As ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito sob a ótica constitucional e do Código de Trânsito Brasileiro

Resumo:

A presente
pesquisa nos reporta ao estudo do exercício do poder de polícia de trânsito
pelos entes estatais, mediante a designação de guardas municipais como agentes
da autoridade de trânsito, após o advento da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de
1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o qual passou a ser
encarado de forma bem diferente da legislação anterior. Dentre os poderes
administrativos, sem dúvida, o poder de polícia é o que mais efetivamente
demonstra a interferência estatal no ajustamento das condutas necessárias à
harmonização da vida em sociedade, dotando os agentes públicos, para tanto, de
autoridade e poderes para a consecução de seus lídimos interesses, quais sejam,
a paz social e o bem-estar da coletividade.

Em face da
evolução apresentada no ordenamento nacional com o advento do CTB permitiu-se
às autoridades de trânsito inseridas no Sistema Nacional de Trânsito a
prerrogativa de efetuar, dentro das competências dos órgãos executivos e
executivos rodoviários, a fiscalização de trânsito, por meio de delegação aos
agentes da autoridade de trânsito, sejam estes servidores civis ou militares
estaduais. Por meio do estudo das disposições constitucionais e legais
atinentes à espécie iremos demonstrar as ilegalidades decorrentes da utilização
destes servidores públicos para atuarem como agentes de trânsito, mediante nomeação,
designação ou credenciamento, bem como que a Guarda Municipal não faz parte do
Sistema Nacional de Trânsito (SNT) e, em razão de tal fato, também não podem
atuar mediante convênio firmado com os órgãos e entidades integrantes do
SNT.   

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Palavras-chave:
Poder de polícia; Fiscalização de trânsito; Agentes da autoridade de trânsito.

Sumário: 1 Introdução 2 A guarda municipal e a constituição federal 2.1
Contexto histórico 2.2 Competência da Guarda Municipal 2.3 Perfil das Guardas
Municipais 3 Poder de polícia 3.1 Conceito 3.2 Atributos, meios de
exteriorização e delegação 4 O Código de Trânsito Brasileiro 4.1 Contexto
histórico 4.2 Definições e conceitos do Direito de Trânsito 4.3 A
municipalização do trânsito 4.4 Sistema Nacional de Trânsito 4.5 Órgãos e
entidades de trânsito: competências 5 Agentes da autoridade de trânsito 5.1
Agentes públicos: definição e tipos 5.2 Agentes da autoridade de trânsito 6 Celebração
de convênios 7 Notas doutrinárias e jurídicas 8 Conclusão.

1 Introdução

A Constituição
Federal de 1988 delegou aos municípios a criação de guardas municipais,
conforme previsão do § 8º do artigo 144, in verbis, “Os
Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus
bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”.

Verifica-se,
entretanto, que cresce a cada dia, nos mais diversos municípios do país, a
elaboração de leis ordinárias, ou seja, infraconstitucionais, ampliando o campo
de atribuições desses servidores públicos, contrapondo-se frontalmente com a
Carta Magna, a qual estabelece que sua atribuição circunscreve-se à proteção de
bens, serviços e instalações de próprios municipais, conforme a regulamentação
que lhe dispuser a lei, dado que a matéria de Segurança Pública é de
competência da União. A Carta Constitucional do Estado de São Paulo, por sua
vez, dispõe em seu artigo 147 que spacer“Os Municípios poderão, por
meio de lei municipal, constituir guarda municipal, destinada à proteção
de seus bens, serviços e instalações, obedecidos os preceitos da lei federal”, remetendo, como dever do legislador, às
considerações limitadoras constante da lei federal.

Equivale argumentar que tais posicionamentos dos atos Estaduais e
Municipais, respeitando a hierarquia das leis, propiciam um estímulo ao Estado
Democrático e ao Estado de Direito, sendo o primeiro com inclusão do
administrado à perfeita cidadania e ao segundo aspecto, a certeza pela
segurança jurídica que se impõem os atos regulares baixados.

Isto posto, analisando-se
as disposições constitucionais atinentes à espécie, constata-se que,
hodiernamente, para o fim que se dispõe a presente análise articulada, muitas
guardas municipais executam funções de policiamento e fiscalização de trânsito,
desvirtuando-se de sua precípua destinação.

O Código de Trânsito
Brasileiro (CTB), instituído pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997,
dispõe em seu artigo 5º que o Sistema Nacional de Trânsito (SNT) é o conjunto
de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento,
administração, normalização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos,
formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia,
operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações
e de recursos e aplicação de penalidades.

A inclusão dos
municípios, que não o integrava na vigência do Código Nacional de Trânsito
anterior, acompanha moderna tendência de permitir que estes entes estatais
possam prestar diretamente os serviços públicos que dizem respeito ao interesse
local. Assim como a educação e a saúde, a concessão do poder de polícia de
trânsito aos municípios acompanha essa tendência, que, na visão de nossos
legisladores, visa tornar mais eficiente a prestação dos serviços públicos que
afetam mais diretamente a população abrangida pelo município.

Com a inclusão dos
municípios, o SNT restou composto pelos seguintes órgãos:

“I – o
Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN;

II – os
Conselhos Estaduais de Trânsito – CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito
Federal – CONTRANDIFE;

III – os
órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios;

IV – os
órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios;

V – a
Polícia Rodoviária Federal;

VI
– as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal;

VII
– as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI.”

A enumeração dos órgãos
e entidades de trânsito é taxativa, sendo vedada a inclusão de novos entes sem a
observância do processo legislativo competente, o que demonstra a
impossibilidade da inclusão das guardas municipais no SNT e, por conseguinte, a
sua utilização como agentes da autoridade de trânsito, uma vez que o § 4º do
artigo 280 do CTB estabelece que “O agente da autoridade de trânsito competente
para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou
celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com
jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”.

Bem de relevar a informação de que ao nível Federal, Estadual e Municipal
são respectivamente autoridades de trânsito, o Presidente da República, o
Governador e o Prefeito, como delegações advindas do próprio CTB.

Uma interpretação
acurada sobre o artigo em comento demonstra que o servidor civil deverá ser
concursado para exercer a função de agente de trânsito, quando então será
nomeado para tal mister, uma vez que a dicção do texto normativo estabelece que
somente o policial militar poderá ser designado como agente de trânsito. Neste
ponto observa-se que, para o servidor civil, a assunção dessa função deve
observar os mandamentos legais atinentes à espécie, ou seja, a investidura em
cargo ou emprego público deve ser feita através de concurso de provas ou de
provas e títulos (inc. II, art. 37, CF) e,
note-se que tal investidura deverá ser para o cargo compatível com a função a
ser exercida, in casu, de agente de
trânsito ou figura similar de composição administrativa do órgão executivo
estadual de trânsito.

Tal requisito afasta
por completo a possibilidade de utilização das guardas municipais como agentes
de trânsito, uma vez que, por se tratar de função de Estado, não pode ser
objeto de extinção do cargo ou transformação para cargo distinto, sob pena de
desvio de função e ofensa aos princípios da legalidade, eficiência e moralidade
administrativa, caracterizando a
chamada improbidade administrativa da autoridade máxima do Município, dado à
gravidade dos atos quando de sua correspondente aplicação.

O artigo 25 do CTB
prescreve que os órgãos e entidades do SNT poderão celebrar convênio delegando
as atividades que lhe são afetas, com vistas à maior eficiência e segurança
para os usuários da via. Caso o órgão não possua recursos humanos e materiais
para a plena execução de suas tarefas e deseje manter, privativamente, a
execução das atividades relacionadas com o exercício do poder de polícia de
trânsito, poderá o referido convênio cingir-se à prestação de serviços de
capacitação técnica, assessoria e monitoramento das atividades relativas ao
trânsito durante prazo a ser estabelecido entre as partes, com o ressarcimento
dos custos apropriados.

Na interpretação do
texto legal acima transcrito se constata que todos os órgãos executivos de
trânsito podem celebrar convênios delegando as atividades que lhe incumbem a
outros órgãos e entidades executivos, de tal forma que, a título de exemplo, pode
o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) celebrar convênio com a Polícia
Militar (PM), o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transporte (DNIT)
com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as Secretarias de Trânsito ou
Transporte municipais com órgãos e entidades da administração indireta (com
destinação específica para tal fim) ou com a Polícia Militar, não restando
campo para entendimento diverso no sentido de que as guardas municipais possam
atuar mediante convênio, sob pena de desvio de função e violação ao dispositivo
constitucional que lhe dá suporte, uma vez que é conditio sinne qua non que as partes convenientes sejam integrantes
do SNT.

Tais situações mescladas de ações diferenciadas pelos Municípios no uso
da guarda municipal como agente de trânsito, perpassa desde a falta de planejamento
na área de recursos humanos para atividade estatal, bem assim, da praticidade
que se verifica em determinados locais, de simples desvio de função a se evitar
com que a autoridade executiva venha a realizar um concurso público, tudo,
diga-se para evitar as penalidades da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, que
trouxe um grande avanço e aprimoramento nas contas públicas nos três níveis de
governo.

O presente estudo visa
analisar: É legal a utilização de guardas
municipais como agentes da autoridade de trânsito? Com a elaboração desta
pesquisa, pretendemos examinar a utilização das guardas municipais na execução
de funções atinentes a outros órgãos estaduais e municipais, em claro confronto
com as disposições constitucionais e legais atinentes à espécie.

Em busca de respostas
a este problema ter-se-á como objetivos:

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As funções atualmente desempenhadas pelas guardas municipais estão em
consonância com as disposições constitucionais?

– As
guardas municipais podem ser consideradas como órgãos componentes do Sistema
Nacional de Trânsito?

– As
guardas municipais podem ser designadas para atuarem como agentes da autoridade
de trânsito?

– As guardas municipais podem atuar
mediante convênio firmado com o órgão ou entidade de trânsito?

Pretende-se,
no alcance destes objetivos e nas respostas encontradas, confirmar a hipótese
inicialmente proposta: A utilização de guardas municipais como agentes da
autoridade de trânsito, sob a ótica constitucional e infraconstitucional é
ilegal.

2 A guarda municipal e a Constituição
Federal

2.1 Contexto histórico

Antes
de iniciarmos nosso estudo, convém traçarmos um panorama histórico sobre a
trajetória constitucional sobre o capítulo referente à segurança pública, de
forma a situarmos a instituição Guarda Municipal dentro do contexto que se
pretende impor à presente pesquisa.

Segundo
o eminente jurista José Cretella Júnior (1993, p. 3410-11), “o problema da segurança, quer do Estado, quer do
indivíduo, inscreve-se com um dos temas fundamentais do Direito”. Para o autor,
o fundamento básico para o natural desenvolvimento do ser humano se
circunscreve ao asseguramento da segurança do Estado, das pessoas e dos bens,
havendo então a necessidade de uma “força organizada que protege a sociedade,
livrando-a da vis inquietativa que a
perturba”, definição a que se relaciona o termo Polícia.

O
problema da segurança pública, sob a ótica constitucional, variou em maior e
menor grau dentro das preocupações do legislador constituinte, ora sendo
totalmente silente, ora abarcando por completo o tema. Assim, fazem-se
necessário verificarmos, um a um, quais os desígnios que animaram nossos
legisladores ao longo do tempo.

As
Constituições de 1824 e de 1891 foram totalmente omissas em relação ao tema
Segurança Pública, sendo que a primeira Carta Magna a trazer enunciado sobre a
questão foi a Constituição de 1934,
a qual preconizava em seu artigo 159 que “Todas as
questões relativas à segurança nacional serão estudadas pelo Conselho Superior
de Segurança Nacional e pelos órgãos especiais criados para atender às
necessidades da mobilização” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p. 3410).

A
União detinha competência privativa para organizar a defesa externa, a polícia
e segurança das fronteiras e as forças armadas (art. 5º, inc. V), bem como para
legislar sobre organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais
dos Estados e condições gerais da sua utilização em caso de mobilização ou de
guerra (art. 5º, inc. XIX, alínea “l”).

A
Constituição de 1937 repetiu o inteiro teor desses comandos normativos, com
numerações distintas, somente havendo pequena mudança quando da promulgação da
Carta Magna de 1946, a
qual permitiu que os Estados organizassem suas forças policiais (art. 18, §
1º), mantendo incólume a competência do Conselho de Segurança Nacional e dos órgãos
especiais das Forças Armadas quanto ao estudo dos problemas relativos à defesa
do país (art. 179).

A
Carta Magna de 1967 (art. 89), bem como a de 1969 (art. 86), com a redação que
lhe foi dada pela EC nº 1, estabelecia que “Toda pessoa natural ou jurídica é
responsável pela segurança nacional, nos limites definidos em lei”. A União
manteve a prerrogativa de planejar e organizar a segurança nacional, mediante
estudos promovidos pelo Conselho de Segurança Nacional.

Torna-se
imperioso mencionar que a Constituição de 1967 foi a primeira a trazer status constitucional aos órgãos policiais,
delimitando expressamente as suas atribuições, de tal forma que às Polícias Militares
incumbia a manutenção da ordem e a segurança interna nos Estados, Territórios e
no Distrito Federal (art. 13, § 4º), sendo que à Polícia Federal direcionava as
seguintes atribuições (art. 8º, inc. VII):

“a)
os serviços de política marítima, aérea e de fronteiras;

b) a
repressão ao tráfico de entorpecentes;

c) a
apuração de infrações penais contra a segurança nacional, a ordem política e
social, ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, assim como de
outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual e exija repressão
uniforme, segundo se dispuser em lei;

d) a
censura de diversões públicas (art. 8º, inc. VII). “

“A
expressão segurança pública (art. 144), em vários aspectos, é sinônimo
perfeito, no Direito Constitucional, da expressão segurança nacional, referida
na Carta Política de 1969 (art. 86)”. Nesse sentido, “a segurança pública, que
equivale à expressão segurança nacional, deve ser assegurada pelo Estado e pela
colaboração de todos” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p. 3411).

A
Carta Magna de 1988, também chamada de “Constituição Cidadã”, devido aos
anseios de democracia e o contexto social vigente, revelou a intenção do
legislador constituinte em criar mecanismos aptos a buscar solução para os
problemas relativos ao crescimento da criminalidade, principalmente a
organizada.

Assim
é que, para tanto, ressaltou o poder-dever do Estado em garantir a segurança
pública, por meio de seus órgãos policiais, e a responsabilidade de todos,
Poder Público e cidadãos, em colaborar para tal desiderato, ou seja, para a
preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio.
“Cabe à lei fixar os limites desse dever do Estado, a que todos os habitantes
do Brasil, nacionais ou estrangeiros, estão obrigados, do mesmo modo que todas
as pessoas jurídicas, organizadas ou não no país, no que se refere à atividade
destas” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p. 3416).

Convém,
antes de adentramos a análise do comando normativo correspondente, elencar
alguns conceitos que entendemos importantes para o estudo. Para Cretella Junior
(1987, p. 165), pode-se definir juridicamente o termo polícia como sendo o
“conjunto de poderes coercitivos exercidos pelo Estado sobre as atividades do
cidadão mediante restrições legais impostas a essas atividades, quando
abusivas, a fim de assegurar-se a ordem pública”.

Segundo
De Plácido e Silva (apud LAZZARINI,
1987, p. 8-9), ordem pública “é a situação e o estado de legalidade normal, em
que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam
e acatam, sem constrangimento ou protesto”. Sabe-se que o conceito de ordem
pública abrange os aspectos de tranqüilidade, salubridade e segurança pública,
sendo, portanto, atividade que engloba multifacetadas atividades.

Para
Mário Pessoa “a Segurança Pública é o estado antidelitual, que resulta da
observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei das
contravenções. As ações que promovem a Segurança Pública são ações policiais
repressivas ou preventivas típicas” (apud
LAZZARINI, 1987, p. 15).

A
classificação da polícia em dois ramos distintos, repressiva (judiciária) ou
preventiva (administrativa) também foi adotada pela Constituição Federal de
1988, “ao prever taxativamente no art. 144, que a segurança pública, dever do
Estado, é exercida […] por meio da polícia federal, polícia rodoviária
federal, polícia ferroviária federal, polícias civis e polícias militares e
corpo de bombeiros” (MORAES, 2004, p. 676-7).

A
enumeração taxativa dos órgãos policiais, conforme já decidiu o excelso STF na
ADIN nº 263-8/RJ, bem como a delimitação de suas atribuições, é fruto das
convulsões sociais e políticas que marcavam o contexto da segurança pública
durante os trabalhos da Assembléia Constituinte e dos anseios populares,
assustados com a onda de criminalidade que assolava o país.

Para
Silva (2002, p. 757-8), “os constituintes recusaram várias propostas no sentido
de instituir alguma forma de polícia municipal. Com isso, os Municípios não
ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública”.
Prossegue o autor aduzindo que seu campo de atuação cinge-se, tão somente, a
colaboração com os Estados e à possibilidade de constituírem guardas municipais
destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a
lei.

2.2 Competência da Guarda
Municipal

Antes
de adentrarmos ao estudo da competência das guardas municipais, convém realizar
uma pequena digressão histórica acerca das duas instituições mais antigas do
Brasil: Porto Alegre e Recife.

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A Guarda Municipal de Porto Alegre foi criada em 3 de novembro de
1892, por meio do Ato nº 6, de lavra do intendente (prefeito) de Porto Alegre,
Alfredo Augusto de Azevedo. Em 17 de novembro de 1896 é decretada a sua extinção,
sendo o seu efetivo incorporado à Polícia Administrativa até 1928. A partir de janeiro
de 1929 é assinado convênio com o Governo do Estado, permanecendo este com
a incumbência da realização de alguns serviços (Higiene, Policiamento e
Instrução), fato que perdurou até 1957, quando então restou incorporada ao
Estado.

Por força do Decreto nº 1410, de 31 de dezembro de 1957, cria-se o
“Setor de Guardas”, subordinado à Secção de Fiscalização do Departamento de
Limpeza Pública, posteriormente extinto em 1959, ano este em que surgiu o “Serviço
da Guarda Municipal”, sendo que a partir de 10 de agosto de 1960 passa a se
denominar “Guarda Municipal” e, em 1969, recebe nova nomenclatura, “Serviço de
Vigilância Municipal”, retornando novamente a utilizar o termo “Guarda
Municipal” a partir de 1994 (sem aspas no original).

Consta que sua atuação cinge-se à manutenção da segurança do
patrimônio público municipal (bens, serviços e instalações), envolvendo a
proteção aos bens móveis e imóveis, a garantia do desempenho das funções dos
servidores e da oferta de serviço aos usuários, além do apoio a órgãos
municipais na sua atividade fiscalizatória e em questões de reintegrações de
posse, nos casos de ocupações e em situações emergenciais de chuva, incêndio,
desabamento, sempre com a parceria da Brigada Militar (SECRETARIA MUNICIPAL DE
DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA PÚBLICA, 2004).

A
Guarda Municipal do Recife foi criada pela Lei nº 3, de 22 de fevereiro de
1893, sendo que no início de sua atuação seus integrantes eram chamados de
Guardas de Jardim, pois como não podiam prender ninguém, suas atividades se
limitavam a tomar conta das praças. Com a edição da Portaria nº 247, de 11 de
maio de 1951, foi permitido que seus integrantes portassem armas de fogo, sendo
datada dessa época a criação da Associação da Guarda Municipal, que, através de
suas ações, tornou reconhecida a Guarda Municipal pelas autoridades policiais,
civis e militares do Estado.

Consta
que, inicialmente, atuavam em parceria com os demais órgãos policiais nas
praias, nas repartições da Prefeitura e no trânsito, sendo que atualmente tem
por objetivo promover e manter a vigilância dos prédios públicos e das áreas de
preservação do patrimônio natural e cultural do município; fiscalizar a
utilização adequada dos parques, jardins, praças e monumentos; além de outras
atividades, voltadas para o bem do município e da sociedade (SECRETARIA DE
SERVIÇOS PÚBLICOS, 2001).

As
constituições brasileiras sempre foram silentes quanto à existência e
competência das Guardas Municipais, situação que somente se modificou com a
promulgação da Carta Magna de 1988. Com efeito, prescreve o seu § 8º do artigo
144 que:

“§ 8º – Os Municípios poderão
constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e
instalações, conforme dispuser a lei.”

A
interpretação lógica e sistêmica do referido comando constitucional demonstra
que o campo de atuação das guardas municipais cinge-se à proteção dos bens,
serviços e próprios municipais. Com relação aos serviços públicos, conceitua-os
Moreira Neto (1994, p. 317) como sendo “uma atividade da Administração que tem
por fim assegurar, de modo permanente, contínuo e geral, a satisfação de
necessidades essenciais ou secundárias da sociedade, assim por lei
consideradas, e sob condições impostas unilateralmente pela própria
Administração”.

Para
Meirelles (2000b, p. 306), “Serviço Público é todo aquele prestado pela
Administração ou por seus delegados, sob normas e controle estatais, para
satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples
conveniências do Estado”.

A
fim de “distinguir o serviço público propriamente dito das demais atividades
administrativas de natureza pública”, conceitua-o Di Pietro (2003, p. 99) como
“toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça
diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer
concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou
parcialmente públicos”.

Integram
o patrimônio público todos os bens e próprios pertencentes ao ente estatal. Segundo
Meirelles (2000a, p. 243), “O patrimônio público municipal é, assim, formado
por bens de toda natureza e espécie que tenham interesse para a Administração e
para os administrados”.  Prossegue o
eminente jurista aduzindo que “consideram-se bens ou próprios municipais todas
as coisas corpóreas ou incorpóreas: imóveis, móveis e semoventes; créditos,
débitos, direitos e ações que pertençam, a qualquer título, ao Município”
(2000a, p. 244).

Assim,
dentro da presente conceituação estão abrangidos os bens públicos e as
instalações físicas ocupadas pela Administração Pública, aí incluída também o
capital social e as instalações de entes da administração indireta que prestem,
diretamente, os serviços de competência do município.

De
acordo com o artigo 98 do Código Civil de 2002 são públicos os bens
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, assim
considerados, de acordo com o artigo 99:

“I – os de uso comum do
povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II – os de uso especial,
tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da
administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas
autarquias;

III – os dominicais, que
constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto
de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.”

“O
critério dessa classificação é o da destinação ou da afetação dos bens: os da
primeira categoria são destinados, por natureza ou por lei, ao uso coletivo; os
da segunda ao uso da Administração, para consecução de seus objetivos”. Os da
terceira categoria, aduz a jurista, “não tem destinação pública definida, razão
pela qual podem ser aplicados pelo Poder Público, para obtenção de renda” (DI
PIETRO, 2003, p. 541).

Os
bens de uso comum do povo, “como exemplifica a própria lei, são os mares,
praias, rios, estradas, ruas e praças. Enfim, todos os locais abertos à utilização
pública adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição
própria do povo” (MEIRELLES, 2000a, p. 246).

Com
relação aos bens de uso especial, conceitua-os Di Pietro (2003, p. 545) como
“todas as coisas, móveis ou imóveis, corpóreas ou incorpóreas, utilizadas pela
Administração Pública para realização de suas atividades e consecução de seus
fins”. Partindo da definição da doutrina, incluem-se nesse rol “os edifícios
das repartições públicas, os terrenos aplicados aos serviços públicos, os
veículos da Administração, os matadouros, os mercados e outras serventias que o
Município põe à disposição do público, mas com destinação especial” (MEIRELLES,
2000a, p. 246).

Os
bens dominicais “são os que, embora integrando o domínio público como os demais,
deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em
qualquer fim, ou, mesmo, alienados e consumidos nos serviços da própria
Administração” (MEIRELLES, 2000a, p. 246). Não dispondo a lei em contrário,
estabelece o § único do artigo 99 que também se consideram dominicais os bens
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado
estrutura de direito privado.

“O
Código de Contabilidade os define como ‘os bens do Estado, qualquer que seja a
sua proveniência, dos quais se possa efetuar a venda, permuta ou cessão, ou com
os quais se possam fazer operações financeiras em virtude de disposições legais
especiais de autorização’ (art. 810)” (DI PIETRO, 2003, p. 548).

Para
Silva (2002, p. 758), “Aí certamente está uma área que é de segurança:
assegurar a incolumidade do patrimônio municipal, que envolve bens de uso comum
do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais”. Igual ensinamento nos é
ofertado por Moraes (2004, p. 677), que assevera não ter a Carta Magna não se
lhes reconhecido a “possibilidade de exercício de polícia ostensiva ou
judiciária”.

Cretella
Junior (1993) aduz que a segurança pública é exercida mediante a ação de vários
órgãos policiais para a preservação da ordem pública e a incolumidade das
pessoas e do patrimônio, sendo que no âmbito municipal é facultado ao poder
público a criação de guardas municipais destinadas a proteção dos bens,
serviços e instalações comunais, conforme o que dispuser a lei.

Tradicional
é a lição do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles (2000a, p. 381) para quem “Os
serviços de segurança urbana desempenhados pelos nossos Municípios têm-se
restringido à guarda de seus edifícios, à prevenção contra incêndios e à
extinção de animais nocivos”, através da implantação permanente de uma guarda
municipal, a qual se destina ao “policiamento administrativo da cidade,
especialmente dos parques e jardins, dos edifícios públicos e museus, onde a
ação dos depredadores do patrimônio público se mostra mais danosa”.

“A
guarda municipal, ou que nome tenha, é apenas um corpo de vigilantes adestrados
e armados para a proteção do patrimônio público e maior segurança aos
munícipes, sem qualquer incumbência de manutenção de ordem pública […] ou de
polícia judiciária […]” (MEIRELLES, 2000a, p. 382).

Desde
a promulgação da Constituição Federal, entretanto, muito se tem discutido
acerca do correto alcance daquela norma constitucional. Apesar de apresentar
com uma clareza inolvidável a taxativa enumeração de atribuições inerentes às
Guardas Municipais, muitos administradores públicos têm ampliado, por meio de
normas infraconstitucionais, o campo de atribuições dessas instituições,
colocando-as em conflito com a norma maior.

Conforme
citado por Silva (2002), ao poder público municipal não foi dada nenhuma responsabilidade
pela manutenção da segurança pública, sendo que o caput do artigo 144 estabelece, assim como para todas demais
pessoas físicas e jurídicas, a obrigação de colaboração com os órgãos públicos
responsáveis pela preservação da ordem pública e a incolumidade física e
patrimonial, além da facultas em
criar órgãos municipais destinados a proteção de seus bens, serviços e
instalações.

Assim
vemos, com clareza insofismável, que houve uma enumeração taxativa em relação
aos órgãos que compõem a estrutura de segurança pública do país (ADIN nº
236-8/RJ), não se lhe incluindo entre eles, portanto, as guardas municipais.

Em
relação ao alcance e interpretação das normas constitucionais, preleciona Moraes
(2004, p. 47) que

“A supremacia das normas constitucionais no
ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos
normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função
hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida
preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal.”

A
definição léxica de hermenêutica é ligada à interpretação do sentido das
palavras e textos sagrados, assim como a arte de interpretar as leis. Definição
mais ampla e adequada à ciência jurídica nos é fornecida por Vicente Raó (apud MORAES, 2004, p. 45-6) para quem

“a hermenêutica tem por objetivo investigar
e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes,
que disciplinam a apuração do conteúdo orgânico, do sentido e dos fins das
normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito
de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos especiais
procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a
aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos
nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que lhe subordinam.”

Canotilho
(apud MORAES, 2004, p. 46) elenca
alguns princípios e regras interpretativas das normas constitucionais, das quais
citamos:

– da unidade da constituição: a
interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar
contradições entre suas normas; […]

– da justeza ou da conformidade funcional:
os órgãos encarregados da interpretação da norma constitucional não poderão
chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema
organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador
constituinte originário; […]

– da força normativa da constituição: entre
as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior
eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

Resta-nos,
portanto, tecer comentários quanto à aplicabilidade das normas constitucionais.
Para tanto adotaremos a tradicional classificação proposta pelo mestre José
Afonso da Silva, que classifica as normas constitucionais quanto à sua
aplicabilidade em normas de eficácia plena, contida e limitada, dentre todas as classificações, assegurada a
linhagem hierárquica das normas, como princípio fundamental do direito.

As
normas de eficácia plena são aquelas que se apresentam prontas para a sua
imediata aplicação, produzindo ou com a possibilidade de produzir todos os seus
efeitos a partir da entrada em vigor da Constituição.

Segundo
Moraes (2004, p. 43), as normas de eficácia contida podem ser definidas como
aquelas em

“que o legislador constituinte regulou
suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou
margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder
público, nos termos em que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais
nela enunciados.”

Normas
de eficácia limitada são aquelas que dependem de lei regulamentadora para sua
efetiva aplicabilidade, seja para regular concretamente um direito, um programa
ou que institua, de fato, um órgão ou uma entidade, razão pela qual se diz que
possuem aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.

Decidindo
questão posta ao seu julgamento pelo Ministério Público do Estado de São Paulo,
em relação à utilização das guardas municipais como agentes de trânsito no
município de São José do Rio Preto (ACP – Processo nº 18.609/06 – Vara da
Fazenda Pública), o eminente Juiz de Direito Dr. Angelo Márcio de Siqueira
Pace, utilizando-se dos ensinamentos do mestre José Afonso da Silva, preleciona
que:

“[…] As normas constitucionais de
eficácia limitada, destarte, podem ser de princípio institutivo (prevêem a
criação de órgãos, entidades ou insituições) ou de princípio programático
(estatuem genericamente um programa de ações estatais ou uma linha de conduta
estatal, sempre na dependência de lei que viabilize a efetividade da norma). No
dizer do citado Mestre: São, pois
normas constitucionais de princípio institutivo aquelas através das quais o
legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de
órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture
em definitivo, mediante lei’.”

Prossegue
o julgador aduzindo que as normas de eficácia limitada e de princípio
institutivo podem ser impositivas ou facultativas, de tal forma que as
primeiras são comandos impostos ao legislador direcionados à regulamentação
legal e, segundo a lição do Mestre:

“as normas facultativas apenas atribuem
poderes para disciplinar o assunto, se achar conveniente – isto é, dão-lhe mera
faculdade, indicando ser possível regular a matéria -, do que deflui, para ele,
discricionariedade completa quanto à iniciativa dessa regulamentação; mas, uma
vez tomada a iniciativa, a regra constitucional é vinculante quanto aos limites,
forma e condições nela consignados. E arremata: O legislador tem apenas uma
faculdade. Quanto à iniciativa da lei, tem discricionariedade completa, não
podendo sequer ser censurado moral ou politicamente se não a tomar, até porque,
nesse caso, sequer cabe declaração de inconstitucionalidade por omissão. Fica,
porém, vinculado ao texto constitucional se resolver disciplinar os interesses
ou instituições consignados à sua discrição.”

Arrematando
de maneira brilhante o assunto, assevera o julgador que a norma contida no § 8º
do artigo 144 da CF/88 se consubstancia em norma de eficácia limitada, de
princípio institutivo e facultativa, devendo o legislador, pretendendo criar um
corpo de guardas municipais, observar a estrita finalidade daquela instituição.
Quanto ao alargamento de sua competência constitucional, colhamos o seguinte
excerto:

“A omissão quanto a quaisquer outras
atribuições ou finalidades, mesmo ao se referir à regulamentação legal, é o que
se chama de “silêncio eloqüente”. Quando a Constituição quer que determinada
instituição realize funções outras que não aquelas já enumeradas, remete-as
expressamente à lei (art. 129, IX; art. 144, § 1º e 5º, parte final; art. 200, caput, por exemplo). Ao se calar
solenemente sobre quaisquer outras “destinações” da Guarda Municipal, sem
nenhuma ressalva ou condição, o constituinte firmou seu posicionamento, ainda
que não da melhor forma. De todo modo, o princípio jurídico de que o
administrador público pode fazer apenas o que a Lei lhe permite (e não aquilo que
ela não proíbe) apresenta-se igualmente válido em face da Constituição,
guardadas as devidas proporções.”

2.3 Perfil das Guardas Municipais no
Brasil

 Desde o ano de 2003 o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) vem trabalhando em projeto denominado de Pesquisa
de Informações Básicas Municipais, por meio do tratamento dos dados obtidos junto
às prefeituras dos municípios brasileiros.

Com
base nos resultados dessa pesquisa, realizada anualmente, o IBGE (2006) publica
os dados referentes ao Perfil dos Municípios Brasileiros, dividido em seis
capítulos: função tributária; estrutura e dimensão do serviço público no
tocante ao quadro ativo de pessoal; capacidade informacional da gestão
municipal; política de educação; área de segurança pública, justiça e guardas
municipais; recursos financeiros aplicados à educação e na segurança pública.

Os
dados que serão apresentados a seguir fazem parte da publicação Perfil dos
Municípios Brasileiros – 2006 e aborda tão somente a questão referente às guardas
municipais (tabelas 71 a
92). Dos 5.564 municípios brasileiros, 786 deles possuem guardas municipais e
contam com um efetivo total de 74.797 pessoas, distribuídos entre homens
(64.692 – 86,90%) e mulheres (9.755 – 13,10%), englobando, também, um universo
de 350 integrantes em que não foi declarado o sexo.

A
região Nordeste é a que concentra o maior número de municípios com guardas
municipais (358 – 45,55%), seguida pelas regiões Sudeste (299 – 38,04%), Norte
(60 – 7,63%), Sul (53 – 6,74%) e Centro-Oeste (16 – 2,04%). As cidades com até
50.000 habitantes são as que concentram o maior número de guardas municipais
(494 – 62,85%), seguidas pelos municípios com mais de 50.000 e menos de 500.000
habitantes (264 – 33,59%), sendo que as grandes cidades (mais de 500.000
habitantes) concentram 28 delas (3,56%). Percentualmente, entretanto, a relação
entre o número de municípios existentes e aqueles que possuem guardas
municipais é extremamente disforme, tendo apresentado os seguintes resultados:


com até 5.000 habitantes (1.371): 28 possuem guarda municipal (2,04%);


entre 5.001 a
20.000 habitantes (1.290): 72 (5,58%);


entre 20.001 a
50.000 habitantes (1.033): 237 (22,94%);


entre 50.001 a
100.000 (311): 119 (38,26%);


entre 100.001 a
500.000 (231): 145 (62,77%);


mais de 500.00 (36): 28 (77,77%).

O
efetivo das guardas municipais também é extremamente variado: 140 delas possuem
um efetivo total de 10 integrantes (17,81%), 325 contam com efetivo variável
entre 11 e 40 integrantes (41,35%), 189 ostentam entre 41 a 100 integrantes (24,05%),
94 delas mantém um contingente entre 101 a 300 integrantes (11,96%) e apenas 36
declararam possuir mais de 300 integrantes (4,58%), englobando-se 02 municípios
onde o efetivo não foi informado (0,25%).

 Relativamente à distribuição das guardas
municipais em relação ao tamanho do efetivo, o Estado de São Paulo é o que
conta com o maior número delas em todas as categorias pesquisadas: 26 daquelas
que possuem até 10 integrantes (18,57%), 66 com efetivo entre 11 a 40 integrantes (20,30%),
54 para as que ostentam entre 41
a 100 integrantes (28,57%), 29 daquelas cujo efetivo se
situa entre 101 a
300 integrantes (30,85%) e 10 dentre aquelas com mais de 300 integrantes
(27,77%).

Em
relação ao vínculo de subordinação vemos que 769 delas (97,84%) fazem parte da
Administração Direta e apenas 16 pertencem à Administração Indireta (2,03%),
englobando-se 01 município que não informou sua constituição jurídica (0,13%).
Daquelas pertencentes à Administração Indireta 12 são constituídas sob a forma
de autarquias (75%), 01 sob a forma de fundação (6,25%) e 03 constituídas como
empresas públicas (18,75%).

Em
relação à localização de sua sede, temos que 323 delas possuem prédio de uso
exclusivo (41,09%), 313 se situam em prédio em conjunto com outra entidade (39,82%),
146 declararam não possuir sede (18,58%) e 04 nada informaram sobre a situação
de suas sedes (0,51%).

A
faixa de salário inicial do cargo de guarda municipal varia entre 1 salário
mínimo (225 – 28,63%), mais de 1
a 3 salários mínimos (503 – 64%), mais de 3 a 5 salários mínimos (49 –
6,23%) e mais de 5 salários mínimos (2 – 0,25%), somados 07 municípios que não
informaram a faixa salarial de ingresso (0,89%).

Apesar
de possuírem mais de 115 anos de existência, apenas 183 guardas municipais
possuem um de seus integrantes ocupando a função de Comandante (23,28%). A
maioria da guardas municipais são comandadas por policiais militares (308 –
39,19%), seguidos por civis (176 – 22,39%), militares federais (49 – 6,23%),
policiais civis (37 – 4,71%), bombeiros militares (21 – 2,67%) e policiais
federais (4 – 0,51%), além de outras 08 instituições cuja formação não foi
informada (1,02%).

Do
total de guardas municipais, excluídos os municípios que não informaram a
existência de órgão de controle, 566 declararam não possuir nenhum órgão de
controle (72,01%), externo ou interno, enquanto que 157 declararam possuir
órgão interno e 104 se sujeitam à fiscalização por órgãos externos, sendo
computados, eventualmente, aquelas que se sujeitam ao controle simultâneo dos órgãos
internos e externos.

A
realização de treinamento ou capacitação, que pode incluir a realização em mais
de uma oportunidade (ingresso, atualização e aperfeiçoamento), é efetuada por
ocasião do ingresso do guarda municipal em 455 instituições (57,89%), sendo que
em 131 delas não é efetuado nenhum tipo de treinamento ou capacitação (16,67%)
e em 200 delas o aprendizado ocorre após o ingresso funcional (25,44%). De
acordo com os dados fornecidos 322 instituições informaram que os realizam
periodicamente, enquanto que 152 efetuam apenas ocasionalmente.

Com
relação ao tipo de atividade exercida, foram obtidos os seguintes resultados:


Segurança e/ou proteção do prefeito e/ou outras autoridades: 360 (45,80%);


Ronda escolar: 565 (71,88%);


Proteção de bens, serviços e instalações do município: 750 (95,42%);


Posto de guarda: 247 (31,42%);


Patrulhamento ostensivo a pé, motorizado ou montado: 500 (63,61%);


Atividades de defesa civil: 339 (43,13%);


Atendimento de ocorrências policiais: 248 (31,55%);


Proteção ambiental: 296 (37,66%);


Auxílio no ordenamento do trânsito: 456 (58,01%);


Controle e fiscalização do comércio ambulante: 264 (33,59%);


Auxílio à Polícia Militar: 558 (70,99%);


Ações educativas junto à população: 381 (48,47%);


Auxílio à Polícia Civil: 435 (55,34%);


Patrulhamento de vias públicas: 484 (61,58%);


Auxílio ao público: 653 (83,08%);


Auxílio no atendimento ao Conselho Tutelar: 153 (19,46%);


Segurança em eventos/comemorações: 660 (83,97%);


Outra: 72 (9,16%).

O
transporte mais utilizado para a realização dessas atividades é o automóvel
(470), seguido pela motocicleta (406), bicicleta (123), cavalo (10) e outros
tipos (38), sendo que 210 delas informaram não utilizar nenhum tipo de
transporte para a consecução de suas tarefas, denotando que a realização das
atividades é feita por integrantes atuando a pé. Ressalte-se que determinadas
instituições podem utilizar mais de um tipo de transporte, seja automóvel e
motocicleta ou motorizado e a pé.

Os
atendimentos prestados pelas guardas municipais são registrados por meio de
livro de ocorrência (348), formulário impresso (207), formulário eletrônico
(17) ou por outras formas (16). Do total de municípios pesquisados, 193 informaram
que suas guardas municipais não registram os atendimentos prestados, sendo que
05 prefeituras nada informaram com relação ao dado solicitado.

3 Poder de polícia

“O
poder de polícia, em suas manifestações arcaicas, nada mais era que a atividade
destinada a manter uma ordem interna do grupo, indispensável à sua própria
sobrevivência” (MOREIRA NETO, 1987, p. 115). “Como manifestação da soberania
estatal, o poder de polícia tem sofrido as mutações conseqüentes das próprias
modificações de seu sujeito, que é o Poder Público” (FERREIRA, 1987, p. 208-9).
Suas origens remontam ao declínio do Estado Absolutista, no limiar do século
XVIII, que antecede a chegada de uma nova ordem na sociedade, o Estado Liberal,
período no qual o poder de polícia encontra sua contenção e redimensionamento.

Essa
mudança, entretanto, teve como primícias a revolta dos barões que submeteram o
Rei João Sem Terra à Carta Magna em 1215, posteriormente confirmada por
Henrique III em 1235. A
este ato se seguiram o Petition of Rigths
em 1628 e o Bill of Rigths em
1689, fatos que extinguiram definitivamente o absolutismo da monarquia.

O
primeiro surto histórico de expansionismo do poder de polícia surge após a
edição das Declarações de Direito da Virgínia (1776) e da França (1789), “que
caracterizam os direitos individuais como sagrados, inalienáveis e
inatingíveis”, colocando o Estado em uma “posição omissiva, acreditando que a
paz social resultaria, automaticamente, do livre jogo de interesses
particulares. Só intervinha para, diante do abuso do direito, restabelecer o
equilíbrio social” (FERREIRA, 1987, p. 209).

O
poder de polícia cingia-se a um processo de defesa da sociedade contra os
excessos individuais, limitando-se a fazer com que um indivíduo não perturbasse
os outros. Essas manifestações, entretanto, culminaram em expressivos abusos
individuais, fatos que conduziram a um novo conceito de manutenção da ordem,
gerada pela necessidade de contenção dos desajustamentos, hipertrofias e
deformações causadas pelo liberalismo (MOREIRA NETO, 1987).

“Quando
começaram a ruir os fundamentos do exclusivismo individualista do liberalismo, […]
o Estado teve que assumir outras atividades além daquelas essenciais,
tradicionalmente cumpridas, geralmente em conexão com o exercício do Poder de
Polícia” (MOREIRA NETO, 1987, p. 112-3). Surgiam aí as atividades interventivas
denominadas de serviços públicos.

Aliada
a essas novas demandas surgiu, concomitantemente, a premente necessidade de
intervenção estatal no domínio econômico, a fim de disciplinar as atividades
econômicas e garantir oportunidades iguais para todos (Ordenamento Econômico), assim
como a necessidade de impor limites ao homem enquanto ser social, com direitos
mais amplos, incumbindo ao Estado a tarefa de cuidar da educação, saúde,
trabalho, previdência, entre outros campos de atuação social (Ordenamento
Social).

Essa
fase marca a passagem do Estado Liberal para o Estado do Bem-Estar Social, por
meio do qual o Estado busca,

“por todos os meios a seu alcance, o acesso
dos indivíduos, dos grupos econômicos e dos grupos sociais às condições de
progresso, adotando medidas capazes de incentivar e mobilizar a iniciativa
privada para somar-se à sua ação na prevenção do interesse coletivo” (MOREIRA
NETO, 1987, p. 114).

Esse
processo, aliado ao progresso jurídico do Direito Público, faz surgir o
conceito do Estado de Direito, caracterizado pela diferenciação e separação as
atividades funcionais do Estado e a submissão do poder de polícia aos limites
da lei.

“Este
segundo surto histórico expansionista do poder de polícia […], já
perfeitamente balizado pelo Estado de Direito, é o que produziu sua atual
concepção e presente dimensão nos Estados Democráticos de Direito
contemporâneos” (MOREIRA NETO, 1987, p. 118).

“A
expressão poder de polícia, de origem jurisprudencial, teve nascimento no
direito norte-americano, criada por eminentes Ministros da Corte Suprema
daquele país, cuja repercussão se estendeu até nossos dias” (CRETELLA JUNIOR,
1987, p. 183), ingressando, “pela primeira vez, na terminologia legal, no
julgamento pela Corte Suprema do caso Brown versus
Maryland e reaparece em outros julgados, a partir de 1827, como limite ao
direito de propriedade para subordiná-lo aos interesses respeitáveis da
comunidade” (TÀCITO, 1987, p. 101).

Dentro
do atual arcabouço jurídico nacional é possível deparar-se com a expressão
poder de polícia no inciso II do artigo 145 da Constituição Federal, que
faculta aos entes federados a possibilidade de instituição de taxas em razão do
exercício do “poder de polícia” ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua
disposição.

Acerca
do poder de polícia o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de
outubro de 1966) nos traz a seguinte definição legal:

“Art. 78. Considera-se poder de
polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando
direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de
fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à
ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público,
à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais
ou coletivos (Redação
dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966).”

3.1 Conceito

Segundo
Miragem (2000), “as modernas concepções do Estado de Direito tem na concessão e
garantia de direitos aos seus cidadãos o seu fundamento mais precioso”. Para o
autor essa finalidade é desempenhada em primeiro lugar pela Constituição, que
“passou a sistematizar esta outorga de direitos e deveres aos cidadãos,
disciplinando inclusive a forma como as normas jurídicas que lhe fossem
inferiores disporiam do estabelecimento ou restrição a tais direitos”.

Prossegue
o autor aduzindo que aí reside o “fundamento da legitimação do Estado, qual
seja, o de organizar a convivência social a partir da restrição a direitos e
liberdades absolutas, em favor de um interesse geral”. De igual forma, “outorgou-se
ao Estado a prerrogativa de indicar qual este interesse geral e de restringir o
conteúdo de determinados direitos a limites que permitam o respeito a garantia
deste interesse genérico”.

Essa prerrogativa de interferência e
limitação das condutas individuais, legitimada pelo arcabouço jurídico e com a
finalidade de busca do bem comum, ou interesse público, é que justifica a
realização da atividade pública doravante denominada de poder de polícia.

Embora a expressão esteja plenamente
consagrada na doutrina e na jurisprudência, sua conceituação em seus exatos
contornos é tarefa das mais difíceis. Essa dificuldade na conceituação é
caracterizada em face da existência de dualidades de concepções existentes.

Para Cretella Junior (1987), uma
dessas dualidades reside na distinção entre as chamadas concepções européia
continental e a norte-americana. Ao passo que, na França, seguida de perto pela
Itália, a defesa da ordem pública, da segurança, da salubridade, é o objetivo
preciso do poder de polícia, na jurisprudência e doutrina norte-americanas,
aquele poder transcende às formas construtivas de direitos individuais,
promanadas da Administração para estender-se, principalmente, até o exercício
da função legislativa.

Outra dualidade nos é apontada por
Celso Antonio Bandeira de Mello (apud MIRAGEM,
2000), que reconhece a existência de dois sentidos para o termo.

“Um amplo,
que consistiria na atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade
ajustando-as aos interesses coletivos que indica o universo das medidas do
Estado, aí inclusive as normas legislativas produzidas pelo poder competente. Em
sentido estrito, contudo, se pode observar o poder de polícia como intervenções
genéricas ou específicas do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim
de interferir nas atividades de particulares tendo em vista os interesses
sociais.”

Brandão Cavalcanti (apud CRETELLA
JUNIOR, 1987, p. 190) aponta que

“em
sentido lato, a expressão poder de polícia deve ser entendida como o ‘exercício
do poder sobre as pessoas e as coisas, para atender o interesse público’, explica
que ‘aquela designação não comporta definição rígida, mas inclui todas as
restrições impostas pelo poder público aos indivíduos em benefício do interesse
coletivo, saúde, ordem pública, segurança, e, ainda mais, os interesses
econômicos e sociais. E conclui: ‘Poder de Polícia é a faculdade de manter os
interesses coletivos de assegurar os direitos individuais de terceiros’. ‘O
poder de polícia visa”, continua, ‘à proteção dos bens, direitos, da liberdade,
da saúde, do bem-estar econômico. Constitui limitação à liberdade individual, mas
tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais do homem’.”

Na lição de Meirelles (2000a, p.
393), o “Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública
para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos
individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”, ou, “em
linguagem menos técnica, é o mecanismo de frenagem de que dispõe a
Administração Pública para conter os abusos do direito individual”.

No dizer de Lazzarini, poder de polícia
“é um conjunto de atribuições da Administração Pública, como poder público,
tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou
jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum” (1987, p. 27-8).

Moreira Neto (1994, p. 294), abarcando
a necessidade de um campo de atuação discricionária da Administração Pública em
face da multiplicidade de comportamentos nocivos aos interesses coletivos,
conceitua-o como:

“a
atividade administrativa que tem por objeto limitar e condicionar o exercício
de direitos fundamentais, compatibilizando-o com interesses públicos legalmente
definidos, com o fim de permitir uma convivência ordeira e valiosa.”

Segundo Cretella Junior (1987, p.
192-3) o poder de polícia é o mecanismo por meio do “qual os Estados de
direito, de nossos dias, satisfazem a tríplice objetivo, qual seja, o de
assegurar a tranqüilidade, a segurança, a salubridade, mediante uma restritiva
série de medidas, traduzidas, na prática, pela ação policial, que se propõe a
atingir tal desideratum”.

A par do conceito legal de polícia
administrativa dado pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional, Gasparini
(2003, p. 120) conceitua essa atribuição como sendo “a que dispõe a
Administração Pública para condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade
e o exercício da liberdade dos administrados no interesse público ou social”.

Na conceituação de Caio Tácito (apud
MEIRELLES, 1987, p. 148-9):

“O poder
de polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração
para disciplinar e restringir, em favor de interesse público adequado, direitos
e liberdades individuais. Essa faculdade administrativa não violenta o
princípio da legalidade porque é da própria essência constitucional das
garantias do indivíduo a supremacia dos interesses da coletividade. Não há
direito público subjetivo no Estado moderno. Todos se submetem com maior ou
menor intensidade à disciplina do interesse público, seja em formação ou em seu
exercício. O poder de polícia é uma das faculdades discricionárias do Estado,
visando à proteção da ordem, da paz e do bem-estar sociais.”

Registre-se, por fim, o surgimento
de divergência doutrinária quanto ao uso da expressão poder de polícia,
incômoda a alguns administrativistas, os quais vêm buscando outras denominações
técnicas para a designação da atuação estatal no campo das liberdades e
interesses individuais.

Segundo Miragem (2000), um dos
primeiros juristas a manifestar esta crítica foi Gordillo, “para quem
basicamente criara-se uma concepção autônoma no direito administrativo, o poder
de polícia, para indicar algo que em verdade resume-se à aplicação da lei –
conduta exigível de qualquer órgão do Estado, vinculados ou não à Administração”.

Prossegue o jurista aduzindo que

“Entre nós,
Sunfeld critica a atual noção de poder de polícia e a predominância da doutrina
em considerá-la a partir da perspectiva de ato de natureza negativa, exigindo
predominantemente uma abstenção do particular, bem como a solução que
identifica ter sido encontrada pela doutrina: a mera troca do termo que designa
as prerrogativas da Administração neste campo, notando a preferência da
doutrina moderna pela utilização do signo limitações administrativas.”

Propõe aquele autor o abandono do
termo e sua substituição pelo conceito de administração ordenadora, que abrange
a ação administrativa e a atividade legislativa, sendo conceituada como “a
parcela da função administrativa desenvolvida com o uso do poder de autoridade,
para disciplinar, nos termos e nos fins da lei, os comportamentos dos
particulares no campo de atividades que lhes é próprio”. Referido conceito
abrange quatro elementos fundamentais: “exercício de função administrativa,
voltada à organização da vida privada, dentro de uma relação genérica e com a
utilização do poder de autoridade”.

3.2 Atributos, meios de
exteriorização e delegação

Conforme
vimos acima, o poder de polícia é, em suma, concedido nos termos da lei e
regido pelas normas de Direito Administrativo, configurando-se na supremacia
concedida ao Estado para condicionar e restringir o uso e gozo dos bens e
liberdades individuais das pessoas físicas e jurídicas.

Em
regra, essa atribuição do exercício do poder de polícia compete à entidade a
quem a Constituição Federal concede a competência para legislar sobre o
assunto. Segundo Gasparini (2003, p. 123) “a expressão ‘atribuição de polícia’
pode ser tomada tanto em sentido amplo como em sentido estrito. Em sentido
amplo, abrange, além dos atos do Executivo, os do Legislativo. Em sentido
estrito, alcança somente os atos do Executivo”.

Preleciona
o referido autor que “essa atividade administrativa manifesta-se por atos normativos
e concretos. Dos primeiros são exemplos os regulamentos (venda de bebidas nos
períodos eleitorais e carnavalescos). Esses são atos gerais, abstratos e
impessoais”. Com relação aos segundos, aduz que “são exemplos os atos
administrativos de interdição de atividade não licenciada, de apreensão de
mercadoria deteriorada, de guinchamento de veículo que não oferece condição
ideal de uso […] e de interdição (confinamento) de louco (2003, p. 124).

Para
Di Pietro (2003, p. 113), considerando o poder de polícia em sentido amplo, de
modo que abranja as atividades do Legislativo e do Executivo, os meios de que
se utiliza o Estado para o seu exercício são:

“1. atos normativos em geral, a saber: pela
lei, criam-se as limitações administrativas ao exercício dos direitos e das
atividades individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas dirigidas
indistintamente às pessoas que estejam em idêntica situação; disciplinando a
aplicação da lei aos casos concretos, pode o Executivo baixar decretos,
resoluções, portarias, instruções;

2. atos administrativos e operações
materiais de aplicação da lei ao caso concreto, compreendendo medidas
preventivas (fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licença),
com o objetivo de adequar o comportamento individual à lei, e medidas
repressivas (dissolução da reunião, interdição de atividade, apreensão de
mercadorias deterioradas, internação de pessoa com doença contagiosa), com a
finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei.”

A
doutrina aponta como atributos específicos e peculiares ao exercício do poder
de polícia a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.

Segundo
Meirelles (2000b, p. 127), “a discricionariedade […] traduz-se na livre
escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder
de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a
atingir o fim colimado”.

Segundo
o autor a discricionariedade reside na “liberdade legal de valoração das
atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores”,
desde que, aponta, a sanção guarde correspondência e proporcionalidade com a
infração (2000b, p. 127).

Para
Di Pietro (2003, p. 113), embora a discricionariedade “esteja presente na maior
parte das medidas de polícia, nem sempre isso ocorre”. Nesse sentido,
preleciona a autora que, “às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade de
apreciação quanto a determinados elementos, como o motivo ou o objeto. Tal fato
se deve à impossibilidade de previsão, pelo legislador, de todas as hipóteses
possíveis para a atuação do poder de polícia”.

Em
outras circunstâncias, presente determinados requisitos, estabelece a lei qual
o comportamento exigido da Administração, a quem não cabe, no caso concreto,
qualquer possibilidade de livre escolha, quando então estaremos diante de um
ato vinculado. O ato assim considerado somente será considerado válido se
atender todas as exigências da lei ou do regulamento pertinente.

Preleciona
Di Pietro (2003, p. 114) que “para o exercício de atividades ou para a prática
de atos sujeitos ao poder de polícia do Estado, a lei exige alvará de licença
ou de autorização”. Prossegue a autora afirmando que no primeiro caso o ato é
vinculado, uma vez que a lei prevê os requisitos necessários para que se conceda
o alvará, tal como na obtenção da Carteira Nacional de Habilitação; no segundo
caso o ato é discricionário, vez que incumbe à Administração apreciar a
situação concreta e decidir se deve ou não conceder a autorização, diante do
interesse público pertinente, tal como na concessão do porte de arma de fogo.

Para
Meirelles (2000b, p. 127-8) a auto-executoriedade é “a faculdade de a
Administração decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios
meios sem intervenção do Judiciário”. Nesse sentido, segundo o autor, o STF já
decidiu concluindo que, “no exercício regular da autotutela administrativa,
pode a Administração executar diretamente os atos emanados de seu poder de polícia
sem utilizar-se da via cominatória, que é posta à sua disposição em caráter
facultativo”.

Na
conceituação de Di Pietro (2003, p. 114) a auto-executoriedade “é a
possibilidade que tem a Administração de, com os próprios meios, pôr em
execução as suas decisões, sem precisar recorrer previamente ao Poder
Judiciário”. Segundo a doutrinadora, alguns autores desdobram o princípio em
dois: a exigibilidade e a executoriedade.

A
exigibilidade é a possibilidade que a Administração possui de tomar decisões
executórias sem que haja prévio pronunciamento do juiz para impor a obrigação
ao administrado. Para tanto se vale a Administração de meios indiretos de
coação, tais como a imposição de multa e o condicionamento do licenciamento do
veículo à quitação das multas não pagas.

A
executoriedade se refere à possibilidade da Administração impor diretamente ao
administrado a decisão executória, valendo-se para tanto, inclusive, do uso de
força pública para tal desiderato. Nessas situações diz-se que a Administração
se vale de meios diretos de coação, tal como, por exemplo, quando apreende
mercadorias e interdita estabelecimentos.

A
coercibilidade é “a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração
[…]. Realmente, todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para seu
destinatário), admitindo até o emprego da força pública para seu cumprimento,
quando resistido pelo administrado” (MEIRELLES, 2000b, p. 129).

Para
Di Pietro (2003, p. 115) “a coercibilidade é indissociável da
auto-executoriedade. O ato de polícia só é auto-executório porque dotado de
força coercitiva. Aliás, a auto-executoridade, tal como a conceituamos não se
distingue da coercibilidade […]”.

Segundo
Moreira Neto (1994, p. 295) “o poder de polícia atua de quatro modos: pela
ordem de polícia, pelo consentimento de polícia, pela fiscalização de polícia e
pela sanção de polícia”. Nos dizeres do doutrinador “a limitação é o
instrumento básico do Poder de Polícia e aqui se apresenta como ordem de
polícia, quem vem a ser um preceito legal, conforme reserva constitucional
(art. 5º, II)”, ou seja, são determinações incidentes sobre as atividades
particulares em benefício do interesse público e que englobam um preceito
negativo absoluto (não se faça aquilo que possa prejudicar o interesse geral) e
um preceito negativo com reserva de consentimento (não se deixe de fazer o que,
de alguma forma, poderá evitar posterior prejuízo público).

Outro
modo de atuação do poder de polícia se dá pelo consentimento de polícia, que é
“o ato administrativo de anuência para que alguém possa utilizar a propriedade
particular ou exercer atividade privada, naqueles casos em que o legislador
exija um controle prévio da compatibilização do uso do bem ou do exercício da
atividade com o interesse público” (MOREIRA NETO, 1994, p. 295).

Nesse
caso, verificando a Administração a implementação de todas as condições para o
exercício de direito ou de uso de faculdades, sejam elas jurídicas ou fáticas,
concederá a sua anuência, a qual é formalmente denominada de alvará (MOREIRA
NETO, 1994), o qual, segundo definição de Meirelles (2000b, p. 129), “é o
instrumento da licença ou autorização para a prática do ato, realização de
atividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo”.

Esse
alvará (formal) poderá se constituir, materialmente, em uma licença (ato
administrativo declarativo vinculado) ou uma autorização (ato administrativo
constitutivo discricionário). A concessão da licença está sempre vinculada à
lei e, desde que atendidas as exigências ali insertas, sua outorga é
obrigatória, tornando, por via de conseqüência, exeqüível um direito
preexistente, tal como decorre na concessão de licença para construção (direito
de edificação) (MESALIRA, 1998).

Na
autorização não há qualquer direito preexistente, mas sim mera expectativa de
sua concessão, ficando esta sujeita ao juízo da autoridade competente, conforme
a oportunidade e a conveniência. Esse juízo analisa se há compatibilização
entre o uso ou a atividade pretendidas e o interesse público, o qual poderá ser
revisto e alterado a qualquer tempo (precário). Atualmente a legislação não
permite que se porte armas, entretanto, poderá o Estado consentir que
determinado cidadão venha a portá-la (autorização para porte de arma)
(MESALIRA, 1998).

A
fiscalização de polícia destina-se a verificar o exato cumprimento, pelos
administrados, das ordens e dos consentimentos de polícia, principalmente no
que tange à utilização correta dos bens e realização das atividades.

De
acordo com Moreira Neto (1994, p. 297), “sua utilidade é dupla: primeiramente,
realiza a prevenção das infrações pela observação do cumprimento, pelos
administrados, das ordens e consentimentos de polícia; em segundo lugar,
prepara a repressão das infrações pela constatação formal dos atos infringentes”,
podendo ser “deflagrada ex officio ou
provocada por quem quer que tenha interesse no cumprimento da ordem ou em
manter, prorrogar ou remover certo consentimento de polícia”.

A
sanção de polícia é a fase final do mecanismo de fiscalização preventiva,
quando então, verificada a ocorrência de infração às ordens e consentimentos de
polícia, haverá a intervenção sancionatória estatal sobre a propriedade e
atividades privadas. Moreira Neto (1994) indica dois tipos de sanção: a
externa, que incide sobre os administrados, e a interna, aplicável aos
servidores públicos.

Para
o autor a sanção de polícia visa “assegurar, por sua aplicação, a repressão da
infração e a restabelecer o atendimento do interesse público, compelindo o
infrator à prática do ato corretivo ou dissuadindo-o de persistir no
cometimento da infração administrativa” (1994, p. 297).

Outro
ponto fulcral com relação ao poder de polícia e que suscita divergências
doutrinárias é a possibilidade da delegação de seu exercício. Azevedo (2007)
oportunamente nos apresenta três posições da doutrina a respeito do assunto:

“[…]
A primeira que considera o poder
de polícia indelegável por se tratar de instituto relacionado à soberania do
Estado, estando superada atualmente, por existirem atividades administrativas
ligadas ao poder de gestão.

A
segunda, que é liderada pelo
professor e desembargador Nagib Slaibi Filho, admite a delegação total, tendo
como fundamento a admissibilidade de prisão em flagrante por qualquer um do
povo como exemplo de delegação máxima oriunda da própria Constituição, o que
permitiria outras delegações de menor grau. Com a devida vênia, há uma confusão
entre os conceitos de polícia ostensiva, judiciária e polícia administrativa
(polícia-função).

E
a terceira corrente,
majoritária, e posição atual do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é
liderada pelos professores Marcos Juruena Vilela Souto e Diogo de Figueiredo
Moreira Neto, para quem o poder de polícia é parcialmente delegável, devendo
ser dividido em quatro ciclos: 1°- ordem de policia, 2°- consentimento de
polícia, 3°-fiscalização de polícia e 4°- sanção de polícia.

Assim,
os 2° e 3° ciclos seriam delegáveis, pois estariam ligadas ao poder de gestão
do Estado, enquanto que os 1° e 4° ciclos seriam indelegáveis por retratarem
atividade de império, típicas, portanto.”

Não se deve
confundir a delegação de serviços públicos com a delegação do exercício do
poder de polícia. Aquela é modalidade em que são contratantes (sob a forma de
delegação, concessão ou credenciamento) a Administração Pública e o particular,
a fim de que este execute determinado serviço em nome próprio, por sua conta e
risco, com a conseqüente contraprestação paga pelo usuário.

O poder de
polícia, como visto acima, é atividade comedida ao Estado para limitar e
condicionar o uso dos bens, atividades e liberdades individuais, adequando-os
ao interesse público peculiar. Não pode, portanto, ser estendida ao particular,
tornando-se indelegável fora do âmbito dos órgãos e entidades da administração
direta e indireta. Conforme citado acima, ainda que assim o seja, para o mestre
Diogo de Figueiredo Moreira Neto essa delegação circunscreve-se tão somente ao
2º e 3º ciclos, respectivamente, o consentimento e a fiscalização de polícia.

Para Azevedo
(2007), “seja como for, para que o poder de policia seja delegável é essencial
que a pessoa jurídica tenha vinculação oficial com a Administração Pública, que
a delegação de atribuição seja previamente autorizada em lei formal”, assim
como seja imprescindível que “a pessoa jurídica necessite do uso da imperatividade,
já que a fiscalização e o consentimento são também uma das vertentes do poder
de império”.

Conforme
assentado por Meirelles (2000b, p. 122-3) “deve-se distinguir o poder de
polícia originário do poder de polícia delegado, pois aquele nasce com a
entidade que o exerce e este provém de outra, através de transferência legal”.
Aduz o autor que o poder de polícia originário é exercido plenamente, em todas
as suas nuances, ao passo que o delegado encontra limite nos termos da lei que
o instituiu, abrangendo apenas atos de execução, o que, per si, não o exime da faculdade de aplicar sanções aos infratores,
uma vez que se trata de desdobramento da atribuição de seu exercício.

Igual
entendimento é esposado por Rizzardo (2003), para quem essa delegação de
atividades restringe-se unicamente às atividades executivas, não sendo
permitido que englobe os poderes normativos, os quais são de competência
privativa dos órgãos superiores.

O CTB
permite que os órgãos e entidades de trânsito que compõem o SNT possam delegar
a execução de atividades e o exercício de suas competências a outros órgãos e
entidades de trânsito, no âmbito do SNT, e até mesmo para particulares,
excluído para estes qualquer atividade relacionada com o exercício do poder de
polícia de trânsito. O assunto será estudado em capítulo próprio, entretanto,
por ora, colacionamos os seguintes excertos:

“Art. 19.
Compete ao órgão máximo executivo de trânsito da União: […]

II –
proceder à supervisão, à coordenação, à correição dos órgãos delegados, ao controle
e à fiscalização da execução da Política Nacional de Trânsito e do Programa
Nacional de Trânsito; […]

VII –
expedir a Permissão para Dirigir, a Carteira Nacional de Habilitação, os
Certificados de Registro e o de Licenciamento Anual mediante delegação aos
órgãos executivos dos Estados e do Distrito Federal; […]

XX –
expedir a permissão internacional para conduzir veículo e o certificado de
passagem nas alfândegas, mediante delegação aos órgãos executivos dos Estados e
do Distrito Federal; […]

§ 1º
Comprovada, por meio de sindicância, a deficiência técnica ou administrativa ou
a prática constante de atos de improbidade contra a fé pública, contra o
patrimônio ou contra a administração pública, o órgão executivo de trânsito da
União, mediante aprovação do CONTRAN, assumirá diretamente ou por delegação, a
execução total ou parcial das atividades do órgão executivo de trânsito
estadual que tenha motivado a investigação, até que as irregularidades sejam
sanadas. […]

Art.
20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas
federais: […]

V –
credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de segurança
relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e transporte de carga
indivisível; […]

Art.
22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do
Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição: […]

II –
realizar, fiscalizar e controlar o processo de formação, aperfeiçoamento,
reciclagem e suspensão de condutores, expedir e cassar Licença de Aprendizagem,
Permissão para Dirigir e Carteira Nacional de Habilitação, mediante delegação
do órgão federal competente;

III –
vistoriar, inspecionar quanto às condições de segurança veicular, registrar,
emplacar, selar a placa, e licenciar veículos, expedindo o Certificado de
Registro e o Licenciamento Anual, mediante delegação do órgão federal
competente; […]

VII –
arrecadar valores provenientes de estada e remoção de veículos e objetos; […]

X –
credenciar órgãos ou entidades para a execução de atividades previstas na
legislação de trânsito, na forma estabelecida em norma do CONTRAN; […]

Art. 23.
Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal: […]

III –
executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como
agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários,
concomitantemente com os demais agentes credenciados; […]

Art. 24.
Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito
de sua circunscrição: […]

XII –
credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de segurança
relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e transporte de carga
indivisível; […]

Art. 25.
Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão
celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à
maior eficiência e à segurança para os usuários da via.

Parágrafo
único. Os órgãos e entidades de trânsito poderão prestar serviços de
capacitação técnica, assessoria e monitoramento das atividades relativas ao
trânsito durante prazo a ser estabelecido entre as partes, com ressarcimento
dos custos apropriados.”

Assim,
verifica-se que muitas atividades que deveriam ser prestadas pelo Poder Público
podem e, na maioria das vezes, são prestadas por meio de delegação a terceiros,
sejam pessoas físicas ou jurídicas. Tal hipótese se dá, por exemplo, nos
seguintes casos:

– delegação
do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) aos órgãos executivos dos
Estados e do Distrito Federal para realizar, fiscalizar e controlar o processo
de formação, aperfeiçoamento, reciclagem e suspensão de condutores, expedir e
cassar Licença de Aprendizagem, Permissão para Dirigir e Carteira Nacional de
Habilitação;

– credenciamento
de serviços de escolta, de remoção de veículos e transporte de carga
indivisível.

4 O Código de Trânsito Brasileiro

4.1 Contexto histórico

A
legislação de trânsito no Brasil não é recente, conforme nos lembra Rizzardo
(2003). De acordo com o autor, a primeira legislação de que se tem notícia é o
Decreto nº 8.324, de 27 de outubro de 1910, que disciplinava o serviço de
transporte por automóveis.

De
acordo com as informações históricas colacionadas por Pinheiro (2000, p. 1), “nesse
decreto, os condutores eram ainda chamados de motorneiros, exigindo o art. 21
que se mantivessem constantemente senhores da velocidade do veículo, devendo
diminuir a marcha ou mesmo parar o movimento todas as vezes que o automóvel
pudesse ser causa de acidente”.

Seguiu-se,
após, a edição do Decreto Legislativo nº 4.460, de 11 de janeiro de 1922, que
disciplinava a construção de estradas e a carga máxima permitida para os
veículos, diploma normativo que consignou pela primeira vez a expressão
“mata-burros”. Durante o governo do Presidente Washington Luiz editou-se o
Decreto legislativo nº 5.141, de 05 de janeiro de 1927, o qual mencionou pela
primeira vez o termo “autocaminhões” (PINHEIRO, 2000).

O
primeiro diploma na forma de estatuto, de âmbito nacional, surgiu com o Decreto
nº 18.323, de 24 de julho de 19282, que englobava 93 artigos e disciplinava
assuntos específicos de trânsito, tais como a circulação internacional de
automóveis no território brasileiro, a sinalização, segurança e polícia nas
estradas de rodagem (RIZZARDO, 2003).

O
referido decreto perdurou até a edição do primeiro Código Nacional de Trânsito,
instituído pelo Decreto-Lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 1941, o qual foi
posteriormente substituído pelo Decreto-Lei nº 3.651, de 25 de setembro de
1941. Em 21 de setembro de 1966 é editada a Lei nº 5.108, que instituiu o
Código Nacional de Trânsito (CNT), a qual, juntamente com o Regulamento do
Código Nacional de Trânsito (RCNT), promulgado com a edição do Decreto nº
62.127, de 16 de janeiro de 1968, passam a ordenar e disciplinar o trânsito de
veículos nas vias terrestres (PINHEIRO, 2000).

Após
diversas alterações produzidas ao longo de sua vigência e tendo sido objeto de
uma primeira Comissão Revisora em 1973, cujo anteprojeto não foi acolhido, em
06 de junho de 1991 foi instituída Comissão Especial com o objetivo de
apresentar novo anteprojeto do Código Nacional de Trânsito. Atendia-se, assim,
a premência de alterações na legislação de trânsito, fruto dos reclamos da
sociedade em virtude do alto índice de acidentes e elevada impunidade dos
infratores (PINHEIRO, 2000).

Findo
os trabalhos da referida Comissão, foi enviado ao Congresso através de Mensagem
presidencial através do Aviso nº 543, de 22 de abril de 1993, sendo apreciado,
na Câmara dos Deputados, como Projeto de Lei nº 3.710/93, local onde foi objeto
de significativas alterações por Comissão Especial designada para o seu exame, tendo
sido remetido ao Senado sob a rubrica de Projeto de Lei da Câmara nº 73/1994
(PINHEIRO, 2000).

Naquela
Casa revisora foi apresentado Substitutivo ao projeto encaminhado pela Câmara,
o qual retornou à Casa de origem, com o fito de ser analisado por nova Comissão
Especial, sendo que após os trâmites regimentais o referido projeto de lei foi
transformado na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código
de Trânsito Brasileiro (PINHEIRO, 2000).

A
vigência do CTB foi fruto de diversas polêmicas entre os doutrinadores, uma vez
que seu artigo 340 determinava a entrada em vigor após 120 dias após a data de
sua publicação, a qual se deu em 24 de setembro de 1997, sendo que a maioria
dos intérpretes considera que sua vigência iniciou-se a contar de 22 de janeiro
de 1998 (RIZZARDO, 2003, PINHEIRO, 2000), já com as modificações impostas pela
Lei nº 9.602, de 21 de janeiro de 1998.

Ao
longo desses quase dez anos de vigência o CTB foi alterado por diversas vezes
através das Leis nº 9.792 (14.04.99), 10.350 (24.12.01), 10.517 (11.07.02),
10.830 (23.12.03), 11.275 (07.02.06) e, mais recentemente, pela Lei nº 11.334
(25.07.06), que estabeleceu novo regramento quanto ao infracionamento por
excesso de velocidade.

O
CTB possui 340 artigos, divididos em 20 capítulos, com especial relevo para
aqueles que tratam das normas gerais de circulação e conduta, das infrações, do
processo administrativo e dos crimes de trânsito, bem como dois anexos: dos
conceitos e definições (I) e sinalização (II), tendo sido o teor deste último
alterado pela Resolução CONTRAN nº 160/04. Apesar de soar contraditório uma
resolução revogar o anexo de uma lei ordinária, tal se deu em virtude da
interpretação que os membros do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) tiveram
acerca do teor do artigo 306 do CTB.

É
de bom alvitre esclarecer-se que o regramento de trânsito não se esgota tão
somente com o CTB, sendo este apenas uma parte do complexo e sistêmico conjunto
de atos normativos, estritos e amplos, a que se convencionou chamar de
legislação de trânsito, dela fazendo parte outras leis e decretos esparsos, a
exemplo do Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos
(RTTP), instituído pelo Decreto nº 96.044/1988, bem como diversas resoluções,
deliberações e portarias expedidas pelo CONTRAN, DENATRAN, DNIT, CETRAN, DETRAN,
DER e outros órgãos e entidades de trânsito estaduais e municipais, na esfera
de suas competências.

4.1 Definições e conceitos do
Direito do Trânsito

Muitos
são os doutrinadores que defendem a autonomia do Direito de Trânsito, a exemplo
do preclaro Waldyr de Abreu. Para o autor “a autonomia legislativa do direito
de trânsito é bem caracterizada pelos códigos de trânsito, que regulam, pelo
menos, parte relevante desta novel disciplina”, assim como sua “autonomia
científica […] está suficientemente demonstrada nos princípios fundamentais
norteadores dos referidos códigos” (1998, p. 313).

Discorrendo
sobre o assunto, aponta o jurista os seguintes princípios informadores dessa
disciplina jurídica: preservação da segurança, garantia da fluidez, respeito à
corrente de trânsito, da confiança e da direção defensiva.

Segundo
os princípios da preservação da segurança e da garantida da fluidez todos os
usuários das vias (condutores, pedestres, ciclistas, etc.) devem comportar-se
de modo a não causar prejuízo ou incômodo à circulação. No CTB esses princípios
são encontrados na regra geral disposta no artigo 26, o qual preconiza que:

“Art. 26.
Os usuários das vias terrestres devem:

I –
abster-se de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito
de veículos, de pessoas ou de animais, ou ainda causar danos a propriedades
públicas ou privadas;

II –
abster-se de obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, atirando, depositando ou
abandonando na via objetos ou substâncias, ou nela criando qualquer outro
obstáculo.”

Essas
normas de comportamento se desdobram em muitos outros dispositivos e estendem
seu alcance a outros bens jurídicos tutelados pelo CTB, tais como a preservação
da saúde e do meio ambiente (art. 1º, § 5º), o conforto e à educação para o
trânsito (art. 6º, inc. I) e a proteção à via e à incolumidade física da pessoa
(art. 269, § 1º).

O
respeito à corrente de trânsito aduz que, em circulação, deve-se partir da base
a marcha paralela ao eixo da via é a normalidade para o tráfego, ao passo que
as manobras de qualquer tipo são anormalidades que perturbam a circulação. No
CTB esse princípio vem expressão, principalmente, nos artigos 34 e 35, os quais
preconizam, sinteticamente, que a realização de qualquer manobra deve levar em
conta a posição, velocidade e direção do veículo, de forma a criar um perigo
para os demais usuários da via, assim como tal manobra deve ser deve ser
indicada de forma clara e com a devida antecedência.

Segundo
o princípio da confiança “o usuário da via tem o direito de contar que os
demais usuários se comportem, como ele, de maneira correta, a menos as
circunstâncias particulares sejam de tal natureza a lhe permitir reconhecer que
não é assim” (WELZEL apud ABREU,
1998, p. 160). Exemplos dessa regra de comportamento podem ser encontrados nos
artigos 42, segundo o qual nenhum condutor deverá frear bruscamente seu
veículo, salvo por razões de segurança, e no inciso II do artigo 43, o qual
estabelece que sempre que o condutor desejar diminuir a velocidade deve antes
se certificar que pode fazê-lo sem risco para outros condutores, a não ser que
haja perigo iminente.

O
princípio da direção defensiva estabelece, principalmente aos condutores de
veículo, que além de não se envolverem em acidentes, estejam aptos a prevenir
os acidentes evitáveis, diga-se: previsíveis e evitáveis, ou seja, aqueles cuja causa está
ligada à conduta de outros usuários da via ou condições atmosféricas, das vias
ou dos veículos. No CTB encontramos presentes esse princípio nos artigos 27 e
28, abaixo transcritos:

“Art. 27.
Antes de colocar o veículo em circulação nas vias públicas, o condutor deverá
verificar a existência e as boas condições de funcionamento dos equipamentos de
uso obrigatório, bem como assegurar-se da existência de combustível suficiente
para chegar ao local de destino.

Art. 28. O
condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com
atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito.”

Com
relação às expressões utilizadas no CTB, seus conceitos e definições são
aqueles estabelecidos em seu Anexo I,
do qual ousamos transcrever apenas aqueles relacionados aos objetivos do
presente estudo:

“AGENTE DA
AUTORIDADE DE TRÂNSITO – pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela
autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização,
operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento. […]

AUTORIDADE
DE TRÂNSITO – dirigente máximo de órgão ou entidade executivo integrante do
Sistema Nacional de Trânsito ou pessoa por ele expressamente credenciada. […]

FISCALIZAÇÃO
– ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de
trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de
circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as
competências definidas neste Código. […]

OPERAÇÃO
DE TRÂNSITO – monitoramento técnico baseado nos conceitos de Engenharia de
Tráfego, das condições de fluidez, de estacionamento e parada na via, de forma
a reduzir as interferências tais como veículos quebrados, acidentados,
estacionados irregularmente atrapalhando o trânsito, prestando socorros
imediatos e informações aos pedestres e condutores. […]

PATRULHAMENTO
– função exercida pela Polícia Rodoviária Federal com o objetivo de garantir
obediência às normas de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando
acidentes.  […]

POLICIAMENTO
OSTENSIVO DE TRÂNSITO – função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo
de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir
obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre
circulação e evitando acidentes.”

4.2 A municipalização do trânsito

A
Carta Magna de 1988 alterou substancialmente a posição do município na
Federação, passando a considerá-lo como parte integrante e indissolúvel da
estrutura federativa vigente, acolhendo-se antiga reivindicação de
municipalistas clássicos, do escol de Hely Lopes Meirelles.

“Nos
termos, pois, da Constituição, o Município brasileiro é entidade estatal
integrante da Federação, como entidade político-administrativa, dotada de
autonomia política, administrativa e financeira” (SILVA, 2002, p. 619). “A
autonomia municipal, da mesma forma que a dos Estados-membros, configura-se
pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização própria,
autogoverno e auto-administração” (MORAES, 2004, p. 276).

A
fim de não fugirmos ao objeto do presente estudo, analisaremos mais
detidamente, apenas, a capacidade de auto-administração, que compreende o
exercício das competências administrativas, legislativas e tributárias,
pressuposto e elemento caracterizador do convívio no Estado Federal.

Segundo
Moraes (2004, p. 290), “o princípio geral que norteia a repartição de
competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da
predominância do interesse”, de tal forma que “à União caberá aquelas matérias
e questões de predominância do interesse geral ao passo que aos Estados
referem-se a matérias de predominante interesse regional, e aos municípios
concernem os assuntos de interesse local”.

Dispõe o artigo 30 da Carta Magna que compete ao
município suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber (Inc.
II), bem como legislar sobre assuntos de interesse local. Para Ferreira (apud MORAES, 2004, p. 304), “interesse local
refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades
imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional
(Estados) ou geral (União)”.

Para
Meirelles (2000a, p. 279), “a propósito, a Constituição de 1988, inovando nesse
aspecto, elegeu determinados serviços públicos de interesse local em dever
expresso do Município”. Prossegue o culto jurista indicando que

“É o que ocorre com o transporte coletivo,
dando-lhe, inclusive, caráter de essencialidade (art. 30, V); com os programas
de educação pré-escolar e de ensino fundamental (art. 30, VI); com o serviço de
atendimento à saúde da população; com o ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (art.
30, VIII); e com o a proteção do patrimônio histórico- cultural local (art. 30,
IX).”

Podem
ser indicados vários motivos para definir a intenção do legislador constituinte
ao ampliar sensivelmente as atribuições do município dentro da estrutura
federativa. Dentre eles, sem dúvida, talvez o principal se refira à própria
leitura da realidade da maioria dos cidadãos: todos eles residem nos municípios
e ali utilizam a maioria dos serviços públicos, normalmente prestados pela
municipalidade, ou seja, todos se vêem ligados ao município e apenas
indiretamente se dirigem a algum serviço prestado pelo Estado ou pela União.

Essa
preocupação legislativa vem se acentuando modernamente através do que se
convencionou denominar de “municipalização de serviços públicos”, de tal forma
que se permite aos municípios a assunção da prestação de diversos serviços
públicos concernentes ao Estado e à União. Essa municipalização ampliou-se
consideravelmente nas áreas da saúde e da educação, tendo o município assumido
a sua prestação integral com o apoio de repasse financeiro dos demais entes
federados, o que, stricto sensu, diverge diametralmente das questões sub
examem,
posto que não há transferência de competências restritas e, sim, o
compartilhamento nas funções que a rigor deveriam ser realizadas quer pelo
Estado ou pelo Governo Federal.

Outro
caminho não poderia seguir o legislador durante a elaboração do CTB, tendo em
vista a forte pressão exercida pelos municipalistas e pela corroboração da necessidade
de municipalização do trânsito em consonância com as questões de uso e ocupação
do solo e das funções urbanas, conforme restou assentado em Parecer relatado
pelo Deputado Federal Ary Kara no Projeto de Lei nº 73/94 (PINHEIRO, 2000).

E
nesse ponto o CTB foi pródigo, uma vez que, além de inserir definitivamente o
município no SNT, ampliou sensivelmente a competência dos municípios. Para Rizzardo
(2003, p. 106), dentre os poderes que lhes foram reservados, apresentam
especial importância “as funções de organização do trânsito urbano e de
aplicação e arrecadação de multas em inúmeros casos, relacionados às infrações
contra as normas internas e ligados aos estacionamentos, à parada, à circulação
[…], inclusive aplicando as multas e arrecadando-as”.

Para
se entender o alcance dessa inovação, basta uma pequena digressão sobre o CNT e
o RCNT para que se verifique que a participação dos municípios cingia-se à
possibilidade de criação de um Conselho Municipal de Trânsito, com competência
normativa e recursal nos limites de sua competência, facultado apenas a
municípios com mais de 200 mil habitantes e com a aprovação do CONTRAN, além da
possibilidade de criação de órgão executivo rodoviário para aqueles que
possuíssem estradas municipais.

Logo
se vê, portanto, que a ampliação de competências municipais extrapolou as
expectativas de todos os municipalistas que pretendiam ver o trânsito
municipalizado, ainda que a grande maioria dos municípios brasileiros não
possua estrutura e condições de assumir essas funções. De acordo com dados constantes
do site do DENATRAN (2007), dos 5.568 (sic) municípios brasileiros apenas 856
se integraram ao SNT, ou seja, apenas 15,37% do total, o que demonstra que,
decorrido quase uma década da promulgação do CTB, o fim visado pelo legislador
não foi alcançado, ressaltando, por dever imperioso, se considerar dentre os
dados estatísticos, ponderações quanto as questões relativas ao êxodo rural e a
concentração populacional, visto que, em matéria de trânsito o Brasil poderia ter
condicionada a sua frota nos Estados do Nordeste, Sudeste (São Paulo e sul de
Minas Gerais), Centro-Oeste e Sul, cujo fator relativo aos Estados do Norte
pouca influência registram na frota de automóveis,  inclusive para a
municipalização da forma esperada.

Mas essa assunção de
funções não é automática; para tanto deve o município se integrar ao SNT,
conforme prescrevem a Resolução CONTRAN nº 106/99, o § 2º do artigo 24 e o
artigo 333, caput e §§, cumprindo os
requisitos mínimos necessários para que possa desempenhar as atividades de
planejamento, engenharia de tráfego, operação, educação e fiscalização de
trânsito, além do controle e análise de estatísticas.

De acordo com o
DENATRAN, para que o município se integre ao SNT é necessária a criação de um órgão
municipal executivo de trânsito ou, conforme o porte do município, poderá ser
reestruturada uma secretaria já existente, criando uma divisão ou coordenação
de trânsito, um departamento, uma autarquia, de acordo com as necessidades e
interesse do prefeito. Junto a esse órgão de trânsito deverá funcionar uma Junta
Administrativa de Recursos de Infrações (JARI), órgão colegiado responsável
pelo julgamento dos recursos interpostos contra penalidades impostas pelo órgão
executivo de trânsito.

Por meio de decreto
serão nomeados os membros do órgão de trânsito e da JARI, assim como o cidadão
que exercerá as funções de autoridade máxima de trânsito no município. Cópia de
toda a documentação (leis, decretos, regulamento da JARI, etc.) será
encaminhada ao DENATRAN para integração ao SNT e ao Conselho Estadual de
Trânsito (CETRAN) para credenciamento da JARI municipal.

Até
o ano de 2003 o DENATRAN disponibilizava em seu site um texto denominado de Roteiro
de Municipalização de Trânsito, por meio do qual indicava que a entidade ou
órgão municipal de trânsito poderia optar por ter sua fiscalização feita pela
Polícia Militar, com base no artigo 23 do CTB, ou ter seu próprio quadro de
fiscais, observando-se a necessidade de concurso público para seleção de
pessoal com perfil adequado à função, treinamento e capacitação do pessoal
selecionado por meio de cursos e estágios, designação e credenciamento dos
agentes de operação por portaria com relação nominal, ou seja, acaso optasse
por ter seu próprio quadro de funcionário, deveria proceder a concurso público
visando o preenchimento da função específica de agente de trânsito.

Sabe-se
que o DENATRAN, por meio dos Pareceres nº 256/2004 e 247/2005/CGIJF/DENATRAN,
posiciona-se contra a utilização das guardas municipais na função de agentes de
trânsito, contrariando frontalmente o Plano Nacional de Segurança Pública,
projeto de governo que pretende a ampliação das funções das guardas municipais
no que tange à segurança pública e que instituiu, inclusive, uma Matriz
Curricular Nacional para a formação de seus quadros e vem ampliando a
destinação de verbas para aquisição de equipamentos e implantação de projetos
de capacitação e aperfeiçoamento.

Atualmente
o Ministério das Cidades, a quem compete a coordenação máxima do SNT, conforme
Decreto nº 4.711/03, e a quem se vincula o CONTRAN e se subordina o DENATRAN,
expediu o Parecer CONJUR/CIDADES nº 1.409/2006, por meio do qual se manteve o
mesmo entendimento esposado nos pareceres elaborados pela assessoria jurídica
do DENATRAN, ou seja, que “falece à guarda municipal competência para atuar na
fiscalização de trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de
multas, também não detendo legitimidade para firmar convênio com os órgãos de
trânsito objetivando tal fim”.

Nesse
campo frise-se que o CETRAN de Santa Catarina é ainda mais explícito, indicando
em seu roteiro para municipalização que um dos passos a ser adotado pelo
município é a negociação de um Termo de Convênio entre a Secretaria de
Segurança Pública e a Polícia Militar para a delegação de suas atividades.

Assim,
esgotando-se o presente tópico, resta claro que a fiscalização do trânsito nos
municípios integrados ao SNT deve ser efetuada por meio de pessoal próprio
devidamente preparado e treinado ou por meio de convênio com a Polícia Militar,
hipótese também aceita por RIZZARDO (2003).

4.3 Sistema Nacional de Trânsito

“O Sistema Nacional
de Trânsito é o conjunto de órgãos instituídos no âmbito da administração
pública da União, dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, regidos pelos
princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e
publicidade” (PINHEIRO, 2000, p. 61).

Abrange, assim, todos
os órgãos e entidades das três esferas de poder (federal, estadual e municipal)
que atuam diretamente nas mais diversas áreas inerentes ao controle e
fiscalização dos condutores, veículos, tráfego e processo administrativo para
imposição de penalidades. O sistema contempla todas as nuances relativas ao
desenvolvimento normal do trânsito, desde a educação de trânsito, processos de
formação e reciclagem de condutores, registro e licenciamento de veículos,
engenharia, policiamento, operação e fiscalização de trânsito.

A esse respeito
note-se que o antigo conceito de trânsito, baseado na integração entre veículo,
via e o homem, vem sendo substituído, gradualmente, pela união entre educação,
engenharia e fiscalização, como sói acontecer em casos que tais, posto que este
último trinômio baliza e atinge as expectativas de um novo Código Civil, de
cunho social, que ao fácil se verifica pela urbanidade entre seus
administrados, o poder do Estado na fiscalização de sua competência e no caso
em estudo, a engenharia como fator de melhor fruição e comportamental do fluxo
de veículos nas rodovias urbanas e rurais.

A intenção do
legislador em criar condições propícias para um trânsito seguro acentuou-se no
presente codex, estabelecendo referenciais
e diretrizes voltadas para a busca da fluidez e do conforto dos usuários das
vias. Também mereceu especial relevo a educação de trânsito, necessária à
formação de potenciais usuários das vias públicas, e a proteção ambiental, tema
atual e correlato ao tráfego de veículos em virtude de sua potencialidade de
degradação ambiental, com a criação de regras relativas à redução da poluição
sonora (buzinas, equipamentos de som, silenciadores defeituosos, etc.) e
atmosférica (emissão de fumaça, gases, etc.).

De acordo com o
artigo 7º, o SNT é composto pelos seguintes órgãos e entidades:

“I
– o Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão
máximo normativo e consultivo;

II
– os Conselhos Estaduais de Trânsito – CETRAN e o Conselho de Trânsito do
Distrito Federal – CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores;

III
– os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios;

IV
– os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios;

V
– a Polícia Rodoviária Federal;

VI
– as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e

VII
– as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI.”

Antes
de tecermos explanações acerca da composição do SNT, mister se faz trazer à
colação a distinção entre entidade e órgão: entidade é pessoa jurídica, pública
ou privada, integrante da administração pública direta ou indireta, classificada
em estatais (União, Estados e Municípios), autárquicas, fundacionais (públicas
ou privadas), empresariais (empresa pública e sociedade de economia mista) e
paraestatais (serviços sociais autônomos e organizações sociais). O órgão é
ente despersonalizado, sujeito de direitos e obrigações, incumbido da
realização de funções estatais relacionadas com a entidade a que pertence,
através de seus agentes.

O artigo 7º traz um
rol taxativo quanto aos órgãos e entidades integrantes do SNT, delimitando-os
quanto a sua finalidade: normativos, consultivos, coordenadores, executivos,
executivos rodoviários, patrulhamento (DPRF), policiamento (PM) e de recursal
(CONTRAN, CETRAN/CONTRADIFE e JARI).

O Distrito Federal,
devido à sua constituição sui generis, pode
possuir órgãos executivos de trânsito municipal, estadual e rodoviário dentro
da área abrangida por seus limites territoriais.

Os órgãos normativos,
consultivos, coordenadores e recursivos são o CONTRAN, no âmbito federal, e o
CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal (CONTRADIFE), com sede nos
Estados e no Distrito Federal, respectivamente. A JARI, existente em cada um
dos órgãos executivos, possui competência recursal em relação às penalidades
aplicadas pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via.

Os órgãos executivos
de trânsito podem ser assim classificados: DENATRAN e Departamento Estadual de
Trânsito (DETRAN), respectivamente, na União e nos Estados e Distrito Federal,
além de Secretarias, Departamentos, Divisões de Trânsito e Autarquias, no
âmbito municipal.

Os órgãos executivos
rodoviários podem ser assim divididos: DNIT, no âmbito da União, e Departamento
de Estradas de Rodagem (DER), Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem
(DAER), Secretarias ou outras autarquias nos casos dos Estados. Apesar de haver
previsão para a existência desses órgãos na esfera municipal não se tem notícia
de que tenham sido criados nos municípios brasileiros.

A Polícia Rodoviária
Federal é órgão responsável pela fiscalização e patrulhamento ostensivo das
estradas e rodovias federais, tendo por objetivo garantir obediência às normas
de trânsito, assegurar a livre circulação e evitar acidente, enquanto que às
Polícias Militares incumbem a função de agentes da autoridade de trânsito no
âmbito estadual e, mediante convênio, no âmbito municipal, além do policiamento
ostensivo de trânsito, objetivando a prevenção e repressão de atos relacionados
com a segurança pública e a garantia de obediência às normas relativas à
segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.

Bem se vê, portanto,
que os órgãos e entidades elencados pertencem à Administração Direta e
comportam um rol taxativo, ou seja, para o exercício das competências indicadas
nos artigos 12 usque 24 deve o agente
público pertencer a algum dos órgãos e entidades ali indicados, sendo vedado a
inclusão ou criação de outros órgãos que não os ali especificados.

A respeito desse
assunto e a título de exemplo, o preclaro Pinheiro (2000, p. 65), comentando a
intenção da DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S/A), entidade criada no Estado
de São Paulo pela Lei nº 95, de 22 de dezembro de 1972, em criar uma JARI para
funcionar junto à mesma, aduz que

“é
oportuno reafirmar que as concessionárias de execução de serviços de
gerenciamento, construção e duplicação de rodovias, não integram o Sistema
Nacional de Trânsito e não possuem poder de polícia a ponto de implantar
operações regulamentadoras de trânsito de veículos e pedestres, à revelia do
órgão executivo com circunscrição sobre a via.”

Conforme Rizzardo
(2003, p. 37), “inexistem órgãos especiais de funcionários para a execução das
funções inerentes à implantação e cumprimento das normas de trânsito. A maior
proximidade se dá com as diversas classes de polícias instituídas no País”.
Para o autor, “cabe a formação de órgãos próprios nos assuntos que dizem
respeito ao trânsito, na esfera do Distrito federal, dos Estados e dos
Municípios” (2003, p. 38).

De acordo com o
entendimento esposado pelo jurista, a atividade de trânsito sempre foi e é
inerente à atividade policial, seja verificando o cumprimento das normas,
orientando motoristas e o tráfego, realizando bloqueios e autuando os
infratores. Partindo desse pressuposto, “pode-se afirmar que, na prática, a
Polícia Militar é quem realmente fiscaliza e exige o cumprimento das leis e
normas de trânsito, já que raramente há outros órgãos apropriados para o
desempenho de tal atividade” (2003, p. 103).

Assim sendo,
desejando o município integrar-se ao SNT, deve direcionar-se a uma das soluções
possíveis: criação de um corpo de funcionários próprios, com designação própria
e devidamente treinados e preparados, pertencentes aos quadros do órgão ou
entidade de trânsito e atendendo ao mandamento constitucional de acesso ao
serviço público mediante concurso de provas e títulos; delegação de atividades
a outros órgãos que lhes sejam subordinados hierarquicamente e sujeitas a
controle e fiscalização; assinatura de convênio com a Polícia Militar e/ou
DETRAN, delegando-lhes a execução, total ou parcial, de suas atividades.

Tudo o que acima foi
indicado só vem a corroborar a impossibilidade da Guarda Municipal em atuar
como agentes da autoridade de trânsito, conforme adiante se vê:

– primeiro porque,
conforme citado por Pinheiro (2000), estas não integram o SNT e, portanto, não
podem ser organizadas como órgão ou entidade de trânsito;

– segundo, por
decorrência lógica, não podem atuar sob a forma de convênio, conforme faculta o
artigo 25;

– terceiro, por
interpretação constitucional, tendo em vista a expressa delimitação de suas
funções institucionais, eventual desvio de função e a falta de lei complementar
federal, nos termos do inciso XI e § único do artigo 22 da CF/88, que
autorizariam o município a legislar sobre trânsito e transporte além da
competência que lhe é concedida (interesse local).

4.4 Órgãos e entidades de trânsito:
competências

De
acordo com Rizzardo (2003, p. 35), a divisão de competências no CTB, em relação
as três esferas de poder, restou assim dimensionada:


União: “legislar e organizar o trânsito em vias federais, direcionar a política
nacional, instituir condutas-padrão, impor exigências quanto aos veículos […],
dispor sobre a segurança dos veículos, a par de outras funções, com jurisdição
em todo o País”;


Estados e Distrito Federal: “estabelecer normas complementares e supletivas”, além
da “fiscalização do trânsito, a realização de exames para habilitação, o
registro e licenciamento de veículos”;


Municípios e Distrito Federal: no território de sua circunscrição incumbe-lhes
“direcionar o trânsito, organizando-o de modo a melhor atender os usuários,
dentro da competência restrita aos interesses locais e, assim,
exemplificativamente, no pertinente ao transporte de cargas em determinadas
vias, ao sentido de direção dos veículos em certas vias”.

A
divisão acima se refletiu também na divisão de competência entre os órgãos e
entidades de trânsito. Com efeito, enfeixou-se a competência normativa apenas
nos órgãos superiores da União e do Estado, enquanto que as competências
executivas e recursais foram distribuídas de acordo com a competência da autoridade
de trânsito com circunscrição sobre a via. Analisaremos, en passant, a competência dos órgãos e entidades de trânsito, com
especial relevo, unicamente, para as atribuições relativas aos municípios.

O CONTRAN é o órgão
máximo normativo, consultivo e recursal do SNT, incumbindo-lhe a coordenação
dos órgãos com o objetivo de integrar suas atividades. O legislador concedeu a
este órgão o poder de regulamentar, por meio de resoluções, as especificações
necessárias ao exato cumprimento das normas de trânsito, entre elas aquelas
relacionadas com a sinalização, equipamentos obrigatórios e condições
essenciais para registro, licenciamento e circulação de veículos. O extenso rol
de suas atribuições está expresso nos incisos do artigo 12 e em vários outros
artigos esparsos do CTB.

Em cada Estado há um CETRAN e no Distrito Federal
existe o CONTRADIFE, órgãos com mais poderes dentro dessa esfera estatal,
possuindo competência normativa, dentro de sua respectiva competência,
consultiva e recursal, contra as decisões das JARI e dos órgãos e entidades
executivos estaduais, no caso de inaptidão permanente constatado no exame de
aptidão física, mental ou psicológica. Cabe-lhes também a coordenação das
atividades dos demais órgãos estaduais e municipais, no que tange às atividades
ligadas à circulação de veículos automotores, sempre se reportando ao CONTRAN.

As
JARI são “órgãos recursais que atuam diretamente perante os órgãos ou
departamentos executivos de trânsito”. Contra as decisões exaradas por esses
órgãos, “nas autuações e aplicações de penalidades, a elas se dirigirão os
recursos, pois consideradas administrativamente uma segunda instância”
(RIZZARDO, 2003, p. 70-1).

O
DENATRAN é o órgão máximo executivo de trânsito, com circunscrição sobre todo o
território nacional, detentor de poderes para intervir em órgãos executivos
estaduais em casos de irregularidades comprovadas em casos de improbidade
contra a fé pública, o patrimônio e a administração pública. “Decompondo esta
importante finalidade, o art. 19 discrimina uma variada gama de atribuições
executivas, a começar por aquelas de caráter geral, e indo até a expedição de
documentos em algumas situações particularizadas” (RIZZARDO, 2003, p. 78).

Aos
órgãos e entidades executivos rodoviários da União (DNIT), dos Estados (DER ou
DAER), do Distrito Federal e dos Municípios é estabelecida competência para,
dentre outras funções e no âmbito de sua circunscrição, operar o trânsito de
veículos, pedestres e de animais, cuidar da engenharia de tráfego e fiscalizar
as infrações relacionadas com o veículo e o condutor, assim como aquelas
relativas a parada, circulação, estacionamento, excesso de peso, dimensões e
lotação dos veículos.

Os
órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal
(DETRAN) têm suas funções mais adstritas às questões administrativas e
burocráticas, relacionadas, dentre outras, com a aplicação de penalidades, aí
incluídas a advertência por escrito, a multa, a suspensão do direito de dirigir
e a cassação da habilitação, bem como a execução de atividades ligadas ao
registro e licenciamento de veículos e à concessão de habilitação legal, estas
por delegação do DENATRAN (RIZZARDO, 2003). Sua competência para fiscalização
de infrações excluem aquelas comedidas aos municípios, relativas à parada,
circulação, estacionamento, excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos.

 A Polícia Rodoviária Federal é órgão
responsável pela fiscalização e patrulhamento ostensivo das estradas e rodovias
federais, tendo por objetivo garantir obediência às normas de trânsito,
assegurar a livre circulação e evitar acidente, enquanto que às Polícias
Militares incumbem a função de agentes da autoridade de trânsito no âmbito
estadual e, mediante convênio, no âmbito municipal, além do policiamento
ostensivo de trânsito, objetivando a prevenção e repressão de atos relacionados
com a segurança pública e a garantia de obediência às normas relativas à
segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.

Aos
municípios incumbe, por meio de seus órgãos ou entidades executivos de
trânsito, dentro de sua circunscrição, organizar o trânsito e aplicar e
arrecadar as multas impostas por infrações ligadas ao uso da via, seja em
virtude de parada, circulação e estacionamento, assim como aquelas relativas à lotação,
excesso de peso e dimensões dos veículos.

Dentre
as inúmeras funções que lhe são atribuídas, relacionamos a que em nosso
entender, excetuada a fiscalização de trânsito, são as mais importantes:

– planejar, projetar, regulamentar e
operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o
desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

– implantar, manter e operar o
sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário;

– implantar, manter e operar sistema
de estacionamento rotativo pago nas vias;

– promover e participar de projetos
e programas de educação e segurança de trânsito de acordo com as diretrizes
estabelecidas pelo CONTRAN;

– planejar e implantar medidas para
redução da circulação de veículos e reorientação do tráfego, com o objetivo de
diminuir a emissão global de poluentes;

– fiscalizar o nível de emissão de
poluentes e ruído produzidos pelos veículos automotores ou pela sua carga, de
acordo com o estabelecido no art. 66, além de dar apoio às ações específicas de
órgão ambiental local, quando solicitado.

A consecução dessas atividades,
invariavelmente esquecida pela imensa maioria dos municípios integrados ao SNT,
adquirem vital importância para o alcance dos objetivos da Política Nacional de
Trânsito.

O direito a um trânsito seguro,
regular e ordenado foi erigido como direito fundamental, ao mesmo passo que, em
contrapartida, estabeleceu uma série de obrigações ao Poder Público, entre elas
a garantia das condições de segurança e de trafegabilidade normal, manutenção
das condições físicas e de sinalização das vias, assim como as atividades de
engenharia e educação para o trânsito (RIZZARDO, 2003).

Para o cumprimento desses objetivos
e a execução das competências acima arroladas, permitiu o legislador que os entes
federados pudessem ter amplo poder de conformação para a estruturação desses
serviços, através de órgãos próprios, conforme estatui o artigo 8º: “Os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão os respectivos órgãos e
entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, estabelecendo os
limites circunscricionais de suas atribuições”.

“As polícias estaduais colocam em
prática a fiscalização, e departamentos estaduais constituem-se para prestar os
serviços de emplacamentos e de concessão de licença para dirigir”. Com relação
“às sinalizações das vias, na órbita municipal, há órgãos que integram as
prefeituras, destinados para tais atividades” (RIZZARDO, 2003, p. 38).

Caso o ente federado não deseje
assumir a totalidade das suas atribuições, faculta o artigo 25 a possibilidade de
celebração de convênio entre os órgãos e entidades de trânsito, seja em virtude
do ente não possuir estrutura adequada ou recursos financeiros, sempre com
vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.

Reside aqui, portanto, outra
impossibilidade de atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de
trânsito. Explica-se: normalmente as prefeituras municipais instituem como
órgãos de trânsito as Secretarias de Trânsito, de Transportes ou criam Departamentos
de Trânsito, designando-se como autoridade de trânsito o seu dirigente maior;
incumbe a este, dentro das suas atribuições, decidir pela celebração de
convênio ou preparação de corpo próprio de profissionais devidamente
preparados.

Assim, desejando exercer com
exclusividade a fiscalização de trânsito, restam à autoridade de trânsito duas
possibilidades: nomeação de novos funcionários, com cargo e atribuições
próprias para a fiscalização de trânsito, ou utilização dos funcionários já
pertencentes ao órgão, desde que as atribuições de seus cargos permitam a
realização dessas funções, ou seja, a copeira, o motorista, o auxiliar
administrativo e o servidor em cargo de comissão ou de livre exoneração não
podem ser credenciados como agentes da autoridade de trânsito, apesar de
pertencerem àquele órgão ou entidade.

O
mesmo se diga em relação às guardas municipais, uma vez que a totalidade delas
não possui vínculo de subordinação com os órgãos ou entidades de trânsito e
executam atividade de império (típica de Estado), portanto, não podem ser
desviados de sua função precípua, que é a proteção de bens, serviços e
instalações municipais. O simples fato do CTB mencionar que o agente da
autoridade de trânsito poderá ser servidor civil não nos autoriza a dizer que
este se refira a qualquer servidor público; raciocínio tão simplista permitira
que um médico, um engenheiro ou um gari atuasse na fiscalização de trânsito, já
que pertencentes aos quadros da Prefeitura Municipal.

É
sabido que todo cargo enfeixa uma série de atribuições e funções, portanto, a
atuação funcional do servidor é, primeiramente, vinculada ao seu estatuto
jurídico. Nem se diga, igualmente, que possa a legislação municipal atribuir à
Guarda Municipal tal atribuição, eis que exorbitante do mandamento
constitucional e desprovido de lei complementar federal que lhe dê suporte, o
que tornaria o ato legítimo. A competência legislativa municipal se centra
basicamente em assuntos de interesse local e este, como anteriormente debatido,
é de competência privativa da União (art. 22, inc. XI e § único, c/c art. 144,
§ 8º).

5
Agentes da autoridade de trânsito

5.1
Agentes públicos: definição e tipos

O conceito dos
doutrinadores acerca do termo “agente público” não discrepa entre si,
apresentando tão somente algumas variações quanto às suas classificações. Nesse
sentido, saliente-se que a conceituação abrange toda a gama de pessoas físicas
que prestam serviços à administração direta e indireta, de forma onerosa ou
não, ainda que transitoriamente e independente do vínculo jurídico que os unem.

Assim, ainda que não
adequado para o presente estudo, convém trazer à colação o conceito que o
Código Penal adota para definir quem é considerado funcionário público para
fins penais:

“Art.
327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§
1º – Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em
entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço
contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração
Pública.”

Essa terminologia,
entretanto, vem sendo paulatinamente substituída pela expressão agente público,
mormente após as alterações efetuadas na Carta Magna pelas Emendas
Constitucionais nº 19 e 20/98.

Com efeito, sabe-se
que a expressão utilizada pela Constituição Federal, “servidores públicos”, ora
é utilizada de forma ampla, abarcando todas as pessoas físicas que mantém
vínculo empregatício com as entidades da administração direta e indireta, e ora
é empregada em sentido estrito, designando como tal apenas para designar
àqueles que prestam serviços à administração direta, nas autarquias e fundações
públicas (DI PIETRO, 2003).

De igual forma,
também estabelece preceitos aplicáveis a outras pessoas que exercem função
pública, surgindo daí a necessidade de se encontrar um vocábulo que englobasse,
de forma ampla, todas as pessoas físicas que prestam serviços à administração
direta e indireta, razão pela qual alguns doutrinadores passaram a empregar o
termo “agentes públicos” (DI PIETRO, 2003).

De acordo com a lição
de Da Silva (2006, p. 139)

“Agentes
públicos são todas as pessoas físicas que desempenham alguma atividade vinculada
às três esferas de Governo – União, Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios – em qualquer dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário
– mesmo que transitoriamente e remuneradas ou não, por meio de eleição,
nomeação, designação, contratação, ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo. Mandato, cargo, emprego ou função.”

Para Di Pietro (2003,
p. 431), “agente público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e
às pessoas jurídicas da Administração Indireta”.

Gasparini (2003, p.
129) define-os como sendo “todas as pessoas físicas que sob qualquer liame
jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à Administração Pública ou
realizam atividades que estão sob sua responsabilidade”.

Podem também ser
definidos como “todos aqueles que, servidores ou não, estão intitulados a agir,
manifestando, em alguma parcela, um poder atribuído ao Estado” (MOREIRA NETO,
1994, p. 195).

Com se vê, a
conceituação apresentada pelos agentes públicos não apresenta grandes
diferenciações entre si. Entretanto, quando se passa para o passo seguinte, que
é a classificação dos agentes públicos, fica clarividente a dicotomia entre os
doutrinadores.

Com base em análise
da sistematização constitucional, Gasparini (2003) classifica-os agentes
políticos, agentes temporários, agentes de colaboração (por vontade própria,
compulsoriamente e com a concordância da Administração Pública), servidores
governamentais, servidores públicos (estatutários e celetistas) e agentes
militares (federais, estaduais e distritais).

Rosa (2003), adotando
tradicional classificação, divide-os em políticos, administrativos,
honoríficos, delegados e credenciados. Da Silva (2006), por sua vez,
classifica-os em agentes políticos, agentes administrativos e agentes por
colaboração.

Para os fins do
presente estudo, acolhemos a divisão apontada por Di Pietro (2003), que,
partindo da classificação de Celso Antonio Bandeira de Mello, divide-os em
quatro tipos: agentes políticos, servidores públicos, militares e particulares
em colaboração com o Poder Público. Assim, adotamos, igualmente, as seguintes
definições:

Agentes políticos,
para Celso Antonio Bandeira de Mello (apud DI PIETRO, 2003, p. 432), “são os
titulares dos cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os
ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e,
portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a formação da vontade
superior do Estado”.

Servidores Públicos
“são as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da
Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga
pelos cofres públicos”, aí compreendidos:

“1.
os servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de
cargos públicos;

2.
os empregados públicos, contratados sob o regime da legislação trabalhista e
ocupantes de emprego público;

3.
os servidores temporários, contratados por tempo determinado para atender à
necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, da
Constituição); eles exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego
público (DI PIETRO, 2003, p. 433-4).”

Os militares englobam
todos aqueles pertencentes às Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica),
na esfera federal, e os pertencentes às Polícias Militares e Corpo de Bombeiros
Militares dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito estadual. Segundo
definição de Di Pietro (2003, p. 436), “os militares abrangem as pessoas
físicas que prestam serviços ao Estado, com vínculo estatutário sujeito a
regime jurídico próprio, mediante remuneração paga pelos cofres públicos”.

Os particulares em
colaboração com o poder público podem ser definidos como todas “as pessoas
físicas que prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem
remuneração” (DI PIETRO, 2003, p. 437). Essa prestação de serviço pode se dar
de várias formas, compreendendo:

“1.
delegação do Poder Público, como se dá com os empregados das empresas
concessionárias e permissionárias de serviços públicos, os que exercem serviços
notarias e de registro (art. 236 da Constituição), os leiloeiros, tradutores e
intérpretes públicos, eles exercem função pública, em seu próprio nome, sem
vínculo empregatício, porém sob fiscalização do Poder Público. A remuneração
que recebem não é paga pelos cofres públicos mas pelos terceiros usuários do
serviço;

2.
mediante requisição, nomeação ou designação para o exercício de funções
públicas relevantes; é o que se dá com os jurados, os convocados para prestação
de serviço militar obrigatório ou eleitoral, os comissários de menores, os
integrantes de comissões, grupos de trabalho etc.; também não tem vínculo
empregatício e, em geral, não recebem remuneração;

3.
como gestores de negócios que, espontaneamente, assumem determinada função
pública em momento de emergência, como epidemia, incêndio, enchente etc” (DI
PIETRO, 2003, p. 437).

5.2 Agentes da autoridade de
trânsito

A
respeito da expressão “agentes da autoridade de trânsito”, o CTB apresenta duas
definições e que, a meu ver, devem ser analisadas de forma sistêmica:

“Art.
280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de
infração, do qual constará: […]

§
2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente
da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento
audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente
disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN. […]

§ 4º O agente da autoridade de
trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil,
estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade
de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência (grifo
nosso).
[…]”

“ANEXO
I

DOS
CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Para
efeito deste Código adotam-se as seguintes definições: […]

AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO –
pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para
o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de
trânsito ou patrulhamento (grifo nosso).”

Como
vimos acima, a infração de trânsito pode ser comprovada, dentre outras formas,
por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito,
entretanto, a lavratura do auto somente pode ser feita pelo agente da
autoridade de trânsito. Essa exclusão é perfeitamente compreensível quando se
analisa as disposições do artigo 281, que estabelece como uma das atribuições
da autoridade de trânsito o julgamento da regularidade e consistência do auto
de infração, o que lhe afasta, portanto, a possibilidade de lavrar, spont propria, o auto de infração.

Assim,
servindo de exemplo a situação acima descrita, constatamos que para uma correta
interpretação do alcance das normas do CTB, mister se faz necessário que não
seja feita uma interpretação literal sobre as suas disposições, mas sim uma
análise sistêmica. O correto entendimento sobre quem pode atuar na qualidade de
agente da autoridade de trânsito também deve seguir essa orientação.

Com
efeito, analisemos, primeiramente, as disposições do § 4º do artigo 280. Dispõe
o referido artigo que a competência para a lavratura do auto de infração poderá
recair sobre servidor civil, estatutário ou celetista, ou, ainda, policial
militar designado pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via.

Á
primeira vista e de forma simplista, poderíamos dizer que a norma se refere a
todo e qualquer servidor público, aí incluídos, portanto, os integrantes das
guardas municipais. Entretanto, tal interpretação deve ser feita em consonância
com o disposto nos artigos 7º e 8º, ou seja, a execução dessa atividade não
deverá recair sobre qualquer servidor público mas sim sobre aqueles que
integrarem os órgãos e entidades componentes do SNT.

Interpretação
distinta levaria ao absurdo de possibilitar que função tão específica e que
exige pessoal próprio e preparado fosse assumida, por exemplo, por agentes
administrativos pertencentes a diferentes setores da estrutura dos órgãos
públicos, tais como médicos, engenheiros e garis. A esse respeito, frise-se que
a necessidade de contratação de pessoal próprio e qualificado é apontada por
renomados especialistas na área do Direito de Trânsito, do escol de Rizzardo
(2003).

Nada
impede, porém, que seja livre a conformação dos órgãos e entidades executivos e
executivos rodoviários pelos Estados, Distrito Federal e pelos Municípios (art.
8º). Evidentemente que, para a consecução de sua política de trânsito, deverão
os entes federados observar as disposições preconizadas em normas
constitucionais e infraconstitucionais, entre elas o próprio CTB, de tal forma
que, necessariamente, tais órgãos e entidades façam parte da estrutura da
Administração Direta e que os agentes da autoridade de trânsito pertençam aos
estratos dessa estrutura.

Mas
essa assunção de funções não tendo sido a tônica adotada pela imensa maioria das
prefeituras municipais, conforme citado anteriormente, omitindo-se, igualmente,
quanto a elaboração de convênio para delegação das atividades de fiscalização
de trânsito. Nos dizeres de Rizzardo (2003, p. 112)

“A omissão a falta de cumprimento das
regras acima, e máxime em assumir as funções pelos municípios, poderá acarretar
graves prejuízos sociais, porquanto ficará sem aplicação a lei. Na hipótese,
que certamente ocorrerá, caberá a intervenção, no setor, pelo CETRAN do
respectivo Estado, que providenciará, junto ao DETRAN, para que órgãos
estaduais, especialmente as polícias civil e militar, exerçam as funções.”

Tal
hipótese já foi manifestada pelo CETRAN do Estado de São Paulo, o qual, ciente
das implicações decorrentes, permite a assunção dessa atividade pela Polícia
Militar.

Com
relação ao policial militar, tal interpretação também deve levar em
consideração o disposto no artigo 7º e no inciso III do artigo 23. Assim, vemos
que no âmbito dos Estados a Polícia Militar continuará a exercer as funções de
agente da autoridade de trânsito, conforme lhe facultava o CNT e atualmente lhe
faculta o CTB. Com relação à fiscalização das infrações de trânsito de
competência municipal (estacionamento, parada, circulação, excesso de peso,
lotação e dimensão dos veículos), porém, prescreve o CTB que sua atuação está
vinculada à existência de convênio com a municipalidade.

Outro
ponto a ser considerado é com relação à menção da palavra designado. Alguns
doutrinadores, para defenderem a atuação das guardas municipais na seara do
trânsito, fazem verdadeiras peripécias interpretativas para atingir tal
desiderato, maltratando a semântica jurídica com verdadeiros castelos de areia.

Tal
se dá em virtude de que, na forma como foi redigido, torna-se clarividente que
a menção ao termo designado se refere tão somente aos policiais militares,
posto que os servidores civis devem ser concursados e, daí decorrente, nomeados
ou contratados para o exercício da função de agentes da autoridade de trânsito,
não podendo, em hipótese alguma, serem designados para essa função, uma vez que
deixariam de atuar em função que lhes é própria (originária) para acumular ou
exercer função para a qual não foram concursados, burlando assim as normas
constitucionais atinentes à espécie (acumulação de cargos e ofensa ao princípio
da acessibilidade de cargos e empregos públicos mediante concurso).

Em
relação ao emprego do termo designado, oportuno trazer à colação os
ensinamentos ofertados por Da Silva (2005), que assim preleciona sobre o
assunto:

“O servidor civil não é designado, mas,
sim, nomeado, ou seja, só poderá exercer o cargo de agente de trânsito, se for
concursado para desempenhar dita atividade, quando então será nomeado e não
designado, pois só o policial militar poderá ser designado agente de trânsito.
Tanto é verdade que a norma do § 4º, do art. 280, do CTB, fala em designado e não em designados. Quem é designado, pela autoridade de
trânsito (que só poderá ser estadual) com jurisdição sobre a via no âmbito de
sua competência, é o policial militar e não o servidor civil. Mesmo porque a
autoridade de trânsito municipal não tem competência para designar agente de
trânsito ou policial militar, o que vem confirmar que o termo “designado”, no singular, antecedido da
conjunção “ou” e do advérbio “ainda”, refere-se ao policial militar e não ao servidor civil;
bem como, porque só poderá ser designado quem exerce atividade afim, sob pena
de burla ao princípio constitucional de que a investidura em cargo ou emprego
público se dá mediante concurso (inc. II, art. 37, CF).”

Com
base na lição acima apresentada, mesmo o termo designado também se apresenta
equivocado, eis que na verdade o que a autoridade de trânsito municipal irá
fazer é estabelecer convênio com o Estado para que este assuma suas funções,
total ou parcialmente, conforme estabelece o inciso III do artigo 23. Somente
após firmado o referido convênio e designado pelo Estado o efetivo policial
militar a quem incumbirá exercer a referida atividade é que se torna aceitável
a edição de Portaria do órgão ou entidade de trânsito designando,
especificamente, cada um dos policiais militares que irão realizar a
fiscalização das infrações.

Prosseguindo,
temos que o Anexo I também apresenta redação equivocada, eis que ali se fala de
pessoa, civil ou militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o
exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de
trânsito e patrulhamento. Percebe-se claramente que o legislador confundiu
claramente os institutos de provimento de cargo e de delegação de atividades.

Na
regra inserta no § 4º do artigo 280 o legislador se utiliza da expressão
designação, ao passo que ao apresentar a definição de agente, equivocadamente,
se utiliza do termo credenciamento. Em análise ao CTB encontramos as seguintes
remissões ao termo credenciamento:

“Art. 20.
Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas
federais: […]

V – credenciar os serviços de escolta,
fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de
veículos, escolta e transporte de carga indivisível; […]

Art. 22.
Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do
Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição: […]

X – credenciar órgãos ou entidades para a
execução de atividades previstas na legislação de trânsito, na forma
estabelecida em norma do CONTRAN; […]

Art. 24.
Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito
de sua circunscrição: […]

XII – credenciar os serviços de escolta,
fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de
veículos, escolta e transporte de carga indivisível; […]

Art. 106.
No caso de fabricação artesanal ou de modificação de veículo ou, ainda, quando
ocorrer substituição de equipamento de segurança especificado pelo fabricante,
será exigido, para licenciamento e registro, certificado de segurança expedido
por instituição técnica credenciada
por órgão ou entidade de metrologia legal, conforme norma elaborada pelo
CONTRAN. […]

Art. 148.
Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados
por entidades públicas ou privadas credenciadas
pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo
com as normas estabelecidas pelo CONTRAN. […]

Art. 155. A formação de condutor
de veículo automotor e elétrico será realizada por instrutor autorizado pelo
órgão executivo de trânsito dos Estados ou do Distrito Federal, pertencente ou
não à entidade credenciada. […]

Art. 156.
O CONTRAN regulamentará o credenciamento
para prestação de serviço pelas auto-escolas e outras entidades destinadas à
formação de condutores e às exigências necessárias para o exercício das
atividades de instrutor e examinador.”

Logo
se vê, portanto, que a utilização da expressão credenciamento na definição do
termo agente da autoridade de trânsito é totalmente equivocada, eis que o
credenciamento no CTB se refere à delegação de atividades não direcionadas ao
exercício do poder de polícia de trânsito. Essas atividades estão ligadas,
precipuamente, a funções que tradicionalmente são delegadas a terceiros ou que
não exigem execução pela própria Administração, tais como o serviço de escolta,
de estadia de veículos, exames médicos e psicológicos, vistoria técnica de
veículos, etc.

Ainda
que assim não fosse, não poderia a autoridade municipal de trânsito credenciar
agentes de trânsito por dois motivos: o primeiro se refere ao fato de que a
única possibilidade de credenciamento possibilitada pelo CTB no âmbito
municipal é aquela relacionada com o serviço de escolta de cargas
superdimensionadas (art. 24, XII), diferentemente da amplitude atribuída ao
órgão executivo estadual (art. 22, X); em segundo, falece competência à
autoridade municipal de trânsito para credenciar quem quer que seja (servidor
civil ou policial militar) para o exercício das atividades de policiamento
ostensivo de trânsito ou patrulhamento, eis que as matrizes constitucionais
atribuem competência exclusiva dessas atividades à Polícia Militar e à Polícia
Rodoviária Federal, respectivamente, o que se repetiu nas próprias disposições
do CTB (Anexo I).

Resta
assim claramente demonstrado, motivado e fundamentado que não se pode designar
guardas municipais para o exercício da fiscalização de trânsito, seja em
virtude destes não comporem o SNT ou, simplesmente, pela impossibilidade de
serem designados agentes de trânsito, o que, conforme vimos, pressupõe
provimento originário para a função. Para arrematar o assunto, oportuno fazer
menção à brilhante conclusão apresentada por Da Silva (2005):

“[…] À autoridade de trânsito não é dado designar guarda
municipal para desempenhar a função de agente de trânsito, pois este não é
policial militar, e muito menos para lavrar auto de infração. O agente de
trânsito competente para lavrar auto de infração de trânsito só pode ser (numa
interpretação sistemática do disposto no § 4º, do art. 280, do CTB, frente à
Constituição Federal) servidor público concursado para cargo de agente de
trânsito; criado por lei, com atribuições específicas, com número certo e estipêndio
correspondente, ou um policial militar, designado pela autoridade de trânsito
municipal, se houver convênio com o Estado, mas nunca guarda municipal, vez que
este foi concursado e admitido para exercer a função de patrulheiro, sob pena
de usurpação de função. Quem pode ser designado pela autoridade de trânsito é o
policial militar e não o servidor público, mesmo porque este não é designado,
mas, sim, admitido, bem como, porque a conjunção alternativa ou (constante do §
4º, do art. 280, do CTB) exclui qualquer outra interpretação. Caso contrário,
chegar-se-ia ao absurdo de ser designado um médico, um dentista, um engenheiro,
um advogado, etc., para o cargo de agente de trânsito, desde que servidores
públicos. […] Desse modo, a Administração Pública Municipal só poderá ter
agente de trânsito mediante criação dos cargos e preenchimento por concurso e
não por simples designação de servidor municipal; sendo ilegal, por contrariar
o CTB, a lei municipal que designar guarda ou autorizar a designação de guarda
municipal para exercer o cargo de agente de trânsito.”

6 Celebração de convênios

Segundo
lição do eminente Meirelles (2000a, p. 350-1), “convênios administrativos são
acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e
organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos
partícipes”.  Prossegue o jurista
aduzindo que “convênio é acordo, mas não é contrato. No contrato, as partes têm
interesses diversos e opostos; no convênio, os partícipes têm interesses comuns
e coincidentes”.

Dada
a essa natureza de instabilidade institucional, preleciona Gasparini (2003, p.
384) que “é natural que qualquer partícipe, a todo tempo, possa denunciar o
convênio e dele retirar-se, respondendo pelas obrigações assumidas e auferindo
as vantagens até esse momento. Nada deve impedir esses atos do partícipe”.

A
Constituição Federal disciplina em seu artigo 241 a possibilidade dos entes
federados disciplinarem por meio de lei os consórcios públicos e os convênios
de cooperação para gestão associada de serviços públicos ou a transferência
total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos.

Além
da Carta Magna, também o Decreto-lei nº 200/67 e a Lei nº 8.666/93 trazem
comandos normativos atinentes aos convênios. A organização dos convênios não
tem forma própria, admitindo-se, entretanto, que para a realização de
determinados serviços públicos ocorra a precedente autorização legislativa. Sua
execução incumbirá, em regra, a um dos partícipes, não assumindo esse nenhuma
personalidade jurídica própria.

O
CTB se refere por diversas vezes ao termo convênio, vejamos:

“Art. 23.
Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal: […]

III –
executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como
agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários,
concomitantemente com os demais agentes credenciados; […]

Art. 25.
Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão
celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à
maior eficiência e à segurança para os usuários da via.

Parágrafo
único. Os órgãos e entidades de trânsito poderão prestar serviços de capacitação
técnica, assessoria e monitoramento das atividades relativas ao trânsito
durante prazo a ser estabelecido entre as partes, com ressarcimento dos custos
apropriados. […]

Art. 74. omissis […]

§ 2º Os
órgãos ou entidades executivos de trânsito deverão promover, dentro de sua
estrutura organizacional ou mediante convênio, o funcionamento de Escolas
Públicas de Trânsito, nos moldes e padrões estabelecidos pelo CONTRAN.

Art. 76. A educação para o
trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus, por
meio de planejamento e ações coordenadas entre os órgãos e entidades do Sistema
Nacional de Trânsito e de Educação, da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, nas respectivas áreas de atuação.

Parágrafo
único. Para a finalidade prevista neste artigo, o Ministério da Educação e do
Desporto, mediante proposta do CONTRAN e do Conselho de Reitores das
Universidades Brasileiras, diretamente ou mediante convênio, promoverá: […]

Art. 79.
Os órgãos e entidades executivos de trânsito poderão firmar convênio com os
órgãos de educação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
objetivando o cumprimento das obrigações estabelecidas neste capítulo.”

Verifica-se,
portanto, que há autorização expressa para a celebração de convênios entre os
órgãos e entidades de trânsito, assim como entre estes e particulares (pessoas
físicas e jurídicas). Mas essa delegação de atividades deve observar,
entretanto, a possibilidade de assunção dessas funções pelo outro partícipe, uma
vez que determinadas funções não podem ser atribuídas a particulares ou a
órgãos ou entidades estranhos ao SNT.

Traçando
comentários acerca do artigo 25 do CTB, Rizzardo (2003, p. 112) preleciona que
há “a possibilidade de atribuição de funções por um órgão superior a outro
inferior, o que é comum, como na delegação de poderes para a expedição da
Carteira Nacional de Habilitação, segundo estatui o art. 22, II”. De acordo com
o jurista “sempre existiu a delegação, considerada indispensável para a facilitação
e o acesso de todos à licença e à regularização dos veículos”.

Este
é, aliás, o objetivo principal do convênio, prover maior eficiência e segurança
para os usuários da via. Nota-se, entretanto, que o convênio também pode ser
direcionado à execução de atividades relacionadas com a educação para o
trânsito, seja através da criação de Escolas Públicas de Trânsito ou no ensino
interdisciplinar de assuntos afetos ao trânsito dentro das matrizes
curriculares das escolas do ensino fundamental, médio e superior.

A
celebração de convênio com particulares possui campo restrito de atuação,
restringindo-se à possibilidade de prestação de serviços de capacitação
técnica, assessoria e monitoramento para eventuais interessados (entidades
civis ou outros órgãos), desde que haja a devida contraprestação pelos serviços
prestados (RIZZARDO, 2003). Quanto a execução dos serviços de auto-escola,
escolta, vistoria técnica, exames médicos e psicológicos, emplacamento e
despachante, não há propriamente a celebração de convênio entre o órgão estatal
e o particular, mas sim uma delegação de atividades mediante a edição de atos
normativos internos.

Outro
ponto a ser considerado é com relação à delegação de atividades relacionadas
com o exercício do poder de polícia de trânsito (fiscalização, imposição de
penalidades, arrecadação de multas e valores de remoção e estadia, entre
outros). O artigo 25 permite a celebração de convênios entre os órgãos e
entidades de trânsito para a execução, total ou parcial, de atividades que lhe
são próprias.

Nesse
campo se situa, por exemplo, o convênio indicado no inciso III do artigo 23, a ser firmado entre a
Polícia Militar, por meio de sua Secretaria de Segurança, e os órgãos e
entidades executivos e executivos rodoviários estaduais e municipais. A fiscalização
de trânsito nas rodovias e estradas estaduais, assim como nas estradas,
rodovias e vias municipais fica condicionada a existência do referido convênio.

Conforme
já anteriormente indicado, nada obsta que a Polícia Militar assuma a
fiscalização de infrações municipais se houver omissão das autoridades
constituídas, visto não se permitir solução de continuidade na aplicação da
lei, bastando para tanto que o CETRAN do respectivo Estado assim normalize o
assunto (RIZZARDO, 2003).

A
questão a ser analisada deve ser pontuada sobre o prisma da possibilidade de
celebração de convênio entre o órgão ou entidade de trânsito municipal e a
Guarda Municipal. Novamente a resposta é negativa. Como vimos no capítulo
anterior, não há possibilidade de designação ou credenciamento de guardas
municipais para atuarem como agentes da autoridade de trânsito, eis que essa
função exige provimento originário do cargo ou emprego público.

Nesse
ponto, não havendo a possibilidade de atuarem como agentes da autoridade de
trânsito, não podem, igualmente, figurar como partícipes na celebração de
convênio para a fiscalização do trânsito. Tal decorre unicamente do fato das
Guardas Municipais não estarem inseridas no âmbito do SNT, o que impede, por
via de conseqüência, a aplicação do caput
do artigo 25, restando-lhe tão somente a possibilidade de convênio para
serem devidamente capacitadas ou assessoradas por outros órgãos ou entidades de
trânsito (§ único do artigo 25).

7 Notas doutrinárias e jurídicas

A
competência para atuar na fiscalização de trânsito sempre foi alvo de dúvidas e
divergências no campo doutrinário. Essa condição acentuou-se ainda mais com a
edição do CTB, que, inovando em grande escala a referida matéria, tornou-se
campo fértil para as mais profícuas discussões doutrinárias e jurisprudenciais,
não se tendo, até o presente momento, uma pacificação de entendimentos nos
Tribunais superiores a respeito do assunto.

Na
vigência do CNT, tal desiderato incumbia somente às Policiais Militares e à
Polícia Rodoviária Federal, conforme entendimento manifestado em diversas
ocasiões pelo CONTRAN (Atas da 39ª Reunião, de 25/05/1984, e da 41ª Reunião, de
31/05/1985). Em relação às polícias militares tal manifestação decorria do
disposto no Decreto-lei nº 667/69, com a redação dada pelo Decreto-lei nº
1.072/78, e Decreto nº 88.777/83, que conferem competência exclusiva para
execução do policiamento ostensivo fardado, aí incluída a fiscalização do
trânsito urbano e rodoviário estadual (RIZZARDO, 2003).

Anteriormente
à edição do Decreto-Lei nº 1.072/78 outros órgãos atuavam na fiscalização,
policiamento e autuação de trânsito, porém, paulatinamente foram sendo
afastados desse mister, culminando com a sua exclusão total.

Essa
realidade só viria a mudar com a edição do CTB, o qual distribuiu entre
diversos órgãos a competência para fiscalização do trânsito, entre eles os
órgãos e entidades executivos e executivos rodoviários da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios.

Além
desses órgãos estatais, subsistiu a competência da PRF para fiscalização das
rodovias federais e mitigou-se a competência das PM, reduzindo sua abrangência
apenas para as infrações de competência estadual, no âmbito das vias urbanas.
Para sua atuação nas rodovias e estradas estaduais e nas infrações de
competência municipal é necessária a prévia existência de convênio com o órgão
ou entidade com circunscrição sobre a via.

Feitas
essas ponderações iniciais, vimos que, por definição, o agente da autoridade de
trânsito pode ser servidor civil, estatutário ou celetista, ou, ainda, policial
militar designado pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via.
Mas, como a definição peca pela sua falta de objetividade e clareza, não
tardaram a surgir juristas defendendo a possibilidade de atuação de diferentes
agentes públicos, desde aqueles pertencentes a órgãos não vinculados ao CTB
como também às pessoas jurídicas de direito privado (Empresa Pública e
Sociedade de Economia Mista).

Defendem
a utilização das Guardas Municipais nos estritos termos do § 8º do artigo 144
juristas do escol de Álvaro Lazzarini, Hely Lopes Meirelles, José Cretella
Junior e José Afonso da Silva. Para estes renomados doutrinadores a utilização
das guardas municipais se cinge à proteção dos bens, serviços e instalações do
município.

Outros
existem que, em face de interpretação extensiva da CF/88 e diante da
complexidade atual da segurança pública, entendem que o campo de atuação das
guardas municipais deve ser ampliado, tais como Cláudio Frederico de Carvalho,
Cládice Nóbile Diniz e Júlio César da Silva.

Com
relação especificamente ao assunto em testilha, defendem a possibilidade
jurídica da utilização das guardas municipais como agentes da autoridade de
trânsito as juristas Christiane Vasconcelos (“Guarda
Municipal como agente de trânsito: constitucionalidade”
) e
Roseniura Santos (“Fiscalização do
trânsito pela Guarda Municipal:
possibilidade jurídica”).

Externando
posicionamento contrário podem ser encontrados os trabalhos dos juristas
Ricardo Alves da Silva (“Polícia Militar e as Guardas Municipais”) e Benevides
Fernandes Neto (“Guardas Municipais como agentes de trânsito – Estudo de Caso –
Inconstitucionalidade”).

O
DENATRAN já manifestou entendimento, através dos Pareceres nº 256/2004 e
247/2005/CGIJF/DENATRAN, contrário à utilização das guardas municipais na
função de agentes da autoridade de trânsito, assim como diante da
impossibilidade da assunção dessa função por meio de convênio. Atualmente o
Ministério das Cidades, a quem compete a coordenação máxima do SNT, expediu o Parecer
CONJUR/CIDADES nº 1409/2006, por meio do qual mantém o mesmo entendimento
esposado nos pareceres elaborados pela assessoria jurídica do DENATRAN, ou
seja, que “falece à guarda municipal competência para atuar na fiscalização de
trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de multas, também
não detendo legitimidade para firmar convênio com os órgãos de trânsito
objetivando tal fim”. Dada a similitude do seu conteúdo com o propósito da
presente pesquisa, ousamos transcrever, ipsis
literis,
as considerações ali expostas:

“PARECER
CONJUR/MCIDADES nº. 1409/2006. GUARDA MUNICIPAL – COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL:

As
guardas municipais são desprovidas de competência para atuar no campo da
segurança pública, não podendo, pois, ser investidas de atribuições de natureza
policial e de fiscalização do trânsito. Sua atuação se restringe à proteção dos
bens, serviço e instalações do ente municipal (inteligência do art. 144, § 8º,
da CF/88). (Processo nº. 80001.004367/2006-25).

1.
Trata-se de exame de legalidade da atuação da guarda municipal, referente à
consulta formulada pela Associação das Guardas Municipais do Estado de São
Paulo. A indagação circula em torno da competência da guarda municipal na
função de agente de trânsito.

2.
Os autos foram instruídos com vasta documentação referente a tema.

3. A
INFORMAÇÃO Nº. 020/2006/CGIJF/DENATRAN (cópia às fls. 112/115) notícia que a
matéria já tramita há algum tempo perante o DENATRAN, obtendo pareceres que
divergentes entre si.

4.
Pelo despacho de fl. 120, a
Coordenação Geral de Instrumental Jurídico e de Fiscalização determinou o
apensamento dos presentes autos aos autos dos processos nº.
80001.015031/2006-98; 80001.011467/2005-27; 80001.011299/2005-70;
80001.017447/2005-60; 80001.020192/2005-12 e 80001.014211/2006-52, dando-se o
respectivo desapensamento nos termos do DESPACHO CONJUR/MCIDADES Nº. 2663/2006
(fls. 153/154).

5.
É o relatório.

6.
Consoante já anotado no relatório supra, cuida-se de exame da competência das
Guardas Municipais incluindo a legitimidade para firmar convênio com órgãos de
trânsito para fins de fiscalização.

7.
Observamos, inicialmente, que o sistema de repartição de competência adotado
pelo nosso ordenamento jurídico segue o critério da predominância do interessa.
Assim, as matérias pertinentes ao interesse nacional serão atribuídas ao órgão
central, ficando reservadas aos Estados-membros e aos Municípios as matérias
relativas aos interesses regionais e locais, respectivamente.

8.
As competências, a teor do próprio texto constitucional, são ditas legislativa
e administrativa. A legislativa se expressa no poder de a entidade estabelecer
normas gerais, enquanto a administrativa, ou material, cuida dos atos concretos
do ente estatal, da atividade administrativa propriamente.

9.
Fincadas essas balizas preliminares, cabe atentar para o que estabelece a
Constituição Federal na repartição da competência dos entes federativos no
tocante à segurança pública, tema no qual está inserida a matéria ora em
estudo, dispondo no seu art. 144, caput, e § 8º: Art., 144. A segurança pública,
dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – policias militares
e corpos de bombeiros militares, (…) § 8º – Os Municípios poderão constituir
guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,
conforme dispuser a lei.

10.
Os dispositivos acima estabelecem competência administrativa, ou seja, poder
para o exercício de certas atividades típicas do poder público. e como se vê,
independentemente de se tratar de interesse local, regional ou nacional, o
constituinte nominou expressamente aqueles entes a quem atribuiu às funções de
segurança pública, não constando entre eles o ente municipal, cabendo
acrescentar que o critério do interesse local, inserto no art. 30, inciso I, da
CF, refere-se à competência legislativa do Município.

11. A inserção
do Município no contexto da segurança pública foi por demais restrita; com
efeito, atribuiu-lhe o constituinte, no parágrafo 8º, do art. 144, poder de
constituir guardas municipais, mas cuidou em fechar o parêntese, estabelecendo
que as atribuições destas, no campo material, ficariam limitadas à proteção dos
bens, serviços e instalações da municipalidade, na forma da lei.

12.
O texto constitucional remeteu a matéria ao legislador ordinário, que daria
vida plena ao comando da norma. Mas a lei disporia apenas sobre os modos de
execução e demais fatores relacionados às nuances administrativas, nunca
ampliando o campo de atuação, para acrescentar competência que o constituinte
não estabeleceu, como, por exemplo, inserindo o Município, por intermédio da
sua Guarda Municipal, no contexto da segurança pública.

13.
É claro que poderiam, a União, os Estados e os Municípios, cuidar da segurança
pública, conciliando as sua atribuições de acordo com o interesse verificado.
Tal sistemática, aliás, é noticiada no direito comparado, consistindo em
prática recorrente em diversos países. Isto, por certo, nesses tempos de
exacerbada violência urbana, receberia aplausos da sociedade brasileira.
Poderíamos muito bem ter uma policia federal, estadual e municipal. Entretanto,
definitivamente, esta não foi a vontade do constituinte.

14. A inclusão
da municipalidade no Sistema Nacional de Trânsito, por intermédio dos seus
órgãos e entidades executivas de trânsito, nos termos dos arts. 5º e 7º, da Lei
nº. 9.503/1997 (Código Brasileiro de Trânsito), apenas autoriza o município a
atuar na condição de coadjuvante junto aos verdadeiros detentores da
competência no cenário da segurança pública, nas atividades relacionadas ao
trânsito. Não investiu o ente municipal de competência, para atuar na segurança
pública, com poderes para os serviços de policia ostensiva, de preservação da
ordem pública, política judiciária e aplicação de sanções, porquanto tal
competência haveria que ter sido atribuída pela própria Constituição Federal, e
isto efetivamente não se deu. 15. Aliás, neste sentido vêm se posicionando
órgãos do nosso Poder Judiciário, a exemplo do Tribunal de Justiça de São
Paulo, cujo teor da decisão ora transcrevemos: “As Guardas Municipais só podem
existir se destinadas à proteção dos bens, serviços e instalações do Município.
Não lhes cabem, portanto, os serviços de policia ostensiva, de preservação da
ordem pública, de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Aliás,
essas competências foram essencialmente atribuídas à polícia militar e à
polícia civil. (TJSP – Acr 288.556-3 – Indaiatuba – 7º C. Crim – Rel. Des.
Celso Limongi – J. 22.02.2000 – JURIS SINTASE verbete 13044322)”.

16.
Por último, se não compete à guarda municipal atuar na fiscalização de
trânsito, incluindo o procedimento relativo à autuação de condutores, pelos
mesmos fundamentos também não detém legitimidade para firmar convênio com os
órgãos de trânsito para tal fim. 17. Ante o exposto, manifesta-se esta
Consultoria Jurídica, sob a baliza do disposto no conteúdo de art. 144 da
Constituição Federal, no sentido de que falece à guarda municipal competência
para atuar na fiscalização de trânsito, incluindo o procedimento relativo à
aplicabilidade de multas, também não detendo legitimidade para firmar convênio
com os órgãos de trânsito objetivando tal fim. A consideração superior, com
sugestão de restituição ao DENATRAN. CLENILTO DA STLVA BARROS – Advogado da
União. De acordo: Paulo César Soares Cabral Filho – Advogado da União – Assessor
Jurídico – CONJUR / MCIDADES. De acordo. Restituam- se os autos, como proposto,
ao Departamento Nacional de Trânsito. Ministério das Cidades, em 30 de novembro
de 2006. ANA LUISA FIGUEIREDO DE CARVALHO – Consultora Jurídica.”

A
jurisprudência, à semelhança dos ensinamentos doutrinários, também não
apresenta pensamento uniforme sobre o assunto. No Estado de São Paulo as
decisões de 1ª instância também apresentam diferentes manifestações, ora
opinando favoravelmente (Apelação Cível n° 613 847-5/8, Apelação Cível com
Revisão nº 541.573-5/8-00 e Apelação Cível com Revisão n° 518.251-5/5-00) e ora
denegando o pleito das guardas municipais (Apelação Cível com Revisão nº
584.030-5/5-00, Apelação Cível nº
553.958-5/8-00, Apelação Cível com Revisão n° 594.088-5/7-00).

Em
grau de recurso, porém, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reverteu
as decisões desfavoráveis e pacificou seu entendimento no sentido de permitir
às Guardas Municipais atuarem como agentes da autoridade de trânsito, o que se
vê pelas seguintes ementas:

“MULTAS –
TRÂNSITO – Município que se insurge contra Deliberação do Cetran de S. Paulo,
que considerou nulas as autuações lavradas por guardas municipais investidos
nas funções de agentes de fiscalização de trânsito – Município que tem, entretanto,
competência para disciplinar o sistema via no, sinalizá-lo e fiscalizar a
circulação de veículos e animais (CF, art. 30 e CBT, art. 24) – Policia
administrativa que pode ser exercida por qualquer agente municipal (CBT, § 4o
do art. 280) – Agente Estadual que, de outra parte, não tem autoridade para
interferir na administração municipal – Segurança concedida – Recurso provido”
(Apelação Cível com Revisão nº 584.030.5/5-00).

“Constitucional.
Trânsito. Guarda Municipal. 1. A partir da Lei Federal n° 9.503/97 os Municípios
estão legitimados à fiscalização do trânsito urbano e das estradas municipais
por intermédio de seus próprios agentes públicos. 2. O art. 144, §8°, da CF
deve levar em conta tal atribuição, conferida pela União no exercício de atividade
privativa, permitindo interpretação conforme, dentro da razoabilidade, de que a
fiscalização está inserida na expressão “serviços” ali contida, de
forma a legitimar-se o exercício de tal atribuição pela guarda municipal. Recursos
improvidos” (Apelação Cível com Revisão nº 613.847-5/8).

“Mandado de Segurança. Guarda Municipal – Atribuição – Atuação – O
guarda municipal, como todo e qualquer servidor do município, pode lavrar autos
de infração de trânsito, pois a previsão constitucional de suas atribuições típicas de
segurança pública tem por única finalidade distingui-las das funções típicas das demais polícias – Recurso provido” (Apelação Cível com Revisão

594.088.5/7).

“MULTAS –
TRÂNSITO – Município que se insurge contra Deliberação do Cetran de S. Paulo,
que considerou nulas as autuações lavradas por guardas municipais investidos
nas funções de agentes de fiscalização de trânsito – Município que tem,
entretanto, competência para disciplinar o sistema via no, sinalizá-lo e
fiscalizar a circulação de veículos e animais (CF, art. 30 e CBT, art. 24) –
Policia administrativa que pode ser exercida por qualquer agente municipal
(CBT, § 4o do art. 280) – Agente Estadual que, de outra parte, não tem autoridade
para interferir na administração municipal – Segurança concedida – Recurso provido”
(Apelação Cível com Revisão nº 584.030.5/5-00).

Em
pesquisa junto aos órgãos do Poder Judiciário de outros Estados verificamos que
em Santa Catarina,
na Comarca de Itajaí/SC (Autos nº 033.07.024282-0), acatou o douto Magistrado,
igualmente, o entendimento de que as guardas municipais não possuem competência
para atuarem como agentes de trânsito.

Igual
posicionamento adotou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o que
se demonstra pelas seguintes ementas:

“ADMINISTRATIVO. MULTAS DE TRÂNSITO. GUARDA
MUNICIPAL. COMPETÊNCIA. CANCELAMENTO DE AUTOS DE INFRAÇÃO ÀS NORMAS DE TRÂNSITO
E RESPECTIVAS MULTAS. DANOS MORAIS. Inteligência do art. 144, §8º, da CF.
Atribuições específicas da Guarda Municipal, consistentes na proteção dos bens,
serviços e instalações municipais, afastando-lhe o poder de polícia de
segurança pública, que é função própria e indelegável do Estado. Multas por ela
aplicadas, que são atos nulos em decorrência da falta de competência de seus
agentes para praticá-los. Precedentes deste órgão julgador e do Órgão Especial
do TJRJ. Manutenção da sentença por fundamento diverso. Dano moral que não se
configura no fato de o apelado-réu ter extrapolado sua atribuição
constitucional, emitindo irregularmente auto de infração de trânsito. O mero
aborrecimento está fora da órbita de alcance do dano moral. Verbete nº 75 do
TJRJ. Administrado que não logrou êxito em demonstrar a repercussão
prejudicialmente moral e tampouco prova alguma de ofensa a direitos da
personalidade. Recursos em manifesto confronto com jurisprudência dominante e
com súmula deste Tribunal de Justiça. Art. 557, caput, do CPC. NEGATIVA DE
SEGUIMENTO” (Apelação Cível nº 2007.001.34985).

“Administrativo. Constitucional.
Licenciamento de veículo indeferido por existência de multa anterior, lavrada
pelo Município. Pedido de nulidade daquela e cancelamento de seus reflexos.
Improcedência do pedido. Apelação. Preliminar de nulidade. Se a sentença
apresentou a prestação jurisdicional, sem violação dos preceitos
constitucionais que regem a matéria e em consonância com a norma processual,
não se reconhece a nulidade perseguida. Rejeição da preliminar. Mérito. Atuação
dos agentes municipais, em controle de trânsito reconhecido como violando o
estatuto constitucional. Prevalência do art. 144, § 8º da carta política sobre
a lei no. 9.503/97. Matéria decidida pelo Colendo Órgão Especial na
representação por inconstitucionalidade no. 2001.007.00070. Lei municipal
1.887/92 que autorizou a criação da Guarda Municipal que deve se adequar ao
comando constitucional. Precedentes deste Tribunal de Justiça. Inviabilidade de
exercício de poder de polícia de trânsito por empregados públicos não
regularmente investidos de função pública. Provimento do apelo, reconhecimento
de nulidade das infrações de lavra do Município e modificação das verbas de
sucumbência” (Apelação Cível nº 2007.001.29853).

“Ação de conhecimento objetivando a
anulação das multas de trânsito impostas pela Ré ao Autor. Procedência do
pedido, declarada a nulidade das multas impostas, determinada a expedição de
ofício ao DETRAN para baixa das multas após o trânsito em julgado da sentença.
Apelação de ambas as partes. Representação por inconstitucionalidade da Lei
Complementar nº 24/2001 do Município de Macaé, que tomou o nº 70/2001, tendo o
órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça reconhecido a
inconstitucionalidade da atividade de fiscalização de trânsito pela Guarda
Municipal de Macaé. Sentença que corretamente acolheu o pedido de anulação dos
autos de infração. Recurso adesivo que deve ser provido em parte para
determinar a expedição do ofício ao DETRAN independentemente do trânsito em
julgado da sentença. Desprovimento da primeira apelação e provimento parcial da
segunda apelação” (Apelação Cível nº 2006.001.53608).

“GUARDA MUNICIPAL. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. DELEGACAO
DA COMPETÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. Guarda Municipal. Representação por
Inconstitucionalidade. Indelegabilidade das funções de segurança pública e
controle de trânsito, atividades próprias do Poder Público. As atividades próprias
do Estado são indelegáveis pois só diretamente ele as pode exercer; dentre elas
se inserem o exercício do poder de policia de segurança publica e o controle do
trânsito de veículos, sendo este expressamente objeto de norma constitucional
estadual que a atribui aos órgãos da administração direta que compõem o sistema
de transito, dentre elas as Policias Rodoviárias (Federal e Estadual) e as
Policias Militares Estaduais. Não tendo os Municípios Poder de Policia de
Segurança Pública, as Guardas Municipais que criaram tem finalidade especifica
– guardar os próprios dos Municípios (prédios de seu domínio, praças, etc)
sendo inconstitucionais leis que lhes permitam exercer a atividade de segurança
publica, mesmo sob a forma de Convênios. Pedido procedente” (CTP)
(Representação por Inconstitucionalidade nº 2001.007.00070).

Conforme
se vê, a tormentosa questão somente chegará ao fim quando o Superior Tribunal
de Justiça e o Supremo Tribunal Federal decidirem, definitivamente, quanto ao
alcance da norma prevista no § 4º do artigo 280 do CTB e do § 8º do artigo 144
da CF/88.

Reafirmamos,
todavia, nosso entendimento acerca da inconstitucionalidade de legislações
municipais (lei complementar, ordinária ou decreto) ampliarem a competência das
guardas municipais para que estas possam atuar na fiscalização de trânsito, bem
como a total impossibilidade de serem designados ou conveniados como agentes da
autoridade de trânsito.

8 Conclusão

A
presente pesquisa teve por objetivo demonstrar as ilegalidades decorrentes da
atuação das guardas municipais como agentes de trânsito, sob o enfoque
constitucional e infraconstitucional. Analisamos, dentre outros aspectos, se as
funções atualmente desempenhadas por essas instituições estão dentro de seu
âmbito de competência, se estas podem ser consideradas como órgãos componentes
do SNT, assim como se podem ser designadas como agentes de trânsito ou atuarem
sob a forma de convênio.

Vimos,
inicialmente, que as guardas municipais possuem mais de 115 anos de história e
estão presentes em 786 municípios brasileiros, contando com um efetivo de
74.797 pessoas. Com relação ao vínculo de subordinação, verificamos que 769
fazem parte da Administração Direta e apenas 16 pertencem à Administração
Indireta.

Com
relação às funções atualmente desempenhadas por essas instituições, notamos
que, apesar da Carta Magna restringir sua atuação à proteção dos bens, serviços
e instalações do município, sua atuação é desvirtuada das mais diversas formas.
Essa atuação tem por supedâneo legislações municipais que, inadvertidamente,
vêm atribuindo diversas funções que, constitucionalmente, são reservadas a
outros órgãos, tais como patrulhamento ostensivo, atendimento de ocorrências
policiais, atividades de defesa civil e proteção ambiental.

No
que tange à análise de sua atuação como agentes da autoridade de trânsito, sob
a ótica constitucional e do CTB, restou comprovada a total impossibilidade de
sua utilização, seja sob a forma de nomeação, designação, credenciamento ou
através de celebração de convênio.

O
primeiro ponto a ser considerado para apontar a impossibilidade jurídica de sua
atuação reside no simples fato de que as Guardas Municipais não foram erigidas
como órgãos ou entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito. Apesar de
não apresentar nominalmente os órgãos e entidades executivos de trânsito e
executivos rodoviários, conforme fazia o antigo CNT, apresentou-nos o
legislador um rol taxativo de órgãos nas três esferas de poder, delimitando
expressamente suas competências e áreas de atribuições.

E
nem poderia ser diferente, uma vez que se o legislador enumerasse nominalmente
os órgãos e entidades de trânsito viria a reduzir sensivelmente o poder de
conformação das estruturas administrativas a serem criadas, o que colidiria
frontalmente com as disposições do artigo 8º, que confere ampla liberdade aos
entes federados para estruturação dos seus órgãos executivos de trânsito e
executivos rodoviários.

Portanto, é de
clareza insofismável que as guardas municipais não compõem o SNT, conforme
enumeração taxativa do artigo 7º do CTB, e, disso decorrente, não podem ser
organizadas ou reestruturadas para atuarem como órgãos ou entidades de
trânsito, nem serem vinculadas ou subordinadas ao órgão ou entidade de trânsito
para atuarem como agentes da autoridade de trânsito, seja sob a forma de
nomeação, designação, credenciamento ou convênio, o que se explica, igualmente,
por força de interpretação constitucional, tendo em vista a expressa
delimitação de suas funções institucionais, eventual desvio de função e a falta
de lei complementar federal, nos termos do inciso XI e § único do artigo 22 da
CF/88, que autorizaria o município a legislar sobre trânsito e transporte, além
da competência que lhe é concedida (interesse local).

Com
a edição do CTB ampliou-se sensivelmente o campo de atuação do município nas
atividades relacionadas com o trânsito, notadamente na fiscalização, engenharia
de tráfego e educação para o trânsito. Mas para que essas atribuições sejam
legitimadas torna-se necessário que o município se integre ao SNT, conforme
preceituam o § 2º do artigo 23 e artigo 333.

Para tanto é
necessária a criação ou reestruturação de um órgão municipal de trânsito e de
uma JARI, nomeando-se, por meio de decreto, os seus membros. Com relação aos
agentes da autoridade de trânsito pode o município optar entre a utilização de
um corpo de funcionários próprios, lotados no órgão de trânsito, ou delegar,
total ou parcialmente, suas atividades a outros órgãos que lhes sejam
subordinados hierarquicamente ou celebrar convênio com a Polícia Militar.

Desejando exercer com exclusividade
a fiscalização de trânsito, restam à autoridade de trânsito duas
possibilidades: nomeação de novos funcionários, com cargo e atribuições
próprias para a fiscalização de trânsito, ou utilização dos funcionários já pertencentes
ao órgão, desde que as atribuições de seus cargos permitam a realização dessas
funções, ou seja, não deverá recair sobre qualquer servidor pertencente aos
quadros do município como se mencionou em alguns acórdãos do Egrégio Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, sob pena de termos que admitir a
plausibilidade jurídica de que um médico e um gari, somente por serem
servidores civis, podem exercer a função de agente da autoridade de trânsito. Podemos
afiançar que essa não foi, certamente, a intenção do legislador.

Como
vimos, essas opções não englobam as guardas municipais, uma vez que a
enumeração taxativa de suas atribuições pela Carta Magna não permite a sua
nomeação, designação ou credenciamento como agentes da autoridade de trânsito,
sendo esse um segundo ponto determinante para a impossibilidade de sua atuação.

Primeiro
porque sua competência funcional se resume à proteção dos bens, serviços e
instalações municipais; segundo porque, ainda que se entenda que possa a
legislação municipal dispor sobre a competência da guarda municipal, não pode o
município legislar sobre trânsito e transporte além daquilo que lhe é peculiar
(interesse local), por imiscuir-se em competência legislativa privativa da
União (art. 22, inc. XI), ou seja, não pode a legislação municipal dispor sobre
competência para o exercício do poder de polícia de trânsito às guardas
municipais, eis que a delimitação dessas atribuições já foi alvo de
regulamentação pela União através do CTB; e terceiro porque exercem atividade de
império (típica de Estado) e, portanto, não podem ser desviados de sua função
precípua, que é a proteção de bens, serviços e instalações municipais.

Outro
ponto a ser considerado está no fato de que o termo “designado”, utilizado pelo
legislador no § 4º do artigo 280, foi empregado no singular e é separado pela
conjunção alternativa “ou”, fatos que são mais do que suficientes para
determinar que somente o policial militar pode ser designado, ou seja, não pode
a autoridade de trânsito designar um guarda municipal para atuar como agente de
trânsito, o que demonstra, à saciedade, que o exercício da função de agente da
autoridade de trânsito pressupõe a existência de corpo de funcionários
próprios, com cargos e atribuições próprias.

Com
relação ao termo “credenciamento”, empregado na definição de agente da
autoridade de trânsito trazida pelo Anexo I, melhor sorte não persiste, uma vez
que a autoridade de trânsito não pode credenciar agentes de trânsito por dois
motivos: o primeiro se refere ao fato de que a única possibilidade de
credenciamento possibilitada pelo CTB no âmbito municipal é aquela relacionada
com o serviço de escolta de cargas superdimensionadas (art. 24, XII),
diferentemente da amplitude atribuída ao órgão executivo estadual (art. 22, X);
em segundo porque falece competência à autoridade municipal de trânsito para credenciar
quem quer que seja (servidor civil ou policial militar) para o exercício das
atividades de policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento.

Conforme
vimos, o CTB permite a celebração de convênios entre os órgãos e entidades de
trânsito, assim como entre estes e particulares (pessoas físicas e jurídicas).
Mas essa delegação de atividades deve observar, entretanto, a possibilidade de
assunção dessas funções pelo outro partícipe, uma vez que determinadas funções
não podem ser atribuídas a particulares ou a órgãos ou entidades estranhos ao
SNT.

A
delegação de atividades relacionadas com o exercício do poder de polícia de
trânsito (fiscalização, imposição de penalidades, arrecadação de multas e
valores de remoção e estadia, entre outros), permitida pelo artigo 25, por
estar ligada à exteriorização do poder estatal, somente pode ser celebrada
entre os órgãos e entidades de trânsito que compõem o SNT.

Nesse
ponto, conforme exaustivamente demonstrado, não sendo a Guarda Municipal órgão
ou entidade de trânsito componente do SNT e não lhe sendo permitida a nomeação,
designação ou credenciamento como agente da autoridade de trânsito, também não
pode figurar como partícipes na celebração de convênio para a fiscalização do
trânsito, restando-lhe, por via de conseqüência, tão somente a possibilidade de
convênio para serem devidamente capacitadas ou assessoradas por outros órgãos
ou entidades de trânsito (§ único do artigo 25).

Convém trazer à
colação, com a finalidade de arrematar o assunto e reafirmando nosso
entendimento, que o DENATRAN, órgão máximo executivo de trânsito da União e que
presta assessoria jurídica ao CONTRAN, e o Ministério das Cidades, a quem
compete a coordenação máxima do SNT, já externaram entendimento no sentido de
que “falece à guarda municipal competência para atuar na fiscalização de
trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de multas, também
não detendo legitimidade para firmar convênio com os órgãos de trânsito
objetivando tal fim”.

 

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Informações Sobre o Autor

Benevides Fernandes Neto

Oficial da Polícia Militar de São Paulo. Especialista em Segurança Pública pela PUC/RS e em Direito Administrativo pela UNORP


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