As pesquisas envolvendo células-tronco: Embates e perspectivas no campo da ciência e do Direito

Descrição: As pesquisas com células-tronco trazem o impasse entre o trabalho dos cientistas e as questões éticas, morais e religiosas a respeito da origem de tais células. A ciência não pode ser obstacularizada por questões subjetivas, já que urge a importância de outras possibilidades ao tratamento e cura de doenças, por isso a importância do amparo legal a pesquisas que se destinam ao benefício dos seres humanos. Contudo, não podemos deixar que a ciência a serviço do capital ao invés de servir as necessidades da humanidade. Palavras-Chave: células-tronco, bioética, biodireito, vida humana.


Sumário: 1. Introdução 2. As pesquisas com células-tronco 3. Considerações finais. Referências bibliográficas


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1. INTRODUÇÃO


Os avanços científicos e tecnológicos alcançados, sobretudo nas últimas décadas e, particularmente, na área da saúde tem nos colocado frente a novas situações até bem pouco tempo atrás inimagináveis. Dentro deste contexto está a temática que trazemos para discussão neste trabalho, o qual refere-se a sempre polêmica questão das pesquisas envolvendo células-tronco.


Nestas pesquisas, assim como em muitas outras há dois lados opostos. De um lado, temos a ciência revelando esperanças de melhoria na qualidade de vida de seres humanos portadores de certas doenças. De outro, temos o impasse de discussões éticas, morais e religiosas que precisam ser analisadas com responsabilidade.


É por esta razão, ou seja, por esta diversidade de compreensões acerca de um mesmo assunto que o tema referente às pesquisas com células-tronco entra no campo de análise da Bioética que se baseia na multidisciplinaridade, nos costumes e na necessidade de respeito ao pluralismo moral social.


2. AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO


O campo da biomedicina vem avançando de forma evidente, ancorado nas novas tecnologias aplicadas à saúde. Uma destas tecnologias, a qual vem sendo alvo de discussões no âmbito da bioética e do direito é a terapia celular com a utilização de células-tronco embrionárias.


As implicações éticas e legais desta forma de terapia residem no fato de se utilizarem embriões humanos como fonte de células-tronco nas pesquisas para o tratamento e cura de algumas doenças degenerativas, como o diabetes tipo 1 e esclerose lateral amiotrófica, mas especialmente nos processos degenerativos dos tecidos nervoso e muscular, bem como lesões traumáticas – como as causadas por acidentes – por exemplo na medula espinhal.


Enfermidades que antes eram intratáveis ou incuráveis ou lesões até então tidas como irreversíveis passam a ter a promessa dos estudos referentes à terapêutica utilizando células-tronco embrionárias. Doenças degenerativas ou ainda lesões em órgãos vitais estão na lista da expansão no campo da terapêutica com células-tronco.


O mecanismo de ação deste tipo de célula no tratamento e cura de doenças é a capacidade que as mesmas apresentam em diferenciar-se no tecido orgânico necessário para substituir e/ou restaurar o tecido ou órgão lesado ou degenerado.


Em entrevista concedida a Ética Revista, o professor Antônio Teixeira coloca que as:


“células-tronco são aquelas que encerram as informações capazes de gerar um novo ser vivo igual ao seu semelhante parental. A célula-tronco pluripotente é aquela que resulta da fusão do gameta masculino (espermatozóide) com o gameta feminino (óvulo). Ela é pluripotente porque pode diferenciar pelo menos 230 tipos de células diferentes no corpo humano. E ainda, ela pode se transformar em célula germinativa geradora de gametas masculino e feminino. As células embrionárias no adulto perderam essa capacidade pluripotencial de diferenciação, ainda que algum potencial seja mantido” (2005, p. 6).


Ao colocarmos aqui o conceito de célula-tronco e apontar a característica principal das células-tronco embrionárias, Teixeira nos leva a entender o motivo pelo qual esse tipo de célula-tronco é desejado quando se fala de terapia celular. A capacidade pluripotente de diferenciação, reduzido nas células-tronco adultas compromete uma gama de tecidos-alvo passíveis de serem tratados com o uso da terapêutica com células-tronco embrionárias.


Apesar dos possíveis benefícios associados às pesquisas com células-tronco embrionárias não podemos esquecer que os avanços da biomedicina freqüentemente incluem implicações éticas e morais, já que trazem a tona junto às suas pesquisas discussões sobre direito à vida, efeitos colaterais, sofrimento e dor.


Quanto às discussões sobre os aspectos éticos das pesquisas biomédicas trazemos o conteúdo presente no livro Bioética Cotidiana, de Giovanni Berlinguer, o qual coloca a questão da utilização dos embriões humanos em experimentos biomédicos como um problema emergente e uma complexa questão relacionada à Bioética. O autor revela o desejo de:


“uma perspectiva que veja a ciência, a lei e a moral unirem-se para resolver (ou quase) um problema de todos, recorrendo à linguagem comum da prevenção. Isso seria ainda mais positivo numa fase na qual emergem, nas fronteiras da pesquisa biomédica, possibilidades de novos conhecimentos, de aplicações úteis, e ao mesmo tempo, de profundas aberrações, diante das quais parece bem difícil prever a formação de um senso comum” (p. 53).


Ao prosseguir na sua escrita sobre a experimentação com embriões, o autor problematiza, levando-nos a refletir a respeito da sorte daqueles embriões não destinados a implantar-se no útero (p.53) e também sobre as discussões científicas e morais que tocam a legitimidade ou não de utilizar embriões humanos para experimentações. O autor ainda assinala para a dificuldade de se chegar a um acordo e a leis uniformes sobre este assunto.


No mesmo sentido, Berlinguer citando o conteúdo presente na Convenção Bioética Européia ou ainda Convenção de Oviedo para proteção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano em relação à biomedicina evidencia que a instituição se cala sobre a reprodução assistida, limitando-se a duas afirmações sobre o embrião, presentes no artigo 18 desta Convenção. O autor nos mostra, no trecho subsequente, que este órgão se pronuncia de forma contraditória a respeito das pesquisas com embriões humanos. Sobre as declarações da Convenção:


“Uma bastante hipócrita, é que “enquanto a lei consente a pesquisa com embriões in vitro, ela assegura uma proteção adequada ao embrião”. […] como se a pesquisa não implicasse quase sempre profundas alterações do seu objeto, o embrião. A outra, mais precisa, é que “a criação de embriões para fins de pesquisa é proibida”. Essa impõe um limite apropriado e deveria evitar, caso extremo, a criação de “fábricas de embriões”, mas foge ao dilema moral se é lícito ou não, em geral, fazer experiências com embriões. (p. 54).


Em notícia divulgada pela Revista Época em 31 de Julho de 2010, temos a informação sobre o estado dos estudos com células-tronco embrionárias em humanos:


“Doze anos após o “nascimento” da primeira linhagem de células-tronco embrionárias humanas, na Universidade de Wisconsin, a Administração de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA) autorizou hoje, pela primeira vez, que essas células sejam injetadas experimentalmente em seres humanos. O estudo será conduzido pela empresa de biotecnologia Geron, que financiou a pesquisa pioneira de Wisconsin, em 1998, e agora, após uma década de experimentos in vitro e com animais, poderá finalmente testar o potencial terapêutico de suas células no organismo humano. Trata-se do primeiro e único ensaio clínico com células-tronco embrionárias humanas aprovado no mundo até agora.”


A permissão ou proibição do uso de embriões nas pesquisas com células-tronco está sob a jurisdição de cada país, havendo, portanto, variações neste quesito. No Brasil, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por meio da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105 de 24/03/2005), autorizou tais pesquisas.


Além da tutela à vida, as pesquisas com células-tronco, e nesse caso não apenas em se tratando das embrionárias, mas também das adultas, trazem ainda as questões envolvendo os possíveis efeitos prejudiciais da utilização destas células no organismo humano.


Há estudos que apontam a imprevisibilidade das células-tronco quando implantadas nos tecidos orgânicos, podendo até causar tumores, levando-se em conta a grande capacidade proliferativa desse tipo de célula. Isso aponta para a necessidade de mais estudos no sentido de determinar de forma confiável quais os mecanismos que a levam a diferenciar-se no tipo de célula desejado.


Nesse sentido, Cristiane Segatto na Revista Época (2009) relata o caso de implantação de células-tronco em humano a fim de combater uma doença neurodegenerativa, mas que, além de não surtir o efeito terapêutico esperado resultou na formação de um tumor cerebral.


A notícia ainda traz um trecho escrito pela a autora do estudo, Ninette Amariglio, da Universidade de Tel-Aviv, em Israel, o qual sugere que, apesar do resultado negativo encontrado os estudos com células-tronco não devem ser abandonados, mas há necessidade de maiores estudos para que se possa assegurar o uso dessas células e garantir os benefícios esperados sem riscos aqueles que serão beneficiados com os avanços nesse campo:


“Nossa descoberta não significa que a pesquisa com células-tronco para uso terapêutico deva ser abandonada. Significa que é preciso fazer extensas pesquisas sobre a biologia das células-tronco e estudos pré-clínicos rigorosos antes de oferecer qualquer tipo de terapia aos pacientes.”


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Como já referimos anteriormente, existem dois tipos de células-tronco, ambas com potencial terapêutico em estudo: as células-tronco embrionárias e as adultas. Porém, a polêmica quando se fala na terapêutica por células-tronco é quando ela é feita com a utilização das primeiras.


Por serem células do tipo totipotente ou pluripotente, ou seja, por apresentar a capacidade de diferenciar-se em qualquer tecido do organismo humano, quando em comparação com as células-tronco adultas – em especial as presentes na medula óssea e no cordão umbilical – tem maior poder de regenerar os tecidos para os quais as células-tronco medulares, que produzem os diversos tipos de células do tecido sanguíneo não são capazes de diferenciar-se, pois já estão “programadas” para gerar determinado tipo celular, apesar da plasticidade já verificada nesse tipo de célula-tronco.


Apesar das vantagens terapêuticas oferecidas pelas células-tronco embrionárias quando comparadas às adultas, a grande questão quando se fala da sua utilização é que esta intervenção necessariamente mata o embrião.  Os centros de pesquisa no campo da terapia celular com células-tronco embrionárias justificam que os embriões utilizados são aqueles que por algum motivo foram descartados nas clínicas de fertilização, e que somente são utilizados os embriões que se encontram congelados há um tempo determinado, quando o seu uso passa a não ser adequado para fertilização, já que a viabilidade do embrião após ser implantado no útero diminui com o tempo de congelamento deste.  


Essa condição de se permitir a utilização de embriões descartados nas clínicas de fertilização in vitro é amparada na Lei nº 11.105/05, especificamente pelo Art. 5o, no qual se assegura que:


“É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.”


A Constituição Federal de 1988 protege por meio da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105 de 24/03/2005) a pesquisa com células-tronco embrionárias, desde que respeitadas as condições específicas para a utilização de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia, que são a inviabilidade do embrião ou respeitando o tempo determinado de congelamento.


Porém, nesse sentido surgem debates quanto à viabilidade dos embriões congelados e se há possibilidade dos mesmos, quando implantados no útero, desenvolverem-se normalmente apesar do tempo de congelamento. Há discussões sobre se realmente o congelamento afeta a viabilidade dos embriões e qual o critério utilizado para garantir que, após três anos de congelamento, tempo defendido pela Lei de Biossegurança, o embrião não é mais viável para implantação no útero e, portanto, poderá ser destinado às pesquisas no campo da terapia celular.


Já para aqueles que defendem a não necessidade de se sacrificar embriões humanos nas pesquisas com células-tronco e apostam na eficácia terapêutica das células-tronco adultas a principal justificativa é que não podemos matar uma vida para salvar outra. Nesse sentido os mesmos, ancorados na defesa da vida, rejeitam tais pesquisas.


O que os impele a apostar nas células adultas é que elas podem ser retiradas de um doador, no caso das medulares, sem comprometimento do mesmo, já que são constantemente produzidas. Já as que estão presentes no sangue do cordão umbilical e da placenta também não comprometem o doador, já que este material é descartado após o parto. Neste caso a autorização da doação do material cabe à mãe no momento do parto.


Os estudos com células-tronco adultas tem demonstrado resultados promissores nos tratamentos de desordens hematológicas, como a leucemia e em experimentos clínicos para tratamento de doenças autoimunes e degenerativas. Elas apresentam boa plasticidade e, portanto, se for oferecido ambiente adequado e fatores de crescimento para a sua diferenciação e proliferação em outros tecidos que não o sanguíneo, preferencialmente aqueles que compartilham a mesma origem embriológica, isso poderá ser um passo avante no sentido de poupar a destruição de embriões para pesquisas terapêuticas e reduzir os embates éticos e morais a respeito.


Não podemos esquecer também que as discussões no campo científico e tecnológico envolvem, e não poderia ser de outra forma, os aspectos políticos da vida em sociedade. Sendo assim, no sentido jurídico, a lei deve se adequar às mudanças sociais e ao desenvolvimento tecnológico e científico no sentido de aliar os avanços no campo da biomedicina ao processo sócio-histórico da humanidade, sem que estes avanços estejam distanciados de sua aplicação prática, com vistas a valorizar as novas descobertas científicas que possam melhorar a saúde e a vida das pessoas.


Também ao falarmos das novas descobertas e avanços da biomedicina em sintonia com o desenvolvimento histórico, social e cultural de nossa sociedade não podemos esquecer que na totalidade das relações estabelecidas no campo social emergem, em se tratando de pesquisas científicas, os valores éticos e morais universalizados quando falamos dos direitos humanos, principalmente o direito e respeito à vida.


Dalmo de Abreu Dallari nos leva a reconhecer o direito primordial à vida, o direito de ser pessoa, quando coloca que:


“Qualquer ação humana que tenha algum reflexo sobre as pessoas e seu ambiente deve implicar o reconhecimento de valores e uma avaliação de como estes poderão ser afetados. O primeiro desses valores é a própria pessoa, com as peculiaridades que são inerentes à sua natureza […]. Ignorar essa valoração ao praticar atos que produzam algum efeito sobre a pessoa humana seja diretamente sobre ela ou através de modificações do meio em que a pessoa existe, é reduzir a pessoa à condição de coisa, retirando dela sua dignidade” (DALARI, 1998, p.231).


Transpondo a escrita do autor para o contexto da experimentação com células-tronco embrionárias, se considerarmos o embrião como um ser vivo em potencial, bastando para isso que lhe seja fornecido ambiente adequado para que possa desenvolver-se, então, como ser vivo que é, tem o mesmo direito à vida que a tutela existente sobre o feto, a criança, ou o adulto.


Se o embrião for visto como um ser humano em seu estágio inicial de desenvolvimento, e não como um aglomerado de células inconsciente e sem autonomia, então este passa a ter direito à proteção. Esta discussão sobre quando e em quais condições o embrião pode ser considerado feto, ou seja, ser humano, ainda está longe de ser superada.


Assim, é no campo da ética médica que surgem as discussões mais acirradas, as quais muitas vezes, dependendo do tema em questão, não chegam a um consenso entre os envolvidos. No seio destas discussões, debates, confusões e dificuldades consensuais surge a Bioética como instrumento dedicado a tratar dos temas que são polemizados justamente pelo seu teor ético, moral, e algumas vezes religioso. Seria a Bioética, portanto, o que podemos chamar “ética da vida”. Esta denominação pressupõe como princípio máximo a defesa da vida, e no caso do que estamos tratando neste trabalho em relação aos embriões humanos, da defesa vida humana.


Nesta direção Vieira nos traz que “o vocábulo bioética indica um conjunto de pesquisas e práticas pluridisciplinares, objetivando elucidar e solucionar questões éticas provocadas pelo avanço das tecnociências biomédicas” (1999, p. 15). Aqui a autora sinaliza para o fato do ser humano não ser apenas natureza, aspecto biológico, mas também sociedade. Desta forma é impossível negar a presença de valores éticos e morais no âmbito social e cultural.


Sendo assim, as questões éticas, tidas como “problemas imprevistos” pela ânsia criativa da ciência não podem de maneira alguma ser dissociadas das pesquisas e experimentações biomédicas, pois, se estas últimas se justificam pela promoção de saúde, tratamento e cura, também podem justificar-se na ética humana, principalmente no que diz respeito à vida, caso dos embriões.


Podemos considerar que a Bioética estabelece restrições e cuidados ao uso dos embriões em pesquisa e terapêutica, por se tratar o embrião de um ser humano em seu estágio inicial do desenvolvimento. Quanto a este ponto há diversas discussões sobre “quando” e “por que” considerar o embrião um ser humano.


Enquanto temos entendimentos que colocam a existência do ser humano desde o momento da concepção, ou seja, na formação do zigoto, ainda um aglomerado indiferenciado de células, pela união entre óvulo e espermatozóide, outros entendem que somente podemos considerar o embrião um ser vivo quando se desenvolve nele o seu sistema nervoso, expressão de sua capacidade orgânica de sentir e enviar sinais aos órgãos e sistemas do corpo.


Debates a esse respeito vem se desenrolando juntamente com os avanços das pesquisas com o uso de embriões para terapia celular. Agregando-se às discussões no campo científico e às que envolvem ética e moral também estão os valores religiosos acerca do assunto. Nesse caso a defesa da vida é estritamente assegurada acima de qualquer justificativa científica ou legal e o debate sobre o uso de embriões para terapia celular se estende em caráter semelhante para aqueles que envolvem o aborto e a eutanásia, por exemplo.


Outra questão a ser pensada ao falarmos de células-tronco é a “aura mágica”, o encantamento que tem envolvido as pesquisas nesse campo da biomedicina. Sobre este assunto é importante atentar para o fato de as expectativas da sociedade quanto às possibilidades de tratamento e cura para muitas doenças que nos afligem estarem muito além do verdadeiro desenvolvimento das pesquisas.


Com relação à dicotomia promessa/realidade envolvendo células-tronco, em texto publicado na Ética Revista, (ed. 6; nov./dez. 2005), intitulado O frágil vínculo entre a medicina e a sociedade, Carlos Roberto Gherardi coloca, em relação às expectativas criadas pela sociedade em relação à promessa de tratamento e cura de doenças, de longevidade ancorada nos avanços da ciência:


“Não é bom que a sociedade acredite que o progresso do conhecimento científico torne viável a cura de qualquer doença e efetivo distanciamento da morte, por que tal crença pode confundi-la em suas expectativas e provocar reações equivocadas diante da frustração e do infortúnio” (p.12).


O autor nos leva a pensar com esta sua escrita sobre a representação social a respeito da infalibilidade e onipotência, no sentido daquele que é capaz de tudo fazer, da ciência. Nesse sentido, quando falamos da terapia celular temos a promessa de tratamento e cura de algumas enfermidades tidas como letais ou incapacitantes, de forma a modificar a perspectiva dos acometidos por estas doenças quanto à própria sobrevivência e qualidade de vida.


Porém, apesar das pesquisas nesse campo da biomedicina serem extremamente desejáveis quando seu intuito primordial e sua justificativa são melhorar a vida das pessoas, o que vemos, repetidamente, é que a divulgação destes avanços, principalmente no que tange aos meios midiáticos, tem se mostrado incoerente, exagerada e por vezes mentirosa.


Nesse sentido, em se tratando das pesquisas com células-tronco, Antônio Teixeira, em entrevista concedida à Ética Revista (ano III, n°.2, mar./abr., 2005) nos traz o seu entendimento quanto ao andamento destas pesquisas:


“Particularmente, acho que é de se lamentar a possibilidade de perda de tempo e dinheiro investido, quando setores do mundo científico prometem entregar à sociedade aquilo que ainda não está pronto para ser entregue. Penso que esse benefício poderia ser levado à sociedade num prazo mais curto e, certamente mais seguro, se os cientistas não fossem pressionados a seguir a rota do pragmatismo político, que não pode antecipar ou oferecer o conhecimento científico básico para resolver aquela questão crucial” (p. 6).


Não poderíamos, pois, ao falar nos avanços da ciência, desconsiderar a apropriação e divulgação, por vezes indevida dos avanços e descobertas científicas pela mídia, como vem ocorrendo em se tratando de células-tronco. Infelizmente e com certa freqüência nos deparamos com manchetes de impacto sobre os estudos científicos, que nos levam instantaneamente a acreditar na superioridade, infalibilidade e onipotência da ciência, tal o modo como os dados e fatos científicos são divulgados pela mídia. Cria-se então a ilusão de que podemos permanecer tranqüilos enquanto estamos amparados nas mãos da ciência, pois cabe a ela resolver nossos problemas, tratar e curar as enfermidades que nos acometem.


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Isso nos leva a refletir sobre os mecanismos ideológicos utilizados pela mídia que nos levam a depositar cegamente nossa confiança nas promessas da ciência. Não queremos saber que os estudos estão ainda insipientes, inconclusivos, ou que não se conhecem ainda os efeitos ou as causas. Importa-nos apenas o poderoso conteúdo da promessa trazida pela manchete.


Mas também há o efeito contrário: as decepções e frustrações quando as expectativas da sociedade em relação aos avanços científicos não são correspondidas na realidade, levam a mesma a desconfiar da ciência, quando na verdade esta última está conduzindo as pesquisas conforme as condições existentes permitem. O que podemos perceber é que, enquanto a ciência se esforça para oferecer à sociedade um conhecimento seguro, mesmo que às custas de tempo e recurso financeiro, a mídia precipita-se ao publicar informações superestimadas das descobertas científicas. Esta divulgação antecipada e indevida é que leva as pessoas à frustração e a desconfiar do dever “primordial” da ciência que deve ser o de melhorar a vida das pessoas.


Nesse sentido, após trazer um exemplo da apropriação dos dados científicos pela mídia, Sawaia in GOLDENBERG nos atenta para o problema da interpretação muitas vezes equivocada destes fatos científicos pela mídia quando coloca que “na ânsia de fornecer informações contundentes e de fácil compreensão para satisfazer seus leitores, a mídia divulga os resultados da pesquisa por meio do raciocínio da causalidade simples” (2003, p. 85), o que muitas vezes não corresponde à totalidade e complexidade do processo de pesquisa, mas sim a uma simplificação extrema da informação que acaba por deturpar o seu sentido no contexto da pesquisa.


Autor citado anteriormente, Gherardi (2005) comenta ainda em relação aos avanços na medicina:


“que se pode medir facilmente pelo importante aumento na esperança de vida daquelas comunidades que tiveram garantidos o direito e acesso à saúde. Todavia, esse avanço não exclui, atualmente, as situações conflituosas, criadas pelo aparecimento de uma verdadeira indústria da saúde e da doença” (p. 12).


Ainda em relação ao que vem sendo discutido, e no sentido de afirmar o dito anteriormente em relação às representações sociais sobre a ciência, o mesmo autor nos traz que: “[…] é importante que a sociedade conheça o caráter transitório do conhecimento científico e a ausência de imutabilidade, de previsibilidade e de infalibilidade desse conhecimento” (p. 12).


Em suma, o que vem ocorrendo quando falamos de células-tronco é que as descobertas e pesquisas neste campo, apesar das potencialidades oferecidas para o tratamento de algumas doenças, estão sendo superestimadas pela sociedade, e a mídia contribui substancialmente para isso.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Podemos dizer que nos encontramos frente à necessidade de transformações não somente de alguns paradigmas técnico-científicos, como também dos compromissos de certos valores já existentes. Assim, é que Garrafa (2007) nos diz que precisamos avançar de uma ciência eticamente responsável que domina os seres humanos para uma tecnologia que esteja a serviço da humanidade, o que se refere, pois, não só as pesquisas com células-tronco, mas a toda e qualquer pesquisa, principalmente aquelas que envolvem os seres humanos.


 


Referências bibliográficas

BERLINGUER, Giovanni. Bioética cotidiana. (tradução de Lavínia B. A. Porciúncula), Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Bioética e Direitos Humanos in Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.

DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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EMERICK, Maria Celeste e MONTENEGRO, Karla Bernardo Mattoso. Novas Tecnologias na Genética Humana: Avanços e Impactos para a Saúde. Rio de Janeiro: Editora Projeto Ghente, 2007.

GARRAFA, Volnei e PESSINI, Leo (org.). Bioética: Poder e Injustiça. (trad. Por Adail Sobral e Maria Stela Gonçalves). São Paulo: Edições Loyola, 2003.

GHERARDI, Carlos Roberto. O frágil vínculo entre a medicina e a sociedade. Ética Revista. Órgão de Divulgação do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal – CRM DF. Ano III, ed. 6, nov./dez., 2005.

GOLDENBERG, Paulete (Org.) O Clássico e o Novo: tendências, objetos e abordagens em ciências sociais e saúde/ Organizado por Paulete Goldenberg, Regina Maria Giffoni Marsiglia, Mara Helena de Andréa Gomes: Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.

SEGATTO, Cristiane. As células-tronco viraram tumor. E agora? Época (on line) –Colunistas. 2009. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI29415-15230,00-AS+CELULASTRONCO+VIRARAM+TUMOR+E+AGORA.html; Acesso: 20 fev. 2009.

TEIXEIRA, Antônio Raimundo Lima. Células-tronco: realidade e perspectivas. Ética Revista. Órgão de Divulgação do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal – CRM DF. Ano III, ed. 2, mar./abr., 2005.

VIEIRA, Tereza Rodriguez. Bioética e Direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999.


Informações Sobre os Autores

Danieli Veleda Moura

Bacharel em Direito (FURG) Mestranda em Educação Ambiental (FURG)

Andreisa Damo

Bióloga (UFPEL) e mestranda em Educação Ambiental (PPGEA-FURG)


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