1. Introdução
O sistema de segurança pública nos Estados Unidos é estruturado em instituições que operam segurança pública nos níveis de municípios, condados, estados e federação. Segundo o professor doutor George Felipe de Lima Dantas, a origem do sistema norte-americano de segurança pública é baseado nos “controles locais” e foi constituído inicialmente com o surgimento da própria nação norte-americana, que já naquela época demonstrava uma forte “idiossincrasia” em relação a instituições federais de poder centralizador. Ainda segundo os ensinamentos do professor Dantas, o povo norte-americano possui uma forte relação de identificação da polícia, como sendo a organização policial que atua no município ou condado. A polícia é identificada como parte do núcleo de poder público mais próximo do cidadão, é a entidade de segurança pública mais diretamente ligada ao cidadão, ou seja, “Polícia” é a entidade que faz “policing” na redondeza de sua residência. As polícias que integram esse sistema base da política pública estadunidense realizam seus recrutamentos entre os cidadãos nativos da localidade, em tese, facilitando o policiamento, já que os integrantes recrutados são residentes e conhecem o local onde irão atuar como policiais.
As policias estaduais dos Estados Unidos da América surgiram no final do século XIX e vieram na tentativa de desvincular o sistema de segurança pública com os poderes políticos locais. Esses operadores de segurança pública são responsáveis pelo policiamento de manutenção da ordem pública na circunscrição estadual.
Como já foi explicitado, o sistema norte-americano contempla como principais atores as polícias municipais e de condados, entretanto, devido à sofisticação do crime organizado e do terrorismo mundial, as policias federais norte-americanas vem ganhando mais espaço na estrutura sistêmica de segurança pública.
Diferentemente do Brasil, os Estados Unidos da América optaram, na sua esfera federal, pela descentralização das agencias policiais. Essa descentralização, em regra, é baseada nos diversos campos de atuação policial. Cada agência federal trata de uma ou mais matérias especificas que integram o escopo da segurança pública.
2. Desenvolvimento
2.2. Polícias no Brasil
Em qualquer país, as instituições policiais são fruto de ingredientes sócio-econômicos da sociedade em que estão inseridas. Na verdade, nos embriões mais básicos de uma sociedade organizada sempre estará constituído um sistema jurisdicional ou mediador de conflitos, e um sistema coercitivo que reprime a tentativa de quebra de regras pré-definidas. Esse instituto é o arcabouço do que conhecemos como polícia.
No Brasil, segundo o historiador Holloway, a primeira polícia oficial do Brasil foi criada em 10 de maio de 1808, por D. João VI com a instituição da Intendência Geral de Polícia. O órgão foi criado para ser responsável pelas obras públicas, garantir o abastecimento da cidade, além de promover a segurança pessoal e coletiva, incluídas as funções de policiamento ostensivo, investigações e busca e capturas. O momento histórico que trazia as ameaças das fortes influências da Revolução Francesa obrigou D. João VI a criar formas de defesa dos seus interesses e a Intendência Geral de Polícia foi utilizada como instrumento de controle, repressão e prevenção contra as idéias dos agitadores e espiões franceses, além de produzir conhecimento sobre a aceitação das novas idéias pela população brasileira. Já no ano de 1809, D. João VI decretou a criação de uma força policial militar conhecida como Divisão Militar da Guarda Real de Polícia.
No período de Regência, D. Pedro I, em 18 de agosto de 1831, criou a Guarda Nacional rompendo com o antigo sistema baseado no poder militar. Os integrantes da Guarda Nacional não possuíam remuneração e eram recrutados entre a elite da sociedade da época. Posteriormente foi autorizada a criação, nas províncias, de corpos policiais remunerados, órgãos de certa forma embrionários das polícias estaduais ostensivas.
Esses órgãos, que ficaram conhecidos como Guardas Permanentes, eram constituídos por funcionários públicos, que recebiam das elites Imperiais a incumbência das funções coercitivas típicas dos órgãos policias. Um das principais funções desse sistema de segurança pública era o de combater as revoltas regionais. Essa diferença entre o recrutamento das duas instituições, uma que recrutava no povo e outra na elite, causou alguns confrontos, inclusive armados, entre integrantes da Guarda Nacional e a Guarda Permanente que disputavam o “poder de polícia”.
No ano de 1891, foi extinto o cargo de Intendente de Polícia e foram criados os cargos de Chefe de Polícia, delegados e subdelegados. A lei 261 de 03 de dezembro de 1891 criou as atribuições de polícia administrativa e judiciária. Os delegados realizavam a coleta de dados, informações e provas, elaboravam um relatório sobre os fatos apurados de um determinado delito e repassavam diretamente aos juízes. Em 1842, a polícia civil saiu das ruas e passou quase que exclusivamente a realizar a apuração de delitos. Entretanto, só em 1871 com a reforma do judiciário, foi criado o inquérito policial dando poder inquisitorial a polícia civil.
Com o surgimento da República e o fortalecimento das Unidades da Federação, surgiram os “exércitos estaduais”, órgão que posteriormente ficariam conhecidos como polícias militares. A fonte que o sistema de segurança pública da época utilizou para realizar a militarização foram às missões do exército francês (1905) e do exército suíço (1912) no Brasil que estavam treinando e organizando os policiais para atuarem na segurança interna, respectivamente em São Paulo e Minas Gerais.
O modelo brasileiro que vigora na atualidade surgiu com a Constituição cidadã de 1988, onde no seu artigo 144 estabelece as competências das instituições policiais.
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 4º – às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º – às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º – As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 7º – A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
§ 8º – Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”
Em regra, podemos afirmar que a polícia militar atua num momento anterior ao crime, ou seja, preventivamente, já a polícia civil tem um campo de atuação posterior ao crime através do sistema repressivo.
Na esfera Federal o Brasil possui além da Polícia Federal, órgão público com o maior índice de credibilidade no Brasil e objeto central desse artigo, a Polícia Rodoviária Federal, órgão em franca ascensão operacional e a Policia Ferroviária Federal, essa em fase de extinção, já que as ferrovias brasileiras foram privatizadas. No tocante a atuação do Departamento de Polícia Federal, pode-se afirmar que apesar de primordialmente atuar como polícia investigativa e judiciária o órgão também realiza policiamento com características de polícia ostensiva.
Passaremos a analisar a correlação entre as agenciais federais norte-americanas, suas competências específicas, e os setores do Departamento de Polícia Federal (DPF) que realizam as mesmas funções de policiamento. (Figura 01)
2.2 As Agencias Federais Norte-Americanas e a estrutura organizacional do Departamento de Polícia Federal.
Visualizando os organogramas do Departamento de Polícia Federal notamos que as áreas de atuação das Agencias Federais Norte-Americanas estão contempladas na integra pelos focos de atuação da Diretoria Executiva (DIREX) (Figura 02) e da Diretoria de Combate ao Crime Organizado (DCOR) (Figura 03).
2.2.1 FBI versus DPF
O Federal Bureau of Investigation (FBI) é a Agência que mais se assemelha ao DPF. Suas principais competências são a repressão ao crime organizado, corrupção, pornografia, assalto a bancos, crimes do colarinho branco, falsificações e fraudes comerciais envolvendo ativos financeiros.
Em regra, a repressão ao Crime Organizado no DPF é realizado sob os auspícios da Diretoria de Combate ao Crime Organizado (DCOR). A corrupção é tratada não como matéria especifica no DPF, sendo um crime que pode ser investigado por qualquer dos setores. A pornografia (web) é tratada pela Coordenação-Geral de Polícia Fazendária em conjunto com o Serviço de Perícias em Informática do Instituto Nacional de Criminalística. A repressão ao assalto a Bancos no DPF é função da Divisão de Repressão aos Crimes Patrimoniais (DPAT). Os crimes de falsificações e fraudes comerciais, envolvendo ativos financeiros, são tratadas pela Divisão de Crimes Financeiros (DFIN) e finalmente os crimes do Colarinho Branco são, a exemplo do crime de corrupção, competência, via de regra, das diversas Divisões subordinadas a DCOR.
2.2.2 DEA versus DPF
A Administração de Fiscalização de Drogas (DEA) atua com a fiscalização e repressão ao tráfico de entorpecentes, além de manter os registros de industrias e fornecedores dos produtos controlados. No DPF a Coordenação-Geral de Prevenção e Repressão a Entorpecentes (CGPRE) possui atribuições idênticas ao DEA. Dentro da estrutura da CGPRE existem duas divisões: a Divisão de Operações de Repressão a Entorpecentes (DIREN) e a Divisão de Controle de Produtos Químicos (DCPQ), a primeira responsável pela repressão ao tráfico de entorpecentes realizando a coordenação dos trabalhos em caráter nacional e a segunda realiza o Controle de Produtos Químicos emitindo as autorizações e registros para industrias e fornecedores que utilizam esses produtos.
2.2.3 U.S. Marshals versus DPF
As principais funções policiais da U.S. Marshals são o transporte de presos federais, cumprimento de mandados de prisão, localização de testemunhas e entrega de intimações. No DPF essas funções são exercidas nas Superintendências Regionais de São Paulo e Rio de Janeiro pelo Setor de Planejamento Operacional (SPO) e, nas demais Superintendência do DPF, pelos Núcleos de Operações (NO).
2.2.4 Immigration and Naturalization Service (INS) versus DPF
As atividades de imigração, policiamento ostensivo das fronteiras, além da concessão de vistos permanentes e cidadania são atribuições da INS. No DPF, as funções de policiamento de fronteiras são exercidas pela Coordenação de Operações Especiais de Fronteiras (COESF) e a Imigração é coordenada pela Coordenação-Geral de Polícia de Imigração (CGPI).
2.2.5 Bureau of Alcohol, Tabacco and Fire Arms (ATF) versus DPF
A ATF, como o próprio nome já indica, trata da repressão ao contrabando de bebidas alcoólicas, produtos derivados do Tabaco e armas de fogo em geral. No DPF, essas matérias estão divididas entre duas Divisões distintas. O contrabando de bebidas alcoólicas e derivados do Tabaco são matérias de policiamento da Divisão de Repressão a Crimes Fazendários (DFAZ), subordinada a Coordenação-Geral de Polícia Fazendária (CGPFAZ). A repressão ao tráfico ilícito de armas de fogo é matéria tratada pela Divisão de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas (DARM), subordinada a DCOR.
2.2.6 Internal Revenue Service (IRS) versus DPF
Dentro do Serviço de Rendas Internas dos EUA existe a Divisão de Investigações Criminais responsável pela apuração de fraudes contra o fisco. No DPF, nós temos a Divisão de Repressão a Crimes Financeiros (DFIN) que atua na repressão a esses ilícitos penais.
2.2.7 U.S. Secret Service (USSS) versus DPF
O USSS realiza nos Estados Unidos da América a segurança pessoal do Presidente da República, Vice-Presidente, membros o alto escalão do governo federal, dignitários estrangeiros em visita ao país, ex-presidentes, Presidentes eleitos. No DPF, essas atribuições são exercidas pela Coordenação-Geral de Defesa Institucional (CGDI) através da Divisão de Segurança de Dignitários (DSD). No Brasil os candidatos a Presidência da República após o registro de candidato no TSE adquirem o direito de requerer segurança do DPF. Na Superintendência da Polícia Federal no DF existe o Núcleo de Segurança de Dignitários que realiza a segurança dos embaixadores estrangeiros que servem no Brasil e realizam a escolta e segurança de todos os dignitários estrangeiros em visita ao Brasil. Quando as visitas são fora da Capital Federal a segurança é realizada sob coordenação da DSD.
2.2.8 Department of Interior (DI) versus DPF
O DI é subdividido em Fish and Wildlife Service responsável por investigar os crimes contra a fauna e a flora e o National Park Service que é uma polícia ostensiva dos parques nacionais. No DPF, as atribuições do Fish and Wildlife Service é exercido pela Divisão de Repressão a Crimes Contra o Meio-Ambiente e Patrimônio Histórico – DMAPH. No caso da National Park Service, as suas atribuições são exercidas pelas polícias militares estaduais e seus batalhões ambientais.
3. Conclusão
Claramente o Brasil optou pela centralização das diversas atribuições policiais em um único órgão. A política pública de centralizar no DPF todas as funções de policiamento federal possui algumas conseqüências práticas. Como os integrantes do órgão são obrigados a responder ao mesmo tempo em várias funções, tendo em vista o baixo efetivo do DPF, muitas vezes perdemos a oportunidade de especializarmos os quadros de cada setor temático tornando os operadores do sistema em “doutores” nos temas que atuam. Via de regra, ao longo de 20 anos de serviço que o policial federal precisa cumprir como estritamente policial para ter direito a aposentadoria ao completar os 30 anos de serviços prestados, é quase impossível encontrar um policial federal que atuou durante toda a sua carreira dedicado a um único tema. Nos Estados Unidos da América, como as Agencias são divididas tematicamente, o efeito é contrário. Um policial do DEA vai cumprir todo seu tempo de serviço direta ou indiretamente ligado ao tema da repressão as drogas.
Esse fenômeno torna o policial federal brasileiro, mais eclético porém menos especializado quando comparado aos policiais norte-americanos. Se pudéssemos medir estatisticamente os trabalhos policiais certamente chegaríamos a conclusão que 40% do policing é baseado em fontes catalogáveis academicamente, entretanto, 60% das atividades ficam por conta do que o professor Dantas chama de “arte policial”. A “arte policial” da atividade de policiamento só é assimilada com a experiência e o enfrentamento das situações fáticas no dia a dia. Felizmente para nós a criatividade é uma das principais características do povo brasileiro, e como “fazer polícia” exige criatividade e bom senso, os integrantes do DPF com todas as adversidades ainda conseguem realizar um trabalho impar para sociedade brasileira.
Informações Sobre o Autor
Luiz Carlos Magalhães
Agente de Polícia Federal, lotado na SR/DPF/DF – Especialista em Gestão da Segurança Pública e Defesa Social, Pesquisador integrante do Núcleo de Estudos em Defesa Segurança e Ordem Pública do Centro Universitário do Distrito Federal (UNIDF).