As matérias de ordem pública e repercussão geral em recurso extraordinário

Resumo: O presente texto serve como orientação com o intuito de elucidar o questionamento de ordem prática sobre a possibilidade de se suscitar matérias de ordem pública em sede de recurso extraordinário, ainda que o tema não tenha sido ventilado em instâncias inferiores, nem mesmo tenha sido objeto deste recurso excepcional.

Palavras chave: CPC; Repercussão; geral; recurso; extraordinário.

Sumário: 1 –Introdução, 2 – Requisitos Recursais do Recurso Extraordinário: a) Contrariar dispositivo da Constituição; b) Repercussão geral; 4 – Conclusão.

1 – Introdução.

Antes de se analisar o mérito da questão proposta, necessário se faz destacar a lição de Misael Montenegro Filho[1], que nos informa em poucas linhas, que, o recurso extraordinário “limita a vontade recursal da parte, que apenas pode suscitar, como fundamento de irresignação, uma das hipóteses previstas no inciso III, do art. 105 e/ ou no inciso III do art. 102, da CF”.

Vale dizer que a interposição do Recurso Extraordinário, somente se opera, de forma residual, isto é, para que seja conferida a parte o direito de interpor o presente recurso, a parte deve obrigatoriamente esgotar TODAS as vias recursais discutindo amplamente as matérias que autorizem a interposição do recurso como veremos.

2 – Requisitos Recursais do Recurso Extraordinário.

a) Contrariar dispositivo da Constituição.

Cuida o artigo 102, III, alínea ‘a’, da Constituição da República das hipóteses específicas do cabimento do Recurso Extraordinário.

Contrariar um texto, uma lei ou parte dela, significa muito mais do que negar-lhe vigência expressamente. Depreende-se que se contraria a lei quando decisão preferida pelo juízo ou tribunal deixa de observar regra contida na Constituição ou quando a aplicar de forma equivocada..

Rodolfo de Camargo Mancuso esclarece a questão:

“Justifica-se a restrição, a mais de um título: o STF, através do recurso extraordinário, só pode fazer o controle da CF, e não da legislação ordinária; esse recurso é de tipo procedimental rígido, não comportando exegese ampliativa em suas hipóteses de cabimento; por fim, se a ofensa foi bifronte, abarcando Constituição e Lei Federal, o correto é a interposição simultânea do extraordinário e do especial.”[2]

Todavia, o Supremo Tribunal Federal distingue juízo de admissibilidade, para o qual é “suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados”; de juízo de mérito, que “envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário”.[3]

Portanto, basta ao recorrente alegar a contrariedade para tornar admissível o extraordinário, sendo necessária sua demonstração efetiva para lograr êxito[4].

b) Repercussão geral.

A Repercussão Geral é um dos requisitos mais importantes de admissibilidade recursal para o recurso extraordinário, tendo em vista que a sua não demonstração pela parte de forma explícita, pode acarretar no não conhecimento do recurso.

Em linhas gerais, a Repercussão Geral se consubstancia na transcendência de interesses seja do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, isto é, que a norma constitucional contrariada, ou não observada, por decisão, atacada pelo recurso extremo, ultrapassem os interesses únicos da demanda e questão, ou seja, a questão de Repercussão Geral, suscitada não pode ser benéfica somente para o caso concreto proposto mas para o interesse da coletividade.

Com relação a este requisito de admissibilidade, imperioso se faz destacar a exceção à regra:

“Para que a falta de repercussão geral fundamente o não conhecimento do recurso extraordinário, é preciso de que dois terços dos ministros do Supremo Tribunal Federal se manifestem nesse sentido (art. 102, § 3° CF/88).”[5]

Certo é que, para que o recurso extraordinário seja “recebido”, o mesmo deve ter expressamente destacada a questão de repercussão geral, caso a parte não tenha destacado ou não seja matéria de repercussão geral, deve ser apreciada e declarada expressamente.

4 – Conclusão.

Analisando os dispositivos constitucionais relacionados à matéria, conclui-se que, compete ao STF julgar, por meio do presente recurso, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: contrariar dispositivo da Constituição Federal; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal e/ ou julgar válida lei local contestada em face da lei federal.

Como efeito, a decisão proferida em sede de recurso extraordinário, pode levar ao Senado Federal a suspender os efeitos da lei declarada inconstitucional, fazendo com que seus efeitos se estendam a todos com eficácia “ex nunc”, fazendo dessa forma o controle indireto de constitucionalidade[6].

Para a correta interposição do recurso extraordinário, é de extrema valia, que a pretensão do recorrente esteja dentro de uma das hipóteses de cabimento previstas no art. 102, III da CF/88, bem com demonstre a existência dos pressupostos de admissibilidade recursais específicos, em especial a repercussão geral[7].

A repercussão geral é a condição sine qua non, para a interposição de recurso extraordinário, ocorrerá, quando da análise da causa, pelo tribunal de superposição, ultrapassar os interesses individuais das partes, levando-se em consideração o ponto de vista econômico, político, sociais ou jurídicos debatidos. Havendo repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante da Corte Suprema[8].

Nesse raciocínio, conclui-se que, para a interposição do recurso extraordinário, deve o recorrente, primordialmente, expressar, perante o tribunal, a repercussão geral, ou, norma de ordem pública, que causara irresignação do recorrente e que dessa decisão, não só o seu direto fora vilipendiado, transcendendo para outras pessoas, na mesma situação jurídica, os ônus da decisão.

Um fato necessário e importante para a caracterização da repercussão geral está contido nos arts. 102, inc. III e 105, inc. III, que, em sua análise, são categóricos ao informar que a questão constitucional ou federal, objeto de recurso perante o Tribunal, deverá estar expressa na decisão recorrida, ou melhor, deverá ter sido decidida[9].

Desta forma, a regra contida nos referidos dispositivos constitucionais, afastam a incidência do disposto nos arts. 267, § 3º e 301, § 4º do CPC, que nos remetem aos efeitos translativos da sentença, que devolve ao tribunal o conhecimento de todas as matérias suscitadas ou não pelas partes na fase cognitiva da demanda.

Concluindo, de acordo com o questionamento proposto, não é possível suscitar matérias de ordem pública, visando à constituição da repercussão geral, fundamento de validade do recurso extraordinário, somente em sede recursal perante o Tribunal de Superposição, pois, conforme exposto, somente será cabível o recurso extraordinário, no que tange às matérias de ordem pública, se as referidas matérias tiverem sido decididas anteriormente pelo juízo a quo, isto é, sido ventiladas tais questões no pronunciamento objeto do presente recurso debelado[10].

 

Referências:
DIDIER JÚNIOR, Freddie. Curso de direito processual civil. Vol. 3. 9ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2011.
MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento. Fonte: O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, e outras questões relativas a sua admissibilidade ao seu processamento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, 3ª ed., itens 3.2.2 e 3.2.3, p. 216-285. Material da 3ª aula da disciplina O Processo Civil nos Tribunais Superiores, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera-Uniderp|Rede LFG.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007.
MOUZALAS, Rinaldo. Processo Civil. Volume Único. 3ª Ed. ver. ampl. e atualizada. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010.
NEGRÃO, Theotônio. Código o processo civil e legislação processual em vigor. 44 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Notas:
[1] MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007. Pág. 176.
[2] Grifei. MANCUSO, op. cit., p. 180.
[3] Tribunal Pleno, RE 298694/SP, j. em 06.08.2003, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE.
[4] “A existência no recurso de uma única questão dotada de repercussão geral já é suficiente para o rompimento da barreira da admissibilidade, Uma vez rompida essa barreira, mesmo questões desprovidas de repercussão geral podem ser apreciadas, na medida que, conhecido o recurso, deve o STF julgar a causa.” (Sumula 456 do STF).
[5] NEGRÃO, Theotônio. Código o processo civil e legislação processual em vigor. 44 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pág 731.
[6] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007, pág.
[7] Nos termos do art. 543-A do CPC, a demonstração da existência da repercussão geral, causa que transcende o interesse das partes litigantes, deve ser feita em preliminar.
[8] Teor do art. 543, §§1º e 3º, do CPC.
[9] Súmula 282 do STF “É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.
[10] MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento. Fonte: O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, e outras questões relativas a sua admissibilidade ao seu processamento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, 3ª ed., itens 3.2.2 e 3.2.3, p. 216-285. Material da 3ª aula da disciplina O Processo Civil nos Tribunais Superiores, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera-Uniderp|Rede LFG.

Informações Sobre o Autor

Humberto Pollyceno Novaes

Advogado, Pós Graduado (lato sensu) em Direito Processual Civil Pela Universidade Anhanguera UNIDERP (EAD), especialista em Direito Civil e Previdenciário, atuando diretamente no contencioso Recursal Cível e Previdenciário do escritório Alexandrino & Caravieri.


Equipe Âmbito Jurídico

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