Resumo: O presente artigo tem como escopo analisar, dentro do contexto histórico-cultural em que está inserido o Brasil, o motivo pelo qual o nosso País chegou em pleno Século XXI em níveis tão preocupantes de corrupção, principalmente no âmbito da Administração Pública. O tema da corrupção há muito tempo vem afligindo os cidadãos brasileiros, tendo em vista que os constantes casos vivenciados no país geram uma espécie de inquietação nos nacionais. Há que se pontuar, portanto, quais os fatores influenciaram a sociedade brasileira, nos seus mais de quinhentos anos de história, a permitir, tão comumente, a prática de transgressões ditas corruptas em diferentes âmbitos. Nesse contexto, o propósito do trabalho é entender o passado com um olhar crítico, projetando, se possível, soluções para erradicar essa moléstia do futuro da Nação. Tarefa essa de resultado não tão fácil, mas determinante para a construção do pensamento político em torno do tema, como marco inicial para uma mudança no modo como encaramos os atos corruptos.
Palavras-chave: Corrupção. Histórico. Administração Pública.
Abstract: The present article has the objective to analyze, within the historical and cultural context in which it appears Brazil, the reason why our country has come in full XXI Century at levels as alarming corruption, especially within public administration. The issue of corruption has long been plaguing Brazilian citizens, given that the constant cases experienced in the country generate a kind of restlessness in the national. We must point out, therefore, what factors influenced the Brazilian society, in its more than five hundred years, to allow, so commonly, the said corrupt practice transgressions in their many different ways. In this context, the purpose of the work is to understand the past with a critical eye, designing, if possible, solutions to eradicate this evil from the nation's future. Task of this result is not so easy, but crucial to the construction of political thought around the theme, as starting point for a change in how we view the corrupt acts.
Keywords: Corruption. History. Public Administration.
Sumário: Introdução. 1. Breve juízo acerca da corrupção. 2. As possíveis causas da corrupção. 3. Mal exclusivamente brasileiro? 4. Os fundamentos da corrupção brasileira em sua gênese. 5. Há soluções? Conclusão. Referências.
Introdução
O objeto desta pesquisa tem fundamento na busca por fatores que possam ter influenciado o alto nível de corrupção, hoje existente, no Brasil. Se faz necessária um estudo no âmbito do processo histórico-cultural brasileiro para que se possa encontrar nas suas raízes, alguns fatores que expliquem o nosso contexto atual.
A diversidade de controvérsias e a constante necessidade de aperfeiçoamento em torno da matéria são fatores que, da mesma forma, justificam o presente estudo, demonstrando o quão oportuna é a investigação sobre o tema, sem que, para tanto, pretenda-se o esgotamento do assunto. Tem-se, é certo, o objetivo de contribuir, de modo geral, para a formação de novas compreensões e para o encontro de soluções.
Verifica-se, portanto, a necessidade de se analisar as possíveis causas da corrupção, hoje inseparável no seio da sociedade brasileira, para que, a par desse exame, se busquem meios eficazes que possibilitem a erradicação desse mal.
Os aspectos históricos podem ser fundamentais nessa observação das causas da corrupção brasileira, tendo em vista que não é de hoje que essa prática é presenciada na nossa sociedade.
Esse artigo baseia-se, portanto, na busca histórica, desde o nascimento da então Ilha de Vera Cruz, de motivos que possam influenciar a constante prática de corrupção, com o intuito de obter respostas para o problema detectado.
Desse modo, a pesquisa tem como base o procedimento monográfico, utilizando-se de fontes históricas e doutrinárias acerca da matéria a que se debruça, de modo a inquirir sobre como era vista a corrupção em outras épocas e em outras nações, além das diversas alternativas almejando pela mitigação dessa espécie de transgressão.
1. Breve juízo acerca da Corrupção
Para se ter uma melhor compreensão do objeto do presente estudo, deve-se a priori aclarar o que pode ser entendido como corrupção, nos seus mais diversos conceitos.
Uma das maiores dificuldades no estudo da corrupção é, justamente, a sua conceituação. A corrupção abrange uma gama de atos que incluem desde suborno, nepotismo a tráfico de influências, condutas estas que na maioria das vezes tem relação intrínseca com o desvio de função da posição pública em benefício de favorecimentos privados.
Podemos dizer que existem várias interpretações acerca do significado do termo, entre elas, identificamos a corrupção no seu aspecto moral, que tende a ver a corrupção como um rompimento das virtudes do indivíduo em si mesmo; e a corrupção política que seria fruto das regras próprias do mundo político sem maiores relações com a moral individual.
Um dos principais defensores dessa chamada corrupção moral foi Agostinho de Hipona, ou santo Agostinho, que colocava a moralidade religiosa acima da política, chegando, inclusive, a defender, em sua obra Cidade de Deus, que a queda do Império se deu pela corrupção moral dos romanos.
Numa anteposição aos que tinham a corrupção como um caráter relacionado à moral individual, temos as visões dos pensadores renascentistas, entre os quais podemos destacar Maquiavel. Essa interpretação, que marca o pensamento político até os nossos dias, vê na corrupção uma ligação com a fraqueza das leis e instituições políticas e a falta de preocupação e ação dos cidadãos em relação à coisa pública.
A meu ver, essa forma de analisar a corrupção se adéqua mais perfeitamente à concepção de ato corrupto que temos hodiernamente. Além disso, deve-se perceber que, tendo em vista que os meios que dispomos para combatê-la serem essencialmente político-institucionais, não deve ser outra a visão mais apropriada do conceito de corrupção.
Etimologicamente falando, o termo corrupção é derivado do verbo latino rumpere, que significa romper, quebrar. É o que se rompe na sua organização; estava associado e se solta. Seria o rompimento de uma regra, uma lei, um código moral ou social.
Vale lembrar que para a caracterização da corrupção esse rompimento deve ter como intenção um favorecimento, que pode ser pessoal ou com pessoa com a qual tenha, o corrupto, relação.
De acordo com Marcos Otávio Bezerra[1], são três os tipos de definição mais utilizados para a corrupção: a baseada no ofício público, a definição baseada no mercado e a baseada na ideia do bem público.
Para a definição baseada no ofício público, existe corrupção quando há desvio, por parte dos funcionários públicos, dos seus deveres formais com o intento de obter benefícios para si ou para outrem; a definição centrada no mercado considera corrupção o ato do funcionário público que tenha como objetivo a maximização de sua renda pessoal; por fim, a definição centrada na ideia de bem público visualiza a corrupção como sendo a violação do interesse público em função da preocupação com ganhos particulares.
Para Norberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino[2], o conceito que mais define o termo corrupção é de que ela seria um "fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca de recompensa. Corrupto é, portanto, o comportamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estatal".
Já o conceito utilizado pelo Banco Mundial é o de que a "corrupção é geralmente definida como o abuso do poder público para benefício privado".
Como se vê, tratam-se de definições subjetivas, abrangentes do termo, haja vista a dificuldade de se trazer uma conceituação precisa da expressão. Segundo José Murilo de Carvallho[3], no Brasil, o próprio sentido da palavra corrupção variou conforme o período de sua história, o que traz, inclusive, a sensação de imprecisão em sua definição. E complementa, o referido autor, lembrando que “Uma das causas de nosso pobre desempenho analítico pode estar na dificuldade de precisar o que cada um entende por corrupção. Em nossa história e sem dúvida também em outras, o sentido da palavra variou ao longo do tempo”.
A corrupção pode se caracterizar também pela determinação de se fazer algo por vias vedadas de acordo com a concepção ética da maioria. Contudo, deve-se tornar claro o caráter ilegal da corrupção. Não se trata aqui de uma questão de imoralidade, mas sim de ilegalidade, afinal a corrupção está associada à uma comportamento que contraria a lei, por parte de quem desempenha um papel na estrutura estatal.
Corrupção, num conceito mais abrangente pode ser tida, ainda, como o resultado de uma ação, onde o objetivo é levar vantagem, que pode ser de qualquer espécie, sobre os outros, que em alguns casos podem nem ser vantagens de ordem pecuniárias. Trata-se, na verdade, de uma espécie de egoísmo, individualismo de um determinado cidadão ou um grupo de cidadãos, em relação à sociedade na qual convive. Pode ela, portanto, ser baseada em incentivos positivos, como suborno, peita ou laços pessoais, assim como em incentivos negativos, como a ameaça, a chantagem, etc.
Mesmo que diante da complexidade de se trazer um sentido concreto para o termo corrupção, levaremos em conta a corrupção no seu conceito político, que pode ser vista como a utilização por parte de agente do Estado, de sua função pública, em sentido contrário à lei, para favorecimento particular seu ou de outrem.
2. As possíveis causas da corrupção.
Quando o assunto é corrupção, podemos afirmar quer não existe causa única para sua existência, tampouco solução singular. Ela existe em decorrência de uma variada quantidade de fatores.
Luís de Sousa[4] agrupa as causas da corrupção em quatro dimensões: níveis de desenvolvimento; processos de modernização; cultura cívica; e qualidade das instituições.
Dessas, demos destaque a duas: a que encontra causas da corrupção nos níveis de desenvolvimento de um Estado, e a que faz correspondência da cultura cívica da sociedade com a corrupção.
Quanto ao primeiro aspecto, merece destaque o fato da corrupção encontrar-se intimamente atrelada a países com grandes desigualdades sociais, funcionando como “um mecanismo paralelo de distribuição de renda”, já que o Estado, enquanto detentor dessa função, não a realiza satisfatoriamente.
Já no que tange a civilidade das culturas como fator essencial para uma sociedade corrupta, deve-se realçar que ela se justifica à medida que as sociedades com altos níveis de confiança social e institucional, e uma maior participação e interesse da sociedade pela política, apresentam níveis de corrupção menos inquietantes.
Além desses aspectos, deve-se ter em mente, também, que se determinada pessoa age, praticando uma transgressão, é porque encontra, entre outros fatores, motivos para agir assim, e justamente tais motivações que buscaremos compreender neste capítulo.
Robert Klitgaard[5], sobre o tema da corrupção, assevera que trata-se de “um crime de cálculo e não de paixão”. Ou seja, que tal comportamento derivaria menos da falta de princípios éticos ou morais e mais das condições materiais propícias para a ocorrência do crime. De acordo com essa teoria, a corrupção envolve principalmente três variáveis: a oportunidade para ocorrer o ato ilegal, a chance de a ação corrupta ser descoberta e a probabilidade do autor ser punido.
Portanto, a penalização do autor do ato corrupto exerce papel saliente no combate à corrupção, de forma imediata; e na sua ocorrência, de forma mediata. A prática da transgressão está particularmente ligada à possibilidade dos atos corruptos serem descobertos.
Nesse sentido, temos que a grande questão está não em se perceber a corrupção, pois ela está latente, mas em puni-la, para que haja uma resposta a sociedade. Além disso, um rígido sistema sancionatório tem a função de causar temor ao pretenso corrupto.
É certo, por outro lado, que sempre que uma pessoa, exercendo uma função pública, detém certos poderes, deterá também a possibilidade de utilizar-se desses poderes para o abuso de sua autoridade, agindo de forma arbitrária. E isso poderá, apenas, ser combatido com a fiscalização dos poderes, que pode ser hierárquica, de função, ou interpoderes, através do sistema de checks and balances.
Já na Antiguidade, Aristóteles[6] se dedicou em analisar as causas da corrupção naquele tempo, notadamente no que tange à corrupção dos magistrados. Para ele “(…) é evidente que o excesso e a ambição de bens materiais são a principal origem das revoltas políticas. Com efeito, muitas vezes, elas nascem devido à prepotência dos magistrados que abusam dos cargos por ser demasiado ambiciosos, sublevando-se uns contra os outros, ou contra o regime que lhes concedeu a autoridade. Na verdade, a ambição desmedida dos magistrados deriva algumas vezes das riquezas privadas, outras do erário”.
Dentre o conjunto de fatores responsáveis pelo nível de corrupção observado nas diversas nações, é possível destacar, dentre elas, as seguintes: a elevada burocracia, que reduz a eficiência da administração pública; um sistema judiciário lento e pouco eficiente; além de um elevado poder discricionário do Estado na implementação e condução de políticas; e salários inferiores no setor público, em relação ao setor privado.
Em termos de Brasil, podemos associar vários os fatores que influenciaram a corrupção.
De acordo com a doutrina de José Murilo de Carvalho[7] entre as inúmeras razões que agravaram a corrupção no Brasil estão, em destaque, o crescimento da máquina estatal, trazendo consigo uma excessiva burocratização, ampliando as oportunidades para o exercício de práticas clientelistas e patrimonialistas, e aumentando o domínio do executivo sobre o legislativo; a ditadura militar, que protegeu com o arbítrio a atuação dos governantes; e a construção de Brasília, que libertou os políticos do controle das ruas, ampliando a sensação de impunidade.
A ineficiência estatal, por exemplo, comum em diversos Estados no mundo, é um considerável fator de desenvolvimento da prática de atos corruptos. Várias manifestações dessa ineficiência do poder público podem ser mencionadas como incentivos à corrupção, como por exemplo: decisões arbitrárias, que desvirtuam o uso do poder, sendo resultado de uma imódica discricionariedade dos agentes públicos; o corporativismo existente em setores da Administração, como a Justiça, por exemplo; a ineficiência quase generalizada de repressão à práticas ilícitas praticadas por pessoas que exercem funções públicas importantes, entre outras.
As causas da corrupção, como vistas, são muitas, variando desde a civilidade das sociedades como um todo, até a reduzida probabilidade de efetiva punição. Deve-se deixar claro que não se pode atribuir a corrupção a apenas uma causa específica. Trata-se de um conjunto de fatores que, de certa forma, influenciam a prática do ato corrupto, e são esses fatores que devem ser analisados e sopesados com o intuito de obter meios concretos para remediá-los.
3. Mal exclusivamente brasileiro?
Hoje no Brasil, diante dos inúmeros casos de práticas corruptas, tem-se, em alguns, a sensação de que nunca na história houve tanta corrupção e que essa patologia é típica, ou senão exclusiva, deste País. Há quem suponha, repita-se, que foi o Brasil que a descobriu, ou pelo menos, que trata-se de um problema exclusivamente seu.
Como é nítido, estamos diante de um enorme equívoco. Nem o Brasil é o único lugar no mundo onde encontramos casos de corrupção, nem mesmo fomos nós quem a inventamos. Trata-se de um problema que se remete a tempos muito longe dos nossos. Ela existe desde muito antes do descobrimento do Brasil e esteve sempre presente em muitos países e em vários momentos da História.
Há quem tome por referência, o primeiro ato de corrupção como a oferta, pela serpente, da maçã em troca simbólica do paraíso pelos prazeres da carne. Lógico que essa hipótese não aconteceu de fato, porém, nos traz uma clarividente noção de que a disposição a corromper-se está intrínseca no ser humano, cabendo apenas a ele o discernimento próprio de seus atos.
Da Bíblia[8], até mesmo, podem-se extrair diversas passagens que sugerem o desassossego, já naquele tempo, com os atos de corrupção, senão vejamos: “Não torcerás a justiça, nem farás acepção de pessoas. Não tomarás subornos, pois o suborno cega os olhos dos sábios, e perverte as palavras dos justos. Segue a justiça, e só a justiça, para que vivas e possuas a terra que o Senhor teu Deus te dá”. (Deuteronômio 16:19-20) ou “Os teus príncipes são rebeldes, companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno, e corre atrás de presentes. Não fazem justiça ao órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas”. (Isaías 1:23)
Em termos gerais, podemos destacar, ainda, a preocupação já na antiguidade de guerrear na luta contra a corrupção. Segundo Emerson Garcia[9], nas antigas legislações “o juiz corrupto, pela Lei Mosaica, era punido com flagelação e na Grécia com a morte”. No direito romano, ainda de acordo com o autor, a morte também era o destino dos corruptos.
Livianu[10], assevera que, no direito romano, o crime de corrupção “perturbava o funcionamento regular da Justiça e se apresentava como crime de funcionário público contra a administração em três tipos: peculato, corrupção e abuso de autoridade”.
Daí, então, a latente preocupação com o crime de corrupção naquele período, justificando, portanto, o rigor excessivo com que eram tratados os praticantes do delito.
Essa atenção dada a corrupção também pôde ser observada nas Idades Média e Moderna. Nicolau Maquiavel, mostrando inquietação com o tema, afirmou que via a corrupção como uma tuberculose, em que a cada dia cresce a dificuldade de se obter a cura: “(…) no início, é fácil de curar e difícil de diagnostcar. Com o passar do tempo, não tendo sido reconhecida nem medicada, se torna fácil o diagnóstico e difícil sua cura. Nos assuntos de Estado, acontece a mesma coisa. Prevendo os males que nascem, o que só é permitido a um sábio, estes são curados rapidamente. Mas quando se permitem que cresçam, por não havê-los previsto, todos o reconhecem, porém não há mais remédio[11]”
Vê-se, portanto, que tais acontecimentos históricos nos mostram, aparentemente, que se trata de problema antigo e permanente na história, não só do Brasil, mas mundial.
Logo se compreende que o problema da corrupção não está no brasileiro, mas nos membros de qualquer sociedade, que independente do lugar ou da época podem se corromper em troca de benefícios. As palavras dos profetas mostram que a maldade, a desonestidade e a corrupção são problemas humanos, em todos os tempos, lugares e culturas.
A origem da corrupção tem ligação direta com o aparecimento do Estado. Trata-se de um mal global. A ONG Transparência Internacional, para se ter uma ideia, divulga todos os anos um relatório que indica a percepção de corrupção nos setores públicos dos países (um total de 107 países em 2013), de acordo com avaliações de ONGs, fundações, centro de estudos e bancos de desenvolvimento. No último relatório apresentado, em 09 de julho de 2013, o Brasil aparece com um índice de percepção de 4,6, numa escala que varia de 0 a 5, onde 5 indica o nível máximo de corrupção.
Em regra, os países que ocupam as primeiras colocações no ranking são países com alto grau de desenvolvimento humano e distribuição de renda mais equilibrada, tais como Dinamarca, Finlândia e Suíça, o que indica que esses índices são deveras importantes na corrupção de um País.
Ocorre que nos países onde estes aspectos não estão maciçamente presentes, verifica-se um elevado abuso de poder, tanto político quanto econômico que favorece a prática de corrupção.
Na verdade, não existem nações ou povos mais predispostos que outros à desonestidade, o que há na verdade é a desestruturação do sistema político de determinado país como um todo, seja porque não existem leis, ou elas não são efetivamente aplicadas no seu combate, ou porque não houve uma conscientização dos efeitos que a corrupção traz para a sociedade, ou até mesmo porque as inúmeras desigualdades sociais a favorece.
Mas as dúvidas não saem da cabeça dos brasileiros: Será que há mais corrupção hoje do que em outros tempos? Ou será que hoje, simplesmente, existe mais investigação e reação da sociedade em seu desfavor? Por que o Brasil é considerado tão corrupto?
Para estas respostas faz-se necessário muito cuidado com as generalizações precipitadas, pois elas nos impede de conhecer a questão a fundo. É justamente esse o sentido desta pesquisa: procurar através da origem, algumas razões que podem ter influenciado a corrupção frequente que existe no Brasil.
4. Os fundamentos da corrupção brasileira em sua gênese.
Uma determinada corrente de historiadores credita a corrupção existente no Brasil, hoje, à formação do Estado brasileiro, desde o período de colonização. Ela estaria associada à vinda de determinadas pessoas de Portugal para o Brasil, principalmente os degredados que foram enviados ao país na nossa colonização inicial. É que no século XVI, pessoas que cometiam crimes em Portugal eram condenadas a cumprir suas penas no Brasil, assim como em outras colônias portuguesas. Com, Tomé de Souza, primeiro governador geral do Brasil, para exemplificarmos, vieram cerca de quatrocentos degredados.
Há também quem discorde, afirmando que os degredados não apresentavam qualquer periculosidade, tendo em vista que, qualquer pequeno delito era considerado motivo de degredo, dada a intenção de mandar muita gente para o Brasil. A guisa de exemplo podemos citar os crimes de adultério e cafetinagem, como motivacionais ao degredo.
Ocorre que o fato de serem enviados degredados para o Brasil não pode ser tido como questão fundamental na influência da corrupção naquela época. Aliás, não foram apenas os portugueses de má índole que vieram povoar o Brasil. Além deles, vieram índios, africanos, japoneses, italianos, ou seja, gente de todo o planeta forma o que hoje é o povo brasileiro, numa miscigenação de raças e culturas.
Tendo o envio de degredados, ou não, influência na corrupção existente no Brasil Colônia, que persiste até hoje, o que importa é que, de fato, foi nesse período que se iniciou a construção do Brasil. Desse modo, torna-se meritório a análise da influência do período colonial, como marco do nascimento do Brasil, na cultura corrupta que hoje permeia o País.
O primeiro ato de corrupção a que se tem conhecimento no Brasil, data de 1 de maio de 1500. O ato tido por corrupto foi praticado por Pero Vaz de Caminha, encarregado de dar a “boa nova” do descobrimento ao Rei Dom Manuel. Após descrever, com minuciosos detalhes, a nova terra, ele aproveita a ocasião, encerrando a sua carta, para pedir ao Rei a volta à Portugal de um genro, Jorge Osório, que havia sido degradado em São Tomé, em virtude de um assalto à mão armada, conforme expõem alguns historiadores. Vejamos então, a transcrição, in verbis, do trecho que indica o ato vicioso:“(…) e desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há-de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d´´Ela receberei em muita mercê. Beijo as mãos de Vossa Alteza.Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de Maio de 1500. PERO VAZ DE CAMINHA”
Dependendo do crime, o degredo poderia ser punido com pena perpétua ou por tempo indeterminado, pena mutável apenas por uma agraciação do Rei. Desse modo, Pero Vaz, valendo-se da função pública que ocupava e do acesso direto junto ao Rei, pediu para si um favorecimento pessoal, ato que podemos considerar como corrupto, tendo em vista que ele se utilizou de sua função pública, um cargo que carregava prestígio junto à Corte Portuguesa, para pedir benefício privado, consideravelmente indevido, ainda que fosse prática comum naquela época.
Para a época, tal costume era visto como um ato ordinário, era prática perfeitamente aceitável pelas normas e costumes então vigentes a distribuição de favores por parte do Soberano ou a procura desses favores por parte da população. A ilegalidade dessas práticas só passa a existir quando a legislação começa[12] a distinguir os domínios público e privado. Porém, esse modo de gerir o Estado deixou cicatrizes que até hoje não foram curadas no Brasil, haja vista que continuamos seguindo as mesmas diretrizes do Estado Patrimonialista de outrora.
Rita Biason[13] nos traz o registro de que as práticas de ilegalidade já tinham forte ocorrência no período da colonização portuguesa. Assevera, por exemplo, que ocorria com frequência o comercio ilegal de produtos brasileiros como o pau-brasil, tabaco, ouro e diamante, com a conveniência justamente de funcionários públicos encarregados de fiscalizar o contrabando e outras transgressões contra a Coroa portuguesa. Inúmeros são os relatos de episódios de ilegalidade e corrupção durante o chamado período colonial. Tratava-se de prática corriqueira.
Roberto Livianu faz uma excelente análise dos motivos que levavam a ocorrência constante desses atos corruptos no Brasil. Para ele, a distância da metrópole portuguesa não ligava os homens portugueses do Brasil Colonial às usuais limitações jurídicas e morais que normalmente costumavam respeitar em seu país de origem. É que, por mais que se buscasse, com severidade, punir os transgressores da colônia, as contravenções continuavam a ser cometidas.
Some-se a isso o fato de que, não havia, quando da colonização do Brasil, um projeto de nação. Portugal, inclusive, tinha dificuldades em povoar o território brasileiro. Poucos eram os que queriam fixar seu domicílio no Brasil. Segundo Emanuel Araújo[14], “Acreditava-se que no ultramar se enriqueceria tão rapidamente que nem havia necessidade de levar a família: seria pouca a demora naquelas terras insalubres, incultas e povoadas de bugres antropófagos”.
A intenção primeira, do reino de Portugal, era a exploração, com fins essencialmente econômicos. Para FAORO[15], o modo de pensar a colonização do Brasil, traduzia-se, nos seguintes dizeres: “O inglês fundou na América uma pátria, o português um prolongamento do Estado.”
À Portugal não interessava, pelo menos a princípio, o aperfeiçoamento moral e cultural da colônia. O interesse em jogo era, como dito, fundamentalmente econômico.
As Capitanias hereditárias são um claro exemplo de promoção da exploração econômica do Brasil, associada a uma enorme confusão entre o público e o privado. E essa confusão derivava do que FAORO[16] chamou de Estado Patrimonialista. Afirma o autor que, além disso, era comum a Coroa arrendar, por exemplo, o direito de cobrar impostos a particulares, assim como o direito de explorar produtos monopolizados do Estado.
Ainda que, naquele tempo, tais condutas não fossem tidas por condutas ilícitas, elas criavam uma espécie de relação social baseada essencialmente em trocas de favores, o que denota que o Estado nada mais é do que a ampliação do círculo familiar e pessoal dos seus governantes.
Segundo Sérgio Buarque de Holanda[17]:“Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário “patrimonial” do puro burocrata conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere, relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos.(…) A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias..”
Trata-se, o patrimonialismo, é bom que se enfatize, de um padrão moral onde as relações familiares são privilegiadas em detrimento das relações com os demais membros da sociedade, numa marcada afronta e desrespeito ao que é público. Os reis governavam o País como se fosse sua própria casa, sem que houvesse qualquer distinção entre o público e o privado.
Uma quadrinha, que se remete ao período imperial do Brasil, retrata bem como a corrupção era vista naquele tempo A quadrinha foi escrita em referência a Francisco Bento Maria Targini, Visconde de São Lourenço, que ascendeu a este posto muito rapidamente. Assim dizia: “Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão, quem mais furta e esconde, passa de barão à visconde”.
Targini tinha fama de desonesto e de ter se locupletado nos cargos que ocupou. Eram comuns, por exemplo, quadrinhas onde se queixava do caráter do Visconde. Em uma outra que circulou naquela época assim dizia-se: "Furta Azevedo no Paço, Targini rouba no Erário, E o povo aflito carrega, Pesada cruz ao Calvário". Do Império até os dias atuais, o Brasil continua a ser objeto de barões e ladrões que surrupiam os bens e valores públicos.
O Padre Antônio Vieira também caracteriza bem a ideia de corrupção existente em seu tempo, em O Sermão do Bom Ladrão:“Não são só os ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do risco, estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.”[18]
Note-se, que essas transgressões corruptas eram constantemente vistas nos períodos colonial e imperial, e não eram, de fato, aceitas pela sociedade com parcimônia. Haviam, como visto, diversas manifestações de inquietação com a situação.
Além do patrimonialismo, outro fator que pode ser considerado fundamental na formação da cultura corrupta vivida pelo Brasil é o chamado coronelismo, que segundo Pang[19] é:“um exercício de poder monopolizante por um coronel cuja legitimidade e aceitação se baseiam em seu status, de senhor absoluto, e nele se fortalecem, como elemento dominante nas instituições sociais, econômicas e políticas”
Esse “monopólio” era exercido, como já afirmado, pelos chamados “coronéis”, donos de grande extensão de terra, poder econômico e forte prestígio junto à aristocracia brasileira, que influenciavam os seus dominados.
Seu poder era auferido não só pelo prestígio e pelo poder econômico, como aconteceu no período colonial e imperial, mas também pelo resultado eleitoral de sua região, já no período republicano, tendo em vista que os coronéis atribuíam aos seus dominados em quem votar em cada eleição.
Os coronéis eram os que detinham o controle dos poderes políticos, econômicos e sociais de sua respectiva região. É bom que se destaque-se que até a metade do Século XX, para considerável número de pessoas, que sofriam domínio dos coronéis, a Lei do Estado era algo que não as alcançava, tendo em vista que para essas pessoas o que valia era a lei do coronel, como numa espécie de feudo.
José Murilo de Carvalho[20] lembra que “os grandes proprietários de terra prendiam, julgavam, condenavam, puniam. Só eram submetidos à lei se colocassem-se em oposição. Nesse caso se verificava outra regra “Para os amigos tudo, para os inimigos, a lei”.
E essa tradição coronelista fez sua escola no Brasil, sendo ainda observada em municípios com baixa densidade demográfica, onde o cidadão que detêm o poder político da região é quem por lá dita as regras do jogo.
Vê-se que o persistente nível de corrupção que hoje assola o Brasil, deriva, em grande parte, das práticas já existentes nos séculos passados, principalmente do período de colonização e império, que tem grande participação na formação cultural do país. O que hoje vemos, pode ser tido pelo reflexo da evolução cultural brasileira, evolução baseada em princípios como o do patrimonialismo, clientelismo e coronelismo, herança maldita de tempos passados.
Não obstante a legislação em vigor, é corrente, ainda, os casos de nepotismo e favorecimentos pessoais a que se tem notícia no país. Isso, de certo modo, tem muito a ver com como o Estado é visto desde o período colonial.
Por outro lado, Portugal não pode ser responsabilizado, como querem alguns autores, de ter dado aos brasileiros, como quem dá uma herança ao filho, a pré-disposição de corromper e ser corrompido. Essa cultura que insiste em fazer parte do cotidiano do estado é o que herdamos da nossa evolução histórico-cultural como nação brasileira. Não se trata de mal que assolam apenas portugueses ou brasileiros, e na verdade tem muito a ver com uma questão cultural e de costumes. O Brasil vivencia esta prática desde que é Brasil e isto está enraizado em sua cultura, e não será tarefa fácil combatê-la.
5. Há Soluções?
As páginas de jornais estão repletas de manifestações descontentes diante dos vários casos de corrupção que constantemente se vê no Brasil. Nas ruas, no cotidiano dos brasileiros, outro tanto de contrariedade e desgosto é notado com frequência. A população, em geral, não mede palavras para desqualificar os corruptos que assolam o país. Contudo, parece-nos que esse tal aborrecimento e a revolta da sociedade fica restritos apenas a xingamentos, ou no máximo, uma manifestação pública isolada contra a corrupção, o que aparenta-nos ser muito pouco diante do muito, nesta luta incessante contra a malversação de dinheiro público.
É preciso um embate mais efetivo, mais constante. É preciso que os cidadãos não se acomodem diante de tantas fraudes aos bens públicos. Apesar de várias serem as alternativas formuladas para a solução da corrupção, podemos dizer que todas convergem no sentido de que deve haver uma maior participação do cidadão na vida efetiva do Estado. Segundo José Antônio Martins[21], “um diagnóstico quase unânime, diz que quando uma população passa a não mais compartilhar a vida política de sua comunidade, abrem-se as primeiras brechas para o advento da corrupção.”
Aliás, esta sempre foi a solução do Estado, desde a Antiguidade quando se construiu a ideia de democracia, essa era a intenção: a de que todos pudessem participar das decisões e problemas da “pólis”, para que, assim, fossem evitados obstáculos à convivência em sociedade como a corrupção, por exemplo. A sociedade brasileira precisa parar de acreditar que a resolução dos problemas do seu mundo particular é suficiente para a sua satisfação pessoal.
A ideia de que é impossível controlar a corrupção, faz com que os brasileiros desenvolvam um sentimento de descrença, que resulta num individualismo exacerbado, uma cultura egocêntrica, onde cada um pensa exclusivamente no seu bem estar singular. De acordo com Luís de Sousa, analisando a situação portuguesa “os cidadãos só se revoltam contra a corrupção quando esse mal se torna demasiado evidente e o seu impacto é percepcionado como sintoma de injustiça social numa conjuntura econômica difícil”. Essa análise cabe perfeitamente ao caso brasileiro.
Hoje, está intrínseco também na cultura existente no Brasil, o conceito de que tudo pode ser resolvido com a edição de uma lei regulamentando determinado assunto. Assim aconteceu, em 1992, a título de exemplo, quando o ex-presidente Fernando Collor de Melo, foi eleito sob promessa de que extirparia a corrupção do país. Havia uma grande mobilização em torno da edição de uma legislação que previsse penas severas para os que porventura praticassem atos de corrupção e improbidade administrativa.
Foi aprovada, então, a Lei de Improbidade Administrativa, no mesmo ano de 1992. Passados mais de vinte anos da entrada em vigor da lei, pouca coisa mudou, o que significa dizer que a legislação por si só não é suficiente para promover o combate à corrupção. Precisa-se de mais que isso.
Como diz Sérgio Buarque de Holanda[22], os brasileiros acreditam e sempre acreditaram “que a letra morta pode influir por si só e de modo enérgico sobre o destino de um povo”. Para ele a rigidez, a impermeabilidade, a perfeita homogeneidade da legislação parece constituir o único requisito obrigatório da boa ordem social.
José Murilo de Carvalho[23], também sobre o tema acredita que “a mania de regulamentação foi introduzida e reforçada pela grande presença de juristas no poder legislativo e na administração do estado”. Para ele “a aspiração maior desses juristas é formular a legislação perfeita, que enquadre toda a realidade e evite qualquer brecha por onde possa escapar o transgressor”.
Contudo, o Brasil precisa deixar de lado essa crença de que a edição de normas e a criação de severas penas vai pôr termo à questão da constante corrupção no país. Pelo contrário, a edição de uma quantidade notável de leis não contribui efetivamente para findar o problema. Essa solução, nos dizeres de José Murilo de Carvalho[24] cria apenas um ciclo vicioso onde “o excesso de lei leva à mais transgressão que leva à mais lei que leva à mais transgressão”.
Há na verdade a necessidade de impor efetividade a essas leis. Fazer com que elas sejam, realmente, cumpridas, e que os corruptores não possam mais se esconder por trás de cargos e prestígios sociais e sejam, de fato, penalizados por seus delitos. Isso influenciará, sobremaneira, outros corruptores a não mais praticarem tais atos.
Ocorre que, em inúmeras ocasiões, a contravenção à norma, tende a ser, pelo menos em curto prazo benéfica para o corrupto, e é justamente isso que deve ser evitado. O indivíduo propenso a tais práticas deve-se dar conta, como já foi dito, que o cometimento daquele crime presumivelmente ensejará para ele uma punição.
Um sistema deficiente de aplicação das normas, que não lhe confira eficácia, traz enormes malefícios para a coletividade, tendo em vista que estimula a impunidade e faz alastrar-se a corrupção, como num ciclo vicioso.
Deve-se deixar claro que, dificilmente, a corrupção será aniquilada, não só no Brasil, mas em qualquer Estado do mundo, ainda aqueles com níveis baixíssimos de corrupção, mas há de ter soluções para, ao menos, atenuá-la.
Deve-se haver, a priori, uma transformação drástica da sociedade em geral, no seu aspecto cultural, assim como na reforma de hábitos e condutas hoje intrínseca à formação intelectual dos brasileiros.
A corrupção não é uma transgressão exclusiva dos políticos brasileiros, do contrário, ela é o retrato de toda uma sociedade que a aceita. Não a aceita com essa terminologia, mas com a simpática expressão “jeitinho brasileiro”, que nada mais é que o drible à lei em favor de interesses pessoais, da garantia de acesso a serviços e oportunidades através de métodos que não são os identicamente utilizados pelos demais cidadãos.
Tem-se que combater essa moléstia também no seio da sociedade em si. A corrupção não é apenas o nepotismo, desvio de recurso, etc. Observa-se que os favorecimentos diversos ainda são interpretados no Brasil como algo indiscutivelmente legítimo, principalmente quando há um interesse particular em jogo. De acordo com uma pesquisa, realizada pela PESB, Pesquisa Social Brasileira, em torno de dois terços dos entrevistados já se utilizou do “jeitinho brasileiro”, seja para requerer algum favorecimento ou para favorecer a alguém.
José Murilo de Carvalho[25], sobre o tema, alerta: “Não há solução fácil. Mas não estamos condenados à corrupção e à transgressão. Elas são fenômenos históricos que, como todos os outros, estão em perpétua mutação. Medidas tópicas podem reduzi-las.”
Diante disso podemos dizer que a solução no combate, ou pelo menos na diminuição dos índices de corrupção está ligada principalmente há uma maior conscientização por parte da sociedade no sentido de introduzir a ideia de que o famigerado “jeitinho brasileiro” é não mais que um ato de corrupção em si, e que deve ser combatido. Além disso, o Estado em si, deve-se impor mais no combate a esse mal, de maneira a dar uma maior efetividade ás leis já existentes, que influenciará sobremaneira na diminuição dos índices de corrupção, já que o pretenso corrupto levará esse aspecto em consideração antes da prática do ato, evitando-o.
Conclusão
Não devem os Brasileiros se lamentar pela quantidade de situações de corrupção que hoje são noticiados no país. Ao contrário, devem visualizá-los como uma evolução da liberdade de imprensa, por exemplo, como fruto de uma mais intensa atuação do Ministério Público, após a vigência da novel Constituição, assim como de uma maior atuação política dos cidadãos brasileiros que passaram a se preocupar mais com a atuação do governo nas três esferas de Poder.
Tais circunstâncias diferenciam muito os atos de corrupção aos quais se tem notícia em outros períodos da história do Brasil, tendo em vista que o país não tinha nível tal de democracia que vemos hoje. Acredito que, tem o Brasil, nesse tempo, com a evolução das instituições, nível democrático jamais visto em outros períodos da sua história.
Confio que o Brasil vem evoluindo. Nota-se que essa evolução apesar de lenta, é constante, como de fato deve ser. Não se podem depositar esperanças que tudo vá se resolver de um dia para o outro, ou que se solucione apenas com legislações cada vez mais rigorosas.
Antes de qualquer coisa, o Brasil precisa compreender que deve caminhar para um tempo onde o afamado “jeitinho brasileiro”, de querer se pôr em vantagem sempre, não seja mais um comportamento culturalmente aceito, como hoje acontece. É preciso que o corrupto sinta que não mais é aceito pela sociedade, que trata-se de persona non gratta.
A tentativa de encarar a corrupção como algo natural é que é amplamente prejudicial à sociedade brasileira e reduz sobremaneira a possibilidade de se combatê-la.
Nos dizeres de Emerson Garcia[1], o caminho a ser percorrido no embate à corrupção será longo e tortuoso e talvez ela possa ser suavizada mas nunca será eliminada: “(…) é possível afirmar, com certa tristeza, que a ordem natural das coisas está a indicar que ainda temos um longo e tortuoso caminho a percorrer. O combate à corrupção não haverá de ser fruto de mera produção normativa, mas, sim, o resultado da aquisição de uma consciência democrática5 e de uma lenta e paulatina participação popular, o que permitirá uma contínua fiscalização das instituições públicas, reduzirá a conivência e, pouco a pouco, depurará as idéias daqueles que pretendem ascender ao poder. Com isto, a corrupção poderá ser atenuada, pois eliminada nunca o será.”
Diante disso, devem os brasileiros além de indignar-se, ir à luta, tentar eliminar a corrupção, primeiro no próprio seio da sociedade, mas não basta indignar-se, é preciso ação. Os cidadãos devem participar mais da vida política de sua sociedade, acompanhando, fiscalizando, atuando, etc.
As denúncias e a vigilância, por parte da sociedade são fundamentais para a efetiva batalha em desfavor dessa prática reprovável.
O exercício de práticas clientelistas e patrimonialistas deve ser extirpado da Administração Pública brasileira, só assim poderá se pensar em atenuação da corrupção. E para isso, não bastarão apenas leis bem feitas, será necessário, também e, sobretudo, aplicá-las de maneira efetiva, para que possam inibir os possíveis corruptos. “A salvaguarda das instituições da República requer uma resposta vigorosa e a colaboração de todos”[2].
Devem os brasileiros refletir e olhar para o passado, buscar na história exemplos de tudo o que foi feito de errado para, na tentativa de solucionar a questão, reestruturar uma cultura marcada por transgressões.
Que se busquem os episódios citados, e reflitam a respeito do quanto esses acontecimentos influenciaram o pensamento cultural do brasileiro. Qual seria a parcela de participação da História na evolução cultural do brasileiro? E quanto que as práticas patrimonialistas dos períodos colonial e imperial autorizaram a prática cotidiana de corrupção?
É necessária a busca por essas respostas para que se possa encontrar soluções para se pensar o futuro.
Informações Sobre o Autor
Thiago Xavier de Andrade
Graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. Especialista e Mestrando em Direito Administrativo pela Universidade de Lisboa (POR). Advogado, sócio do escritório Pereira, Santiago e Xavier – Advocacia e Consultoria Jurídica