Resumo: O presente artigo tem por desiderato mostrar a evolução dos direitos fundamentais em consonância com a evolução do Estado, enfocando o princípio democrático. O Estado evoluiu no que tange ao período do Absolutismo, de um Estado meramente garantidor da segurança individual, para um Estado promovedor dos direitos e garantias fundamentais. Nesse contexto, a participação democrática tem um papel essencial, tendo em vista que a participação democrática popular, que é um autêntico direito fundamental de quarta dimensão, tem uma importância essencial para que sejam efetivadas as políticas públicas que promovam a efetivação dos direitos fundamentais por parte da Administração Pública. Isso porque, a democracia é um conceito que está em constante evolução. Hodiernamente se pode afirmar que o Estado brasileiro se constitui em um hibridismo, consubstanciado no Estado Regulador.
Palavras-Chave: Direitos fundamentais. Princípio democrático. Administração Pública.
Abstract. This article is desideratum show the evolution of fundamental rights line with the evolution of the State, focusing on the democratic principle. The State has evolved respect to the period of absolutism, the State merely a guarantor of security for individuals, a promoter of State rights and guarantees. In this context, democratic participation has an essential role in view of the popular democratic participation, which is a true fundamental right of the fourth dimension, is of essential importance for that to be effective public policies that promote the enforcement of fundamental rights by Public Administration. This because is a concept that is constantly evolving. In our times we can say that the Brazilian State constitutes a hybrid, embodied in the State Regulator.
Keywords: Fundamental Rights. Democratic principle. Public Administration.
Sumário: Introdução. 1. Do estado policial de Wolf ao estado liberal. 2. Os direitos fundamentais do século XIX e a Idade Contemporânea sob uma perspectiva democrática. 2.1. O neoconstitucionalismo e a elevação jurídica do princípio democrático 3. O estado regulador. Conclusão. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
O presente estudo teve por escopo demonstrar a evolução dos direitos humanos em consonância com a evolução histórico-administrativa do Estado, a partir da análise da concepção de direitos fundamentais, que aqui preferimos denominar de dimensões de direitos fundamentais.
O Direito Administrativo como autônomo surgiu conjuntamente com o Direito Constitucional e teve as suas raízes fincadas já na fase denominada de Estado Moderno, que remonta o século XVIII. Aqui se destacou a ideia de legalidade, com o desiderato de demonstrar que até o monarca deveria se submeter à lei e também a concepção de separação de poderes, que teve Montesquieu como seu grande teorizador.
No entanto, essa ideia de legalidade, tal qual preconizada no contexto do Estado Moderno se encontra já superada. Não se pretende, contudo afirmar que não seja importante a obediência ás leis. Todavia, não é esse o princípio basilar na contemporaneidade, mas sim o princípio da juridicidade. E esse princípio é corolário do chamado fenômeno da jurisdicionalização dos princípios, reflexo do neoconstitucionalismo.
O Estado evoluiu, nessa monta, de um Estado meramente absenteísta, concepção do Estado Liberal, para a de um Estado promovedor de direitos e garantias fundamentais. Também a Administração Pública passou de uma teoria da irresponsabilidade para uma teoria da responsabilidade objetiva como regra. Também de um Estado de culto à lei, para um Estado de culto à Constituição.
Todavia, hodiernamente o Estado evoluiu de um Estado provedor para um Estado denominado Regulador, na medida em que vem ocorrendo um processo denominado de desestatização, que alguns denominam de privatização. Preferimos apenas a primeira denominação, tendo em vista que a privatização seria apenas uma forma de desestatizar, mas não a única, diante do fato de que também existem a concessão, a permissão e a terceirização.
1 DO ESTADO POLICIAL DE WOLF AO ESTADO LIBERAL
Christian Wolf foi o elaborador da corrente jurídica denominada de racionalismo dogmático, que foi adotada pela filosofia do absolutismo iluminista, que colocou o Estado acima do direito, o que acabava por justificar os laços de autoridade e consolidação do poder.[1]
Nessa concepção de Estado, o Estado detinha um aspecto de proteção de tutela de direitos e interesses individuais. Ou seja, no Estado policial não se tinha uma visão de coletivo, mas de mero garantidor dos direitos individuais, nem que para isso fosse sacrificada a liberdade dos indivíduos. Nesse comento, o absolutismo era justificado porque agia em nome do indivíduo, tendo por fim três elementos considerados fundamentais: suficiência de vida, tranqüilidade e segurança. A célebre frase bem resume em que consistia o Estado Policial de Wolf: “tudo pelo povo, nada, porém, pelo povo.[2]
O valor liberdade, que representa os direitos fundamentais de primeira dimensão, que são a expressão dos direitos de liberdade eram sacrificados em prol desses elementos. Dessa afirmação, se pode afirmar que no âmbito do Estado policial de Wolf não se tinha uma visão de promoção dos direitos fundamentais. Portanto, era a liberdade colocada em segundo plano.
No que tange ao conteúdo do Direito Administrativo no Estado de Polícia, este era bastante restrito, tendo em vista que a intervenção do Estado na atividade privada era mínima, tendo em vista que a atuação se resumia em garantir a ordem pública. Era esse portanto o quadro do Estado Policial do século XVIII.
Enquanto o Estado Policial era um “solapador das liberdades humanas” no entendimento do professor Paulo Bonavides[3], o Estado Liberal é considerado o apogeu do individualismo, elevando de sobremaneira a liberdade do indivíduo.
A característica marcante do Estado Liberal de direito era o exagerado apego á lei, em que havia um verdadeiro culto á disposição literal da lei. Nesse comento, no Estado Liberal não se admitia a utilização de outra forma de interpretação que não fosse à gramatical, pois isto significaria ser avesso à própria democracia. Isto é justificado pelo fato de que a vontade da lei era expressão da vontade geral, conforme já preconizava Rousseau: [4]
Portanto, sob esse aspecto, o exercício da autoridade amparado na lei pelo fato de veicular a vontade geral, e, portanto ser expressão da maioria estaria legitimado para ser exercido.
No tocante ao exercício da liberdade, importante frisar o pensamento de Montesquieu, que defendia que somente existiria liberdade se houvesse uma separação de poderes em: legislativo, executivo e judiciário. Isto devido o fato de que o possuidor de grande poder dele tenderia a abusar, o que seria diametralmente incompatível com a ideia de liberdade preconizada no liberalismo. Sob esse aspecto, esclarece Ernesto Benda:
“Las condiciones precisadas en el art. 20.3 responden a la concepción clásica de estado de Derecho: ante todo el principio de legalidad (reserva y primacía de la ley) y la independencia de los jueces. Las características formales son esencialmente la división de poderes, la independencia de la jurisdicción, la legalidad de la administración, la pela tutela judicial frente a cualquier intervención administrativa y la expectativa de indemnización en supuestos de intervención en el patrimonio privado, Todas ellas son, sin duda decisiones fundamentales. La memoria de las largas luchas por un así concebido Estado de Derecho, que sólo al paso del tiempo pude dejar atrás al autoritario Estado-policía, pero también la contemplación de otros países carentes de tales garantías, nos prohíbe subestimar un tal concepto formal de derecho.”[5]
Lógico que a separação de poderes, tal qual preconizada por Montesquieu, não é possível vislumbrar-se hodiernamente. Isto devido o fato de que não existe uma separação absoluta de poderes, mas sim uma preponderância de funções, que no caso Poder Executivo é administrar, a do Legislativo de elaborar leis e a do Judiciário a de dizer o direito através da função jurisdicional.
2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO SÉCULO XIX E A IDADE CONTEMPORÂNEA SOB UMA PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA
Inaugurando a Idade Contemporânea, a Revolução Francesa trouxe a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, marco histórico do constitucionalismo moderno. Com a Revolução Francesa, adveio um direito que se tornou a base fundamental do Direito Constitucional moderno, qual seja: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Flávia Piovesan, analisando esse importante documento, apurou que: a) a incorporação das previsões da Declaração atinentes aos direitos humanos pelas Constituições nacionais; b) as freqüentes referências feitas por resoluções das Nações Unidas à obrigação legal de todos os Estados em observar a Declaração Universal e c) decisões proferidas pelas Cortes nacionais que se referem à Declaração Universal como fonte de direito.[6]
Nesse período, há a formação do Estado liberal, sendo atribuído a esse Estado vários nomes como: Estado do século XIX, Estado burguês, Estado nacional burguês, Estado neutro, dentre outros de mesma natureza. Aqui se vislumbra uma liberdade em excesso, mas uma falta de atuação efetiva do Estado, no sentido de garantir a promoção dos direitos fundamentais.
Os direitos de primeira dimensão foram inspirados nas doutrinas iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, que englobam os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade formal (perante a lei), as liberdades de expressão coletiva, os direitos de participação política e, ainda, algumas garantias processuais.
São, portanto, direitos relacionados à questão do próprio indivíduo como tal (direitos à liberdade e à vida), ou seja, direitos que limitam a ação do Estado, conseqüência direta da luta antiabsolutista e do projeto burguês, que tendem a evitar a intervenção do Estado na liberdade individual, caracterizando uma atitude negativa por parte dos poderes públicos.
Podem ser classificados como Direitos Civis e Políticos, também chamados de Direitos de Liberdade, sendo estes os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional e que, em enorme parte, correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.
Portanto, é nessa época que o Estado do século XIX apresenta-se do ponto de vista interno como um Estado soberano, onde há presente todas as faculdades e prerrogativas de domínio, não sendo exercida mais pelo monarca, mas pela vontade do povo e da nação. Aqui, o poder pessoal é substituído pelo poder estatal. Nesse sentido, escreve Odete Medauá:
“O Estado do século XIX agrupa indivíduos autônomos, independentes, livres, dotados de igualdade política e jurídica. Como oposição do Estado absoluto, consagram-se as liberdades e direitos dos indivíduos; estes, de súditos, deveriam ascender ao grau de cidadão . Daí, os valores desse Estado: garantia da liberdade, da convivência pacífica, da segurança, da propriedade: o Estado é instrumento de garantia dos direitos individuais, disso decorrendo sua utilidade e necessidade.(…) Para melhor certeza e segurança dos indivíduos, os direitos na esfera privada e na esfera pública adquirem consagração constitucional; adota-se sistema jurídico unificado e certo, também mediante elaboração de códigos.”[7]
A relação entre a Administração Pública e o cidadão é quase sempre explicada sob um enfoque de hierarquia daquela sobre este nos manuais de Direito Administrativo, devido ao freqüente uso do termo “administrado” quando se refere ao particular. Esse fato acaba por distorcer em certas situações a supremacia do interesse público sobre o particular, eis que este muitas vezes é invocado não para o interessa da coletividade, mas sim para assegurar os interesses dos detentores de poder.
Com isso, a importação dos institutos de Direito Administrativo, com seu viés autoritário, intensificou essa relação de subordinação entre sociedade e Estado. A figura da “autoridade pública” nas entrelinhas da legislação administrativa, ganha estatura ainda maior.
A ascendência do Chefe do Executivo, imantado por um personalismo e privatismo próprios de nossa tradição, se impôs com mais vigor. A população, enquanto tal, não poderia interferir na gestão pública da coisa pública. Nem se poderia falar de uma sociedade civil organizada, dado o grande vazio social causado pelo latifúndio ao longo das décadas, mesmo após a independência. Os indivíduos hábeis a compor e articular um grupo social organizado eram cooptados pelos estamentos burocráticos sem necessitar sequer, até alguns anos, de concurso público objetivo, fortalecendo os laços de compadrio e reverência hierárquica interna.
A corriqueira participação direta das forças armadas, berço da estrutura hierarquizada indiferente à dimensão de legitimidade, nos escalões mais elevados do Executivo, também contribuiu para a manutenção da relação de autoridade.
Nesse contexto, o princípio democrático, quando muito, era tomado como norma programática de uma constituição encarada numa perspectiva formalista, de documento político voltado ao parlamento que, só então, iria criar o disciplinamento verdadeiramente político. Antônio Carlos Wolkmer resume esse quadro brasileiro de maneira feliz:
“O processo histórico nacional evidencia que as instâncias do Direito Público jamais foram resultantes de uma sociedade democrática e de uma cidadania participativa, pois a evolução destas foi fragmentária, ambígua e individualista, além de permanecerem sujeitas a constantes rupturas, escamoteamentos e desvios funcionais.”[8]
A democracia na Administração Pública se resume, quando muito, à investidura do Chefe do Executivo e à dimensão de legalidade da forma positivista acima exposta, garantida por um Direito Administrativo que se preocupava em esquadrinhar a conduta dos agentes públicos em procedimentos burocratizados e auto-referentes.
Com efeito, as primeiras obras de Direito Administrativos surgiram condicionadas pelo âmbito social brasileiro do final do século XIX e início do século XX mediante a importação do ideário francês, numa conjugação de toda prejudicial.
Foi preciso uma mudança não só da sociedade, mas também do constitucionalismo para formação de cabedal teórico suficiente para o rompimento com esse quadro autoritário e formalista, que passa, então, a exigir mudança dos institutos de direito administrativo e, como decorrência, da Administração Pública.
2.1 O neoconstitucionalismo e a elevação jurídica do princípio democrático
O paradigma que indicava a constituição como um documento mais público do que jurídico e, portanto, sem vinculação direta nem força normativa autônoma, só veio a ser superado na segunda metade do século XX. Também se superou, nesse período, sua função de contenção formal à democracia, passando, ao invés, a ser instrumento jurídico para a ampla irradiação desse princípio. Esse novo constitucionalismo, apto a reposicionar o princípio democrático em nossa ordem jurídica, possui marcos históricos, filosóficos e teóricos.
Como marcos históricos, Luiz Roberto Barroso [9] aponta as constituições alemã, italiana, espanhola e portuguesa do segundo pós-guerra, bem como a criação dos tribunais constitucionais nesses países, cujos labores foram determinantes para a superação da concepção mais acanhada acerca da Constituição.
Os constituintes e as cortes constitucionais desse período possuíam intensa preocupação em evitar o que acontecera com a Constituição de Weimar de 1919, criticada e atacada, em razão do distanciamento entre o que trazia seu texto e aquilo que os indivíduos estavam vivendo naquele conturbado período entre-guerras. Buscaram assim dar o máximo de efetividade às suas disposições principiológicas mais relevantes.
Mais precisamente no Brasil, foi a Constituição de 1988 a principal responsável pelas inovações no Direito Constitucional, já que permitiu, sob sua égide, o mais longo período democrático de nosso país, no qual o próprio estudo do Direito foi revigorado nas faculdades, com o aumento da concorrência por vagas nas universidades públicas e a proliferação de cursos jurídicos no âmbito privado.
Com esses novos ares, o ambiente jurídico deixou de ser aquele reacionário e conservador reinante durante os vinte e quatro anos de regime militar, passando a ser o campo natural para o surgimento de contestações sociais e resistências a atitudes tendentes ao autoritarismo. O debate constitucional ganhou ampla repercussão e passou a ser assunto corriqueiro nos mais diversos âmbitos sociais. Mesmo em período em que teve seu texto mais intensamente alterado por inúmeras emendas, não foram poucos os defensores de sua base axiológica, sendo essa reação, sem dúvidas, a responsável por sua manutenção, arrefecendo a avidez daqueles que, vez por outra, pretendem a convocação de uma nova assembléia constituinte.
A doutrina nacional também rompeu com os velhos paradigmas, avançando no aprofundamento de uma teoria da Constituição que a torna vinculante e efetiva, demandando, sobretudo, uma maior atuação democrática. O reconhecimento de sua relevância passou a permear todos os ramos da ciência jurídica, sendo pouco comum encontrarmos algum expoente de uma área jurídica que não dê à sua matérias uma abordagem iniciada da Constituição, evidenciando a superação da velha dicotomia entre direito público e direito privado.
Como marco filosófico, temos principalmente a pós-modernidade, que inegavelmente fez superar a filosofia moderna e liberal que serviu de sustentação do constitucionalismo clássico. A Constituição até então só poderia ser compreendida se fossem levados em conta as idéias da filosofia dos modernos (como a supremacia de métodos lógico-formais de intelecção) e as aspirações políticas do capitalismo liberal emergente (que acreditava na absoluta apartação entre Estado e sociedade, entre o público e o privado).
No constitucionalismo, embora tenha havido modificações até a primeira metade do século XX, sua base filosófica se mantinha ainda a mesma. Somente com as profundas modificações políticas e filosóficas do segundo pós-guerra houve real mudança do alicerce moderno-liberal, sendo esse o principal motivo para se falar de um novo constitucionalismo e não apenas daquele inaugurado no final do século XVIII.
Por essas novas perspectivas teóricas os princípios deixam de ser fontes subsidiárias do direito e passam a exercer relevantes papéis em toda ordem jurídica, não somente com guia interpretativo, mas, principalmente, como base axiológica que permeia todas as práticas jurídicas e se impõem da maneira que for fática e juridicamente possível. Especialmente o princípio democrático é erigido à categoria de princípio estruturante.
A democracia é como já mencionado, um dos princípios constitucionais estruturantes do Estado brasileiro. Tais espécies, na linguagem de J.J. Gomes Canotilho[10] são “constitutivos e indicativos das idéias directivas básicas de toda ordem constitucioanl. São, por assim dizer, as traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico do político”.
Sob esse prisma, o Executivo não é mais mero aplicador de leis, mas sim uma instância compromissada com a Constituição Federal (norma cogente, de observância obrigatória) e, portanto, com os princípios democrático e da soberania popular.
A doutrina administrativa mais moderna- e consciente do valor e da importância da Constituição e de seus princípios estruturantes e gerais-incorpora essas noções e redimensionam a Administração Pública e sua maneira de agir. Essa democratização tem como marco característico a abertura e fomento à participação popular no que tange aos processos decisórios da Administração, tanto no tocante aos interesses individuais como em nome dos interesses da coletividade.[11]
Como se percebe, os administrativistas modernos apontam no sentido de uma atuação efetiva da população na atuação administrativa. Muitos denunciam que a maneira burocratizada e formalista de administrar a coisa pública é uma concepção reacionária, inadequada aos ares democráticos.
Diante disso, entender que o Executivo deve apenas aplicar as leis, sem preocupação com uma atuação democrática e reiterando sua postura burocratizada-denota a inconstitucional idéia de que, para esse poder do Estado, a burocracia e a soberania popular só possuiriam vigência e aplicabilidade de quatro em quatro anos, quando da escolha de seus titulares. Reduz-se, assim, a democracia ao modo de acessar o poder, quando, necessariamente, ela também implica no modo de exercer esse poder.
O Estado Regulador seria um estado que representaria um hibridismo entre o Estado intervencionista e o Estado Regulador. Sob esse aspecto, a democracia deverá ser aqui fortalecida, no sentido de favorecer a participação do cidadão no que toca à execução dos serviços da Administração Pública no trato com os serviços públicos prestados. É o que será analisado no próximo tópico.
3 O ESTADO REGULADOR
O mundo recentemente se desprendeu de uma fase intervencionista na economia. Com a queda do muro de Berlim, nos ex-países comunistas, e com o fim dos regimes militares, na América do Sul, tudo leva a crer que chegamos ao fim do modelo de “Estado Provedor”. O modelo adotado pelo Brasil após a transição do regime militar, nos remete a valores que levam a acreditar que se está caminhando para um modelo de Estado que se situa entre intervencionista e liberal. Este se chama: “Estado Regulador”.
Como forma de se adequar aos novos caminhos que o mundo começou a trilhar no fim dos anos 80, o Brasil promoveu durante a década de 90 o que freqüentemente é designado de modo pouco preciso, de “privatização”, mas que realmente que dizer processo de “desestatização”.
Entende-se por desestatização, a retirada do Estado de alguns setores, deixando-se para a iniciativa privada atuar, subsidiariamente, na exploração de alguns serviços e atividades. Este afastamento do Estado pode se desenvolver de várias formas, e a privatização é apenas uma delas. Portanto, usar o termo “privatizar” para designar todo o processo, não seria o mais recomendado.
A desestatização foi desenvolvida no Brasil, basicamente, de quatro formas distintas que podem ser classificadas como: concessão, permissão, privatização e terceirização. Todas elas passam por uma quinta forma, mais abrangente, que se intitula desregulamentação. Vale ressaltar, que a atividade passada as mãos da iniciativa privada, continua sendo dever do Estado, que apenas transfere a sua execução para estas empresas. Portanto, em última instância, o serviço prestado continua sendo público, pois a iniciativa privada atua como uma “longa manus” do poder estatal.
Dentro deste contexto, foram e ainda estão sendo criadas agências, que visam regular os setores desestatizados. Entre elas, podemos citar a ANEEL no setor de energia elétrica, a ANATEL nas telecomunicações, a ANP no de petróleo, entre outras. O modelo de agência reguladora aplicada no Brasil, é baseado no modelo norte-americano, quando as agências atingiram seu maior grau de poder naquele país. As agências reguladoras estão sendo criadas de um modo muito cuidadoso, onde é preservada sua independência em relação ao Poder Executivo, como forma de torná-las isentas de pressões políticas. Em virtude disso, contam com um alto grau autonomia, inclusive financeira, pois são dotadas de verbas próprias. Suas decisões são tomadas por um órgão colegiado. Seus diretores-gerais tem mandato fixo, e além de serem indicados pelo Presidente da República, devem passar por uma sabatina perante o Senado Federal.
Como pode-se perceber, as mudanças realizadas pelo governo, estão modificando de sobremaneira a estrutura de poder, pois este eixo se desloca dos Ministérios para as agências. Em função deste processo, o papel do Estado no Brasil está sendo, aos poucos, modificado. De interventor para regulador.
Com estas modificações na estrutura do Estado, o Brasil está se aproximando dos modelos baseados na chamada “terceira via”, ou “progressive governance” (como foi recentemente rebatizado), pois como ocorreu nos setores onde foram criadas agências reguladoras, a execução foi concedida a iniciativa privada, porém, a titularidade do serviço, continuará a ser do setor público. Desta forma, o governo brasileiro está tentando promover uma existência harmônica entre setores público e privado, na execução de serviços que, antes, eram providos pelo monopólio do Estado.
Por fim, nesta nova fase, pós-intervencionista, adotou-se o sistema regulador, que de certa forma se aproxima dos conceitos sobre terceira via. Porém, todo o cuidado é pouco com esta nova definição, pois possuindo conceitos tão amplos, pode ser usada por aqueles antigos intervencionistas, maquiando suas verdadeiras intenções.
Todas as modificações na concepção teórico-política do Estado, realizadas para garantir a sobrevivência do sistema de produção capitalista, tiveram reflexo direto na estrutura estatal constitucionalizada; é dizer, à medida que o ambiente econômico exigiu alterações no modo de agir estatal, modificaram-se os textos constitucionais com novos institutos, novos direitos e nova estrutura administrativa.
O Estado Democrático de Direito brasileiro, com suas políticas econômicas neoliberais de regulação, permite que a Petrobrás, o Banco do Brasil, o BNDES e o Banco Central, bem como políticas sociais como “bolsa-família” e “fome zero” convivam com programas de desestatização, e a criação das Agências de Regulação. Ao mesmo tempo que há grande abertura para o capital estrangeiro (com a revogação do Art. 171 da CF/88), reafirmam-se os direitos coletivos (como os do Consumidor e de preservação do Meio Ambiente, que são típicos direitos de terceira dimensão) e permanecem intactos os artigos da Constituição que tratam de planejamento e da função social da propriedade.
Acerca dessa afirmação, se poderia apresentar-se a seguinte indagação: poderia se afirmar que a atual conjuntura administrativa do Estado brasileiro se constitui em um neoliberalismo de regulação?
A resposta a essa indagação, muito embora seja parcial, necessita ser esclarecida de antemão: no entendimento aqui preconizado é no sentido de considerar sim a indagação supramencionada, com a ressalva apenas de que o termo neoliberalismo aqui é no sentido de que o Estado está regulando o mercado, mas ao mesmo tempo está a se ajustar às regras do mercado em um contexto mundial, o que acaba por influir na promoção dos direitos fundamentais sob uma perspectiva mundial, de globalização.
CONCLUSÃO
A evolução dos direitos e garantias fundamentais foi bastante lenta e gradual, indo de um Estado Absolutista policial, em que o Monarca era o detentor da soberania, até o advento do neoconstitucionalismo, em que se busca a efetivação dos direitos e garantias fundamentais, afim de que o texto contido na Constituição Federal seja concretizado.
Sob essa perspectiva, os instrumentos de participação popular, que são direitos fundamentais de quarta dimensão se apresentam como importante mecanismo, colocado à disposição dos cidadãos, afim de que estes possam participar de maneira mais efetiva das decisões fundamentais que envolvem a implementação desses direitos.
Não se pode mais de sustentar um regime restrito a um conjunto de prerrogativas e sujeições que desconsidere a inserção da população no trâmite decisório do Poder Público, seja mediante a utilização de instrumento da democracia direta, prévios ou posteriores a atos administrativos de ampla repercussão, seja a legitimação por meio de processo administrativo ajustado que garanta um debate dialético prévio ao ato estritamente a um ou poucos cidadãos.
Portanto, somente com uma maior efetivação da participação do povo nas decisões políticas e administrativas, se poderá falar em um real Estado Democrático de Direito.
Informações Sobre o Autor
Felipe Bruno Santabaya de Carvalho
Mestre em Ordem Jurídica Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Fortaleza. Pós-graduando em Direito e Processo Eleitoral pela Universidade de Fortaleza. Advogado