Resumo: Sendo as contratações públicas grandes protagonistas no sistema de gestão pública atualmente adotado no Brasil, o presente trabalho tem por escopo expor as controvérsias interpretativas, por parte da doutrina e jurisprudência, acerca das disposições do artigo 65 da Lei nº 8.666/93. O referido dispositivo regula as alterações unilaterais nos contratos administrativos, sendo esta uma das prerrogativas da Administração ao contratar com o particular. Diante disso, há grandes polêmicas envolvendo os limites para, em especial, alterar-se qualitativamente um contrato administrativo. Além do confronto das posições adotadas pelos doutrinadores administrativista e pelos tribunais, será demonstrado diversos casos concretos em um capítulo dedicado exclusivamente a este fim.
Palavras-chave: 1. Licitação e contratos. 2. Contrato administrativo. 3. Cláusulas exorbitantes. 4. Alteração unilateral. 5. Divergências doutrinárias.
Abstract: Since public contracting is a major player in the public management system currently adopted in Brazil, the present work has the purpose of exposing the interpretative controversies on the part of doctrine and jurisprudence regarding the provisions of article 65 of Law 8.666 / 93. This provision regulates unilateral changes in administrative contracts, which is one of the prerogatives of the Administration when contracting with the individual. Faced with this, there are major controversies involving the limits to, in particular, qualitatively change an administrative contract. In addition to the confrontation of the positions adopted by the administrativist doctrinaires and the courts, several concrete cases will be demonstrated in a chapter devoted exclusively to this purpose.
Keywords: 1. Government 2. administrative contracts 3. Bidding 4. acquisition process 5. bidding process
Sumário: Introdução. 1. Das alterações unilaterais nos contratos administrativos. 1.1 Do regime jurídico dos contratos administrativos. 1.2 Das alterações unilaterais quantitativas 1.3 Das alterações unilaterais qualitativas. 2. Polêmicas doutrinárias acerca dos limites das alterações qualitativas. 2.1 Os limites do parágrafo primeiro do art. 65 Lei nº 8.666/93. 2.2 A não incidência dos limites previstos na Lei nº 8.666/93. 3. Estudos de casos 3.1 A Decisão Plenária nº 215/99. 3.2 A flexibilização do TCU nos Acórdãos nº 2.931/2010 e nº 448/2011 3.3 O TCE-São Paulo e o julgamento de Aditamentos da CPTM. Conclusão. Referências.
Introdução
A recorrente utilização dos contratos administrativos como instrumento de auxílio para a almejada satisfação das finalidades públicas tem se demonstrado cada vez mais frequente, seja em qualquer dos poderes ou entes pertencentes à administração pública brasileira. Todos os dias são celebradas diversas contratações, tais como prestações serviços, obras públicas, fornecimentos de bens e coisas móveis, concessões, permissões, dentre outras arroladas na Lei nº 8.666/93, com intuito de promover e prover os serviços públicos necessários para atendimento dos administrados.
Ao passo que tais contratações de particulares pelo supracitado instrumento crescem a cada ano para a consecução dos ditos serviços públicos, aumenta-se também a insatisfação da população com recorrentes denúncias de desvios de condutas e danos ao erário por parte dos gestores públicos e particulares.
Nesse cenário, o presente estudo analisará um dos pontos doutrinários que gera diversas controvérsias jurídicas nas assessorias e órgãos de controle no país: os limites das alterações unilaterais qualitativas.
Utilizados como meio de adequação dos contratos a posteriori da fase licitatória, ou mesmo de dispensa, os aditivos que tratam das alterações unilaterais qualitativas repercutem no sentido de que se estes devem ou não sofrer limitações previstas, inicialmente, somente para alterações quantitativas.
Dessa forma, disposto no inciso I alínea “a” do art. 65 da Lei nº 8.666/93, existem aditivos qualitativos que acrescentam ao objeto da contratação duas ou mais vezes o valor inicialmente pactuado, colocando em questão, em diversas ocasiões, a moralidade e a probidade dos gestores público. Assim, tema ora proposto torna-se de relevante importância para toda a sociedade, uma vez que a má utilização dos recursos públicos e a inobservância do princípio norteadores do direito administrativo podem causar prejuízos difusos a toda coletividade.
Equacionar limites do interesse público com a necessidade de adequação dos objetos das contratações tornam-se tarefas complexas e necessárias para os envolvidos na administração pública. Desta forma, é imprescindível estudos sobre o tema, para que haja cada vez mais contribuições ao esclarecimento, principalmente, daqueles que estão intimamente ligados ao exercício das atividades administravas, evitando-se, portanto, o desvio de finalidade e o dano ao erário.
Nesse sentido, o presente artigo objetiva responder os seguintes questionamentos: incidem os limitadores previstos para as alterações quantitativas nos aditivos que tratam das alterações qualitativas? Caso negativo, quais as justificativas jurídicas pertinentes? Caso positivo, há exceções a tal regra?
As respostas a esses questionamentos serão desenvolvidas nos capítulos a seguir.
1. Das alterações unilaterais nos contratos administrativos
Em decorrência da crescente demanda da população por serviços públicos mais eficazes e especializados, a Administração Pública vivencia hoje uma verdadeira “contratualização” da gestão pública, considerando que, para quase todas as atividades da Administração, há espaço para contratações, seja essas em obras, serviços ou aquisições.
Nesse cenário, os contratos tornam-se grandes protagonistas na órbita administrativa e, consigo, trazem para juristas inúmeros temas que acarretam em diferentes interpretações. As discussões das referidas divergências, bem como a exposição dessas de forma clara e didática, fazem-se necessárias para dirimir eventuais dúvidas que figuram no dia a dia dos gestores públicos.
Conforme já consignado no presente, as alterações unilaterais dos contratos administrativos, também estão incluídas nas diversas formas de explicações, seja pela doutrina ou pelos tribunais, e mesmo nas assessorias jurídicas e órgãos de controle.
Frisa-se que as alterações contratuais podem se dar, incialmente, de forma unilateral ou consensual. O tema ora proposto visa analisar apenas as interpretações dada ao art. 65, inciso I da Lei nº 8.666/93, focando, portanto, nas alterações unilaterais.
O texto legislativo traz a seguinte redação no que concerne a citadas modificações contratuais[1]:
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I – unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; (…) §1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos. (…)
§ 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.
§ 2º Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior. (…)
§ 6º Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.”
Contudo, antes de adentrar em tal mérito, mister se faz analisar certos conceitos pertinentes aos contratos pactuados pela administração, vez que se torna imprescindível, por exemplo, entender o regime jurídico destes, bem como diferenciar as espécies de alterações previstas em lei.
1.1 Do regime jurídico dos contratos administrativos
Os contratos celebrados pela Administração Pública com particulares guardam certas semelhanças com os contratos privados. Entretanto, os chamados contratos administrativos possuem um regime jurídico diferenciado. Significa dizer que haverá presença em tais instrumentos de certas prerrogativas não comuns aos particulares.
Sem prejuízo às divergentes posições doutrinárias quanto ao conceito e mesmo a existência de contratos administrativos, as diferenças supracitadas consistem na existência das chamadas cláusulas exorbitantes. Neste sentido, definiu a professora Di Pietro:
“São cláusulas exorbitantes aquelas que não seriam comuns ou que seriam ilícitas em contrato celebrado entre particulares, por conferirem prerrogativas a uma das partes (a Administração) em relação à outra; elas colocam a Administração em posição de supremacia sobre o contratado.” [2]
As cláusulas exorbitantes, também chamadas de prerrogativas extraordinárias da administração, pois exorbitam do direito comum, funcionam como prerrogativas que colocam a Administração em posição de vantagem em relação ao particular que é contratado, criando, portanto, um regime jurídico diferenciado. Tais prerrogativas se fazem por vontade do legislador a fim de atenderem os próprios princípios norteadores do direito administrativo, como a supremacia do interesse público sobre o particular e da indisponibilidade[3].
Contudo, para Marçal Justen Filho, não há que se falar que tais cláusulas ocasionem uma situação jurídica de “privilégio” da Administração sobre o particular, vez que é vedada atuação administrativa sem o devido respeito aos direitos e interesse do contratado.[4]
Registra-se, ainda, que existem diversas críticas doutrinárias acerca dessa relação vertical exercida pela administração, onde se verifica a necessidade cada vez maior da ponderação dos interesses coletivos com os individuais e, por conseguinte, uma relativização das cláusulas exorbitantes[5].
Contudo, fato é que para a majoritária doutrina, como preconiza o professor Carvalho Filho[6], entendem que tais cláusulas fazem parte da estrutura que caracteriza o regime jurídico de direito público, constituindo verdadeiros princípios, aplicáveis aos contratos da administração.
Dado o conceito das cláusulas exorbitantes, deve-se apresentar sua previsão legal, que se encontra no art. 58 da Lei nº 8.666/93, com a seguinte redação:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituídos por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I – modificá-los unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitado os direitos do contratado;
II – rescindi-los unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;
III – fiscalizar-lhes a execução;
IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo;
§ 1º as cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2º Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.” [7]
Nota-se que o dispositivo regula as prerrogativas da administração e sujeição aos contratados, sendo o inciso I o tema do presente trabalho.
As alterações unilaterais consistem em modificações das especificações do objeto contratado ou de sua dimensão, para melhor atingimento do interesse público. Tal fato consubstancia a característica mutável do contrato. Neste sentido, informa o professor Hely Lopes Meirelles que “nenhum particular, ao contratar com a Administração, adquire direito à imutabilidade do contrato ou à sua execução integral ou, ainda, às suas vantagens in specie, porque isto equivaleria a subordinar o interesse público ao interesse privado do contratado”.
Logo, tal característica de mutabilidade está intimamente ligada às alterações unilaterais. Prevista no art. 65, inciso I da Lei n° 8.666/93, podemos dizer que tais modificações unilaterais podem se dar de duas formas: qualitativa ou quantitativamente.
Para Marçal Justen Filho, trata-se na realidade de um poder-dever da Administração, visto que está “dispõe de um poder jurídico que lhe é outorgado não no interesse próprio – mas para melhor realizar um interesse indispensável” [8].
Destarte, será apresentado a seguir um subcapítulo a cada uma das espécies de modificação.
1.2 Das alterações unilaterais quantitativas
Prevista na alínea “b” do art. 65 da Lei de Licitações e Contratos, as alterações quantitativas podem ocorrer para acréscimos e supressões que se fizerem necessárias, nos limites estabelecidos no § 1º do mesmo dispositivo.
O referido parágrafo impõe limitações para tais alterações, podendo estas se dar em até 25% do valor inicial atualizado do contrato, para obras, serviços ou compras e em até 50% nos casos de reforma de edifício ou equipamento.
Ressalta-se que não se confundem alteração qualitativa com modificação de preços. Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho[9] avisa que, enquanto uma consiste em uma alteração primária, pois atinge os quantitativos do objeto, a outra, respectivamente, pode ser chamada de alteração derivada, vez que ocorre como efeito das alterações quantitativas (ou qualitativas), não sendo realizada de forma direta.
Sendo o objeto do contrato a representação da forma e finalidade do contrato, verifica-se que poderá ocorrer alteração na primeira, mas, nunca na segunda. Não se pode, portanto, descaracterizar o objeto do contrato. Por exemplo, imagina-se que a administração adquira automóveis para frota de determinado órgão. Não se admitiria, portanto, que se transformassem esses automóveis em compra de motocicletas.
Contudo, caso seja identificada a necessidade, é possível acrescer ou suprimir, em sua dimensão, o número de automóveis inicialmente previstos, observando-se, desde logo, os limites estabelecidos no §1º do artigo 65 (no caso em tela, 25%).
Assim, fica o contratado obrigado a aceitar tal acréscimo ou supressão dentro desses limites. Entretanto, há exceção a tal limitação, nos casos de supressão que houver concordância do contratado.
Ao se estabelecer uma alteração na dimensão do objeto contratado, o limite percentual estabelecido na legislação incidirá sobre o valor do contrato, e não sobre a dimensão do objeto. Conforme o exemplo dado, nada impede que a administração, que inicialmente compraria 100 automóveis, altere para 130, contanto que o valor de tal majoração não ultrapasse o valor incialmente previsto.
Contudo, apesar da simplicidade quando se trata de contratação com preços unitários, conforme o exemplo, complexo fica a realizar tal alteração quando se fala em preço global. Nesse sentido, leciona Marçal:
“Suponha-se, por exemplo, o contrato para construção de uma edificação. Poder-se-ia afirmar que a redução de 25% da metragem quadrada da obra corresponderia a uma redução de 25% do preço? É evidente que não. Diante dessa dificuldade, a lei determina que a ausência de preços unitários no contrato será solucionada através de comum acordo entre as partes. Logo, o problema é remetido para o âmbito negocial, escapando da prerrogativa unilateral da Administração”[10].
Ainda, o mesmo autor informa que tal problemática pode persistir mesmo quando houver preços unitários, vez que nem sempre as reduções ou acréscimos proporcionais acompanham a variação de preços, considerando os princípios básicos de uma economia de escala.
Frisa-se que sempre haverá necessidade de motivação para que o administrador utilize de sua discricionariedade, conforme ensinamentos de Di Pietro:
“O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.”[11]
Dessa forma, é inadmissível que um acréscimo ou supressão de forma quantitativa em determinado contrato administrativo ocorra sem a devida demonstração da motivação, instruindo essa, consequentemente, os autos do processo administrativo com os documentos necessários que a comprove.
Portanto, conforme se pode observar, as dimensões do objeto podem ser majoradas ou suprimidas, ao passo que fique demonstrado devidamente interesse público, observando-se sempre os limites estabelecidos na lei, ficando o contratado obrigado à aceita-la.
1.3 Das alterações unilaterais qualitativas
No que concerne às alterações unilaterais qualitativas, segundo a legislação, essas encontram espaço “quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos” nos termos da alínea “a” do art. 65, inciso I da Lei de Licitação[12].
Dessa forma, mister analisar o conceito de melhor adequação técnica, eis que essa é pressuposto para eventual modificação do projeto ou das especificações.
Para Marçal Justen Filho, a adequação consistiria na descoberta ou revelação de circunstâncias desconhecidas à época da elaboração da proposta para o certame, ou ainda na constatação de melhor solução técnica, sendo mais adequada do que a anterior estabelecida. Por logo, verifica-se que se trata de situações supervenientes à elaboração do edital. Marçal ainda acredita que não se aplica tal hipótese de alteração em contratos de execução instantânea. [13]
Portanto, a superveniência de fatos da época da elaboração da proposta é pressuposto para realização de modificação qualitativa. No entanto, é entendimento que a má elaboração do projeto ou proposta não dá ensejo a eventual alteração, não merecendo a celebração de aditivo que verse sobre modificações qualitativas a fim de corrigir a falta de planejamento adequado ou cautela na contratação.[14]
Registra-se que, por vezes, podem aparentar tênues as distinções entre as alterações qualitativas e quantitativas. Nesse sentido, Eros Roberto Grau exemplificou em sua obra as seguintes situações:
“(a) contrata-se a pavimentação de 100km de rodovia; se a Administração estender a pavimentação por mais 10km, estará acrescendo, quantitativamente, o seu objeto – a dimensão do objeto foi alterada; (b) previa-se, para a realização do objeto, a execução de serviços de terraplanagem de 1000m3; se circunstâncias supervenientes importarem que se tenha de executar serviços de terraplanagem de 1200m3, estará sendo acrescida a quantidade de obras, sem que, contudo, se esteja a alterar a dimensão do objeto – a execução de mais 200m3 de serviços de terraplanagem viabiliza a execução do objeto originalmente contratado objeto originalmente contratado.” [15]
Portanto, na ocorrência de fatores imprevisíveis à época da elaboração do projeto básico ou executivo da contratação, em que acarrete necessidade de adequação técnica dos mesmos, a fim de tornar sua execução viável, seja pela modificação do projeto ou alteração das especificações, estaremos diante, finalmente, de uma alteração unilateral qualitativa.
Vencida tais distinções, cumpre ainda esclarecer que o objeto do contrato se confunde com o da licitação[16]. É possível conceituar esse como “a obra, o serviço, a compra, a alienação, a concessão, a permissão e a locação que, afinal, será contratada com o particular”, nas palavras do professor Hely Lopes Meirelles[17].
Diante de tal conceito, é necessário reforçar que modificar o projeto ou suas especificações não significa alterar a natureza da contratação, conforme já esclarecido anteriormente. A finalidade da Administração pactuar aditivos que versem sobre modificação qualitativa deve ser a de empregar melhor técnica afim de atingir a consecução do objeto do contrato. Ou seja, fica vedada a descaracterização da essência do objeto inicialmente contratado.
Ressalta-se, ainda, que a administração deve demonstrar que a alteração qualitativa é via mais adequada para a satisfação do interesse público, em comparação a possibilidade de rescisão contratual, uma vez que se atenda os princípios da economicidade, da eficiência, da inalterabilidade do objeto, da igualdade, da moralidade e da motivação[18].
Nas palavras de Márcio Cammarosano:
(…) devidamente configurada a necessidade, e não mera conveniência, de alteração contratual, de sorte a assegurar a adequada execução do objeto do contrato para que seja atendida plenamente a finalidade a que se destina, em face mesmo de situações imprevisíveis ou razoavelmente não previstas, desde que não configurado aumento quantitativo do objeto do contrato[19]
Por derradeiro, aplicando-se as alterações unilaterais qualitativas, provavelmente haverá impacto na órbita econômica do contrato, obrigando a administração a adoção de medidas cabíveis para realizar o equilíbrio-econômico financeiro e a adequação de prazos para execução. Nesse momento, enseja-se o tema ora proposto pela presente pesquisa.
Assim, mister se faz analisar a existência ou não de limites estabelecidos na legislação, para as consequências econômicas que uma alteração qualitativa pode trazer na contratação. A seguir, serão apresentadas as principais teses discutidas pela doutrina e pelos tribunais quanto ao referido tema.
2. Polêmicas doutrinárias acerca dos limites das alterações qualitativas
Vencida a análise sobre o regime dos contratos administrativos, bem como a ilustração das alterações unilaterais qualitativas e quantitativas, passa-se a discorrer sobre o ponto nodal deste trabalho.
Conforme exposto anteriormente, as alterações unilaterais qualitativas são realizadas pela Administração no intuito de melhor adequação técnica do objeto da contratação. No entanto, é provável que a referida modificação traga impacto direto na órbita econômica do contrato.
Nesse sentido, questiona-se: há limites nas consequências de ordem financeiro para supressão ou acréscimos nas alterações qualitativas? Tal questionamento passará a ser tratado nos próximos tópicos.
2.1 Os limites do parágrafo primeiro do art. 65 Lei nº 8.666/93
Não obstante à necessidade de expor no presente trabalho o posicionamento da parte da doutrina que entende pela não incidência dos limitadores previstos no art. 65 da Lei de Licitações, é oportuno ressaltar, desde logo, um breve comentário acerca do contexto histórico de criação da Lei nº 8.666/93.
No ano de 1992, ocorrera o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, após denúncias de corrupção em seu governo[20]. Nesse contexto, havia na população brasileira, liderada pela mídia, um clamor por leis mais severas que inibissem as práticas de atos ilícitos por parte dos gestores públicos, maximizando a previsão dos atos a serem praticados nas contratações públicas. Dessa forma, em 21 de junho de 1993, foi publicada a Lei nº 8.666/93, também conhecida como Lei Geral de Licitações.
Conclui-se, então, que tamanho detalhamento e restritividade imposta pelo legislador, no mencionado diploma legal, deve-se ao objetivo de assegurar a moralidade dos atos realizados por aqueles que se envolvem diretamente nas contratações públicas. Ou seja, a lei acaba por ter maior preocupação em resguardar a integridade da forma de contratação do que com o próprio objeto que está sendo contratado.
Diante disso, é possível afirmar que a Lei nº 8.666/93 é mais preocupada com os meios que os fins, sendo tal fato consequência do contexto histórico de sua elaboração, dada as limitações imposta ao gestor público.
Frente a tal entendimento, podemos identificar que o disposto no parágrafo primeiro e segundo do art. 65 ilustra, em meio a várias outras disposições, a dita restritividade da lei, uma vez que este visa estabelecer limites de acréscimos e supressões nas alterações unilaterais contratuais.
Elencado na então Lei Geral de Licitações, os referidos parágrafos trazem a seguinte redação:
Art. 65 (…)
§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.
§ 2o Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo: (…)
II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes
Ao deparar-se com tal disposição, parte da doutrina filia-se ao entendimento de que os limites estabelecidos no citado dispositivo se aplicariam em todas e quaisquer alterações, com exceção das supressões acordadas entre as partes, conforme inciso II do parágrafo segundo do art. 65.
O procurador do estado do Rio de Janeiro, Marcos Juruena Villela Souto, em parecer exarado naquele órgão (PGE-RJ), se posicionou, justamente, no sentido de que tais limitadores são consequência da vontade legislativa decorrente do contexto histórico da edição da Lei:
Tal direito (refere-se ao poder da Administração Pública de alterar qualitativa e unilateralmente o objeto contratual), contudo, não implica em dizer que tal poder de revisão do contrato seja ilimitado por parte da Administração Pública. Isto porque o art. 65, §2º da Lei n.º 8.666/1993, inovando em relação ao antigo art. 55, § 4º do DL n.º 2.300/1986, estabelece que “nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior”. Tal limite é de 25% do valor atualizado do contrato (que, no caso dos autos, já foi ultrapassado). Aplica-se o mandamento legal tanto às alterações quantitativas quanto às alterações qualitativas, voluntárias ou não. Não é demais lembrar que o contexto histórico que ensejou a edição da Lei n.º 8.666/1993 envolvia a necessidade de se impor limites à liberdade do administrador.[21]
Já para o administrativista Carlos Ari Sundfeld, o particular contratado não deve ser compelido a suportar acréscimo ou supressão superiores aquelas elencadas na legislação. Primeiramente porque ele já sabe, quando ratifica a contratação realizando sua proposta no procedimento licitatório, os limites que deverá suportar, vez que esses estão elencados na lei. Ainda, caso ocorrer um acréscimo desmensurado, estaria diante de provável inviabilidade a execução do contrato, por mais que houvesse incremento na remuneração, vez que a empresa poderia não ter capacidade operacional para tamanha alteração. Por fim, para o doutrinador, a execução do contrato acrescido com os mesmos preços unitários poderia tornar a contratação excessivamente onerosa.[22]
José Carvalho dos Santos Filho, em seu Manual de Direito Administrativo, articula que o Legislador não distinguiu a espécie de alteração para os limites do parágrafo primeiro, aplicando-se, portanto, em todas as modificações, informando ainda que tal limitação visa preservar o núcleo do objeto contratado:
De fato, o art. 65, § 1º, não faz qualquer distinção entre os tipos de alteração contratual e alude a obras, serviços e compras em geral. Se o legislador pretendesse discriminar as espécies de modificação, deveria tê-lo feito expressamente, o que não ocorreu. Assim, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Avulta, ainda, observar que o art. 65, § 2º, com a alteração da Lei nº 9.648/1998, é peremptório no sentido da impossibilidade de exceder os referidos limites, ressalvando apenas a hipótese de supressão, desde que consensual. Ademais, é preciso lembrar que a fixação de limites visou exatamente a evitar que alterações profundas no contrato chegassem ao extremo de desnaturá-lo ou de alterar o núcleo originário de seu objeto. [23]
Corrobora com tal entendimento, mais uma vez, o professor Jessé Torres Pereira Júnior, proferindo que acréscimos significativos importariam na configuração de objeto diverso do licitado.[24]
Jessé Torres ainda ressalta em sua obra que:
(…) a limitação em 25% dos eventuais acréscimos contratuais, estabelecidos no art. 65 § 1º, decorre da própria obrigação constitucional de licitar (CF, art. 37, XXI), impedindo que os responsáveis prolonguem indefinidamente os contratos já firmados. [25]
Logo, assim que seja identificada pelo gestor contratual a necessidade de majoração do objeto contratual que ultrapassem os limites de 25% para obras, serviços ou compras e, no caso de reforma de edifício ou equipamento, 50%, deverá ser deflagrado um novo procedimento licitatório.
Seguindo o entendimento pela aplicabilidade dos limites do parágrafo primeiro para todas as alterações contratuais, o professor Rafael Rezende Oliveira se valeu dos seguintes fundamentos:
(…) aplica os limites às duas espécies de alteração unilateral (quantitativa e qualitativa). Não se afigura razoável permitir a alteração unilateral do contrato sem qualquer limite na repercussão econômica no preço, uma vez que esta situação conflitaria com os seguintes princípios constitucionais:
a) segurança jurídica e boa-fé: a alteração ilimitada acarretaria insegurança para o contratado que deveria se sujeitar à vontade da Administração mesmo nas hipóteses em que não tenha condições materiais (equipamentos ou bens) ou econômicas para implementar o objeto alterado;
b) economicidade: em virtude dos riscos incalculáveis assumidos pelo particular, a sua proposta de preço na licitação seria incrementada e não representaria, necessariamente, os custos e os lucros esperados;
c) moralidade: na ausência de limites percentuais, o preço contratual poderia sofrer enorme variação, o que colocaria em dúvida, eventualmente, a modalidade de licitação utilizada para escolher o licitante. Lembre-se que a concorrência, a tomada de preços e o convite são modalidades de licitação que, normalmente, levam em consideração o valor estimado do contrato e possuem exigências diferenciadas em relação à participação dos licitantes (ex.: a Administração utiliza-se do convite, direcionando a contratação para alguns convidados, para celebrar o contrato que sofre alteração posterior para elevar o preço ao patamar que demandaria a concorrência – esta última modalidade admite a participação de qualquer interessado); e
d) razoabilidade: não se pode pretender transformar a contratação pública em loteria ou aventura jurídica. [26]
No tocante a tal interpretação doutrinária, em apreciação ao REsp 1.021.851/SP de 12/08/2008, o Superior Tribunal de Justiça[27], filiou-se a tal corrente afirmando que “13. Os limites de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 aplicam-se tanto para as hipóteses da alínea "a", quanto da alínea "b" do inciso I do mesmo dispositivo legal.”
Por sua vez, o Tribunal de Contas da União se posicionou, na Decisão 215/99[28], no sentido da aplicabilidade do parágrafo primeiro para as alterações unilaterais qualitativas ou quantitativas, no entanto, foi permissivo a exceções, desde que preenchidos uma série de requisitos, que serão analisados em título oportuno.
A decisão supracitada teve repercussão histórica, sendo adotada por aquele tribunal e, consequentemente, por diversos tribunais de contas dos estados, como parâmetro para análise da questão. Entretanto, há nos últimos anos novas decisões alargando as possibilidades ali elencadas.
Mais detalhes sobre esta importante decisão, bem como as novas jurisprudências do TCU serão abordadas com o merecido detalhamento em capítulo dedicado aos casos concretos.
Sem prejuízo ao já explanado, existe ainda àqueles que acreditam em uma posição mais conciliadora. Ou seja, entende que se aplica os limites dos §§ 1º e 2º do Art. 65 da Lei nº 8.666/93 tanto nas alterações unilaterais qualitativas quanto nas quantitativas, mas que haveria possibilidade de se tornar viável a execução do contrato realizando uma alteração qualitativa, respeitando alguns requisitos.
Tal posição é defendida pelo Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Flávio Amaral Garcia:
(…) Eventual alteração qualitativa acima dos limites previstos em lei somente poderá se efetivar no caso de existir consenso entre as partes, dependendo, assim, da aquiescência do particular (…) sendo preciso, também, que a alteração qualitativa decorra de uma situação excepcional e superveniente ao contrato, como, por exemplo, circunstâncias imprevisíveis, imprevistas ou até mesmo o advento de uma tecnologia mais avançada, sob pena de burlar os princípios norteadores da licitação, da isonomia e moralidade.[29]
Conclui, ainda, o referido autor:
“a-) as alterações unilaterais qualitativas do objeto do contrato se submetem aos limites impostos no § 1º do artigo 65 da Lei n.º 8.666/93, como forma de preservar os direitos do contratado;
b-) logo, eventual alteração qualitativa acima de tais limites depende da expressa concordância do contratado;
c-) estas alterações qualitativas acima dos limites dependem, entretanto, da ocorrência de circunstâncias excepcionais e supervenientes – sob pena de burla aos princípios da licitação, isonomia e moralidade – e da comprovação (princípio da motivação) de que a realização de nova licitação acarretará grave prejuízo ao
interesse público; d-) quando for o caso, torna-se indispensável justificativa técnica comprovando que a alteração contratual proposta não poderia ser dimensionada na fase anterior à contratação, em especial no projeto
básico. Na hipótese de erro, devem-se apurar as responsabilidades dos agentes pelo equivocado dimensionamento do objeto na fase interna de contratação.”[30]
Observa-se que, na realidade, tal entendimento converge com a posição do Tribunal de Contas da União na decisão 215/99.
Ante o exposto, resta consignar que os tribunais vêm se filiando a tal entendimento. Contudo, verifica-se que a maior parte dos doutrinadores tendem à juízo diverso, conforme será explanado a seguir.
2.2 A não incidência dos limites previstos na Lei nº 8.666/93
Contrapondo-se com exposto, grande parte da doutrina defende veementemente a inaplicabilidade dos limites previstos no parágrafo primeiro do Art. 65 da Lei de Licitação nas alterações unilaterais de natureza qualitativa (alínea “a” do inciso I), acreditando que tal limitação torna efeito apenas para as modificações na ordem quantitativa (logo, no caso da alínea “b” do inciso I).
Incialmente verifica-se que não há nenhum tipo de menção de limites no texto legislativo referente à alínea “a”, diferentemente conforme acontece com a alínea “b”, que é destacado ao final de sua disposição a expressão “nos limites permitidos por esta Lei”.
Portanto, em uma interpretação gramatical do dispositivo, não há que se falar em limitação para as alterações qualitativas, conforme preconiza Maria Sylvia Zanella Di Pietro[31]:
“(…) Somente as alterações quantitativas estão sujeitas aos limites de 25% ou 50%, referidos no artigo 65, § 1 º, da Lei nº 8.666, até porque o inciso I, "b" (que trata especificamente dessa hipótese de alteração), faz expressa referência à modificação do valor contratual "em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta lei'', não se encontrando a mesma referência no inciso I, "a'', que trata das alterações qualitativas.”
No mesmo sentido, entendeu o Celso Antônio Bandeira de Mello articulando a falta de previsão limitadora na hipótese de alteração qualitativa:
(…) o § 2º do artigo 65 (que declara inaceitáveis quaisquer acréscimos ou supressões excedentes dos limites fixados) remete expressamente ao parágrafo anterior. Ora, neste, ou seja, no § 1º, está estabelecido que o contratado fica obrigado a aceitar acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras até 25% ou, no caso de reforma 50%. Portanto, ambos os parágrafos (1º e 2º) estão reportados a “acréscimo” ou “diminuição”: expressões idênticas ou equivalentes às utilizadas na letra “b” do art. 65, I (“acréscimo ou diminuição”), que é o que trata de alteração de quantitativos. Demais disto, é também nesta legra “b” – e unicamente nela – que se faz referência a “nos limites permitidos por esta lei” – expressão que inexiste na letra “a” (que trata de “modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos”). Esta inclusão dos limites em uma e exclusão em outra não pode ser desconsiderada[32]
O administrativista ainda ressalta em sua obra que tal fato não autoriza o gestor público a realizar modificações qualitativas com total e ilimitada liberdade para modificações do objeto, sendo sempre justificada eventual alteração na dependência do caso concreto.
Já para Floriano Azevedo Marques, em estudo dedicado ao tema, reflete-se que a questão é explicada pela ciência do legislador quanto à impossibilidade de se limitar alteração dessa natureza na norma, vez que as alterações de ordem qualitativas decorrem de superveniências técnicas que impedem a consecução do objeto:
“(…) Na primeira hipótese, modificações no projeto ou nas especificações ditadas por necessidade técnicas supervenientes que obstam a plena realização dos seus objetivos, não há qualquer menção aos limites, certamente porque o legislador estava ciente da impossibilidade de se limitar tais alterações, estranhas à vontade das partes, ditadas por imperativos técnicos supervenientes. Repetimos à farta: onde o legislador diferiu as hipóteses, não podemos nós, intérprete procurar uniformizá-las”[33]
Corroborando com tal articulação, destacou Marçal Justen Filho[34] que “a modificação unilateral do contrato pressupõe eventos ocorridos ou apenas conhecidos após a contratação”, conforme já afirmamos anteriormente.
Marçal, ainda, alerta que aplicar a vedação do § 2º (logo, também do §1º) nas alterações previstas na alínea “a” ensejaria situação incompatíveis com o princípio da razoabilidade, uma vez que as alterações qualitativas decorrem da inviabilidade da execução o projeto conforme foi concebido originalmente. Dessa forma, a Administração tem o dever de promover a citada alteração, sendo, no caso de omissão, uma infração ao princípio da indisponibilidade do interesse público.[35]
Conclui o referido autor que ao se aplicar as limitações nas alterações qualitativas, estaria se ocasionando três situações mais danosas à Administração[36]:
1) a manutenção do projeto inicial, que seria contrário ao interesse público;
2) alterar respeitando os limites de 25%, que também seria contrário ao interesse público, posto que não atenderia em pleno a necessidade de modificação;
3) a rescisão do contrato e realização de novo procedimento licitatório, podendo esse ser mais dispendioso aos cofres públicos, indo de encontro ao princípio da proporcionalidade.
Ressalta-se, ainda, posição do Ministro Eros Grau, afirmando pela não aplicabilidade dos limitadores, ainda que se tenha acréscimo de obra ou serviços:
Neste caso, das modificações de projetos podem decorrer encargos para o contratado, encargos aos quais, mercê da incidência da regra do § 6º do art. 65 da Lei n. 8.666/93 — que confere concreção ao princípio do equilíbrio econômico e financeiro do contrato —, evidentemente, deve corresponder o aumento de sua remuneração. Aqui não há alteração quantitativa do contrato, porém, qualitativa, razão pela qual não alcança o caso a limitação quantitativa de seu objeto — art. 65, § 1º, b, da Lei n. 8.666/93 — explicitada como acréscimo (nas obras) — § 2º desse mesmo art. 65. Note-se bem: o aumento da remuneração do contratado decorre de modificação do projeto, ainda que envolva acréscimo de obras — classe de casos abrangidos pela hipótese da regra veiculada pelo art. 65, I, a, da Lei n. 8.666/93 —, e não de acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto do contrato (conceito cujo termo é completado na menção a acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras) — classe de casos abrangidos pela hipótese da regra veiculada pelo art. 65, I, b, da Lei n. 8.666/93. Exemplificando com a hipótese da compra, pela Administração, de unidades de determinado equipamento: (I) a Administração poderá, com esteio no que dispõe o art. 65, I, b, da Lei n. 8.666/93, adquirir número maior de unidades desse mesmo equipamento, até 25% do valor inicial atualizado do contrato; (II) a Administração poderá, com esteio no que dispõe o art. 65, I, a, da Lei n. 8.666/93, exigir a modificação das especificações dos equipamentos, desde que “para melhor adequação técnica aos seus objetivos”, ainda que dessa modificação de especificações decorra aumento, do valor inicial atualizado do contrato, superior a 25% dele. A única limitação que no caso incide é enunciada pelo texto desse art. 65, I, a: “melhor adequação técnica (do contrato) aos seus objetivos. [37]
Já no que se refere ao entendimento nos tribunais, foi consignado outrora, em subcapitulo anterior, que o Tribunal de Contas da União, em sede da Decisão 215/99, entendeu que as limitações dos §§ 1º e 2º aplicam-se para todos os casos de alteração.
Conforme também já fora consignado na presente pesquisa, apesar de ainda não ter o merecido detalhamento, daquela decisão abriu-se precedente para exceções que permitiriam o gestor público, preenchendo uma série de requisitos, aplicar a alteração qualitativa com impacto financeiro superior aos 25%. Um dos requisitos é a necessidade de consentimento da contratada para tal alteração.
Rebatendo tal entendimento da Corte de Contas, a professora Di Pietro acredita que não haveria que se falar em consentimento da contratada:
O entendimento do Tribunal de Contas da União, no sentido de que a alteração qualitativa que ultrapasse os limites do § 1º do artigo 65 depende de acordo entre as partes e da ocorrência de fatos supervenientesdestoa, data venia, do que dispõe o artigo 65 e restringe indevidamente as hipóteses legais de alteração unilateral. Isto porque o dispositivo distingue duas hipóteses diversas: de um lado, a de alteração qualitativa, a ser feita unilateralmente pela Administração, desde que haja justificativa adequada de interesse público; e, de outro, a alteração por acordo, quando ocorram fatos supervenientes ou imprevisíveis no momento da celebração do contrato provocando desequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Em uma e outra hipótese, não se cogita de imposição de limite quantitativo, porque isto seria contrário ao interesse público e à razoabilidade. [38]
Ainda, no que pese a supracitada decisão, a mesma faz menção aos princípios da economicidade, da licitação, da eficiência, da inalterabilidade do objeto, da igualdade, da moralidade, e da motivação. Sendo de observância obrigatória tais princípios em toda a alteração qualitativa. Conclui Daniel Uchoa[39] que o “preenchimento dos requisitos em questão não é necessário apenas para a hipótese de ultrapassagem dos aludidos limites, mas para todas as alterações qualitativas, razão pela qual não se justifica o entendimento segundo o qual aqueles lhes são aplicáveis. ”
Não obstante a tese defendida pelos citados doutrinadores, interessante se faz transcrever a recomendação do jurista Márcio Cammarosano, em trabalho dedicado ao tema estudado:
“(…) é verdade que a inexistência de limites rígidos para fazer frente a alterações qualitativas e ou situações imprevistas não autoriza desnaturar o objeto do contrato, nem realizar intervenções de tal ordem que lhe alterem profundamente as características consoante inicialmente concebidas e consubstanciadas no projeto e orçamento anexos ao edital do certame licitatório. Alterações dessa magnitude poderiam caracterizar burla à licitação realizada, ofensa aos princípios da isonomia, da moralidade administrativa e da razoabilidade, razão suficiente para que a execução do contrato não prossiga, seja e fosse elaborado novo projeto e realizado novo certame. Nesse sentido, cogitando-se de modificações que, mesmos fundadas na alínea a do inciso I do art. 65 da lei nº 8.666/93, .venham implicar aumento substancial do valor do contrato, especialmente aumentos superiores aos percentuais previstos no §1º do mesmo artigo, recomenda-se prudência”[40]
Logo, mesmo pautado nas posições doutrinárias expostas no presente capítulo, deve o gestor público analisar com o máximo de cautela e criterioso exame do caso todas as possibilidades para melhor atingimento do interesse público, vez que quanto maior o valor para se modificar mais balizadas terão que se encontrar as justificativas para tal.
Por derradeiro, tais posicionamentos tornam-se de grande relevância para uma gestão pública voltada a resultados, sendo uma interpretação com características mais acentuadas para a desenvoltura dos órgãos contratantes, o que vem de encontro às posições adotadas, principalmente, pelos órgãos de controle, que propendem sempre pela existência de maiores limites e estreita atuação dos agentes públicos, a fim de preservação do próprio erário.
3. Estudos de casos
Conforme já previamente adiantado, o presente capítulo visa ilustrar as situações explanadas acima, citando casos e julgados nos principais tribunais, conforme veremos a seguir.
3.1 A Decisão Plenária nº 215/99
Trata-se aqui de uma das competências da Corte de Contas, de análise a casos hipotéticos, sendo tal decisão proferida em análise ao processo TCU-930.039/98-0, que consistia em consulta realizada pelo Ministro do Meio Ambiente (ex-Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal), quanto a possibilidade de alteração de contrato administrativo em valor excedente ao estabelecido na Lei Geral de Licitações e Contratos.
Em síntese, o caso hipotético trazido àquela Corte remetia a existência de obra pública com a finalidade de construção de uma barragem, onde verificou-se a necessidade de alteração que acarretaria elevação superior aos 25% permissivo.
É descrito que a obra se encontrava com adiantado estágio de execução, no momento em que foi identificada a necessidade de acréscimos no quantitativos de obras e serviços, sendo este decorrente da situação encontrada na escavação da fundação, pleiteando, dessa forma a troca do maciço de terra, originalmente previsto, para utilização de um maciço de concreto compactado a rolo (CCR), ressaltando que o último traria uma série de benefícios econômicos e sociais.
Ainda é informado na consulta formulada pelo Ministério que à época da elaboração do projeto básico, a tecnologia CCR quase não era utilizada, que tal alteração não compromete a segurança da obra e nem altera suas características e, finalmente, que mesmo mantendo o processo construtivo original, superar-se-ia o limite legal permitido de 25%.
No voto do Ministro-Relator, José Antonio Barreto de Macedo (Relator), fazendo um comparativo entre as espécies de interesse público, informando que “O interesse público primário – às vezes distinto do interesse da Administração, que é o interesse público secundário – é não só o fundamento da mutabilidade nos contratos administrativos, como também o seu real limite (..)”, conclui, de forma preliminar, que as alterações de ordem qualitativas quase sempre seriam necessárias para a consecução do objeto, ou seja, para o cumprimento do interesse público primário.
O Relator afirmou ainda que, para essas alterações, é necessário aplicar limites genéricos, a fim de respeitar os direitos do contratado e evitar fraudes à licitação. Ainda, no decido, afirma não haver dúvidas quanto à aplicabilidade dos §§1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93.
Após invocar argumentos dos juristas já explanados na presente pesquisa, tais como Carlos Ari Sundfeld e Jesse Torres Pereira, conclui que, no que se refere à aplicabilidade dos limites para as alterações qualitativas, estas “estão sujeitas aos mesmos limites escolhidos pelo legislador para as alterações unilaterais quantitativas, previstos no art. 65, § 1.º, da Lei 8.666/93, não obstante a falta de referência a eles no art. 65, I, a.”
Entretanto, na continuidade da decisão, o Ministro ressaltou que, no intuito de ser realizado o interesse público, a Administração poderia, em caráter excepcional, ultrapassar esses limites, devendo faze-lo consensualmente, revisando as obrigações e os valores contratados.
Tal alteração excepcional deveria ocorrer de forma consensual a fim de evitar onerosidade excessiva nas obrigações do contratado. Ainda, estas poderiam ser somente qualitativas, não se admitindo nos casos de alterações quantitativas:
“Além de consensuais, sustentamos que tais alterações devem ser necessariamente qualitativas. Estas, diferentemente das quantitativas – que não configuram embaraços à execução do objeto como inicialmente avençado -, ou são imprescindíveis ou viabilizam a realização do objeto.”
Nesse sentido, o Relator ressalta que a alteração qualitativa objetiva a satisfação do interesse público, entendendo que essa consiste na modificação do projeto ou especificação, podendo ser necessária independente de fato superveniente ou de conhecimento superveniente. A fim de exemplo de tal hipótese, cita “o 'domínio de nova tecnologia mais avançada' ou a 'disponibilidade de equipamentos tecnicamente mais aperfeiçoados”.
Finalmente, suscitou-se no voto uma terceira característica para admissão da ultrapassagem dos limites de 25%:
“Além de bilaterais e qualitativas, sustentamos que tais alterações sejam excepcionalíssimas, no sentido de que sejam realizadas quando a outra alternativa – a rescisão do contrato, seguida de nova licitação e contratação – significar sacrifício insuportável do interesse coletivo primário a ser atendido pela obra ou serviço. Caso contrário, poder-se-ia estar abrindo precedente para, de modo astucioso, contornar-se a exigência constitucional do procedimento licitatório e a obediência ao princípio da isonomia.”
Com base no supracitado voto do Relator, o Pleno do Tribunal de Contas da União decidiu, em sede de consulta, pelo seguinte entendimento:
“a) tanto as alterações contratuais quantitativas – que modificam a dimensão do objeto – quanto as unilaterais qualitativas – que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão, estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei;
b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos: I – não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
II – não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III – decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;
IV – não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;
V – ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;
VI – demonstrar-se – na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea "a", supra – que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;”
Portanto, vislumbra-se que essa decisão se filiou ao entendimento doutrinário de que ambas as formas de alteração contratual – qualitativa ou quantitativa – subordinam-se aos limites previstos nos §§ 1º e 2º do Art. 65 da Lei de Licitação, apesar da possibilidade de exceção apresentada.
3.2 A flexibilização do TCU nos Acórdãos nº 2.931/2010 e nº 448/2011
Seguindo o entendimento da decisão 215/99, o Tribunal de Contas vem flexibilizando em seus acórdãos as exigências para realização de modificações unilaterais que ultrapassem os limites dos §§1º e 2º do Art. 65 da Lei nº 8.666/93.
O Acórdão nº 2.931/2010 apreciou um pedido de reexame interposto pelo então Diretor do Diretor Geral do Departamento de Estradas de Rodagem do Acre – Deracre, em face do Acórdão 1.192/2009-Plenário, vez que foi aplicada multa ao gestor por ter promovido, dentre outras condutas, alterações contratuais superiores aos limites de 25%.
Tratava-se de obra em que, verificada a superveniência técnica, segundo Acórdão impugnado, foi celebrado aditivo com acréscimos contratuais que infringiam os limites dos§§1º e 2º do art. 65 da Lei 8.666/93.
O valor original da contratação era de R$ 16.166.879,37, e sofreu supressões de R$ 6.027.029,67 (37,3%) e acréscimos de R$ 5.352.024,87 (33,1%). Logo, tanto as supressões quanto os acréscimos teriam ocorrido em desacordo com a referida disposição legal. Entretanto, o gestor foi apenado somente pelos acréscimos.
Ressalta-se que, ao realizar as modificações, o valor final do contrato foi inferior ao incialmente avençado.
Contudo, na ocasião, Ministro Benjamin Zymler entendeu, fundamentando-se parcialmente com a Decisão 215/99, que:
(…) não havia como se exigir conduta diversa do gestor, pois as alterações contratuais foram ao encontro do interesse público, reduzindo os custos da obra e permitindo a sua conclusão.
Em situações da espécie, não é demais ressaltar, a extrapolação do limite previsto no § 2º do art. 65 da Lei 8.666/93 é mais uma consequência de uma conduta ilícita anterior do que uma falha de per si. Isso porque a necessidade de extrapolação do limite legal, em princípio, decorre de imprecisões no projeto básico as quais, para sua correção, demandam significativas alterações no objeto licitado.
Desta feita, as condutas censuráveis seriam daqueles que elaboraram e/ou aprovaram tal projeto básico deficiente e que deu causa a necessidades de alterações contratuais em desacordo com a lei. A conduta consistente em efetuar as alterações seria mera consequência dessa irregularidade, podendo ocorrer de não ser exigível conduta diversa desse responsável quando da execução contratual.
Logo, a decisão se coaduna com a posição de Marçal Justen Filho, por exemplo, vez que o autor informa que “é perfeitamente possível que a solução mais compatível com o princípio da economicidade seja a manutenção da contratação original, com as alterações necessárias e indispensáveis, ainda que importe superação do limite de 25%”.[41]
Por sua vez, o Acórdão nº 448/2011, de Relatoria do Ministro Aroldo Cedraz, analisou o Contrato 22/2007, celebrado entre a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia – Hemobrás e o Laboratório Français Laboratoire Français du Fractionnement et des Biotechnologies – LFB, que teve em seu termo aditivo de nº 01/2010 majoração do valor inicial do contrato, de um total de R$ 9.030.000,00 para R$ 230.601.874,32, considerando-se a cotação do Euro em 6/5/2010, o que consistiu em um acréscimo de aproximadamente 2.700% em seu valor original. A contratação em comento tinha por objeto a transferência de tecnologia referente ao processo de produção de hemoderivados.
Segundo relatório do Ministro, a alteração do objeto contratual consistia no acréscimo de serviço da contratada, que não somente se encarregaria da transferência de tecnologia referente ao processo de produção de hemoderivados, mas também da própria execução dos serviços de fracionamento de plasma captado no Brasil.
Na oportunidade, entendeu o Ministro:
4. A exemplo do que concluiu a Secex/4, entendo que, embora a assinatura do aditivo 01/2010 não se coadune com a decisão 215/1999-Plenário e, por conseguinte, tenha representado, a princípio, afronta ao art. 65, § 1º, da Lei 8.666, de 21/6/1993, o resultado prático da realização de processo licitatório distinto possivelmente seria o mesmo, qual seja, a contratação do Laboratoire Français du Fractionnement et des Biotechnologies, uma vez que este laboratório foi o único a participar da concorrência internacional que precedeu o contrato 22/2007. [42]
Portanto, a alteração se justificaria tendo em vista que mesmo se fosse realizada nova licitação, esta não teria efeitos práticas, pela inexistência de viabilidade de competição, importando na contratação da mesma empresa. Logo, entendeu aquela Corte que tal fato ensejaria alterações superiores aos limites de 25%.
O Ministro aludiu ainda em seu voto:
“6. Acrescente-se que a contratação de outro laboratório que não o LFB resultaria em retrabalho para a Hemobrás, eis que seus técnicos, após a construção da fábrica, teriam de se adaptar a rotinas e fluxogramas distintos daqueles adotados até então, haja vista se diferenciarem, de laboratório para laboratório, muitos dos procedimentos afetos.”
Por fim, tais decisões demonstra uma flexibilização do Tribunal de Contas da União na própria exceção criada por aquela corte na Decisão 215/99, vez que os acórdãos ora analisados não preenchem, necessariamente, todas os requisitos anteriormente exigidos, conforme ilustrado alhures no presente estudo.
3.3 O TCE-São Paulo e o julgamento de Aditamentos da CPTM
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo já se posicionou no sentido da não limitação das alterações qualitativas em termo aditivo realizado pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Tratava-se de contratação de obra entre o ente e a construtora Andrade Gutierrez S.A, vencedora de Concorrência pública internacional realizada, cujo objeto era “execução das obras civis brutas das vias, estacoes e pátios da ligação Campo Limpo – Santo Amaro – lotes 1, 2, 3 e 4 – Capão Redondo, Campo Limpo, Vila das Belezas e Giovani Gronchi”.
O contrato foi celebrado em 1997, com o valor original de R$36.697.236,22. Em 1999 foi realizado termo aditivo no intuito de prorrogação de prazo, adequação da lista de quantidades e preços e majoração no valor, julgados procedentes pelo Tribunal de Contas paulista. Entretanto, entre 2000 e 2001, foram celebrados novos termos aditivos majorando novamente os valores da contratação. Apesar de não ser especificado na decisão o quantum acrescido, é relatado no julgamento TC-33931/026/97:
“A E. Primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em sessão de 14 de maio de 2002, pelo voto dos Conselheiros Eduardo Bittencourt Carvalho, Presidente, e Robson Marinho, considerando que as modificações introduzidas pelos aditivos analisados derivaram de eventos supervenientes, invulgares e imprevisíveis na concepção dos projetos originários, sendo formalizadas apenas para que a administração pudesse alcançar o escopo originalmente pactuado, considerando a existência de acréscimos exclusivamente qualitativos, na exata medida em que não houve alteração da dimensão da obra, mas tão somente a incorporação das adaptações necessárias à finalização de empreendimento de relevante interesse público, consistente em linha de trem metropolitano situada em região de alta densidade, beneficiando população de baixa renda, além da impactação positiva no trânsito da cidade; considerando os aspectos peculiares e excepcionais envolvidos nos aditamentos aqui apreciados, gerando alterações e acréscimos por absoluta e inquestionável necessidade técnica; considerando, finalmente, que os laudos técnicos produzidos pela administração demonstram satisfatoriamente que a opção pela continuidade da obra ofereceu economia real aos cofres do Estado, tal como reconhecido expressamente pelo próprio agente financiador, DECIDIU, nas conformidades das razões elencadas nas correspondentes notas taquigráficas juntadas aos autos, JULGAR REGULARES os termos de aditamento em exame.”[43]
Diante de tal posição, conclui Márcio Cammarosano:
“Portanto, em se tratando das chamadas “sujeições imprevistas”, não há que se cogitar da limitação estabelecida pelo §1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, seja pelo absurdo da rescisão do contrato diante de situações excepcionais, que devem ensejar, isto sim, alterações contratuais, seja pela não incidência mesmo do disposto na alínea b do inciso I do art. 65 e seus parágrafos 1º e 2º, como sustentamos.
Já no que concerne às alterações contratuais qualitativas, previstas na alínea a do inciso I do art. 65, que compreendem inclusive correções de projeto e de especificações, perfilhamos a orientação no sentido de que a essas, assim como ocorre nas decorrentes de “sujeições imprevistas”, também não se aplicam os limites do §1º.”[44]
Portanto, verifica-se que a Corte de Contas paulista assume a posição da doutrina majoritária, dando maior relevância as peculiaridades do caso concreto, indo de encontro a quaisquer limites percentuais genéricos existentes na legislação.
Conclusão
Como se pôde observar, as alterações contratuais de forma unilateral são verdadeiras prerrogativas da Administração, sendo consequência da presunção das chamadas cláusulas exorbitantes, de presença obrigatória nos contratos administrativos. Tem o gestor público a obrigação de realizar as modificações sempre que se verificar necessidades supervenientes ao objeto contratual. Tais necessidades devem ser essenciais para a satisfação do interesse público inserido na contratação. Ainda, cabe lembrar que uma nova tecnologia também poderia dar ensejo a um aditivo contratual alterando a ordem qualitativa, desde que traga maiores benefícios à Administração.
Ressalta-se que, como foi devidamente demonstrado, as alterações qualitativas não se confundem com as alterações de ordem quantitativa, uma vez que as últimas alteram as dimensões do objeto, enquanto as primeiras realizam adequações técnicas que são imprescindíveis para a consecução do objeto contratado.
Sendo, portanto, essenciais para a consecução do objeto, dá-se ensejo as discussões doutrinárias levantadas, constituindo o objetivo desse estudo responder quais seriam os limites para essas alterações, uma vez que há dúvidas quanto à aplicabilidade dos limites previstos nos §§1º e 2º do Art. 65 da Lei de Licitação.
Em primeiro momento, verifica-se que parte da doutrina entende, com razão, que não poderia ser ilimitada a atuação do gestor público para realização das modificações contratuais, principalmente pelo risco de descaracterização do objeto. Contudo, faz razão a doutrina majoritária ao afirmar que não pode estar submetido aos percentuais genéricos previstos para as alterações quantitativas, uma vez que se estaria subordinando o próprio interesse público a tais percentuais.
Ainda, não resolve a posição doutrinária que defende as limitações de 25%, ou 50% excepcionalmente, quando identificada a necessidade de alteração qualitativa, uma vez que não se realizando a alteração, ou realizando essa dentro dos limites, provavelmente não se atenderia o interesse público da contratação, pois ela não teria sua consecução da forma necessária.
Portanto, aplicar as limitações do §1º do Art. 65 da Lei nº 8.666/93 para as alterações qualitativas parece ir de encontro com as novas intepretações que se tem dado aos contratos administrativos, onde cada vez mais se busca uma Administração Pública voltada para resultados concretos, com menor burocratização e maior aproveitamento dos recursos público.
É o que vem entendendo as novas decisões das Cortes de Contas, flexibilizando o entendimento e analisando caso a caso para a devida aplicação da norma.
No entanto, em vista a impedir prováveis prejuízos ao erário público, há necessidade de melhor planejamento dos gastos e dos projetos objetos de contratação. Muitas falhas que resultam na necessidade de celebração de aditivos modificativos decorrem de projetos mal dimensionados ou mal elaborados. Tais situações são reflexos da grande deficiência da administração pública atual: a capacidade de se planejar.
Ainda, quanto aos desvios de condutas dos agentes, estes somente podem ser inibidos com uma fiscalização cada vez mais acentuada, tanto pelos órgãos de controle quanto pela própria população. Há necessidade de se aferir além do cumprimento dos requisitos legais, dando-se maior atenção na verificação se de fato a contratação foi vantajosa, eficiente e eficaz.
Dessa forma, há grandes problemáticas envolvendo as contratações públicas brasileiras, o que demonstra a ineficiência não só da Administração Pública mas da atual Lei de Licitação e Contratos. Portanto, acredito que esta merece ser revistas – quiçá substituída – pois a mesma se demostra ineficaz no seu principal objetivo, que é a prevenção dos desvios dos agentes, e por diversas vezes prejudiciais para a própria satisfação os anseios da população por serviços públicos efetivos e de melhor qualidade.
Por fim, frisa-se que, no que pese a regulamentação de uma nova lei de licitação e contratos mais voltada para resultados e menos preocupada com os meios, estas não colocariam em risco uma maior abertura para os desvios de condutas dos agentes, vez que tais ilícitos decorrem de uma crise moral, não exclusiva somente dos agentes públicos, mas da cultura brasileira. Portanto, por mais que o legislador objetive prevenir os ilícitos com normas mais rígidas e restritivas, esses só diminuirão com severas mudanças comportamentais do brasileiro.
Informações Sobre o Autor
Hugo da Costa Silva
Servidor Público. Graduado em Direito pela Universidade Veiga de Almeida