:

“É possível aferir a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCMD, pois, tratando-se de imposto direto, a sua incidência poderia expressar, em diversas circunstâncias, progressividade ou regressividade direta. A progressividade de alíquotas do imposto em comento não teria como descambar para o confisco, porquanto haveria o controle do teto das alíquotas pelo Senado Federal (CF, art. 155, § 1º, IV). Diferentemente do que ocorreria com o IPTU, no âmbito do ITCMD não haveria a necessidade de emenda constitucional para que o imposto fosse progressivo. ”

O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores também não tem previsão expressa quanto às alíquotas progressivas, mas há uma discussão doutrinária que haveria uma progressividade de forma implícita ao afirmar que “poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização de veículo”, conforme o artigo 155, § 6º, II da Constituição Federal. Contudo, muitos doutrinadores consideram essa uma progressividade extrafiscal, com fins regulatórios e intervencionistas pelo Estado, diferentemente das alíquotas progressivas com finalidade meramente arrecadatória.

 

1.1.2 Proporcionalidade

Este subprincípio, ao contrário do da progressividade, não aparece de forma explícita no texto constitucional. Ele deve ser aplicado para que o ônus fiscal seja proporcionalmente a riqueza do contribuinte em cada circunstância analisada, assim, haverá a incidência de alíquotas fixas, mas considerará uma base de cálculo variável.

A aplicabilidade dele será vista nos impostos reais, aquele quais os fatos geradores são elementos econômicos do bem, não considerando as características pessoais do contribuinte.

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1.2.3 Seletividade

O subprincípio da seletividade será importante para a capacidade contributiva, porque haverá a aplicação de alíquotas considerando a essencialidade do produto, mercadoria ou serviço, ou seja, os bens mais supérfluos serão tributados com alíquotas maiores que os mais essenciais.

A seletividade pode ser notada de forma expressa no texto constitucional tanto no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS,  de forma facultativa, em fulcro ao artigo 155, §2º, III, da Carta Magna que “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”, quanto no Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, que será obrigatória, conforme o artigo 153, §3º, I, da Constituição Federal que afirma que “será seletivo, em função da essencialidade do produto”.

Alguns tributaristas afirmam que a seletividade também incidiria no IPVA, quando analisa o tipo e a utilização do veículo automotor, e no IPTU, quando haverá alíquotas diferenciadas conforme a localização e utilização do imóvel.

 

1.3 Consequências da incapacidade contributiva

Além do mais, os doutrinadores que defendem a análise da capacidade negativa ou incapacidade contributiva afirmam que deve se analisar sob a ótica de que o contribuinte é incapaz de arcar com aquela tributação sem afetar o suficiente para sua subsistência, por isso justificaria a imunidade ou isenção de algumas espécies tributárias, como se pode ver no caso da taxa e custas judiciárias para os comprovadamente pobres.

É possível visualizar também a aplicação negativa do princípio da capacidade contributiva em determinas situações, como no caso de redução ou até mesmo isenção da contribuição de melhoria em locais de residências humildes em que ao pagar esse tributo afetaria diretamente na sua sobrevivência, sendo necessário até vender a própria moradia para conseguir arcar com esse ônus fiscal.

Ademais, diante da ausência de capacidade econômica real, o texto constitucional afasta a tributação, caracterizando assim a imunidade, como, por exemplo, as taxas de serviços na obtenção de certidão de casamento e óbito para as pessoas reconhecidas pobres.

Existe também a possibilidade de isenção no caso de dispensa de pagamento de tributos por incapacidade contributiva, quando é previsto em legislação infraconstitucional, como no caso de isenção de taxa de inscrição de concurso público para desempregados.

 

  1. A pandemia e os efeitos na tributação

A pandemia do COVID-19 é uma crise sanitária, humanitária e social de dimensão global que atribuiu uma nova realidade mundial. Sendo assim, foi necessário que várias medidas fossem tomadas para tentar controlar a disseminação do Corona vírus, como o controle da liberdade de ir e vir; suspensão das atividades escolares; restrição de acesso aos parques, às praias e áreas públicas que poderia acarretar aglomeração, além do fechamento do comércio não essencial, shoppings, cinemas, feiras públicas.

Essas medidas adotadas afetaram a economia de forma direta, porque muitas empresas e trabalhadores autônomos precisaram parar de exercer suas atividades para evitar a propagação do vírus, seguindo as regras impostas pelos entes federados, ora Estado-membro, ora município. Como consequência, esses empresários tiveram o seu orçamento e lucros imediatamente atingidos, porque impossibilitou os ganhos obtidos por venda de mercadorias e prestações de serviços. Logo, sem obtenção monetária, eles ficam impossibilitados de arcar com suas responsabilidades financeiras contratuais, trabalhistas, inclusive, tributárias.

Essa instabilidade no setor empresarial afeta toda a sociedade, pois acarreta a falência de várias pessoas jurídicas que não mais conseguirão se manter, e, à vista disso, aumenta o número de desempregos, bens e serviços que deixarão de ser prestados, intensifica a desigualdade social e a diminuição no giro econômico. Diante desse cenário, os entes públicos são diretamente atingidos porque sem a geração de recursos financeiros, não haverá base de cálculos para que incida a tributação.

Além disso, O Tribunal de Contas da União divulgou relatório no TC nº 016.841/2020-4, que comprova justamente o quanto a economia e arrecadação tributária foram afetadas por conta da pandemia do COVID-19, porque o PIB brasileiro retrocedeu 4,1% em 2020, quando comparado com o ano de 2019, sendo a pior performance anual desde 1996, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E como consequência disso, pode-se observar que houve um déficit de R$ 743,1 bilhões em 2020, segundo dados divulgados pelo Tesouro Nacional, justificado pela expressiva queda na arrecadação, que teve uma frustração de R$ 125,96 bilhões de reais de recebimento tributários.

Em decorrência dessa pandemia enfrentada, o Brasil teve que acionar o sistema constitucional de crise e declarar o estado de calamidade pública por meio do decreto legislativo nº 06/2020, como mecanismo em prol da saúde pública. Por intermédio desse decreto, foi suspenso normas de licitação e metas fiscais.

Ademais, a arrecadação estatal não pode deixar de ocorrer visto que para o governo atuar é preciso da tributação, ou seja, não dá para acabar com a cobrança tributária, pois é dela que vem os recursos para cumprir as necessidades estatais, inclusive as ações afirmativas para o controle da pandemia e a prestação de serviço de saúde para os que precisam, além de os demais serviços estatais prestados.

Dessa forma, é necessário a adoção de respostas normativas estatais para resguardar as empresas, conservar o maior número de empregos possíveis e até mesmo preservar a capacidade contributiva dos indivíduos. Por isso, Arthur M. Ferreira Neto e Alexandre Ravanello afirmam que: “medidas urgentes estão sendo adotadas pelo Legislativo e pelo Executivo, de modo a dar algum alívio momentâneo para o empresariado. No entanto, tais
medidas foram estruturadas em termos gerais e abstratos ou para acudir prioritariamente esse ou aquele setor econômico, de modo que acabarão deixando de fora dessa rede de proteção inúmeros casos extremos de contribuintes que, dentro da já excepcional crise pandêmica que afeta a todos, estão sendo mais gravemente lesados. E, na casuística dessas situações, caberá ao Judiciário avaliar se esses contribuintes deverão ser abandonados à
própria sorte ou se deverão receber alguma proteção extraordinária que lhes permita sobreviver.” (2020, p. 536)

Por consequência, a crise provocada pela pandemia do Coronavírus reverbera no Direito Tributário, por isso, o Estado deve tomar atitudes para amenizar a crise e dificuldade no recolhimento tributário. Vale ressaltar, que essas medidas estatais relativizando o cumprimento das legislações tributárias aconteceu de maneira globalizada. Foram adotadas medidas imediatas normativas, como a prorrogação do prazo para pagamentos de tributos ou diferimento no cumprimento de obrigações acessórias; a propositura de criação de tributos excepcionais; a redução temporária, a isenção ou a alíquota zero de alguns tributos.

Ademais, De acordo com estudo realizado pelo Núcleo de Tributação do Centro de Regulação e Democracia do INSPER, que analisou as medidas tributárias adotadas por 43 (quarenta e três) países, dessas ações a mais adotada foi o diferimento do pagamento dos tributos, por ser considerada uma medida imediata, para tentar manter as empresas e, por consequente, a econômica funcionando; seguida pela diminuição da carga tributária e postergação das obrigações acessórias.

Além disso, a criação de tributos excepcionais é prevista constitucionalmente, de forma expressa, como pode ser observado na possibilidade de instituição de empréstimos compulsórios, conforme o artigo 148, I, da Carta Magna Brasileira, “Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; (…) Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.”.

Inclusive, há em trâmite um projeto de Lei Complementar nº 34/2020, que institui o Empréstimo Compulsório visando atender às despesas urgentes causadas pela situação de calamidade pública devido a pandemia do COVID-19.

Outrossim, o Estado Fazendário que depende da receita da tributação para prestação da atividade estatal, a falta de arrecadação decorrente da pandemia, provoca, por ventura, a necessidade de obter mais recursos. Alguns juristas afirmam, inclusive, que deveria ser criado o Imposto sobre Grandes Fortunas, a contribuição que incida sobre a movimentações na Bolsa de Valores, tributos sobre transação digital, já que com a pandemia haverá um agravamento da situação dos mais pobres, e os mais privilegiados financeiramente deveriam arcar com mais contribuições tributárias.

Já que é devidamente comprovado por “estudo desenvolvido por pesquisadores do Ipea e publicado pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (IPC-IG/PNUD) mostrou que o Brasil está no grupo de cinco nações em que a parcela mais rica da população recebe mais de 15% da renda nacional. O 1% mais rico do Brasil concentra entre 22% e 23% do total da renda do país, nível bem acima da média internacional”. (VITTORIA, Aline Della, 2020).

 

2.1 Reflexos da pandemia no direito tributário brasileiro

O reflexo disso, no direito tributário brasileiro, pode se observar no âmbito federal: na Medida Provisória nº 899/2020 – em que houve a suspensão do prazo para empresas recolherem o Simples Nacional para a União; a redução das contribuições do Sistema “S” de forma temporária, em fulcro a Medida Provisória nº 932/2020; a suspensão do prazo para as empresas pagarem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; através da Lei 173/2020 suspendeu o pagamento das dívidas previdências com o Regime Geral da Previdência Social e da contribuição patronal dos Regimes Próprios de Previdência.

Também houve a redução a zero de alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto sobre a Importação de Produtos estrangeiros e tarifas de importações de bens e produtos de uso médico-hospitalar e farmacêuticos utilizados diretamente para o combate do Coronavírus; isenções do Imposto sobre Operações Financeiras nas operações de crédito da conta COVID; prorrogação do prazo para a entrega da declaração do Imposto sobre a Renda.

Além disso, modificaram o atendimento na Receita Federal, houve a suspensão dos seus processos, além dos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, o prazo da validade de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa de débitos foram prorrogados por 90 (noventa) dias, dentre outras medidas.

 

2.2. Medidas possíveis a ser adotadas no direito tributário

2.2.1. Prorrogação do prazo de vencimento

            O diferimento do prazo do vencimento dos tributos foi a medida mais adotada pelos entes tributantes, tanto em âmbito mundial, quanto nacional para tentar amenizar a situação deixada pela crise econômica-tributária decorrente da pandemia do covid-19.

Ademais, consistirá na prorrogação, de forma administrativa, do prazo do vencimento para quitar com o tributo, sem adicional de juros. Essa alteração do prazo pode ser realizada por meio de decretos ou normas complementares, conforme decisão de Recurso Extraordinário nº140.669/PE pelo Supremo Tribunal Federal: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPI. ART. 66 DA LEI Nº 7.450/85, QUE AUTORIZOU O MINISTRO DA FAZENDA A FIXAR PRAZO DE RECOLHIMENTO DO IPI, E PORTARIA Nº 266/88/MF, PELA QUAL DITO PRAZO FOI FIXADO PELA MENCIONADA AUTORIDADE. ACÓRDÃO QUE TEVE OS REFERIDOS ATOS POR INCONSTITUCIONAIS. Elemento do tributo em apreço que, conquanto não submetido pela Constituição ao princípio da reserva legal, fora legalizado pela Lei nº 4.502/64 e assim permaneceu até a edição da Lei nº 7.450/85, que, no art. 66, o deslegalizou, permitindo que sua fixação ou alteração se processasse por meio da legislação tributária (CTN, art. 160), expressão que compreende não apenas as leis, mas também os decretos e as normas complementares (CTN, art. 96). Orientação contrariada pelo acórdão recorrido. Recurso conhecido e provido.”

Por causa disso, torna-se a medida mais adotada, porque dependeria apenas do próprio Poder Executivo, sendo a mais célere ação para amenizar a crise econômica. Nesse caso, não haverá renúncia, nem diminuição da arrecadação tributárias, apenas a sua postergação.

 

2.2.2. Moratória e parcelamento

            Tanto a moratória, quanto o parcelamento são hipóteses de suspensão de exigibilidade do crédito tributário. Esses dois institutos estão previstos no Código Tributário Nacional. Na moratória, haverá a dilação do prazo para a quitação do tributo vencido e depende de lei autorizativa, que bastará para a moratória geral, pois será ela que determinará as condições para os contribuintes se beneficiarem. Contudo, quando se tratar de moratória individual, haverá além da lei, a atuação administrativa por despacho administrativo para obter a concessão do benefício.

Já o parcelamento, incide no requerimento a Fazenda Estatal que autorize para que o pagamento seja realizado em parcelas após o vencimento dos créditos tributários. Essa prorrogação deverá ser concedida por lei autorizativa, na forma e nas condições que ela determinar, se diferenciando da moratória porque nesse caso incidirá juros e multas.

Os dois institutos “são meios reconhecidos de atuação diante situações de crise política e econômica de extrema gravidade, porque reconhecem a dificuldade para o pagamento (LIBERTUCI, 2012, p.359; BALEEIRO, 2013, p.1256).

Como consequência, durante a existência da causa suspensiva, o prazo prescricional para cobrança do tributo deixa de correr, restando obstada a inscrição em dívida ativa ou qualquer outra medida do credor para postular o recebimento do tributo devido (TOMÉ, 2010, p.15). Nas hipóteses de suspensão ou extinção de exigibilidade do crédito tributário, de acordo com a previsão do artigo 97, inciso VI, do CTN, também é necessária a observância do princípio da legalidade (art. 5º, II, CF; art. 150, I e III, CTN). No caso do parcelamento lato sensu e da moratória, segundo artigo 155-A do mesmo Código, deverão ser vinculadas mediante Lei ordinária.” (TEODOROVICZ; BORGES; STEMBERG, 2020)

 

2.2.3. Remissão

A remissão é uma forma de extinção do crédito tributário, em que há o perdão do débito tributário e pode ser adotado, de forma excepcional e mediante uma lei que autorize, para aqueles contribuintes que estão em uma conjuntura financeira extremamente delicada. A propósito, não se confunde com o instituto da anistia, que consiste na extinção da penalidade por infração tributária.

Essa possibilidade tem previsão expressa no artigo 172, inciso I do Código Tributário Nacional:  “A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: I – à situação econômica do sujeito passivo. ”

Salienta-se que a remissão só pode ser concedida por meio de uma lei autorizativa, pelo próprio ente federativo que tem a competência de criar o tributo, pois implica em renúncia de receita tributária.

Vale ressaltar, que no planejamento do governo federal ainda não há a possibilidade de remissão em tributos da União por conta da pandemia do Coronavírus.

 

2.2.4. Desburocratização de medidas administrativas

Essas medidas não terão impactos na arrecadação tributárias, mas haverá redução de gastos de recursos públicos e facilitam os processos tributários administrativos. São exemplos: o atendimento ao cidadão através do Telegram para resolver serviços do CPF – Cadastro de Pessoas Físicas; a prorrogação da validade das certidões negativas de débitos e das certidões positivas com efeitos de negativas; a facilitação no fornecimento de informações para fins de obtenção de créditos por empresas de pequeno porte e microempresas, dentre outras.

Uma medida que pode ser adotada de forma permanente que caracteriza a desburocratização de medidas administrativas, é a possibilidade do julgamento virtual pelo CARF, porque economiza tempo, além de poupar os cofres públicos nessa modalidade da atividade administrativa.

 

  1. As decisões judiciais tributárias frente à pandemia

O princípio constitucional da capacidade contributiva deve ser examinado no momento da elaboração das leis tributárias, para que o mesmo seja previsto tanto no sentido positivo, quanto no sentido negativo. Por conta disso, o Poder Judiciário deverá analisar a aplicação desse princípio com dois enfoques: a) se a lei fiscal criada, em sentido abstrato, respeita à capacidade contributiva, ou seja, se é uma lei constitucional ou se houve omissão legislativa, que acarretaria a inconstitucionalidade do diploma normativo e b) a sua observância no caso concreto, isto é, ao aplicar determina lei ao contribuinte, houve o respeito ou não a sua capacidade econômica real de arcar para angariar recursos estatais.

Não há dúvidas que, o Poder Judiciário poderia aferir se houve ou não o respeito ao princípio ao analisar a situação concreta. Entretanto, não cabe aos julgadores substituir o Poder Legislativo e determinar valores a serem pagos a título de arrecadação, sob pena de estar ferindo a função típica dos legisladores.

Com a crise pandêmica existente no mundo e os decretos governamentais restringindo as atividades econômicas, a justiça brasileira tem recebido inúmeros processos judiciais que busca resguardar os cidadãos que tiveram sua capacidade contributiva brutalmente atingida. Essas ações geram em torno de pedidos de prorrogação de prazo para pagamento dos tributos, além da suspensão da obrigação tributária, por conta de dificuldade de arcar com o ônus tributário, devida ao colapso econômico gerado pelo COVID-19.

Diante desse cenário inesperado e incomum, as ações tributárias surgiram baseadas em alguns fundamentos: 1- o estado de calamidade pública que o Brasil vive, caracteriza um caso fortuito ou força maior; 2- a impossibilidade da atuação das atividades econômicas não essenciais, frente aos decretos proibitivos em prol da saúde pública; 3- a suspensão ou prorrogação dos tributos vencidos, em prol de arcar primeiro com as responsabilidades contratuais e trabalhistas, visto a drástica redução econômica, e assim,  evitar um mais demissões nas empresas.

Algumas decisões com esses embasamentos foram consideradas favoráveis como, por exemplo, nos Agravos de Instrumento nº 2062467-83.2020.8.26.0000, nº 2087677-39.2020.8.26.0000 e nº 2087517-14.2020.8.26.0000, ambos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Agravo de Instrumento nº 0803581-39.2020.8.10.0000 do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

Entretanto, essas decisões foram suspensas pelo Supremo Tribunal Federal, conforme pode ser observado nas Suspensão de Segurança nº 5363; Suspensão de Segurança nº 5373; Suspensão de Segurança nº 5374; Suspensão de Segurança nº 53775; Suspensão De Tutela Provisória nº 185; Suspensão De Tutela Provisória nº 193 e Suspensão De Tutela Provisória nº 439, e nem foram providos o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1308419 e o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1307729.

Além disso, tem sido orientado pelos tribunais a decidirem pelo o indeferimento do pedido de suspensão dos tributos, fundamentadas pela possibilidade de causar inseguranças jurídicas e afronta ao princípio da isonomia, pois haveria tratamento diferenciados a contribuintes com mesma capacidade contributiva. Do mesmo modo, haverá ofensa ao princípio da legalidade tributária, porque para a concessão de moratória e/ou parcelamento das espécies tributárias é necessária a criação de uma legislação ordinária autorizativa, que é de competência do Poder Legislativo.

Ademais, o Poder Judiciário ao decidir a favor do contribuinte, nessas situações, afrontaria ao princípio da separação dos poderes e estaria invadido as funções típicas do Poder Legislativo – porque o juiz não poderia atuar como um legislador positivo, editado atos normativos em suas decisões, e as funções substanciais do Poder Executivo – ou seja, não poderia substituir os critérios de conveniência e oportunidades da Administração Pública e nem reduzir alíquotas de certas espécies tributárias por meio do decreto.

Outro problema devastador é o efeito multiplicador das decisões judiciais, porque uma decisão favorável ao contribuinte refletiria no ingresso de inúmeros processos solicitando a suspensão de pagamento de tributo. Isso afetaria extremamente o orçamento público, afinal são os valores arrecadados pelos tributos que torna possível a atividade estatal, já que é uma das principais fontes da receita pública.

Evidencia-se que o Brasil já sobrevive a uma verdadeira crise econômica e uma significativa baixa arrecadatória devido ao caos pandêmico, como observado no Relatório Elaborado pelo Tribunal de Contas da União, anteriormente citado. Nesse momento, o país já possui uma grande dificuldade para manter as atividades estatais necessárias, por falta de recursos suficientes, além das despesas urgentes que surgiram para tentar controlar a disseminação do Coronavírus.

Dessa forma, devida a importância da decisão monocrática do Ministro Dias Toffoli na Suspensão de Tutela Provisória nº 439, que é como o Supremo Federal Tribunal vem, reiteradamente, decidindo nos casos envolvendo a pandemia do Coronavírus e a possibilidade de suspensão do crédito tributário, recorre-se citar trecho desse julgamento:

“Não se ignora que a situação de pandemia, ora vivenciada, impôs drásticas alterações na rotina de todos, atingindo a normalidade do funcionamento de muitas empresas e do próprio Estado, em suas diversas áreas de atuação.

Mas, exatamente em função da gravidade da situação, exige-se a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, não se podendo privilegiar determinado segmento da atividade econômica, em detrimento de outro, ou mesmo do próprio Estado, a quem incumbe, precipuamente, combater os nefastos efeitos decorrentes dessa pandemia.

Assim, não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado, neste momento.

Apenas eventuais ilegalidades ou violações à ordem constitucional vigente devem merecer sanção judicial, para a necessária correção de rumos, mas jamais – repita-se – promover-se a mudança das políticas adotadas, por ordem de quem não foi eleito para tanto e não integra o Poder Executivo, responsável pelo planejamento e execução dessas medidas.

Não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir o critério de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da Administração Pública, notadamente em tempos de calamidade como o presente, porque ao Poder Judiciário não é dado dispor sobre os fundamentos técnicos que levam à tomada de uma decisão administrativa.

Ademais, a subversão, como aqui se deu, da ordem administrativa vigente no município de Ribeirão Preto (SP), em matéria tributária, não pode ser feita de forma isolada, sem análise de suas consequências para o orçamento municipal como um todo, que está sendo chamado a fazer frente a despesas imprevistas e que certamente têm demandado esforço criativo, para a manutenção das despesas correntes básicas daquele município.

Além disso, a concessão dessa benesse de ordem fiscal a uma empresa denota quadro passível de repetir-se em inúmeros processos, pois todos os demais contribuintes daquele tributo poderão vir a querer desfrutar de benesse semelhante.”

Sendo assim, não cabe o Poder Judiciário atuar em relações tributárias no que se refere a suspensão do pagamento de tributos, pois vai além da sua função típica, como supracitado.

Contudo, será possível a intervenção judicial – de maneira, excepcional – para respeitar o mínimo existencial do indivíduo e a aplicação do princípio da capacidade contributiva e, consequentemente, o respeito à dignidade da pessoa humana, quando os demais Poderes forem omissos, impedindo o contribuinte de gozar plenamente de seus direitos constitucionais tributários.

Em síntese, o Poder Judiciário atuará diante da falta de sensatez e cobrança excessiva ultrapassando os limites da normalidade diante de uma crise humanitária, social e econômica, desde que haja supressão de atitudes do Chefe do Executivo e do Poder Legislativo.

 

Considerações finais

            A pandemia do Coronavírus é um fato histórico, inesperado que atingiu o Brasil em março de 2020. Com isso, afetou a saúde pública brasileira, trazendo à tona uma verdadeira crise social, humanitária e econômica. Infelizmente, a crise financeira e econômica foi agravada pela necessidade de fechamento de locais com possibilidade de aglomeração, como praias, parques, e empresas que vendam mercadorias ou prestem serviços não essenciais.

Esses indivíduos impossibilitados de gerar rendas, seja como autônomos, seja como empresas, acabam por ter dificuldades financeiras para arcar com as despesas contratuais, trabalhistas e tributárias. Ademais, alguns cidadãos passam por situação de extrema pobreza, ora por perderem seus empregos, ora por sua forma de obtenção de renda estar dentre as proibidas para tentar controlar a propagação do Coronavirus.

Além do mais, a arrecadação tributária é a principal fonte de recolhimento de recursos públicos, do qual custeia os serviços públicos essenciais. E o recolhimento dos tributos pela Fazenda Fiscal sofreu um grande impacto na pandemia, porque o pagamento das diversas espécies tributárias foi deixado em segundo plano, por necessidade de manter o básico vital.

Com a pandemia, houve vários gastos urgentes inesperados como medidas de controle para evitar a proliferação do COVID-19, além de aquisições de testes, do aparelhamento e da construção de hospitais de campanha, para tentar amenizar e salvar o maior número de vidas. Houve também uma drástica redução no volume arrecadatório, pela falta de pagamento pelos contribuintes e até mesmo pelas medidas adotadas pelos entes federados, como isenção, alíquotas zeros em alguns determinados produtos utilizados para o controle da pandemia, para tentar amenizar os custos com a pandemia.

Com isso, os contribuintes, por estar diante de um cenário fora da normalidade, começaram a buscar o Poder Judiciário, alegando não haver capacidade contributiva no momento, solicitado suspensão do crédito tributário por meio de moratória ou parcelamento.

Os juízes e tribunais passaram a decidir que eles não podem fazer vez do Poder Legislativo e criar decisões que são verdadeiras legislações normativas, pois afrontaria os princípios da legalidade tributária, da separação dos poderes, além da isonomia tributária, porque acabaria tratando pessoas com a mesma capacidade contributiva de maneiras diversas.

Por fim, o Poder Judiciário só poderá decidir acerca das relações jurídicas tributárias, quando algum ente cobrar tributos de forma abusiva, ferindo assim a dignidade da pessoa humana, afetando o básico vital.

Vale ressaltar, que a capacidade tributária é considerada uma limitação constitucional ao poder de tributar. Será por meio desse princípio, que haverá a aplicabilidade da isonomia tributária, pois quem possui mais riquezas deverá arcar com mais ônus fiscal. Deve-se analisar esse fundamento por meio da capacidade contributiva real, em que considera as riquezas pessoais do indivíduo, descontadas as despesas necessárias suas e de sua família, para que assim, haja justiça tributária na arrecadação fiscal.

 

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