Resumo: O texto aborda didaticamente as modernas teorias do conflito e sua preocupação com promoção da cultura da paz dentro do contexto contemporâneo, quando se utilizou dois filmes recomendados Beleza Americana (1999) e a Guerra dos Roses (1989). Identificou-se, enfim, uma evolução do conceito e da caracterização de conflito.
Résumé: Le texte traite des théories didactiquement modernes de conflit et préoccupation avec la promotion culture de la paix dans le contexte contemporain, en utilisant deux films recommandés American Beauty (1999) et la guerre des Roses (1989). Il a été constaté enfin une évolution du concept et la caractérisation des conflits.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conflito. 3. Conceito & paradigma. 4. Concepção moderna sobre o conflito. 5. Conclusão 6. Referências.
1.Introdução.
Vigem sérias dificuldades para se compreender os elementos que integram o conflito submetido ao julgador e a sociedade. Ademais, o julgamento preconizado dentro do clássico direito processual vem perdendo progressivamente o prestígio[1], eficácia e respeito principalmente porque ainda há de se enfrentar a árdua batalha do cumprimento da sentença, para se então chegar finalmente, a entrega efetiva da prestação jurisdicional a quem de direito, ou pelo menos, ao vencedor na demanda.
O presente texto humildemente pretende abordar as principais teorias do conflito tidas como contribuições doutrinárias relevantes para a promoção da cultura da paz e da busca da efetividade processual. Pois, afinal a consensualidade substitui com grande vantagem a coercitividade da execução forçada seja a do título judicial ou extrajudicial.
Como contextualização dos conflitos contemporâneos foi tomada como premissas os dois filmes “Beleza Americana” e a “Guerra dos Roses” que adiante comentaremos.
As teorias do conflito serão abordadas em sua concepção clássica, por meio de perspectiva sociológica e moderna em contraposição aos seus conceitos e enfoque de jurisdicionalização.
O homem, como é sabido, tem vocação natural e característica para a sociabilidade e possui singularidade de formação e comportamento. Calcado em sua natureza social e da inata inclinação para vida em sociedade, repousa também a origem do Direito e do Estado.
Afinal, Aristóteles já afirmava o homem é animal social[2] e, observamos que na sua interação contínua e dinâmica, ele transforma e é igualmente transformado.
Sabe-se ser natural a existência de atritos nas relações intersubjetivas e até mesmo intergrupais sejam marcadas por divergências das mais variadas espécies (emocionais, sociais, políticas, ideológicas, familiares, profissionais e afetivas) as quais podem ser definidas exatamente como a gênese matricial de um dos fenômenos mais recorrentes na sociedade, ou seja, o conflito.
A existência de interesses contrapostos e até mesmo antagônicos na sociedade humana traz a imperiosa necessidade proteção contra a barbárie, daí a criação de normas capazes de regular as relações humanas e aplicar sanções aos infratores seja pelo proposital descumprimento, seja ainda pelo culposo infringir e seja qual for o Direito (há de se recordar que poderão as normas[3] ser positivas e escritas bem como consuetudinárias).
Extrai-se, deste conceito o mais famoso brocardo de que não há sociedade sem direito (ubi societas, ibi jus[4]). Mesmo assim, a mera existência de uma ordem jurídica revela-se insuficiente para concretizar o ideal de justiça, pois o Direito é operado pelos homens, e se a estes não couber a ação promotora dos ideais eleitos como importantes e reconhecidos pelo grupo social, será inútil o vasto catálogo de normas jurídicas existentes.
O meio de resolução deste impasse se dá pelo surgimento evolutivo das técnicas de solução de conflitos que vai desde a autotutela, autocomposição, a arbitragem e a jurisdição.
Contudo, com o fortalecimento do Estado responsável pela capacidade de organização político-institucional com o objetivo de reconhecimento e proteção universais dos seus cidadãos, sucedendo-se um incremento de seu poder centralizador na disciplina das relações privadas e, ipso facto, a relevante participação da jurisdição como meio de solução dos litígios.
Com o incremento do desenvolvimento da tecnologia de comunicação e informação e que empreende maior dinamicidade socioeconômica e científica constatou-se a necessidade de se ter órgãos consolidados, com independência e imparcialidade e capazes de solucionar as lides, mais complexas presentes na teia social.
A jurisdição enquanto monopólio estatal para a distribuição de justiça e que não invalida o uso de meios adequados e consensuais para a composição de conflitos trazendo o valor da consensualidade como poderoso instrumento na garantia, promoção e concretização de direitos pautados no texto constitucional vigente.
Apesar de ainda existir a supervalorização dos métodos oficiais e tradicionais de distribuição de justiça, a esperança depositada nas providências do Judiciário tem sido frustrada seja por sua morosidade e seu caráter burocrático e fragmentário.
O processo judicial nem sempre é capaz de resolver todas as diferenças existentes entre os indivíduos e nem promover a pacificação social almejada.
Neste contexto avulta-se a crise do sistema judicial brasileiro principalmente pela incapacidade de não cumprir e respeitar a garantia de acesso à justiça, especialmente quando não é capaz de adequadamente aos anseios dos jurisdicionados e a explosão de litigiosidade[5] em massa, particularmente após a década de 1990.
Acontece que os instrumentos de viabilidade da jurisdição, a saber: o direito de ação e o processo por vezes se revelam por serem vinganças peculiares tornando o Judiciário mero aplicador da lei abstrata e impessoal, além de ser o palco de embates pessoais, odiosos e até bizarros.
Quando não se descamba numa loteria jurídica onde as interpretações diferenciadas e até opostos sobre o mesmo diploma legal fazem surgir resultados e julgamentos contraditórios e díspares diante da mesma questão fática e questão jurídica.
Ademais, os órgãos jurisdicionais brasileiros não conseguiram acompanhar adequadamente o acelerado processo de globalização que desenfreou a litigância reprimida.
Neste contexto interagem ainda as empresas, empregadores, empregados, consumidores, fornecedores e o Estado num célere ritmo que potencializa ainda mais o surgimento de lides e litígios, afogando os tribunais brasileiros num mar de processos, baseados em legislações processualistas, burocráticas e protelatórias.
Verifica-se igualmente o insuficiente número de magistrados, serventuários e bens insuficientes para cumprir as garantias constitucionais para os processos judiciais e administrativos.
Apesar de a jurisdição ter como fim a pacificação social bem como a solução do caso concreto submetido ao Estado-Juiz observa-se uma distorção de valores na condução da composição das lides.
O escopo jurídico do processo que significa a realização do direito material, reforçando a instrumentalidade do processo, a paz e a ordem devem ser facorecidas pela imposição da vontade do Estado. O mais elevado interesse que se satisfaz através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da sociedade.
A realização do direito objetivo e a pacificação social são escopos da jurisdição em si mesma e, não das partes.
O Estado aceita a provocação do interessado e a sua cooperação, instaurando-se o processo e conduzindo-o até o final, na medida em que apenas o interesse deste em obter a prestação jurisdicional coincidir com aquele interesse público de atuar a vontade do direito material e, com isso, pacificar e fazer justiça.
Reprise-se que é dupla a função da jurisdição, a pacificação social e a justa composição do caso concreto. O maior problema se evidencia quando se dá o desvirtuamento do labor jurisdicional para atender apenas o segundo objetivo.
Muitas vezes se esquece de que a aplicabilidade das funções da jurisdição em cada ato processual sendo o processo como um meio afiado que ceifa seu caráter instrumental e o impede de viabilizar a dialética dos interesses, na qual a demanda oferece uma resposta compositiva da controvérsia, de forma condenatória, constitutiva ou declaratória.
O conflito judicializado ao invés de ser pacificado da forma mais fácil e célere, se agrava por sua morosidade e elevado custo.
Em outra via, é possível a solução pacífica pode ser alcançada por meio não-judiciais, com o intuito de acessar à justiça ( e, não apenas ao Judiciário) pondo fim ao conflito de interesses em si, promovendo a pacificação social com o reequilíbrio das relações sociais antes em crise.
Com o aumento das interações humanas naturalmente aumentou-se os litígios e mesmo sob os auspícios da resolução científica e tecnológica, o que trouxe mercadores, consumidores, com a massificação das mídias e informações, configurou-se uma litigiosidade acirrada numa velocidade nunca antes observada.
A intensa dinâmica pós-moderna potencializou as relações sociais e as necessidades humanas quanto à garantia de direitos subjetivos que cabe a cada cidadão ou pessoa jurídica ou pessoa moral que detenha, além do expressivo incentivo à cultura da judicialidade.
O resultado final é um Judiciário em crise sem conseguir atender satisfatoriamente às demandas que lhes são submetidas em face da qualidade da prestação jurisdicional, especialmente quanto à duração do processo e o grau de satisfação dos jurisdicionados.
Tanto assim que a EC45/2004 veio patentear o princípio da duração razoável do processo. Assim a pacificação social será atingida pelo devido processo legal que deve compreender e documentar a exata compreensão do conflito e sua possível solução.
Torna-se imperioso o domínio das teorias do conflito que procura a resolução consensual dos conflitos mediante a instrumentalização de técnica de pacificação, sejam estas judiciais ou não.
O manejo responsável das divergências humanas não poderia esquecer o estudo ainda que sintético da fundamentação jurídica que corresponde a um autêntico farol de Alexandria[6] na Ciência do Direito.
É verdade que o Direito disciplina essencialmente algumas formas de resolução de conflitos de interesses principalmente com enfoque à jurisdição como mecanismo dissipador de contendas.
Isto porque tanto o magistrado, mediador e árbitro e, até mesmo, as partes ao conhecerem os aspectos teóricos do nascimento e exteriorização de conflitos de interesses, passam a ser qualificados como sujeitos.
A confecção de parâmetros teóricos viabilizará a contextualização sociológica e psicológica com o uso da metodologia lógica dedutiva para a exposição e compreensão dos dados oficiais e revisão bibliográfica.
2.Conflito
O primeiro questionamento que surge: é saber, se o conflito é problema do Direito? Não é função precípua da Ciência do Direito o estudo do conflito.
Trata-se de fenômeno constatável na vida em sociedade, de forma que as Ciências Sociais, a Sociologia e a Pedagogia traçam o estudo até mesmo a Matemática[7] que visa sistematizar logicamente desde a sua origem e causas.
Há grande variedade de premissas que podem ser abordadas bem como vige um complexo enquadramento metodológico. A missão da seara jurídica é compor as controvérsias, mas não visa ao estrito estudo das causas motivadoras da litigância.
Para tanto, se recorre à Sociologia do Direito e as ciências afins que se preocupam em implementar uma política pública de pacificação de conflitos.
Não há possibilidade de desaparecimento ou total solução absoluta de conflitos e nem mesmo negar-lhes a sua função social. Pois seria negar-lhes o direito de evoluir, refletir e adaptar-se às novas realidades e buscar soluções antes não previstas.
Não deve o conflito ser encarado como a demonização das pessoas, o que corrobora com a afirmação de Sartre de que “o inferno são os outros” [8], mas o conflito é possível de ser evitado.
Pois cada indivíduo é dotado de características próprias que em certo momento são capazes de colidir com interesses, pretensões e direitos do outro indivíduo, quando surge fatalmente a divergência capaz de polarizar a relação social antes estabilizada.
Todas as sociedades e relacionamentos interpessoais experimentam conflitos, seja no processo diário de interação. O que reforça a noção de que o conflito não é anormal ou disfuncional, é puro fato da vida.
Porém, o conflito pode transcender ao comportamento competitivo e adquirir o propósito adicional de infligir dano físico ou psicológico ao oponente. É quando temos a dinâmica negativa e prejudicial do conflito que atinge seu custo máximo (destruindo o seu oponente).
A maioria das culturas ocidentais recepciona o conflito negativo seja por sua existência ou funcionalidade. O conflito concretiza diversas faces e facetas que dispõe a humanidade sofrendo influência midiática, das desigualdades sociais e a luta pelo poder.
Descabe, portanto a rotulação maniqueísta e meritória do conflito possui a mesma frivolidade de se saber o gênero dos anjos.
3.Conceito & paradigma
As interações sociais ocorrem em qualquer povo, por duas formas básicas a cooperação e o conflito. O primeiro resulta de modelos ideais de interatividade movidos basicamente pela não resistência aos interesses e aos direitos de determinadas pessoais.
Dessa forma, deduz-se a regra do adimplemento espontâneo e voluntário de obrigações e a exata compreensão da legalidade e legitimidade dos outros em exercer sua titularidade e atuar sobre os bens da vida a estes correlacionados.
O conflito é a negação da cooperação e, segundo Norberto Bobbio qualquer grupo social, qualquer sociedade histórica pode ser definir a qualquer momento, de acordo com as formas do conflito e de cooperação entre os diversos atores que nesta surgem.
O processo de definição do fenômeno envolve dois elementos fundamentais, a saber: a declaração da estrutura social com seus respectivos componentes e o vínculo que os une.
O conflito possui caráter polissêmico e transdisciplinar, quando há de se considerar os diferentes enfoques[9].
Ainda que a maioria das definições sobre conflito tome como referencial o elemento de conduta, é possível enxergar a definição de conflito pelo ponto de vista linguístico, jurídico, sociológico, antropológico, cultural, psicológico ou comportamental.
O conflito é vocábulo oriundo do latim conflictu e significa o embate de pessoa de pessoas que luta. Altercação, barulho, desordem ou tumulto.
Já em Psicologia corresponde a tensão produzida pela presença simultânea de motivos contraditórios segundo a psicanálise[10]. Há em todo conflito um desejo reprimido, inconsciente. Já em sociologia nos remete a competição consciente de indivíduos ou grupos sociais que visem à sujeição ou a destruição do rival.
A literalidade do termo “conflito” engloba uma gama de definições e, por vezes, até distantes e pode ser resumidas no dissenso e na contradição de ideias.
A essência do conflito é a oposição, a divergência de opiniões e pleitos que, necessariamente, numa primeira leitura são incompatíveis e inconciliáveis.
É inegável que o mero dissenso não expressa toda a densidade gnosiológica que o conflito requer. Do ponto de vista jurídico, utilizam-se sinônimos tais como contenda, controvérsia, em regra, relacionada ao interesse, sendo que estes envolvem necessariamente insatisfação que, por sua vez, gera tensão.
Há ideias e desejos contrapostos cujo objeto é um bem de vida. Dinamarco expõe que os conflitos podem ser entendidos como: situações em que uma pessoa, pretendendo pra si determinado bem não pode obtê-lo, seja porque (a) aquele que poderia satisfazer a sua pretensão não a satisfaz, sejam porque (b)no próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão (por exemplo: a pretensão punitiva do Estado que não pode ser satisfeita mediante um ato de submissão do indigitado criminoso.
Tendo em vista que o processo seja o meio hábil para instrumentalizar o direito material, que é o objeto do litígio coube a Teoria Geral do Processo delimitar o conceito de conflito que é aplicável ao direito processual.
Constata-se também que os três institutos diferentes que possuem afinidade com as controvérsias. O conflito, nesse contexto, distingue-se de insatisfação, da pretensão e da lide.
A insatisfação tem nítida natureza espiritual e surge bem no âmago do indivíduo que é contrariado no seu interesse. Trata-se de sentimento latente que pode ser agasalhado apenas no âmbito das emoções do homem. Por vezes, o insatisfeito pode até nem demonstrar a sua contrariedade ou pode evoluir para pretensão.
Já a pretensão reflete a insatisfação materializada. É intenção externada de satisfação de um interesse. Segundo Francesco Carnelutti, a pretensão é um ato não um poder; é algo que alguém faz, não algo que alguém tem. É uma manifestação, mas não uma superioridade de tal vontade.
Por derradeiro, a resistência cuja manifestação se exterioriza da pretensão do opositor, a qual tem o fim de limitar ou eliminar a pretensão de seu adversário.
Do exposto da conjugação de conceitos de conflito, interesse, pretensão, insatisfação e resistência nasce a chamada lide tida como um conceito intersubjetivo de interesse qualificado por uma pretensão resistida.
Aliás, o conceito de lide[11] esboçado por Carnelutti é por vezes muito complexo, em especial, por ser a exteriorização de um fenômeno social, sendo muito valiosa sua contribuição para a Teoria Geral do Processo.
Pode-se então, afirmar que o conflito de interesses traduz-se em incongruência de vontades. Na lição de Didier Jr. afirma:
“Na verdade, a lide não é característica da jurisdição. Se assim fosse, seria muito difícil explicar a jurisdição constitucional (controle abstrato de constitucionalidade de les), as ações preventivas, as ações constitutivas necessárias e a jurisdição voluntária".
Portanto, infere-se que a mera insatisfação não é passível de solução pelo Estado-Juiz porque não é dotada de externalidade e, portanto, não formou uma pretensão resistida.
Frise-se que a lide não é sinônima de processo. A lide é anterior ao processo, sendo a condição indispensável a sua formação. Conclui-se que para os fins jurídicos, o conflito não é propriamente, o que interessa ao Direito, mas a lide em suas reverberações no direito processual.
O conflito é integrante do conceito de lide e possui natureza extraprocessual enquanto que a ide pode ter a natureza tanto extra como também endoprocessual.
Apesar de serem formal e logicamente construídos, os conceitos da Teoria Geral do Processo são insuficientes para dar a devida compreensão sobre a cultura da judicialização e respectivas projeções pacificadoras de conflitos (lides).
A conflitologia ou o estudo dos conflitos apresenta-se em várias áreas do conhecimento humano e, tem-se dedicado aos procedimentos preventivos e resolutivos de conflitos, mas não constitui ramo autônomo de conhecimento.
A conflitologia[12] nasceu em 1950 e em 1960 expandiu-se nas décadas seguintes, por meio de Mary Parker Follet, Kenneth, Building, John Burton, Herbert Kelman, Roger Fischer, William Ury, William Zartman, Adam Curle, Elise Binding e dentre outros.
O referido estudo envolve técnicas específicas que vai desde a Antropologia[13] até a Medicina[14] que visam lidar de diversas formas com os problemas que lhes são submetidos sem se prender as premissas unidirecionadas, mas abeberando-se das possibilidades trans e multidisciplinares a depender dos sujeitos e do local onde o conflito se manifeste.
Para grande parte da história da humanidade o conflito foi encarado como uma patologia social ou pelo menos como manifestação desta. O conflito deveria ser banido a todo custo sob pena de se permitir que a sociedade caminhasse para sua própria destruição.
Vários cientistas sociais procuraram uniformizar e diferenciar alguns elementos contidos nos conflitos, tanto no campo da antropologia, sociologia e mesmo da ciência política que se dedicou primeiramente aos conflitos internos.
Tais conflitos podem ser analisados a partir da sua dimensão, intensidade e objetivos. A dimensão se refere aos atores participantes no processo conflituoso em relação ao total da categoria.
Na obra “Aprender a partir do conflito: conflitologia e educação” de autoria de Edward Vinyamata que relatou o seguinte exemplo: “Nos EUA, recentemente, detectou-se que os delitos e os conflitos violentos, em determinadas cidades, ocorriam entre as 10 (dez) horas da noite e as 2 (duas) horas da madrugada. A razão mais próxima pareceu ser a falta de atividade e o compromisso de uma população jovem, com dificuldades para abrir caminho na vida, bem como carente de estímulos sociais”.
A solução não teve nada a ver com um ato de mediação. Formou-se a Liga da Meia-Noite, quer dizer, partidas de basquete em que competiam as equipes de jovens dos bairros onde se produzia o maior número de delitos. A partir de então, os delitos decresceram em mais de 60%.
A compreensão do conflito como fenômeno sócio-jurídico leva em conta a minuciosa análise sobre as sociedades nas quais eles se manifestam. Mas Bobbio os classificou como insuficientes os critérios objetivos que se referem às mudanças desejadas e ao sistema social que abriga o conflito.
Já verificando a intensidade, aponta-se para a disponibilidade que os sujeitos possuem em negociar ou manter inalteradas suas pretensões, alterando-se para o fato de que a violência não é um indicador, válido para a aferição do grau de desenvolvimento. Bobbio et al assinalavam a inexistência, inadequação, a ruptura de normas aceitas por ambas as partes e de regras do jogo.
Sobretudo no campo da Sociologia, a mutação conceitual dos mais diversos teóricos das Ciências Sociais tomou como divisor de águas a negativização do conflito em determinado grupo social.
Aponta-se a formação de teorias clássicas sobre os conflitos em três períodos distintos sobre uma sociologia conflitiva e dentre deles fazer alusão às várias escolas e teses.
Pelas teorizações de Thomas Hobbes[15] na obra “O Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de uma Comunidade Eclesiástica e Civil” (1651) propugnava um modelo de sociedade contratual, oposta à natural que evitaria a destruição absoluta do homem.
Segundo o referido filósofo inglês, a ausência da figura do protecionista, naquela época representada pelo soberano, permitiria, com base em tensões, competições e desejos dos homens que se entrasse num estado de guerra entre si, que findaria numa eliminação total da sociedade.
O conflito então deveria ser evitado, posto que latente ao estado natural do homem corresponderia a semente do fim. A ordem, ou seja, a instituição de um Poder exógeno, portanto, é o elemento preventivo do caos.
No mesmo sentido, Augusto Comte[16] em ideia bem próxima a de Hobbes, defendeu a eliminação das ideias opostas como profilaxia à desordem social, entendimento apoiado por Marcos José Diniz Silva.
Comte centrou-se na necessidade da reforma intelecto-moral do homem para que se possa obter uma reorganização da sociedade. O caos social reside no confronto de concepções de mundo, dos modos contraditórios de organizar a mesma sociedade, da expressão dos desacordos. Ou seja, bem similar ao pensamento de Hobbes, Comte pensa nas formas de anular a competição e as ideias incompatíveis.
Seria no estado positivo, dominado pelo cientificismo, no conceito da explosão industrial e seu progressivismo que Comte encontrou o ápice da sociedade humana.·.
Desde que não demorasse nos preconceitos e superstições de estados teológicos e metafísicos, o homem moderno alcançaria o progresso alcançaria a reforma moral que anularia todos os conflitos sociais.
Em um segundo momento encara-se o conflito como anormalidade ou patologia na medida em que a harmonia e coesão atenta contra o censo moral existente no ciclo social, afetando a estabilidade do sistema.
Trata-se da corrente funcionalista também conhecida como estrutural-funcionalista que parte do pressuposto que as estruturas sociais são interdependentes e tem amparo em valores tidos como compartilhados e comuns a todos os membros. Tais valores conferem a referida união.
O conflito deve ser evitado por natureza, pois é estranho à coesão social e, em regra, é externo à própria sociedade, devendo ser eliminado, assim que legitimadas a dominação e a exploração para a manutenção do status quo de pacificação.
O funcionalismo entende o conflito como uma disfunção da ordem social e considera a divisão social do trabalho como fator essencial para a solidariedade da parte para com o todo. Porém, os postulados funcionalistas pecam pela tentativa de explicar as instituições sociais incluindo o conflito quer seja por seus efeitos (quer por ignorar suas causas).
Noutros termos, o conflito representa uma alteração da normalidade de funcionamento de certo sistema social ou de parte dele. Em face do tratamento patológico conferido ao conflito por esta vertente é mesmo impossível compreendê-lo em si, pois a ênfase é dada ao consenso e não à perturbação.
Outra corrente busca em contraposição aos funcionalistas, de fato, dispensar estudos aos conflitos e suas relações com os grupos sociais de forma mais apurada. São conhecidos como as teorias do conflito social que se desdobraram em diversas categorias, mas acertam quanto ao denominador comum que não é o consenso social, o mantenedor da coesão e das estruturas sociais.
Ao contrário, pois atribui a conflituosidade as devidas evoluções dinâmicas e estabilidade necessárias à vida social, focalizando nas bases sociais cujo espelho reside no entendimento de grupos e suas controvérsias tendo suas contradições como referência, as quais, segundo Dahrendorf[17] são impossíveis de serem eliminadas no âmbito das sociedades históricas e são produzidas a todo tempo.
Os teóricos do conflito tanto na perspectiva marxista como na visão de John Stuart Mill[18] asseveram que a pretensa normalidade nunca fora regra em nenhuma sociedade, legitimando a célebre frase do general chinês Sun Tzu[19] de que o principal objetivo da guerra é a paz.
Os postulados basilares das teorias do conflito fundamentam-se na negação da desigualdade como eixo coesivo, pois, segundo seus doutrinadores, naturalmente os grupos mais oprimidos tentarão eliminar a desigualdade (em regra, por intermédio do conflito); no estudo de estruturas, macroestruturas e não tentativa de reduzir privilégios de grupos dominantes para evitar conflitos na vertente marxista.
Para esses teóricos do conflito há análise de natureza mais intencionalista em relação aos conflitos, a exemplo de Max Weber[20] e Georg Simmel[21].
Simmel elencou diversas referências psicossociológicas e fora influenciado por Immanuel Kant, sendo estas influências integrantes dos conflitos, tais como o amor, ódio, o desejo, a aversão, o egoísmo e o sentimento de mútua estranheza organizada sob a matriz formal de tensões.
Simmel foi atuante nos estudos da microssociologia[22] e apresentou o conceito de vergesslshaftung, traduzido em sociação segundo o qual o conflito na determinação do grupo, da dominação e subordinação oscilando entre a pobreza e a individualidade.
Portanto, o conflito é resultado de interações sociais, situando-se na antagonia de comportamentos e sentimentos sua razão de ser, e funcionando como mola propulsora de aperfeiçoamento e progresso.
Simmel formula o conceito de sociação para designar mais exatamente as formas e os modos pelos quais os atores sociais se relacionam. É relevante sublinhar que as interações sociais e as relações de interdependência não representam, necessariamente, a convergência de interesses entre os atores sociais envolvidos.
Demonstrou Simmel que as interações sociais podem configurar previamente as relações conflitivas, relações de interesse mútuo e relações de subordinação (dominação).
O conflito é assim, concebido por Simmel, como algo benéfico porque é o momento que sinaliza o desenvolvimento da tomada de consciência individual, que teria uma função positiva para sociedade como um todo, principalmente à medida que o conflito fosse superado mediante acordos.
Mas, Simmel a respeito do conceito de sreit (que é o termo traduzido como luta e conflito), porém o referido conceito é muito mais profundo que se pode extrair de uma leitura vestibular. O doutrinador alemão encerrou seu conceito de conflito como promotor de formas sociais, sendo considerado como virtuoso dado que permite que as partes envolvidas sejam colocadas num patamar de igualdade.
O conflito uma tensão de contrastes cadencia novas situações e arranjos interacionais, além de propiciar a riqueza de visões e versões das razões psicológicas.
A respeito do contexto de conflito de Simmel, comenta José Oliveira Alcântara Júnior in verbis: “(…) Os conflitos sociais são destacados como socialmente importantes”. São formas prevalecentes nas interações de convivência social. Simmel aponta uma das virtudes do conflito.
Este atributo positivo residiria no fato de que ele – o conflito – cria patamar, tablado social bem à semelhança de um palco de teatro, um espaço onde as partes podem encontrar-se num mesmo plano situacional e, desta maneira, impõe-se um nivelamento.
Uma condição necessária para que as partes, às vezes, ásperas e díspares possam, de fato, efetuar a trama que ele encerra. É um ato estipulador que em outro instante, permitirá a própria superação das dissimilitudes dos litigantes.
O conflito possui a capacidade de constituir-se num espaço social, em que o próprio confronto é o ato de reconhecimento e ao mesmo tempo, produtor de metamorfismo entre interações e relações sociais daí resultantes.
Uma outra característica positiva atribuída, residiria no fato de superar os hiatos e limites socialmente estabelecidos pelos intervalos dicotomizados, ou mesmo, as desigualdades sociais produzidas e estruturadas pelos resultados dos entrelaçamentos ocorridos na sociedade.
Para Simmel, o conflito é a substância existente nas mais diversas relações entre os indivíduos na sociedade. A positividade dos conflitos é endossada pela visão de unidade que fundamenta o eixo explicativo mais complexo.
Ao se associar as lutas aos referenciais negativos, talvez estejamos induzidos a uma determinada visão social de mundo Torna-se problemático atribuir valor negativo aos processos decorrentes do conflito, pois estaríamos desconhecendo de que o conflito é um dos componentes do processo civilizatório. Esse não apenas aniquila, antigas ou novas estruturas, ele (re) cria novas formas, ou as mantém sob determinadas condições.
Compreenda-se assim a importância das premissas de Simmel para o estudo do conflito para que se desmistifique de uma vez por todas a projeção de pacificação dos conflitos irredutivelmente não implica num entendimento de que os conflitos assim desnecessários aos grupos sociais.
O conflito é um fenômeno essencialmente cultural e através deste nasce a possibilidade de se inserir os personagens no mesmo plano de discussão e estar ciente que dele não é possível fugir, especialmente pela alavanca social, para fins já constitucionalmente previstos que é a solução pacífica de conflitos, coaduna com os objetivos propostos.
Assim, quem está na condição de mediador, árbitro, magistrado, promotor de política pública não pode ter a presunção de agir como se o litígio que diante de si se apresenta é uma mutação cancerígena social.
A primeira consideração sobre o conflito que se evidencia o fruto de uma interação social que em algum nível significará mudança em determinado grupo de pessoas ou para determinado indivíduo. A expectativa vai além das raias sociológicas e tangencia os meandros jurídicos.
A guisa de exemplo, o caso de um magistrado que esteja numa audiência judicial, e no momento apropriado para a conciliação, mundo dos conceitos saberá que a condução do litígio baseada no suporte teórico da sua compreensão o habilitará a não somente encerrar a lide, mas também o conflito. Deve haver um estímulo para haver a evolução social a ser mensurada diante de cada caso concreto.
Trata-se de juiz concentrado na gestão de conflito do que na lide em si, no âmbito processual onde está as partes, não o julgador, concretizando o que se pode chamar de democracia processual e o pluriprocessualismo[23].
Isto não significa que todos os atos do magistrado impliquem sempre a uma solução autocompositiva, dado que em certos casos a heterocomposição jurisdicional será inevitável, mas numa maturidade em saber tanger o conflito de forma que mesmo numa sentença haja em algum grau uma solução pacífica do litígio.
A lição de André Gomma Azevedo[24] é pedagógica ao constatar que progressivamente o juiz passa a ser mais que um prolator de decisões e sentenças para ser também um administrador de processos de resolução de disputar ou gestor de conflitos, analisando as demandas diante de circunstâncias e fatos concretos devem seguir para um processo autocompositivo (como exemplo, a mediação) e quais podem ser resolvidos por heterocomposição sem perda de legitimidade ao estímulo, à perpetuação da litigiosidade mesmo após o trânsito em julgado da decisão.
É interessante o ensino de François Ost[25] sobre os três modelos de Juiz: Júpiter, Hércules e Hermes. O primeiro é alheio às realidades sociais das partes, de orientação mais normativista e reflete um modelo de centralização de poder onde busca sempre em suas decisões assegurar a logicidade do sistema jurídico que opera, tendo a igualdade formal como um norte no tratamento intersubjetivo dos litigantes.
O Juiz Hércules inspirado pelo pensamento do realismo e da jurisprudência sociológica privilegia mais o fato do que a norma, de modo que esta deve ser adequada àquele. Conhecido por ser um verdadeiro engenheiro social opõe-se à tipologia jupiteriana pode dar azo a arbitrariedades e, igualmente, ter em si depositado todo o poder de construção da decisão jurídica e de estabilidade social.
O julgador Hermes[26], por sua vez, socorre-se da hermenêutica jurídica, argumentação e discurso jurídico para elevar os níveis de interação entre as partes e a relação processual.
É cônscio da necessidade de promover a cooperação e, por meio de um discurso racional e dialógico, procura integrar os sujeitos em contenda no contexto da pacificação social. Do contrário tem-se a mera composição da lide sem a devida pacificação social.
Spengler[27] ao utilizar a locução “tratamento de conflitos” ao invés de “resolução”, baseado na premissa sociológica de que os conflitos sociais e as suas causas não podem ser espargidas, eliminadas ou elucidadas pelo Judiciário e que o termo “tratamento” indicaria apenas uma resposta satisfativa ou medida terapêutica[28], mas não será ora aplicado.
Afinal o Judiciário não busca em si, dissipar as causas do conflito, mas por fim a ele mesmo. Isso não significa que você não possa pôr fim ao conflito, especialmente quando utilizadas as técnicas adequadas para que as partes saiam satisfeitas com as soluções propostas.
Seria até ilógico afirmar que mesmo após a atuação de um juiz mediador ou conciliador e houvesse a concordância plena dos envolvidos no conflito em encerrá-lo, mediante um processo racional de convencimento, que a disputa ainda permaneceria.
Ademais, as discussões sobre a exata terminologia que compatibilizem conceitos jurídicos e sociológicos levaria a uma percepção sem propósitos práticos, fim esse estranho ao presente texto.
Reconhece-se também que o referido processo psicossociológico proporcionará o acesso às razões suprajurídicas motivadoras das partes, tal qual terá sua postura diferenciada na condução do caso, razão pela qual pode fomentar um modelo cooperativo e consensual de processo em contraposição aos tradicionais comportamentos competitivos e fincados na cultura da sentença.
Existe o firme interesse de ir além da codificação e dos enunciados prescritivos e jurisprudenciais e dissipar a atitude negativista em relação ao conflito resultante de dimensão inexata de seus limites, desprestigiando o exercício de um direito fundamental assegurado constitucionalmente.
Por derradeiro, a noção de um caráter psicológico e ventilado pelas teorias psicológicas como também uma força motriz do conflito subsidia o manejo de situações adversas apresentáveis tanto nas peças judiciais como interrogatório das partes e oitiva de testemunhas.
4.Concepção moderna sobre o conflito.
A partir da segunda metade do século XX vieram as modernas concepções sobre o conflito adotar uma ótica microssociológica e na qual estão envolvidos os sujeitos determináveis ou determinados em contraposição à análise mais aberta defendida pelos sociólogos clássicos.
Há grande diversidade de teorias, escolas e pensadores que se distinguiram na condução da temática, mas se pode enquadrá-los, em dois grandes grupos, a saber: o condutismo (behaviorismo ou culturalismo) e a teoria macro (também conhecida como clássica).
Os condutistas foram liderados por Skinner[29], John Watson e Jacob R. Kantor, conforme a própria nomenclatura já indica detém-se no estudo da psicologia, de conduta realizando análise primária do comportamento individual em sobreposição a do conflito.
Tal corrente é mais que Psicologia Social[30] e reside na aprendizagem por condicionamento e a influência do ambiente no qual o sujeito está inserido.
Os condutistas privilegiam a observação do comportamento e, defendem a não consideração de elementos da ordem psicanalítica ou hereditária que falam ao consciente, processos mentais ou biológicos, não porque não existam, mas em face de serem pertinentes apenas ao campo da individualidade de cada ser humano. Para os condutistas, o conflito nada mais é do que um desdobramento do comportamento humano.
O behaviorismo[31] valoriza o papel do estímulo em determinada situação. O conjunto de resposta a determinado estímulo numa situação específica é chamado de comportamento.
O cerne desta corrente não se situa na ordem propriamente psíquica, mas sim, de reforços dados aos indivíduos.
Nesse sentido com a aplicação da Teoria de Skinner, por exemplo, para que possa compreender um conflito determinado e desencadeado numa relação social, é necessário que se saiba quais são os estímulos específicos dispensados aos atores. De modo que sempre estimulados da mesma forma específica, se obtenha o mesmo resultado.
Desta forma, se pode prever e se evitar os conflitos no futuro, tal qual perscrutar quais tipos de estímulos expõem a gradação de intencionalidade dos que divergem com o fito de eleger a melhor técnica de composição da controvérsia.
Por outro lado, os defensores da Teoria Macro atraem para o centro de sua análise o relacionamento entre os indivíduos e as influências deste na eclosão de conflitos e sua consequente resolução, aliado aos mais diversos fatores exógenos ou endógenos do conflito e não meramente comportamental, conforme defendiam os condutistas.
Portanto, as variáveis sociais e outras eu envolvam a aplicação da noção de ator racional são estudadas pelos clássicos, envolvendo não somente inflexões comportamentais e, sim, uma acepção de conceitos de negociação e oportunidade para tomada de decisões.
Para entender a tese de Skinner[32] verifica-se in litteris: “Suponha-se uma lide entre o autor “A” e o réu “B” que tenha por objeto a discussão sobre a demarcação de um imóvel rural com 10 hectares adquirido mediante a herança do genitor. O réu “B” alega que adquiriu dois hectares do bem quando seu proprietário ainda vive, o vendeu mediante compra e venda sem contrato formal, mas operacionalizada mediante a posse”.
Sabe-se que “A” pertence à família nos moldes tradicionais com origem ortodoxia, religiosa e adepta da defesa, da entidade e nome familiar.
Com a deflagração do conflito e até o momento da audiência judicial de conciliação, “B” insiste em inserir um estímulo em “A” no sentido de que sua família “não tem palavra”.
Nos termos da teoria comportamentalista como A está inserido num meio cujo condicionamento é de que aqueles ali presentes são influenciados e manterem uma posição defensiva em relação aos membros da família é natural que um estímulo de agressão a esse valor repercuta negativamente e induza “A” a um conjunto de reações comportamentais que o façam resistir a “B’.
Esse comportamento pede incluir a dificuldade em se praticar uma postura dialógica de compor o conflito. Cabe ao magistrado identificar esse elemento e expurga-lo na medida do possível, visando remover os obstáculos para a pacificação do conflito.
Quando era vigente a divisão do mundo entre duas grandes potências após o fim da segunda grande guerra mundial, o comportamento das nações vencedoras em relação as conquista fora totalmente redefinido.
Diferentemente do que havia ocorrido com a Alemanha na Primeira Grande Guerra Mundial, os países vencidos, ou seja, a Itália e o Japão, não precisavam mais pagar o humilhante preço da derrota.
Ao revés, após 1945 foram alvos prediletos de planos de recuperação devido aos resultados danosos do conflito mundial. Inaugurava-se desta forma, um novo imperialismo, não mais caracterizado pela agressiva ocupação física e bélica dos derrotados e, sim, imposto pela ocupação de influência, sendo menos onerosa e bem mais eficaz, além de duradoura.
Nesse cenário, a cultura norte-americana, disseminada através da expressão "american way of life" seria a arma mais poderosa, até mais que as duas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki.
O cinema fora muito bem manejado no sentido de servir como meio apropriado para transmitir mundialmente os valores e a cultura dos Estados Unidos da América.
No filme Beleza Americana o modo norte-americano de viver está presente e vivo no script, nas falas e atitudes dos personagens, bem como na organização da imagem exibida e também nos enquadramentos e montagem.
O filme representa uma crítica contundente e irônica ao american way of life. A narrativa gira em torno de um homem de meia idade que, de certa forma, já se considerava morto. Casado com uma mulher, corretora de imóvel, obcecada pela ideia de projetar sempre uma imagem sucesso.
O personagem é pai de uma típica adolescente americana, sendo corroído diariamente pelo tédio e frustração, vivendo em plenas aparências.
Já na primeira sequência do filme, o protagonista já se mostra se masturbando durante o banho, o momento que o próprio personagem considera ser o ápice de seu dia.
Após, é possível visualizar o personagem observando a esposa quando descobre o passado e se reconhecia feliz. Depois, enfoca-se a filha do casal que está realizando busca na internet sobre possibilidades cirúrgicas de aumento de seios.
O próprio pai a descreve como uma adolescente típica. Irritada, insegura e confusa. E, eu acrescentaria, medonhamente irritante.
Percebe-se que o protagonista está explicitamente insatisfeito com sua vida, e tenta reverter a situação de forma irracional E, sua primeira atitude é demitir-se do emprego que considera medíocre.
Mais, tarde, se vê apaixonado pela melhor amiga da filha, começa a consumir drogas e malhar, o que caracteriza uma redescoberta das maravilhas do mundo adolescente.
Ao se demitir de emprego que mantinha por quatorze anos, o protagonista rompe com o principal princípio moral norte-americano, onde há a exaltação ao trabalho, que deve ser realizado com determinação e afinco. Na carta de demissão o protagonista, chega a ridicularizar o referido princípio.
Já na personagem Jane é fácil constatar a desvalorização do ideal norte-americano, e vê como ingratidão o fato de sua filha não dar valor aos bens materiais que possui.
Percebe-se que a adolescente é, então, o elemento de choque, que vai a contra ao princípio de valorização de sucesso material.
O filme acentua o mecanismo de desconstrução dos ideais do american way of life, e reúne as principais causas dos conflitos que trafegam na trama , quando o protagonista é assassinado, quando momentos antes, quando é tomado por um saudosismo.
O principal conselho é o de apreciar as coisas simples da vida enquanto é tempo, aliás, o protagonista é o único personagem que tem atitude otimista em relação às pequenas felicidades.
Analisando pelo viés moderno da teoria dos conflitos é possível identificar a desconstrução de vários preceitos norteadores da cultura e valores morais norte-americanos.
Mas, através da desconstrução, acaba por reafirmá-los, pois a morte do protagonista pode ser vista como forma de castigo ao personagem que cometera tantos e sucessivos atos imorais no decorrer do filme.
Pareceu-me mais adequado adotar a teoria macro para possível resolução do conflito por considerar os diversos fatores exógenos ou endógenos, do conflito, não meramente comportamental conforme defendiam as teorias condutistas. (In: BELEZA AMERICANA. Direção de Sam Mendes. Jinks/Cohen Company, 1999: DreamWorks International Distribution L.L.C (117 min.), SKLAR, Robert. História social do cinema americano. São Paulo: Cultrix, 1978. )
Conclui-se que uma única teoria não é suficiente para prever todas as condutas, comportamentos e reações das partes, especialmente em conflito, em face da diversidade de elementos envolvidos num embate que transcende à capacidade de se prever o número de probabilidades de ações.
É recomendável a customização contínua e progressiva (e também dinâmica) das técnicas para serem usadas pelo mediador, árbitro, conciliador ou juiz e trazer os fundamentos existentes em outras teorias.
Outro filme que serve de análise é Guerra dos Roses onde o personagem Barbara quer o divórcio, mas o problema crucial é decidir com quem fica a luxuosa mansão, pois ninguém quer ceder em nada.
O advogado de Olivier oferece conselhos, porém é tarde demais. E, o conflito do casal protagonista envolve uma série de sentimentos como o de ódio e vingança.
O casal Oliver e Barbara Rose se conheceu num leilão, e como todo par romântico, houve instantânea atração mútua e os dois ficarem atraídos e apaixonados um pelo outro, culminando no casamento.
Como quase todo casal em início de conjugalidade, começam com dificuldades financeiras, porém o amor é hábil a fazer superar os entraves. Mais tarde, o casal teve dois filhos, sendo um menino e uma menina e continuavam a lutar bravamente por dias melhores.
O tempo passa, os filhos cresceram e enfim, o casal consegue melhorar de vida, e todo o dinheiro que ganhavam era investido no conforto familiar, e na bela mansão.
Mas, o inexorável aconteceu e Barbara não mais se sente atraída por seu marido, e o casal passaram a conviver apesar na mesma casa, mas sem cumprir as obrigações carnais peculiares do casamento, como pelo menos o respeito e lealdade.
E, nesse momento, se vislumbra uma coincidência entre o primeiro filme abordado Beleza Americana onde também o casal vive distanciado e de aparências. Assim como os Roses.
De certa feita, Oliver adoeça e vai para um hospital e fica internado e recomenda avisar a esposa, e ela tem uma decepção ao perceber que já está tudo bem com o marido e, que não morrera.
E, de repente, ela passou a perceber que não tinha mais sentimentos afetivos em relação ao esposo.
Os filhos do casal protagonista passaram a estudar em outra cidade e vida do casal se torna progressivamente mais insuportável, até que Bárbara revela a Oliver que não o ama, mas e deseja a separação.
Oliver então recorre aos conselhos de seu advogado no sentido de buscar a melhor forma de compor a situação, e este indicou, que nenhum dos dois saísse da casa, o que inaugura uma autêntica guerra dos Roses.
Durante a dita guerra há cenas hilárias e até nojentas como quando Oliver urina dentro das panelas de um jantar de negócios oferecido por Barbara, o que a deixa constrangida e enfurecida. Ao ponto de destruir o carro que Oliver tanto estima, tanto os convidados como a vizinhança representam a plateia do espetáculo bizarro de ódio e destruição.
Com a guerra decretada e em andamento, há perspectiva de se destruir tudo que existe dentro da tão valiosa mansão dos Roses.
Então, mais uma vez, o advogado do Oliver intervém, e aconselha o cliente a deixar a mansão, informando que existem mecanismos legais capazes de resolver a situação e resguardar seus direitos.
Porém, Oliver finca pé, e fica irredutível.
Acontecem todas as agressões possíveis, desde violência verbal até a física. Vindo Oliver a insistir e se declarar romanticamente para Barbara.
O engraçado é que diante de uma situação de perigo, quando Barbara fica pendurada por um lustre, e Oliver tenta ajudá-la, mas também fica preso, e que as cordas começam a ceder e diante daquela situação, Oliver tenta convencer a mulher a parar com tudo, mas não adianta.
O interessante é que a mediação proposta por Luís Alberto Warat[33] que aposta na alteridade e na outridade como forma de transformação dos conflitos, e na construção e desconstrução dos conflitos é também pertinente à aplicação de Morton Dewey e, ainda, propiciar o aprender a partir do conflito, reeducando comportamentos, interesses e convivências.
Conclui-se que existem várias formas de um casal optar pela separação e a mediação de família leva em conta que ninguém é obrigado a estar e manter-se vinculado a outra pessoa, se assim não o quiser, ademais, a partilha de bens pode ser feita em separado e não é necessário morar juntos para a preservação de bens.
É possível identificando as causas do conflito, prover a melhor forma de resolução amigável e buscar a melhor situação para ambos respeitando simultaneamente a vida, a dignidade e o patrimônio.
5. Conclusão
O presente texto só permitiu um conhecimento breve, mas não exaustivo em face da farta literatura existente. De fato, a aquisição mental de tais conhecimentos pode determinar o começo de uma nova cultura, a cultura da paz e da consensualidade, onde o consenso e o diálogo substituem a batalha judicial e a adversidade entre as partes,
É possível afirmar que no procedimento de customização das técnicas de mediação e de composição das lides, é cada vez mais intuitivo e menos tecnicista.
Reforçando que o Direito como ciência não pode ignorar, o auxílio precioso das ciências auxiliares no processo de compreensão das demandas, principalmente a Sociologia do Direito, na ramificação da Sociologia do Conflito[34] o que permite uma boa anamnese dos conflitos sociais reduzindo a função jurisdicional para os casos realmente necessários galgando-se, finalmente, a efetiva pacificação dos conflitos.
Na mediação as partes envolvidas se convencem qual é a melhor solução e trilham um procedimento de cooperação e mútuo entendimento e, respeito, que poderá servir de exemplo educativo e trazer fatalmente a justiça para o caso concreto.
O conflito em sua trajetória evolutiva conceitual saiu da negação de cooperação chegando à compreensão epistemológica polissêmica e capaz de equalizar os agudos problemas sociais através de debates dirigidos e redimensionados para apurar suas verdadeiras causas e construir soluções possíveis e legitimadoras.
Conclui-se também que o perfil ideal do julgador contemporâneo deve ser o propenso à mediação e a conciliação, devendo considerar as teorias tanto de ordem funcionalista como as teorias do conflito social, porém, atentando para a necessidade de recorrer às quaisquer tentativas para enfrentar o dissenso transcendendo a noção de anomalia social.
Há de ser ter em mente as mais modernas teorias amparadas nas avaliações comportamentais nas ações conflitivas. Também é possível haver a aplicação da teoria dos jogos pode trazer suporte teórico nos moldes de consensualidade, em face da lógica e binômio inspirador e ganhador/ganhador.
E o CPC/2015 veio introduzir um referencial importante para a constituição da cultura da paz, impondo como primeira audiência das partes a de mediação ou conciliação.
Todo conhecimento advindo das mais diversas searas é muito bem vindo para a construção de uma sólida base teórica sobre os conflitos principalmente pela sortida variedade de abordagens das diferentes teorias do conflito que tentam aplacar a carência de efetividade e celeridade processual, trazendo a desesperança e o descrédito ao Judiciário brasileiro.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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