As novas entidades familiares e a atual concepção de família

Resumo: As transformações sociais refletem diretamente no direito. Acompanhar as mudanças sociais é fundamental para o ordenamento jurídico, pois a legitimidade do mesmo é dependente da sociedade. Uma das principais mudanças da sociedade atual é a nova concepção de família que modificou as práticas sociais. Estudou-se neste artigo a nova concepção de família e as novas entidades familiares, como a união homoafetiva, a família eudemonista, a pluriparental, a anaparental e a monoparental.

Palavras-chave: direito – entidades – família – mudanças – pluralismo – sociedade.

Abstract: Social transformations directly reflect the law. Accompanying social changes is fundamental to the legal order, since the legitimacy of it is dependent on society. One of the major changes in today's society is the new conception of the family that has modified social practices. This article explores the new conception of the family and the new family entities, such as the homoafetive union, the eudemonist family, the pluriparental family, the anaparental family, and the single-parent family.

Keywords: law – entities – family – changes – pluralism – society

Sumário: 1. Introdução. 2. O afeto no contexto das novas entidades familiars. 2.1 .a proteção à sociedade familiar e a dignidade de pessoa humana. 2.2  o pluralismo familiar. 3. As transformações no conceito de entidade familiar proveniente de mudanças sociais. 4. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO.

Até a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a situação da entidade familiar era muito limitada no que tange ao tipo de constituição familiar. Antes dessa CRFB a ordem jurídica entendia que a família só poderia ser formada pela união exclusiva entre homem e mulher, mediante matrimonio sendo uma entidade hierarquizada e patriarcal.

Além disso, a filiação era unicamente biológica e reconhecida somente se houve casamento legítimo entre os pais. Não havia nenhuma igualdade entre os filhos havidos fora do casamento com os provenientes do casamento, aqueles eram tidos como ilegítimos. Outro fator importante era que o elo familiar era estritamente biológico não havendo qualquer consideração sobre a afetividade. Tais considerações advinham do fato de que o casamento era uma instituição sagrada, indissolúvel, pois o Estado se encontrava ligados a dogmas e preceitos religiosos.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988 grandes modificações jurídicas foram introduzidas no tocante à tutela da entidade familiar, a partir de então as entidades familiares passaram a receber do Estado maior proteção. Ou seja, o legislador disciplinou o reconhecimento da família de maneira mais plural e ampla e ainda disciplinou as obrigações do Estado no que tange a proteção à entidade familiar.  Aline Moreira Brasileiro e Jefferson Calili Ribeiro declaram que

“Com as inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, bem como com o distanciamento do modelo patriarcal, novos valores foram sedimentados, permitindo-se assim a valorização das relações humanas, permeadas pelo valor do afeto. O que desencadeou na transição da estrutura nuclear de família para o pluralista, ou seja, sem que houvesse um único modelo taxativo a ser seguido”. (BRASILEIRO; RIBEIRO, 2016:4)

O conceito de família, portanto, tem sido modificado nos últimos em razão de importantes transformações sociais que vem ocorrendo nos últimos tempos na sociedade brasileira. As alterações na estrutura familiar são advindas de importantes modificações e adaptações a partir da evolução socioeconômica. Todas essas modificações fizeram surgir novos arranjos familiares que é o resultado direito de importantes mudanças de valores da sociedade. Assim, o novo arranjo familiar desvinculou-se do conceito tradicional de família a partir do casamento, nesse novo arranjo a afetividade se apresenta como uma importante base para a formação do núcleo familiar.

Assim, o afeto se torna o principal meio de reconhecimento da entidade familiar em que os elos afetivos englobam elementos essenciais como a coabitação e a assistência mútua, que passaram a ser tutelados pelo Direito.  Diante disso, esse assunto ganha grande destaque no contexto jurídico brasileiro, pois as novas entidades familiares requerem proteção jurídica a fim de resguardar os direitos e deveres familiares impedindo a discriminação e o preconceito.

Partindo disso, nota-se que o problema desta pesquisa é como o ordenamento jurídico reconhece as novas modalidades de entidade familiar a fim de assegurar-lhes tutela jurídica? O objetivo desta pesquisa, portanto é discutir a pluralidade do conceito de entidade familiar na sociedade atual e analisar os dispositivos legais que amparam essas entidades.

A CRFB /88 expressa a amplitude do conceito de entidade familiar ao prever a família matrimonial, a união estável, a família monoparental e, permitiu ainda o reconhecimento de entidades familiares não expressas na norma, mas existentes no contexto social, como as famílias homoafetivas. Myrna Maria Rodrigues Neves Gomes leciona que

“Com a nova realidade da família brasileira, em que houve um rompimento de preconceitos em torno da família, ocorreu uma valoração por parte do legislador e dos aplicadores do Direito, dando ênfase a princípios basilares, como a igualdade e liberdade, para que se busque um novo ideal de família, calcado no afeto e nas realizações pessoais. Os princípios constitucionais servem como embasamento para essas novas formas de entidades familiares, adaptando-se à evolução social e respeitando, especialmente, o princípio basilar do Estado Democrático de Direito, o da dignidade humana”. (GOMES, 2009:9)

Para Dóris Ghilard,

“A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu um marco teórico no direito de família brasileiro, que passou a albergar a dignidade humana, colocando o homem no centro das preocupações normativas. Deixou pra trás o ranço previsto no Código Civil de 1916, que reconhecia a família casamentária como único modelo instituinte de família, deixando marginalizadas todas as demais formas de união já existentes desde o Brasil colônia. Previa o homem como “chefe da sociedade conjugal”, criando hierarquia e consolidando o patriarcado”. (GHILARD, 2013:67)

Com a Constituição Federal de 1988 a família como base da sociedade teve seu conceito ampliado no artigo 226, parágrafos 1° ao 4°, in verbis

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. (BRASIL, 2016:68)

Em 2002, o Código Civil também evoluiu no conceito de família ao dedicar um capítulo à união estável. Patrícia Matos Amatto Rodrigues ensina que

“O pluralismo das entidades familiares, por conseguinte, tende ao reconhecimento e efetiva proteção, pelo Estado, das múltiplas possibilidades de arranjos familiares, sendo oportuno ressaltar que o rol da previsão constitucional não é taxativo, estando protegida toda e qualquer entidade familiar, fundada no afeto. Trata-se da busca da dignidade humana, sobrepujando valores meramente patrimoniais. A transição da família como unidade econômica para uma compreensão solidária e afetiva, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, traz consigo a afirmação de uma nova feição, agora fundada na ética e na solidariedade. Pode-se afirmar que esse novo balizamento evidencia um espaço privilegiado para que os seres humanos se complementem e se completem. Nessa linha de raciocínio, a entidade familiar deve ser entendida, hoje, como grupo social fundado, essencialmente, em laços de afetividade, pois outra conclusão não se pode chegar à luz do texto constitucional. Dessa forma, afirma-se a importância do afeto para a compreensão da própria pessoa humana, integrando o seu “eu”, sendo fundamental compreender a possibilidade de que do afeto decorram efeitos jurídicos dos mais diversos possíveis”. (RODRIGUES, 2009: 126)

A partir da evolução deste conceito na ordem jurídica considera-se que a identidade familiar não é concretizada na celebração do casamento mais entre homens e mulheres, mas para a juridicidade deve-se considerar a existência de vínculo afetivo, que é capaz de unir pessoas com propósitos comuns. Esse vínculo gera comprometimento mútuo. Dessa forma, o conceito de família não está condicionado a questões como casamento, sexo e procriação, mas sim no afeto.

A entidade familiar moderna não corresponde mais a um núcleo econômico e reprodutivo, desde as mudanças impostas pela CRFB/88 o núcleo familiar é compreendido a partir do contexto sócio afetivo. Por isso os novos arranjos familiares surgem e são protegidos e respeitados pela ordem jurídica. O afeto é tão importante quanto os laços sanguíneos para o núcleo familiar.

Para a nova concepção de família, o afeto e a dignidade são valores essenciais e por isso a família perde o caráter econômico, social e religioso. O pilar das novas entidades familiares se funda no grupo em que a afetividade, o companheirismo e a solidariedade mútuos. 

2. O AFETO NO CONTEXTO DAS NOVAS ENTIDADES FAMILIARES

A definição de família a partir dos laços de afetividade se apresenta como um grande avanço na sociedade moderna, pois permite que novos arranjos familiares distantes do conceito tradicional que era baseado no casamento entre homem e mulher.  Na concepção antiga, pelo Direito Romano, os laços afetivos eram considerados somente como pressuposto para o casamento e eram deixados em segundo plano. As modificações neste conceito permitiram uma nova realidade em que entidade familiar vai além do casamento e de famílias monoparentais.

A nova ideia de família é fundada nas ideias de pluralismo, afetividade, solidariedade e igualdade. Deste modo a família passa a ter importante função no crescimento de seus membros e também no crescimento da sociedade. Tais modificações surgiram inclusive por causa de mudanças socioeconômicas que influenciaram novos arranjos familiares. Ao dar enfoque nestas ideias para fundar o núcleo familiar dá-se mobilidade à esta entidade tão importante, pois como prevê a CRFB/88 a família é a base da sociedade.

O elo de união entre duas pessoas é, portanto, o afeto, que adquiriu reconhecimento e inserção na ordem jurídica. O modelo de família foi constitucionalizado de maneira eudemonista e igualitária, em que se dá maior destaque para o afeto e a individualidade. De acordo com Paulo Lôbo,

“O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade (art. 3º, I), e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família”. (LÔBO, 2012:70-71)

As entidades familiares contemporâneas se concretizam na afetividade, desfazendo-se do modelo hierárquico e autoritário, para um modelo mais flexível. Neste novo modelo de núcleo familiar Paulo Lôbo revela que

“A família recuperou a função que, por certo, esteve nas suas origens mais remotas: a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida. O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais. É o salto, à frente, da pessoa humana nas relações familiares”. (LÔBO, 2012:71)

O princípio da efetividade figura como elemento formador da entidade familiar, como pressuposto para a formação dessa estrutura familiar. A afetividade, portanto, deve ser vista como um princípio constitucional, sendo que a mesma não é mais imutável e indissolúvel. Nas palavras de Paulo Lôbo

“O princípio da afetividade fundamenta as relações interpessoais e o direito de família nas relações socioafetivas de caráter patrimonial ou biológico e na comunhão de vida. A família contemporânea não se justifica sem que o afeto exista, pois este é elemento formador e estruturador da entidade familiar, fazendo com que a família seja uma relação que tem como pressuposto o afeto, devendo tudo o que for vinculado neste ter a proteção do Estado. O afeto é o resultado de todas as mudanças e evoluções ocorridas nos últimos anos nas famílias brasileiras, tem como base muitos dos valores consagrados pela Constituição Federal de 1988 e acaba sempre balizando importantes doutrinas e jurisprudências do direito de família”. (LÔBO, 2012:70-71)

Insta dizer que a afetividade é fator fundamental para o estabelecimento de uma entidade familiar, visto que as famílias atuais não se formam somente em torno do vínculo sanguíneo, mas, sobretudo, pelos vínculos afetivos. São estes vínculos que determinam a convivência familiar saudável, a solidariedade familiar e o favorecimento de desenvolvimento de personalidade nos indivíduos. Desta forma, resta evidenciar conforme leciona Paulo Lôbo que a afetividade “[…] é o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico.”[1] (LÔBO, 2011:70-71).

Isto porque se torna difícil sustentar uma entidade familiar somente por base de na relação parental, em que os vínculos se formam na autoridade e na hierarquia. Logo, a afetividade no ordenamento brasileiro é essencial para o reconhecimento do núcleo familiar e também para sua proteção. O Estado não pode se furtar à tutela à entidade familiar, de modo que a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade são objetos da proteção estatal. Para tanto, as normas do direito positivo devem direcionar-se a regular as relações íntimas de cada individuo.

O afeto é um direito individual e transcendo à família. Não corresponde a um valor jurídico ou uma laço para unir integrantes de uma família somente, mas sim um sentimento de companheirismo, humanidade e solidariedade. É o pilar da família.

2.1. A PROTEÇÃO À SOCIEDADE FAMILIAR E A DIGNIDADE DE PESSOA HUMANA

A entidade familiar requer proteção do Estado, por sua grande importância para a sociedade. Porém, ao proteger o núcleo familiar não se pode excluir nenhum modelo, é por isso que a sociedade e principalmente o direito, moldou-se aos anseios sociais e passou a reconhecer diversos modelos de entidade familiar, vendo o pluralismo desta entidade como um reforço para a mesma.

Assim, a Constituição Federal outorgou proteção à família, independente do seu modelo de formação, ou seja, a família reconhecida e protegida pelo Estado não é somente aquela formada mediante a celebração do casamento. As mudanças sociais mostraram-se como importante impulso para a transformação do direito neste quesito e, propulsora para o reconhecimento do afeto como elemento formador de uma entidade familiar.

As famílias reconhecidas pelo legislador, independente do seu modelo merecem proteção estatal. A família atual possui um conceito livre que é totalmente guiado pela afetividade. O artigo 226 da CRFB

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.    § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.  § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. (BRASIL, 2016:69)

A entidade familiar após a CRFB/88 teve seu conceito ampliado e tornou-se plural, o único elemento comum a todos os modelos familiares reconhecidos pelo legislador é o afeto. Assim, ao reconhecer tanto o casamento quanto a união estável, a união estável homoafetiva, a família monoparental, a família unipessoal e a família anaparental como entidades familiares, assegura-se assim a concretização da dignidade humana. Conforme leciona Patrícia Matos Amatto Rodrigues

“O pluralismo das entidades familiares, por conseguinte, tende ao reconhecimento e efetiva proteção, pelo Estado, das múltiplas possibilidades de arranjos familiares, sendo oportuno ressaltar que o rol da previsão constitucional não é taxativo, estando protegida toda e qualquer entidade familiar, fundada no afeto. Trata-se da busca da dignidade humana, sobrepujando valores meramente patrimoniais. A transição da família como unidade econômica para uma compreensão solidária e afetiva, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, traz consigo a afirmação de uma nova feição, agora fundada na ética e na solidariedade. Pode-se afirmar que esse novo balizamento evidencia um espaço privilegiado para que os seres humanos se complementem e se completem”. (RODRIGUES, 2009:128)

A formação do núcleo familiar em torno do afeto é essencial para a compreensão da pessoa humana, para o seu “eu”. A partir do momento que o Estado funda-se no princípio da dignidade da pessoa humana, declara-se que todo indivíduo merece respeito tanto por parte do Estado quanto pela sociedade evitando a discriminação para, assim proporcionar-lhe uma existência digna, ao respeitar sua individualidade e seus desejos.

Ao assegurar tutela a qualquer tipo de entidade familiar permite-se seu desenvolvimento a partir de valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, essenciais para a dignidade de seus membros. As transformações sociais que ensejaram o reconhecimento de novas entidades familiares, trouxeram novos ideais para a compreensão dos direitos humanos a partir da dignidade da pessoa humana. Logo, tal princípio de dignidade apresenta-se como um alicerce para qualquer núcleo familiar, é por este princípio que se garante a todos os membros deste núcleo proteção à vida, ao desenvolvimento pleno e saudável, fundado tanto no respeito quanto na afeição mútua.  Assim, ao elevar a dignidade como condição de macroprincípio norteador, a CRFB/88 a colocou como vértice para o ordenamento pátrio, daí exige-se o seu respeito e principalmente, a sua promoção mediante medidas e normas que sejam capazes de efetivar a dignidade e seu alcance em todas as esferas, sobretudo, na família.

2.2 O PLURALISMO FAMILIAR

Atualmente já é reconhecida a união entre pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar a fim de concretizar o desenvolvimento da personalidade, o respeito à dignidade humana e a dimensão afetiva. Assegurou-se assim a paridade de direitos para as relações homossexuais como inclusive um meio de redução do preconceito.

O reconhecimento desse novo modelo familiar permitiu alcançar a igualdade entre os sexos, a liberdade, a intimidade e a pluralidade familiar, princípios importantes para conceder efeitos jurídicos às parceiras entre pessoas do mesmo sexo. Vê-se, portanto, que desta forma foi possível proporcionar maior proteção à entidade familiar ao respeitar as suas diversas formas de constituição, em que a função deste núcleo é conforme lição de Maria Berenice Dias:

“O pluralismo das relações familiares – outra vértice da nova ordem jurídica – ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento, mudando profundamente o conceito de família. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operaram verdadeira transformação na família”. (DIAS, 2015:39)

Todas essas mudanças tem o intuito de garantir total proteção jurídica ao diversos modelos familiares, visto que a família é a base da sociedade. O Estado, portanto, garante proteção à todo e qualquer tipo de entidade familiar. Maria Berenice Dias esclarece que

“[…] o novo modelo da família funda-se sobre os pilares da repersonalização da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo estado”.[2] (DIAS, 2015:43)

Dessa forma, fica evidente que nos tempos atuais é necessário construir uma visão pluralista da família, em que os diversos arranjos familiares são fundamentados na afetividade, como o mais importante elo de união entre seus membros. O modelo convencional de família é aquela formada mediante o casamento entre um homem e uma mulher, até a promulgação da CRFB/88 era o único vínculo reconhecido.

Uma modalidade atualmente reconhecida é a família monoparental formada pelo vínculo de parentesco de ascendência e descendência, sendo constituída por um dos pais e seus descendentes (artigo 226; § 4º CRFB/88).

A família anaparental é uma entidade que formada por de parentesco sem vínculo de ascendência e descendência. É a convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não sejam parentes, com a finalidade de convivência familiar.

Tem a família pluriparental proveniente do desfazimento de vínculos anteriores e da criação de novos vínculos. Trata-se de um núcleo reconstruído por casais que desfizeram casamentos ou uniões anteriores, neste modelo o casal traz para a nova família seus filhos e podem ter novos filhos em comum.

A família eudemonista é a originada no afeto. Esse nome surgiu da palavra eudemonismo, cuja finalidade é a felicidade do homem. Segundo Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza “Família eudemonista é aquela decorrente do afeto. Eudemonismo: Sistema de moral que tem por fim a felicidade do homem: o epicurismo e o estoicismo são eudemonismos.” (SOUZA, 2009:5). Outro modelo de entidade familiar é a família homoafetiva oriunda da união entre pessoas do mesmo sexo, em que a união destas é para a constituição de um elo familiar. Tal modelo é reconhecido pela ordem jurídica como uma entidade familiar, que tem por base o afeto.

Todos estes modelos reconhecidos de entidade familiar tem a única função de garantir a dignidade de pessoa humana para todos os seus membros, a partir do respeito assegurado pelo Poder Jurídico às suas características e individualidades, bem como de formar um lar baseado principalmente no afeto, no respeito, na solidariedade mútua. Assim, a família, pilar da sociedade, é protegida pela lei independente da sua configuração, sendo vista somente como uma entidade familiar que merece respeito e proteção estatal.

3. AS TRANSFORMAÇÕES NO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR PROVENIENTE DE MUDANÇAS SOCIAIS

A constante transformação da sociedade importa em modificações importantes no Direito. Tais mudanças decorrem da evolução histórica e da revisitação de alguns conceitos e valores que são estabelecidos socialmente.

A evolução social nos levou a importantes mudanças no contexto da família e, consequentemente foi preciso que o Direito Civil se adaptasse a tais transformações a fim de continuar garantindo proteção estatal a entidade familiar, base de toda a sociedade, que se modificou e se tornou mais ampla e plural, cujo fundamento principal é a efetividade.  Os novos arranjos familiares requerem compreensão democrática, plural, inclusiva e principalmente, não discriminatória, em que todos os modelos são respeitados e protegidos pelo Estado.

A família se tornou um conceito plural totalmente fundado no afeto. O reconhecimento no ordenamento jurídico dos novos arranjos familiares demonstra a preocupação do legislador em atender os anseios sociais e, principalmente, em garantir total proteção à família, a base da sociedade.

Neste ínterim, todas as transformações que aconteceram ao longo dos tempos no núcleo familiar exigiram o reconhecimento jurídico destas novas entidades. Tal reconhecimento resultou na tutela a qualquer tipo de entidade familiar, o Estado favorece o seu desenvolvimento a partir de valores culturais, éticos, religiosos e econômicos que são essenciais para a dignidade de todos os membros de qualquer núcleo familiar. As transformações sociais que ensejaram o reconhecimento de novas entidades familiares trouxeram novos ideais para a compreensão dos direitos humanos a partir da dignidade da pessoa humana.

Reconhecer os diversos modelos familiares é fator fundamental para a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, cláusula pétrea no ordenamento jurídico. É a pessoa humana o objeto da proteção estatal para a as normas de direito devem voltar-se, favorecendo o desenvolvimento de sua personalidade.

Assim, hoje são reconhecidos arranjos familiares formados por pessoas do mesmo sexo denominado família homoafetiva; formados independente do casamento pela união estável, por exemplo, bem como aquelas famílias monoparentais provenientes do vínculo de parentesco ascendente ou descendente; a família anaparental oriunda do convívio entre parentes ou pessoas que não sejam parentes ainda; a família pluriparental originada mediante o desfazimento de uniões anteriores e a criação de novos vínculos e a família eudemonista fundada no afeto. É possível dizer que toda a entidade familiar da atualidade é fundada no afeto, independente do seu modelo.

4 CONCLUSÃO

Os modelos atuais de constituição familiar nem sempre existiram e são o resultado de importantes transformações na sociedade em que em épocas mais antigas o vínculo familiar era formado sob interesses econômicos, patrimoniais e políticos mediante enfoque religioso.

Atualmente, as famílias são formadas principalmente pelo afeto, em que a convivência, o respeito e a solidariedade são essenciais para uma convivência harmoniosa e saudável. 

Diante de todas essas transformações no arranjo familiar a afetividade é tida como o elemento estruturante. Assim, o fundamento da entidade familiar não está mais na axiologia e na religião, mas sim nos vínculos afetivos criados entre os integrantes da família.

O pluralismo visto hoje presente na formação do núcleo familiar é essencial para a nova consciência social de respeito mútuo, da não discriminação e, da aceitação dos variados comportamentos sociais. Isso porque tais comportamentos foram determinantes para o reconhecimento e proteção destes novos arranjos familiares.

 

Referências.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. (Legislação brasileira)
BRASILEIRO, Aline Moreira. Brasileiro; RIBEIRO, Jefferson Calili. Multiparentalidade no contexto da família reconstituída e seus efeitos jurídicos. ANO: IX. n° 13,  Revista online FADIVALE, Governador Valadares, 2016. Disponível em: < http://www.fadivale.com.br/portal/revista-online/revistas/ 2016/ Artigo_Aline_Brasileiro.pdf>. Acesso em: 10 de fev. de 2017.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
GHILARDI, Dóris. A possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade: vínculo biológico x vínculo socioafetivo, uma análise a partir do julgado da AC nº 2011.027498-4 do TJSC. Ano: XV. N°. 36. out./nov. Porto Alegre:  Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, 2013. p. 37-62.
GOMES, Myrna Maria Rodrigues Neves. As novas entidades familiares: o caminho trilhado para um novo conceito. Monografia. 51 f. João Pessoa/ Paraíba: Faculdade de Ensino Superior da Paraíba/FESP, 2009.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
RODRIGUES, Patrícia Matos Amatto. A nova concepção de família no ordenamento jurídico brasileiro. ANO:  XII. N° 69, out. Rio Grande/RS: Âmbito Jurídico, 2009. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/ site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6792>. Acesso em: 11 de março 2017.
SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Famílias plurais ou espécies de famílias. São Paulo: UNIESP, 2009. Disponível em:<http://www.faimi. edu.br/revistajuridica/downloads/numero8/especies.pdf>. Acesso em: 15 de fev. 2017.
Notas
1 Supressão nossa
[2] Supressão nossa

Informações Sobre os Autores

Aluer Baptista Freire Júnior

Doutorando em Direito Privado pela PUC-Minas. Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. MBA em Direito Empresarial. Especialista em Direito Privado Direito Público Direito Penal e Processual Penal. Professor da Fadileste Reduto-MG. Advogado

Maria Leidiane Silva

Graduada em Direito pela Fadileste


Equipe Âmbito Jurídico

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