As parcerias público-privadas no direito brasileiro: Análise da Lei nº11.079/2004

Resumo: O presente trabalho tem por escopo apresentar o instituto das Parcerias Público-Privadas, regulamentada pela Lei nº 11.079/2004, demonstrando que as PPPs estão voltadas para efetivação de direitos coletivos através de parcerias realizadas com o setor privado. Serão apresentados os pontos controvertidos da legislação, as diretrizes, normas gerais, modalidades e o procedimento licitatório, na perspectiva do Direito Brasileiro.


Palavras-chave: Parcerias Público-Privadas; Administração Pública; Conceito; Diretrizes; Modalidades; Licitação.


Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito e a origem das parcerias público-privadas; 3. Modalidades de parcerias público-privadas de acordo com a Lei nº 11.079/2004; 3.1 Concessão Patrocinada; 3.2 Concessão Administrativa; 4. As normas gerais, diretrizes traçadas pela Lei nº 11.079/2004; 5. Licitação das PPPs e inovações trazidas pela Lei nº 11.079/2004; 6. Conclusão. Referências.


1 INTRODUÇÃO


O despreparo administrativo e financeiro do Estado e da Administração Pública impedem a realização de serviços públicos eficientes para atender as necessidades sociais. A globalização, o capitalismo e a crescente demanda social aumentam, consideravelmente, as necessidades da sociedade por serviços públicos que, em sua maioria, não são devidamente prestados pela Administração Pública.


Assim, o legislativos introduziu a Lei nº 11.079 no âmbito federal possibilitando a criação das Parcerias Público-Privadas (PPPs), gerando grande repercussão e significativa mudança no Direito Público devido a interação do capital privado na Administração Pública Brasileira, para execução de serviços públicos.


A criação das PPPs está intimamente ligada ao contexto da globalização, desenvolvimento social e tecnológico, concretização de determinadas obrigações estatais que não eram efetivadas pela escassez de recursos, aumento das demandas sociais e pela impossibilidade do aumento da carga tributária, uma vez que o contribuinte é quem arcaria com as despesas decorrentes do serviço.


Seguindo alguns modelos já existentes em outros países, o Brasil passou a permitir o envolvimento da iniciativa privada em funções públicas na década de 90 com as políticas de privatização e estímulos ao Terceiro Setor, o que gerava grande repercussão e insatisfação da sociedade.


A criação das PPPs foi uma forma alternativa para suprimir a falta estatal em determinados serviços indispensáveis para o crescimento econômico e social, sem aumento da carga tributária, mediante colaboração entre os setores público e privado.


É importante destacar que as parcerias devem ser realizadas nos limites do Direito Administrativo uma vez que se trata da compatibilização do setor privado como investidor e executor, da Administração pública e do cidadão, como destinatário do serviço.


Para melhor compreensão e reflexão sobre esta parceria será apresentado seu conceito, origem, modalidades, normas gerais e diretrizes, objetivos e estrutura, com enfoque na relação entre sociedade, Estado e Administração Pública.


2 CONCEITO E A ORIGEM DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS


Conhecer  as origens e o conceito de um instituto jurídico é a melhor forma de iniciar seu estudo. O termo parceria para o dicionário é definido pela reunião de pessoas para alcançar um objetivo comum.


Já Plácido e Silva apresentam  um conceito técnico-jurídico sobre a parceria como um vocábulo utilizado para designar uma forma sui generis de sociedade, em que seus participantes se apresentam com deveres diferentes, tendo, embora, um mesmo fim.


No Direito Brasileiro, embora não utilizada tal nomenclatura, sempre ocorreram as parcerias público-público entre os entes federados (União e Estados, União e Municípios ou Estados e Municípios), firmadas através de convênios ou consórcio.


Quando associado a parceria do setor público ao privado, tem-se uma definição limitada as pessoas físicas ou jurídicas de direito privado ou consórcio de empresas na realização de serviços públicos, que deveriam ser efetivados pela Administração Pública, a fim de atender os anseios sociais e os imperativos constitucionais.


A estudiosa Di Pietro conceitua o termo parcerias público-privadas como “… todas as formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica, são organizadas entre os setores público e privado, para a consecução de fins de interesse público”. (DI PIETRO, 2005, p. 31).


De acordo com a definição proposta pela autora, qualquer forma de colaboração (social ou econômica), que vise a satisfação do interesse público, é uma modalidade de parceria público-privada, independentemente de auferir lucro.


Lado outro, Moreira Neto exclui qualquer participação privada na área social (saúde e educação), uma vez que ocorrem mediante contrato de execução dos serviços entre o Estado e organizações não estatais sem fins lucrativos (ONGs) ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), com recursos Estatais.


Nessa linha de entendimento Neto define a Parceria Público-Privada como “modalidade de colaboração entre o setor privado e o setor público em que entidades não estatais participem em atividades estatais de índole econômica, auferindo lucros em sua execução”. (NETO, 1997, p.75.)


O conceito de PPPs é amplo e divergente quanto a sua finalidade, entretanto coincidente por sua relação publico-privado na busca da efetivação do interesse da sociedade, para execução de serviços públicos, mas nunca podendo confundi-la com o instituto da privatização.


A Parceria Público-Privada é realizado através de um contrato administrativo de concessão entre o setor público e a iniciativa privada, para realização de serviços ou empreendimentos públicos. Já na privatização ocorre a “venda” de uma instituição do setor público para o privado, onde o serviço passa a ser executado de forma plena pela iniciativa privada, como qualquer outro negócio, onde o governo continua a participar de alguma forma, geralmente como sócios minoritários, mas sem deter qualquer poder sobre a empresa.


A Lei nº 11.079/2004 não trouxe qualquer definição de PPPs no seu texto, deixando tal incumbência aos estudiosos e operadores do direito, sendo a conceituação mais completa a trazida por  Marçal Justen Filho:


“Parceria público-privada é um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço publico, com ou sem direito à remuneração, por meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para obtenção de recursos no mercado financeiro”. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 549)


No Brasil, a primeira forma de PPP realizada ocorreu na época do Império quando da implantação das ferrovias brasileiras, mediante dispositivo contratual denominado Cláusula de Ouro, pelo qual o Tesouro assumia o compromisso com o concessionário de um lucro de 7% ao ano em ouro.


Não trata-se de uma PPP regulamentada, mas um modelo utilizado para possibilitar que a iniciativa privada se juntasse ao setor público para execução de serviços públicos essenciais ou necessários.


As experiências com PPP que merecem ser estudadas são mais recentes, surgidas após a década de 80, como instrumento de fomento ao desenvolvimento de projetos sociais e de infra-estrutura estatal, inicialmente realizadas na forma de privatizações e terceirizações e, posteriormente, mediante contratos de administrativos de concessão.


Durante o governo Fernando Henrique Cardoso as propostas de PPPs foram estudadas, principalmente, visando aplicação de recursos privados na infra-estrutura de saneamento básico e estradas, contudo, a penas no governo Lula as PPPs foram regulamentadas pela Lei nº 11.079/2004, legalizado a funcionalidade deste instituto.


3 MODALIDADES DE PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS DE ACORDO COM A LEI Nº 11.079/2004


A falta de investimentos públicos comprometem, consideravelmente, o crescimento econômico do País. Atualmente o Estado não tem condições de financiar plenamente os serviços públicos a fim de garantir os direitos coletivos e a crescente demanda social, dada a escassez de recursos fiscais, o endividamento público e a rigidez orçamentária.


As Parcerias Público-Privadas visam, principalmente, contribuir com a Administração Pública para aumentar os investimentos nacionais mediante parcerias e recursos privados na infra-estrutura estatal, evitando a redução do crescimento econômico.


Assim sendo, a pretensão Estatal é estimular o setor privado a investir nas áreas do serviço público (não muito atrativas), onde a Administração Pública não consegue atender a sociedade.


De acordo com o art. 2º da Lei nº 11.079/2004[1], as PPPs podem ser contratadas sob as modalidades de concessão patrocinada ou concessão administrativa.


3.1 Concessão Patrocinada


O §1º do art. 2º da Lei nº 11.079/2004, que trata da concessão patrocinada, já estava positivada na modalidade de concessão comum expressa pela Lei nº 8.987/1995, trazendo o novo dispositivo apenas algumas particularidades.


Na concessão comum a concessionária prestadora de serviço era paga por tarifa como contraprestação, pelo usuário. Já na concessão patrocinada existem duas contraprestações; uma tarifa paga pelo usuário, e uma contraprestação pecuniária complementar como garantia ao parceiro privado, paga pelo concedente.


Para o setor privado foi uma garantia de negócio com  risco minimizado, considerando que a complementação pública proporciona um retorno do investimento privado.


Ainda, na concessão patrocinada o valor da contratação deve ser superior a R$ 20 milhões cujo risco é repartido; enquanto na concessão comum não há piso, e o serviço é prestado por conta e risco da concessionária.


É bem verdade que receber subsídio do concedente como complementação de receita possibilita uma parceria duradoura e efetiva, visto que minimiza o risco do negócio. Entretanto cumpre questionar a legalidade e possibilidade desse tipo de subsídio.


A grande maioria dos estudiosos entendem pela inexistência de obstáculos para tais subsídios sendo possível, inclusive, pelas disposições da Lei nº 8.987/95. Nessa tangente, Floriano de Azevedo Marques Neto relembra que o valor da tarifa deve atender a capacidade do usuário, senão vejamos:


“De outro lado é possível que o serviço público seja explorado pelo particular delegatário do poder público e sua remuneração não seja atribuída exclusivamente pelo usuário do serviço. É o que ocorre freqüentemente, nas hipóteses de subsídio tarifário quando define-se que, por ser o valor da tarifa economicamente justa (ou seja, aquela que remunera o investimento, os custos da prestação e uma razoável margem de lucro ao particular) excessivamente alto para a capacidade de pagamento dos usuários potenciais do serviço público, o poder público subsidiará a tarifa, concorrendo para que o valor cobrado de quem dele ser utiliza seja inferior àquele calculado economicamente”. (MARQUES NETO, 2004, p. 341)


Ainda, concluindo seu entendimento:


“Não me parece existir argumento suficientemente forte para impedir que o poder público, no exercício de suas competências materiais, formule um modelo de concessão pelo qual o concessionário seja encarregado de prestar um serviço público, oferecendo-o diretamente aos indivíduos, mas remunerando-se não mediante a cobrança de tarifas diretamente destes usuários, mas por fontes alternativas. Dentre estas fontes alternativas pode, sim, estar o pagamento pelo Estado de um valor (inclusive com natureza tarifária) definido em lei, no edital ou no contrato por unidade de serviço utilizado”. (MARQUES NETO, 2004, p. 349)


Seguindo a mesma linha, Marçal Justen Filho assevera que:


“… será vedada a subvenção quando configurar uma forma de benefício injustificado para o concessionário. Não se admite, em face da própria constituição, é o concessionário receber benesses do poder concedente, com pagamentos destinados a eliminar de modo absoluto o risco intrínseco e inafastável. Mas não haverá inconstitucionalidade quando a contribuição estatal for instrumento para assegurar a modicidade da tarifa, valor fundamental para o cumprimento das destinações do serviço público, ou a realização das funções estatais inerentes à persecução do interesse coletivo”. (JUSTEN FILHO, 2003, p. 93)


Observa-se que a instituição de subsídio pelo poder concedente fornece garantias efetivas a manutenção da prestação dos serviços, proporciona a manutenção de uma tarifa com valores acessíveis a população, tudo em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo plenamente compatível com a legislação vigente.


3.2 Concessão Administrativa


A concessão administrativa está disposta no § 2º do art. 2º da Lei nº 11.079/2004, sendo a segunda modalidade definida como um “contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”.


Ao contrário das concessões comum e patrocinada, a administrativa tem por objeto serviços públicos em que o Estado não quer ou não pode cobrar tarifas dos usuários e, ainda, nas atividades sociais e culturais.


De certa forma a nomenclatura “concessão administrativa” parece um pouco inadequada, visto que toda concessão viabilizada pela Administração Pública é administrativa.


Di Pietro salienta que a conceituação “aproxima-se bastante, sob certos aspectos, dos contratos de empreitada, ficando a meio caminho entre a concessão de serviço público e a terceirização” (DI PIETRO, 2005, p. 83)


Quanto a remuneração do concessionário por tarifa para configuração de uma concessão, a doutrina é bastante divergente, principalmente ao analisar o §2º do art. 2º da Lei 11.079/2004 em conjunto com o inciso III do parágrafo único do art. 175 da CR/88[2].


A princípio, o inciso Constitucional conduz ao entendimento de que a tarifa é condição essencial para configurar a concessão. Contudo o entendimento contrário ressalta que não é correto confundir política tarifária com obrigatoriedade de cobrança de tarifa.


Para Celso Antônio Bandeira de Mello é indispensável que o concessionário seja remunerado por meio de tarifas ou outra forma advinda da exploração do serviço concedido, mesmo que acrescido por fontes complementares de receita, pois é o aspecto remuneratório que distingue o instituto das concessões de outras modalidades contratuais.


E acrescenta que:


“dificilmente se poderá conceber um serviço que possa ser mantido por meras tarifas nas quais a Administração compareça como simples usuária, (…) maiormente se envolverem também a execução de obras ou implantação de bens”, (…) “não basta chamar um contrato de prestação de serviços como concessão para que ele adquira, como em um passe-de-mágica, esta qualidade”. (MELLO, 2005, p. 724-725)


Lado outro, o estudioso Benedicto Porto Neto entende ser desnecessária a tarifa ou que a haja vinculação do serviço a remuneração para a caracterização da concessão:


“A Administração Pública pode transferir a prestação de serviço público a terceiro, sob o mesmo regime jurídico da concessão, sem que sua remuneração guarde relação com o resultado da exploração do serviço. É o caso do pagamento de preço diretamente pela administração à concessionária ou, ainda, quando a receita deste provém de renda auferida na exploração de projetos associados” (art. 11). (PORTO NETO, 1998, p. 76)


Carlos Sundfield defende ser possível a desvinculação da remuneração com o resultado da exploração dos serviços, inclusive que a remuneração do concessionário nessa modalidade pode não ser em pecúnia, ficando a mesma descaracterizada pelo recebimento de tarifas pelos seus serviços.


Outro questionamento característico da concessão administrativa de serviços públicos, é a necessidade da presença de duas relações jurídico-contratuais, delegação entre o poder concedente e a concessionária e de prestação de serviços entre esta e o usuário.


Existem entendimentos que a modalidade de concessão administrativa, criada pela Lei de PPP, não possibilita essa relação triangular, na medida em que o concedente será o próprio usuário do serviço, não havendo delegação, conforme sustenta Juarez Freitas:


“Não se trata a rigor de concessão, mas de contrato de prestação à Administração Pública. Dessa maneira, figurando a Administração como usuária (direta ou indireta), não acontece, em sentido próprio, delegação, por conta e risco. Logo, não se está diante de concessão em linha conceitual apurada (que implica delegação pelo titular), mas de mera contratação administrativa peculiar (com prazo mais longo, entre outras distinções), que se deve encapsular no conceito elástico e abrangente do art. 2º da Lei de Licitações, com o leque de consectários em matéria de regime aplicável”. (FREITAS, 2005, p. 31)


Carlos Sundfield divide a modalidade de concessão administrativa em duas formas de prestação de serviços:


“…a concessão administrativa de serviços públicos (Administração é usuária indireta) e a concessão administrativa de serviços ao Estado (usuária direta).  A concessão administrativa de serviços públicos é aquela em que, tendo por objeto os serviços públicos a que se refere o art.175 da CF, estes sejam prestados diretamente aos administrados sem a cobrança de qualquer tarifa, remunerando-se o concessionário por contraprestação versada em pecúnia pelo concedente (…). Nesse caso, embora os administrados sejam os beneficiados imediatos das prestações, a Administração Pública será havida como usuária indireta, cabendo a ela os direitos e responsabilidades econômicas que, de outro modo, recairiam sobre eles”. (SUNDFIELD, 2005, p. 29)


Na concessão administrativa onde a Administração é usuária direta dos serviços, não há a relação triangular característica das concessões, mas ocorre quando a Administração é usuária indireta, havendo relação entre usuário e concessionária.


A concessão administrativa, no que tange a remuneração, está de acordo com o instituto. Entretanto, ao analisá-la do ponto de vista das relações jurídicas e delegação de poder, a concessão existe apenas quando a Administração é usuária indireta do serviço.


4 AS NORMAS GERAIS, DIRETRIZES TRAÇADAS PELA LEI Nº 11.079/2004


O art. 1º da Lei n° 11.079/2004 dispõe a necessidade de instituir “normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, uma vez que a competência legislativa conferida privativamente à União, pelo art. 22, inciso XXVII, da CR/88[3].


Justen Filho esclarece que a edição de normas gerais busca:


“assegurar, por um lado, a manutenção da competência legislativa da União, sem suprimir o poder de cada ente federativo, para dispor sobre determinados ângulos da mesma matéria. Através de fórmula dessa ordem, evita-se a proliferação de regras distintas no âmbito de cada entidade federativa. (…) Os entes federativos podem produzir regras próprias apenas naquilo que não infringir essa espécie de núcleo irredutível produzido pela lei federal”. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 21)


A norma geral é aquela sem detalhamento, dotada de parâmetros a serem seguidos de forma generalizada. Mas, considerando que não havendo normas gerais prescritas, estamos diante de um norma de conteúdo jurídico indeterminado, onde sua delimitação deve estar diretamente relacionado ao prescrito na ordem constitucional em casos omissos.


O artigo 4º da Lei nº 11.079/2004[4] fixa uma série de diretrizes a serem observadas na contratação de PPPs que, segundo Vanice Lírio do Valle, são padrões de conduta para garantia de legitimidade e adequação da contratação:


“Em verdade, também quando o art. 4º da Lei 11.079/04 menciona diretrizes aplicáveis à contratação de PPPs, enuncia valores que se revestem de fundamentalidade quando se cogita daquela específica atividade do Estado; traduzindo, em última análise, parâmetros para a aferição da legitimidade de sua opção negocial e dos atos de execução dessa mesma escolha”. (VALLE, 2005, p. 39)


As diretrizes determinam que as PPPs devem buscar o melhor resultado de execução, com um serviço que satisfaça as necessidades dos usuários com qualidade em sua prestação, e que esteja em consonância com os objetivos da parceria.


A Administração Pública, quando da formalização da contratação da PPP, deve observar o custo/benefício, de forma a minimizar os gastos e obter o máximo de resultado social e econômico. Nesse sentido, Marçal Justen Filho adverte que:


“eficiência administrativa não é sinônimo de eficiência econômica”, visto que a atividade estatal deverá traduzir valores de diversa ordem, não apenas de cunho econômico” e, na hipótese de conflito “entre eficiência econômica e certos valores fundamentais, deverá adotar-se a solução que preserve ao máximo todos os valores em conflito, mesmo que tal signifique redução da eficiência econômica”.(JUSTEN FILHO, 2005, p. 85-86)


Além da observação no ato da contratação, as diretrizes exposta também se aplicam durante a prestação do serviço, uma vez que cabe ao concessionário prestá-lo de forma eficiente, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, ficando a responsabilidade de fiscalização pela Administração Pública.


A confiabilidade estabelecida é de grande importância na parceria, onde a Administração Pública deve se abster do autoritarismo e abusos de suas prerrogativas estatais, principalmente, quando do pagamento de sua contraprestação; enquanto o setor privado tem de garantir a efetivação dos serviços com qualidade e eficiência.


A diretriz da indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional e do exercício de poder de polícia delimitam os objetos de concessão das PPPs, ficando a dificuldade em distinguir o serviço público (delegável) de poder de polícia (indelegável).


Segundo Marçal Justen Filho, na prática, o poder de polícia também “pode envolver prestação de necessidades”, e o serviço público depende de “poderes estatais de natureza compulsória e coativa”, o que dificulta a distinção entre esses dois institutos.


A responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias é outra diretriz intimamente ligada ao planejamento e aos limites de endividamento. Para tanto, são necessários planejamento e controle dos resultados, observando a Lei de Responsabilidade Fiscal que determina a apuração dos custos dos serviços e a definição de parâmetros de avaliação, periodicamente, do desempenho do concessionário na execução dos serviços, uma vez que estão diretamente ligados ao Poder Público.


A transparência dos procedimentos e das decisões deriva do princípio da publicidade, do devido processo legal e da moralidade administrativa, assegurando conhecimento e controle por toda sociedade.


A diretriz de repartição dos riscos de acordo com a capacidade dos parceiros em gerenciá-los merece ser analisada em conjunto a diretriz da sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas do projeto de parceira.


A instituição privada visa lucro, razão pela qual é importante a preservação da equação econômico-financeira da parceria e de todo contrato administrativo celebrado pelo Poder Público.


Por se tratar de empresas privadas, visam definir os riscos para minimizá-los ou evitá-los, entendimento que acaba sendo transferido aos parceiros públicos como forma de melhoria na prestação dos serviços.


5 LICITAÇÃO DAS PPPS E INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 11.079/2004


Visando assegurar os princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e a obtenção da contratação mais vantajosa à Administração, a Constituição da República Brasileira determina que a Administração Pública proporcione aos interessados igualdade de oportunidade na contratação com o Poder Público, cujo procedimento utilizado é o processo licitatório.


O mesmo instituto é utilizado para realização da contratação de uma Parceria Público-Privada. Inicialmente os gestores das PPPs definem as finalidades, atividades, obras ou serviços que serão executados, para que seja autorizado a abertura do procedimento licitatório das PPPs.


Esse procedimento, fundado nos princípios da Administração Pública, possui várias modalidades, consoante as disposições da Lei nº 8.666/93, sendo a concorrência a forma mais complexa e adotada para as PPPs em razão dos interesses envolvidos na contratação, ressalvadas algumas peculiaridades instituídas pela 11.079/2004.


Assim, a Lei nº 11.079/2004 dispôs como seriam regidas as licitações para formalização das Parcerias Público-Privadas, trazendo como inovações a modalidade da concorrência como:


– a necessidade de justificativa pela adoção da PPP previamente à abertura do procedimento;


– desnecessidade de projeto básico;


– Licença ambiental;


– obrigatoriedade de submissão de minuta de edital e contrato a consulta pública;


– critérios distintos de julgamento;


– lances em viva voz;


– saneamento de falhas;


– inversão de fases.


Essas particularidades visam agilizar o procedimento licitatório e a ampliação da competição, aproximando a Administração Pública da sua finalidade.


No procedimento tradicional da concorrência pública, em primeiro lugar, é avaliada a habilitação dos licitantes e, posteriormente, serão abertas as propostas dos licitantes habilitados. Nas PPPs, o edital poderá prever uma inversão de fases, o que significa que o julgamento das propostas poderá ocorrer antes da habilitação dos licitantes.


Julgada as propostas, verificar-se-á a habilitação apenas do licitante com a melhor proposta. Estando esse licitante devidamente habilitado, será o vencedor do procedimento licitatório.


Outra possibilidade é a previsão no edital de oferecimento de lances sucessivos em viva voz pelos licitantes, após a abertura dos envelopes com as propostas econômicas.


A Lei nº 10.079/2004 possibilita o saneamento de falhas na habilitação e nas propostas apresentadas, proporcionando aos licitantes que apresentem elementos adicionais às propostas iniciais visando corrigir dados técnicos apresentados ou até complementar informações.


Contudo tal dispositivo é questionável uma vez que poderá gerar abusos ou até mesmo manipulação de propostas. Assim, quando ocorrer tais alterações nas propostas apresentadas, durante o procedimento licitatório, deverá ser acompanhado com bastante zelo pelo Poder Público, para que não haja prejuízos ou vícios ao certame, de forma a colocar em risco todo o processo de licitação.


6 CONCLUSÃO


A criação das PPPs foi um avanço na política brasileira visando proporcionar o desenvolvimento do nacional, possibilitando ao setor privado a realização de parceria com o setor público para, com recursos próprios, possa assumir a responsabilidade de determinadas obras ou serviços públicos não atendidos pela Administração Publica.


Mas como qualquer instituto jurídico, as PPPs possuem vantagens e desvantagens, sendo que o investimento de capital privado faz acreditar que haverá cuidados na execução dos serviços na busca de ganhos, de produtividade e eficiência, ainda que seja auferido lucro, com intuito de atender a crescente demanda social.


Instituições privadas tem interesse na execução mais rápida dos projetos, minimizar o custos fixos e atendimento mais rápido.


Ademais, o subsídio disponibilizado ao parceiro privado será compatível a qualidade dos serviços prestados, servindo de incentivo à superação do desempenho da prestação, beneficiando a população.


Ainda assim, o Poder Público não estará isento de acompanhamento, fiscalização e controle. A garantia da qualidade dos serviços prestados decorre da necessidade de consulta pública prévia, trazendo maior transparência aos contratos; possibilidade de reparação de falhas no curso do processo, proporcionando a competitividade; a elaboração do projeto básico vinculando um compromisso, garantindo a execução dos serviços com mais rapidez e qualidade.


Apesar de todos os requisitos e cuidados para contratação das PPPs, existe o risco do comprometimento irresponsável pelo setor privado devido a incapacidade técnica ou má-fé, podendo incorrer sérios prejuízo aos usuários e, por conseqüência, lesar o patrimônio público.


Contudo, o principal objetivo da Administração Pública é assegurar a execução com qualidade de serviços públicos necessários a sociedade. O Poder Público tem obrigação de fiscalizar os serviços e a realização de obras, minimizando, dessa forma, o risco do déficit público.


Adotando com responsabilidade e controle, as PPPs trazem bons resultados para o desenvolvimento interno, fornecendo serviços públicos de qualidade, atendendo as necessidades imperiosas da sociedade.


 


Referências

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Notas:

[1] Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

§ 1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

§ 2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

 

[2] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:(…)

III – política tarifária;

[3] Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:

(…)

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no Art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do Art. 173, § 1º, III.

[4] Art. 4º. Na contratação de parceria público-privada serão observadas as

seguintes diretrizes:

I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego

dos recursos da sociedade;

II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e

dos entes privados incumbidos da sua execução;

III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do

exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;

IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;

V – transparência dos procedimentos e das decisões;

VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;

VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.


Informações Sobre os Autores

Cesar Leandro de Almeida Rabelo

Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo CEAJUFE – Centro de estudos da área jurídica federal. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade FUMEC. Professor da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – FUNCESI, Faculdades Del Rey – UNIESP e Policia Militar de Minas Gerais.

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

Horrana Grieg de Oliveira e Souza


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