As doenças estigmatizantes e a incapacidade social no direito previdenciário

Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar os dilemas atuais sobre as doenças que causam certo estigma, bem como as condições culturais e sociais do segurado e, também, a incapacidade social oriunda da perícia biopsicossocial, que é aquela em que participam o assistente social, psicólogo e médico. Partiremos em uma breve explanação introdutória, logo após, o que se entende por incapacidade social e seus dilemas atuais, abordando também as questões sobre a perícia biopsicossocial e seu contexto e dificuldades em uma sociedade que prioriza basicamente as incapacidades físicas para deferimento dos benefícios por incapacidade.

Palavras-chaves: estigma, incapacidade social, pericia biopsicossocial, sociedade, direito previdenciário.

1. Introdução

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Atualmente no Brasil, podemos citar que a maior parte dos benefícios por incapacidade deferidos costumam partir da rotineira demanda na Justiça Federal, sendo de praxe, fazer o pedido de perícia médica no decorrer do processo e essa perícia costuma avaliar tão somente as condições físicas do segurado e a incapacidade originada da patologia informada.

Porém, algo não muito comum, é observar um benefício por incapacidade tendo como base a “incapacidade social”, oriunda das doenças que causam estigmas sociais ou mesmo da constatação cultural, social e ambiental em que está inserido o segurado.

 As doenças estigmatizantes acabam abalando a vida de quem as detém, uma vez que há um certo preconceito por parte da sociedade em relação a seus portadores, isso demonstra o quão importante é o tema na seara previdenciária e no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, por exemplo.

 É certo que para ser deferido o benefício com base na doença estigmatizante, é necessária cautela, vez que tudo dependerá de um conjunto de informações, tais como, o local que a pessoa vive, o tipo de doença e seu estigma social naquela localidade, avaliação cultural, levando-se em consideração a profissão exercida, o grau de instrução da pessoa, suas condições pessoais e a idade.

2. Das dificuldades do tema na atualidade

O judiciário progrediu bastante no que diz respeito a assistência social, porém essa mesma progressão ainda não os atingiu no que tange à análise das condições sociais do indivíduo para deferimento dos benefícios por incapacidade previdenciário, pois não é muito costumeiro ainda uma análise cultural, ambiental e social acerca das condições em que o indivíduo está inserido.

Com o advento da súmula 78 da TNU, foi pacificado o entendimento de que a doença estigmatizante por si só não gera direito ao benefício, vejamos seu enunciado: “Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença”.

Desta feita, a súmula é taxativa ao deixar a análise da necessidade do benefício para cada caso concreto, determinando que somente a doença não geraria direito aos benefícios, portanto não seria uma presunção absoluta de incapacidade ser portador da doença.

Vejamos o que diz o site jus.com.br, em comentários à Súmula, destacando outro ponto importante: “a ausência de constatação de incapacidade nos laudos médicos produzidos em Juízo não retira, por si só, o direito de o segurado portador de HIV receber benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez”.

Portanto, mesmo o laudo médico não apontando a incapacidade, outras perícias podem e devem ser realizadas, no caso específico, com o assistente social e psicólogo, para constatação da incapacidade social no caso.

Outro ponto importante a se destacar é que, a incapacidade social deve ser requerida e o pedido de perícia holística formulado junto ao INSS ou processo judicial, sob pena de preclusão consumativa, uma vez que o juiz poderá deixar de conhecer essa temática caso o advogado da parte não requeira expressamente em momento oportuno.

 O grande problema, porém, é a falta de conhecimento disto pelos próprios advogados que atuam na seara previdenciária, que muitas vezes, requerem tão somente a perícia com o médico e se esquecem de analisar todo contexto social do seu cliente.

 Sendo assim, esse é um grande entrave atualmente, uma vez que o próprio operador do Direito, advogado ou magistrado, acabam não levando em conta as questões sociais em que o segurado estaria inserido, deixando de analisar a incapacidade de forma ampla, por meio da perícia multidisciplinar.

 E, quando o foco da análise é tão somente a patologia e sua incapacidade física, geralmente aquela pessoa, com elevada idade, semianalfabeta e que nunca trabalhou em nenhum outro lugar, portanto, não tem experiência e nem prática laborativa diversa da que exerce, acaba saindo prejudicada, tendo seu benefício por incapacidade negado de forma arbitrária.

 Hoje, o Brasil, ainda precisa amadurecer no que diz respeito à incapacidade social e o tema precisa ser fomentado dentro do mundo jurídico com mais exatidão e de forma mais ampla e didática.

 Nos próximos tópicos abordaremos de forma mais aprofundada as questões de incapacidade social e a perícia holística para que fique mais cristalino o objetivo central deste artigo científico.

3. Incapacidade social – breve explanação

 Quando o médico emite um laudo, geralmente não abarca a análise de todo contexto social vivido pelo segurado e somente verifica-se doença e incapacidade física, porém o conceito de incapacidade é bem mais amplo do que isto.

 A conceituação de incapacidade pela Organização Mundial de Saúde: “(…) qualquer redução ou falta (resultante de uma deficiência ou disfunção) da capacidade para realizar uma atividade de uma maneira considerada normal para o ser humano, ou que esteja dentro do aspecto considerado normal” (HORVATH JUNIOR, apud COSTA, 2014, p.148).

 O prisma da incapacidade social não deve ser analisado só pela “lente” das doenças que causam estigmas e assim deixam o indivíduo sem conseguir um trabalho digno, pelo contrário, a Jurisprudência tem entendido que a perícia precisa ser mais ampla e analisar todo contexto social em que o indivíduo está inserido.

 Segundo Frederico Amado, “(…) em alguns casos a baixa escolaridade e a idade avançada tornam inviável a reabilitação profissional, sendo necessário se conceder a aposentadoria por invalidez ao segurado. ” (2013, p.503). Daniel Pulino (2007, p. 182) esclarece que:

“A aferição da invalidez não se resume, portanto, numa comprovação de ordem exclusivamente médica – embora seja uma condição necessária – para a edição do ato de concessão do benefício compreendendo um juízo completo, em que se deve avaliar a concreta possibilidade de o segurado retirar do próprio trabalho renda suficiente para manter sua subsistência em patamares, senão iguais, ao menos compatíveis com aqueles que apresentavam antes de sua incapacitação e, que foram objetivamente levados em consideração no momento de quantificação de suas contribuições para o sistema – dentro, sempre, dos limites e de cobertura geral de previdência social. Não há como deixar de considerar, nesse juízo, as condições pessoais do segurado”

 Resta claro que, a avaliação médica não deve ser a única forma de perícia usada quando se tem outros elementos para serem verificados ou analisados ao caso.

 Sendo assim, para verificação das condições sociais em que o segurado está inserido, necessário se faz a avaliação holística ou perícia biopsicossocial, juntamente com a avaliação médica, como forma de avaliação mais ampla e complementar em que ficará demonstrada outras questões relevantes do segurado.

4. Avaliação holística/biopsicossocial

  Para que qualquer benefício por incapacidade seja deferido ao segurado, sempre será necessária a perícia médica e/ou holística para comprovação do nexo causal entre doença e incapacidade laborativa/social e posterior emissão de um laudo pericial com todas as informações acerca daquilo que foi constatado pelo médico, psicólogo e/ou assistente social.

  A perícia multidisciplinar/ holística ou biopsicossocial nada mais é do que a perícia elaborada por um corpo de profissionais, além do médico, que podem ser: psicólogo e assistente social, que ao final também emitirão um laudo em que ficará explicitado as condições culturais, sociais e ambientais do periciando para constatação da incapacidade social do indivíduo, suas prospecções acerca do mercado de trabalho e a condição que o mesmo detém para conseguir ou não se enquadrar na reabilitação profissional.

  Importante frisar que o método de análise da perícia biopsicossocial, se utiliza do “tripé”, condição biológica, condição psicológica e sociocultural para determinar a incapacidade que acomete o segurado, e cada uma delas será objeto de análise nos tópicos posteriores.

4.1 Perícia biológica

 Aqui se enquadra o quadro clínico da perícia elaborada pelo médico que levará em conta o tipo de doença que acomete o segurado e o grau de sua incapacidade para o exercício de seu labor.

4.2 Perícia psicológica

 Como mencionado em tópicos anteriores, essa avaliação é feita por um psicólogo, que analisará as condições psíquicas do segurado, observando sua condição emocional, emitindo um parecer acerca de sua situação atual e as condições pessoais do mesmo.

 Este laudo conseguirá trazer questões extremamente importantes sobre a vida emocional do indivíduo e suas condições psicológicas para conseguir um trabalho.

4.3 Perícia sociocultural

 Por último e não menos importante, temos a perícia sociocultural, geralmente idealizada pelo assistente social, momento em que será analisada a questão do indivíduo em relação ao meio social em que vive.

 Essa perícia é de extrema importância porque ela definirá a doença, e a estigma que a mesma tem perante a sociedade, definirá também se a pessoa tem chances de ser realocada para laborar em outras áreas que não a que ela está habituada.

 Neste momento da perícia o assistente social analisará a condição que a pessoa tem para conseguir outro trabalho, por exemplo, uma pessoa de 60 anos que sempre foi diarista, semianalfabeta no meio social em que vivemos jamais conseguirá outro tipo de trabalho, até porque a vida toda foi diarista, a idade já está avançada e não sabe, por exemplo, manusear um computador, portanto determinar a reabilitação para esse tipo de pessoa é condená-la à passar fome. Neste caso, estamos diante de uma clássica incapacidade social, onde essa pessoa precisa do benefício para subsistir financeiramente, de forma minimamente digna.

Essa perícia é o ponto chave para se determinar com mais exatidão se a pessoa conseguirá exercer labor diferente do atual e principalmente, se no caso concreto, a reabilitação profissional, muitas vezes imposta pelo INSS, é possível para aquele tipo de segurado, com suas peculiaridades, ambientais, sociais e intelectuais.

O resultado desta perícia irá determinar se o segurado está ou não incapaz socialmente e lhe garantir o pagamento de benefício mensal, conferindo-lhe direito mínimo a subsistência, respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana, dos direitos sociais, entre outros, todos estes estampados na Constituição Cidadã de 1988.

5. Conclusão

Com base em todo exposto, podemos analisar como é importante a determinação e realização de perícia multidisciplinar para detectar a incapacidade social do segurado, não só pelas doenças que geram um certo preconceito na sociedade, mas também por todo ambiente em que esta pessoa está inserida, seu convívio na sociedade, escolaridade e idade.

Neste mundo em que vivemos não apenas as patologias físicas tiram as pessoas do mercado de trabalho, mas também a idade, as doenças que causam certo estigma e preconceito, o grau de instrução e o ambiente em que vivem, por isso necessária a avaliação ampla de todo este contexto para poder avaliar com grau de exatidão quem é o segurado na comunidade e suas condições pessoais para se destacar em qualquer área laboral.

Vivemos em um país de desigualdades, infelizmente, sejam elas, territoriais, sociais, desigualdades educacionais e de oportunidades.

Cada ser humano teve suas capacitações de acordo com seu grau de escolaridade, seu local de convivência, seu ambiente familiar e as oportunidades que lhe foram outorgadas, sendo assim, injusto seria analisar a vida do segurado só pela lente da doença e incapacidade física, sem analisar todo esse contexto em que está inserido e que faz parte do seu dia a dia.

A perícia holística vem abalizar essa desigualdade e tratar de forma igual os iguais e desigual os desiguais, proporcionando àquele que socialmente está incapaz, o direito mínimo a subsistência e dignidade.

Mais do que isso, a perícia biopsicossocial, vem trazer à tona, todo respeito à vida do indivíduo e suas condições sociais, trazendo equilíbrio entre suas condições físicas, emocionais e ambientais, oportunizando ao indivíduo condições mínimas financeiras, atendendo ao comando Constitucional da dignidade da pessoa humana, principalmente.

 

Referências
AMADO, Frederico. Direito e processo previdenciário sistematizado. Salvador: JusPodivm, 2013.
BACHUR, Tiago Faggioni. Super Manual Prático do Direito Previdenciário. Ed. Especial. Leme: Lemos e Cruz, 2014. 1600p.
COSTA, Clarissa Albuquerque. “Benefícios por incapacidade para o trabalho: auxílio-doença e aposentadoria por invalidez”. In Savaris, José Antonio. Direito previdenciário: problemas e jurisprudência. Curitiba: Alteridade Editora, 2014
PULINO, Daniel. “A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro”. In: Rev. Disc. Jur. Campo Mourão, n. 1, v.3, p. 143-185, jan. /jul. 2007.


Informações Sobre o Autor

Leandro Cenci de Alencar Algarte

Advogado graduado na Universidade Toledo de Araçatuba e Pós Graduado em Direito Previdenciário pelo Legale


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Equipe Âmbito Jurídico

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