As reformas previdenciárias

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Ao comentar, na qualidade de Relator brasileiro para o Congresso Internacional de Direito do Trabalho e da Seguridade Social realizado em Israel, a reforma previdenciária brasileira, consubstanciada na Emenda Constitucional n. 20, de dezembro de 1998, sublinhei que em pouco tempo deveríamos enfrentar outra temporada de reformas previdenciárias. Continuo a manter o mesmo raciocínio, mesmo após terem sido realizadas duas outras reformas, consubstanciadas nas Emendas Constitucionais n. 41, de 2003, e n. 47, de 2005.


As três reformas parecem querer deixar de lado a triádica dimensão da seguridade social: saúde, previdência social e assistência social, tal como configurada no art. 6º da Constituição e seguem ignorando que não se pode estabelecer nenhuma distinção entre esse conjunto de direitos sociais e os direitos individuais que acabara de insculpir no art. 5º.


Deveras há um liame entre os dois dispositivos que identifico no § 2º do mesmo art. 5º e o § 3º, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004.


De nenhum modo posso entender o referido preceptivo como mera consagração dos chamados princípios implícitos, o que, de per si, já lhe conferiria singular significado.


Ocorre que, as palavras da parte final da regra, inovadora adenda ao texto histórico das Leis Fundamentais do Brasil, são particularmente eloqüentes e merecem transcrição com duplo sublinhado:


Art. 5º …


§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”


Do mesmo modo, o acréscimo ao Texto Magno que se originou da Emenda de Reforma do Poder Judiciário é de imenso relevo para a compreensão do tema. Assim se acha redigido:


“§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”


Dentre os atos internacionais firmados pela República Federativa do Brasil se encontra o mais importante Diploma Jurídico da Humanidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e, na mesma data, subscrita pelo Brasil.


No catálogo dos direitos humanos sobressai, porque interessa para o exame da matéria de que aqui se cuida, a seguridade social, suma do conjunto de direitos previdenciários que a sociedade contemporânea conquistou.


Assim se acham grafados os incisos XXIII e XXV do Diploma da Humanidade:


Artigo XXIII – 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.


2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.


3. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.


4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção dos seus interesses. (…)


Art. XXV – 1. Toda a pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.


2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.”


E, como é de todos sabido, na hierarquia dos princípios fundamentais da República, o art. 4º, da Constituição do Brasil, determina prevalência aos direitos humanos (inciso II), corroborada pelo retro transcrito parágrafo que foi acrescentado ao mesmo art. 5º.


Nesse contexto pode ser identificada, com claridade, a função que deve desempenhar a seguridade social no ordenamento constitucional brasileiro.


Trata-se de serviço público de tipo novo, como bem o define GERARD LYON-CAEN [1], que ganhou cuidados extraordinários do constituinte.


Primeiro, porque se insere como esteio básico da Organização do Estado (art. 40) e da Ordem Social (artigos 193 e seguintes) na Constituição.


Segundo, pelo especial modo de proteção que constitui em favor da comunidade por ela albergada.


Terceiro, pela curadoria que recebe do Ministério Público (art. 129, II, da Norma Máxima).


É verdade que a Emenda Constitucional n. 20, de dezembro de 1998, cuja rejeição deveria ter se dado desde o inicio do respectivo processo legislativo, acabou sendo encartada ao Texto Magno sem sofrer, até hoje, grandes contestações judiciais.


De igual modo, passou pelo teste de admissibilidade, na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara Federal, a Emenda Constitucional n. 41, de 2003, que cuidou – basicamente- de disciplinar alguns aspectos relativos ao regime próprio de seguridade social dos servidores públicos.


Contra o que decidiu a Câmara dos Deputados poderiam ser destacados, dentre outros aspectos, a questão da taxação dos inativos e a do cálculo para a aposentadoria, como violadores do pacto previdenciário estabelecido pelo constituinte de 1988.


Deveras, quanto à manifesta inconstitucionalidade da cobrança de contribuição dos inativos é de evidência solar. Quem já cumpriu sua parte na relação de custeio, pagando as contribuições, não pode ser onerado após perceber a prestação.


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Ocorre que, a matéria foi levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal que, invocando a solidariedade social, em equivocada interpretação, entendeu de considerar constitucional a cobrança de referida exação.


O sistema de seguridade social quer eliminar ou reduzir a limites toleráveis, o risco.


Dentre os riscos que, de algum modo, podem causar inseguridade está o decorrente da erosão monetária.


Como sublinhava FRANCISCO DE FERRARI, esse risco é de difícil solução, notadamente quando se apresenta nos planos previdenciários que se baseiam na chamada técnica da capitalização.[2]


De todo modo, há consenso mundial a respeito da exigência de garantia do valor das prestações da seguridade social.


Consenso que se expressa no artigo 67 do Convênio n. 102, adotado pela Assembléia Geral da Organização Internacional do Trabalho, em 1952, que estabelece as Normas Mínimas de Seguridade Social.


Saliento, por ser da maior importância, que o Congresso Nacional acaba de introduzir na ordem jurídica pátria o Convênio 102, por intermédio do Decreto Legislativo n. 269, publicado no Diário Oficial da União de 19 de setembro de 2008.


Esse Diploma Normativo do Direito Internacional Público, verdadeira Carta Magna dos Direitos Humanos da Seguridade Social Mundial, determina: “o montante da prestação não poderá reduzir-se….” e deve ser apto a assegurar ao beneficiário e à sua família “condições de vida salutares e convenientes”. [3]


Evidentemente tal catálogo de direitos sociais mínimos deveria ter sido votado pelo Congresso Nacional com o processo legislativo pertinente aos direitos humanos e, com essa qualidade, integrado o rol das emendas constitucionais. Mesmo que não tenha sido assim, todavia, vale como critério hermenêutico para a reflexão em torno do assunto.


As necessidades básicas do indivíduo e de seu grupo familiar serão atendidas, em conformidade com princípio da integridade que PATRICIO NOVOA explicita como sendo a “garantia del valor real de las prestaciones.”[4]


A comunidade social é chamada, assim, a garantir ao indivíduo que vai para a inatividade o mesmo padrão de vida que detinha quando empregava os seus esforços laborativos em prol do bem comum.


A utilização de mecanismos redutores do valor da prestação previdenciária traria, como conseqüência inexorável, a destruição da seguridade individual a que cada qual faz jus, nos termos constitucionais.


Dentre os princípios estampados no Capítulo II, do Título VIII, da Constituição de 1988 sobressai o da irredutibilidade do valor do benefício (art. 194, IV).


A força operativa desse princípio, que é instrumental da seguridade social, não se mede de modo isolado.


A seguridade social é um sistema que tem como pressuposto básico o art. 193, preceito inaugural do Título da Ordem Social, e chave hermenêutica de todo o sistema.


O ponto de partida do art. 193 é a primazia do trabalho humano – pedra angular do sistema e fundamento da República (art. 1º, IV) – [5] e o escopo da Ordem Social que o mesmo preceito enuncia consiste no atingimento dos ideais de bem-estar e de justiça sociais, objetivos estampados, também, no art. 3º da Lei Suprema.


O preceito encontra natural desdobro na diretriz primeira da seguridade social: universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, I) que, em síntese, diz que todas as pessoas estão protegidas em face de quaisquer situações de risco social previstas no ordenamento jurídico. [6]


Também é de se associar ao comando em questão a diretriz da seletividade e distributividade nas prestações de benefícios e serviços, (art. 194,III). A revelar o conteúdo distributivo do tipo de justiça que, com a seguridade social, a sociedade quer implementar em favor de todos.


Assinala o Beato JOÃO XXIII que: “Ao direito de todo homem à existência … corresponde a obrigação de conservar a vida; ao direito a um nível de vida digno, o dever de viver dignamente.”[7]


A justiça distributiva, proporcional e geométrica garante a construção, nos termos do art. 3º da Constituição, da sociedade livre, justa e solidária (inciso I) , na qual se dará a redução das desigualdades sociais (II) e a promoção do bem de todos (III).


Em suma, todo o sistema de proteção social brasileiro encontra fundamento na idéia de solidariedade social. [8]


O constituinte estabeleceu, mediante essa diretriz, garantia permanente contra a redução, gradativa e progressiva, do valor dos benefícios.


Tanto o custo de vida quanto a política salarial dos trabalhadores e dos servidores públicos pode reduzir a níveis insignificantes a expressão dos valores que integram a remuneração das categorias sociais. A irredutibilidade dos salários não está assegurada pela recomposição periódica do valor respectivo.


No entanto, mesmo considerado o benefício como quantia substitutiva dos ingressos do trabalhador, é evidente o caráter alimentar da prestação, representando verdadeira dívida de valor. Ao conceituar essa obrigação, ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO assinala que se trata de “pagamento de soma de dinheiro, que representa determinado valor, pois esse dinheiro não é, por sua valia nominal, o objeto da prestação, mas sim o meio de medi-lo, de valorá-lo[9].


O reajustamento periódico é, assim, garante da irredutibilidade.


Observe-se, por conseguinte, a utilização do termo “valor real” para definir a quantia que se quer ver preservada, no seguinte preceito constitucional:


“Art. 201. . . . . . . . . .


§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.”


O comando normativo, alçado à condição máxima de dignidade constitucional, e, nessa qualidade, revestido do mais alto grau de eficácia, é diretamente exigível – dentro dos contornos de sua compreensão sistemática – ainda que pela via judiciaria.


Isso revela a vontade, inequívoca, do constituinte, de definir o padrão de valor das prestações e a conseqüente e necessária fórmula de atualização, sempre que a expressão do respectivo valor sofra reduções


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Nem mesmo modificações constitucionais podem ser aptas a comprimir o valor das prestações previdenciárias já concedidas aos beneficiários. É que, uma vez deferidas, as prestações são atos jurídicos perfeitos clausulados com a garantia constitucional da irredutibilidade do valor que resultou apurado no momento da concessão.


Em claro preceito, também a Constituição espanhola garante “pensiones adecuadas y periódicamente actualizadas” (artigo 50).-


Há dupla significação na regra da irredutibilidade do valor do benefício.


Em primeiro lugar, como não poderia deixar de ser, está garantida ao universo de beneficiários a irredutibilidade nominal do valor do benefício, que também está assegurada aos trabalhadores em geral.


Em segundo lugar, a irredutibilidade protege o valor real do benefício. Reconhece, o constituinte, que essa dívida de valor se reveste de caráter eminentemente alimentar e, agindo em conseqüência, cobre tal prestação com o manto protetor da atualização periódica, única apta a preservar-lhe a integridade.


Entretanto, a garantia constitucional da irredutibilidade se mostra presente em dois momentos distintos, na dinâmica da prestação: o momento da concessão e o momento da manutenção


As aposentadorias e pensões já concedidas aos beneficiários se encontram no momento de manutenção. Por seu turno, as daqueles que reuniram todas as condições legais para a obtenção do benefício, mas não o postularam, ainda não chegaram ao momento da concessão.


A concessão é o momento no qual o beneficiário investe-se na titularidade do direito ao benefício. Há um valor real nesse momento: a quantia a que o beneficiário faz jus. Através dele se expressa o grau de cobertura a ser recebido pelo sujeito ativo da relação de seguridade social.


Para a apuração do valor real do benefício, é fundamental que ele seja fixado corretamente ab initio, pois, do contrário, o benefício persistirá durante toda a sua existência com um valor irreal, imprestável para o cumprimento de sua finalidade constitucional. Há que ser evitado, portanto, esse vício genético, por assim dizer.


A reforma constitucional em estudo atingiu o benefício nesse momento inicial – o da concessão – ao eliminar toda e qualquer referência ao período básico de cálculo do benefício que, como se sabe, fora fixado pelo constituinte originário em trinta e seis meses.


Em conseqüência com esse claro propósito de retirar proteção social (estranho desiderato o do constituinte reformador!) a legislação inferior acabou por considerar como base de cálculo para o benefício a média de oitenta por cento de todos os salários de contribuição percebidos pelo trabalhadores em toda a sua vida laborativa.


A expressão econômica da prestação a ser deferida já nasce, cumpre sublinhar, com valores reduzidos.


E, como se não bastasse essa grave redução, ainda se instituiu o fator previdenciário que ainda leva em conta – para a apuração do valor da aposentadoria por idade e da aposentadoria por tempo de contribuição – outras variáveis que acabam reduzindo ainda mais a quantia a ser percebida pelo beneficiário da proteção social.


Jamais será recuperada a expressão pecuniária do valor da remuneração do trabalhador, cujos proventos de inatividade possuem outra base de cálculo, composta de valores que só servem para definir o benefício.


Como vimos, o benefício de seguridade social constitui dívida de valor, de forma que a expressão monetária serve apenas para medir seu poder aquisitivo. Concedido o benefício de pagamento continuado – como são as aposentadorias e as pensões – é exigível, pela Constituição, que se mantenha o respectivo poder aquisitivo.


Temos, assim, dois componentes básicos e fundamentais na manutenção do benefício: periodicidade e índice de reajuste.


A periodicidade é essencial para a concessão dos reajustes que serão feitos para manter o valor real do benefício, mormente num contexto de alta inflação.


Sua definição foi relegada ao legislador ordinário que, também, ficou responsável pela escolha do indexador a ser utilizado no período do reajustamento.


A cada ano, assistimos a uma cena digna de ópera bufa.


O Congresso Nacional não confere o adequado reajustamento ao salário mínimo porque, se assim agir, estará “quebrando” a previdência social.


Mas, o mesmo Congresso se recusa a adotar certo referencial seguro, para o salário mínimo, que poderia garantir a mesma proporção percentual de reajustamento para os benefícios do que aquela que viesse a ser aplicada à remuneração dos servidores de melhor remuneração.


Com efeito, foi abortada no nascedouro interessante proposta, elaborada pelo Senador GERALDO CÂNDIDO: dando nova redação ao art. 81 da CLT, estabelecia que o salário mínimo teria como valor o equivalente a um vinte avos do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal [10].


Esse critério, estendendo-se proporcionalmente a quaisquer benefícios, faria com que a comunidade, no seu todo considerada, assumisse a responsabilidade – que constitucionalmente lhe cabe – pela redução das desigualdades sociais e pela melhoria da condição social dos trabalhadores, aposentados e pensionistas.


Ao operar a revisão periódica dos benefícios, que vierem a ser concedidos, ao fixar o valor máximo das remunerações que o Estado Brasileiro paga, o legislador verificaria se todos esses proventos manteriam compatibilidade com o limite máximo da remuneração de que trata o art. 37, XI da Norma Fundamental.


Constatada tal situação, aliás, o valor não sofreria nenhuma correção, pois não lhe é dado ultrapassar o limite máximo do provento devido a todos quantos percebem remuneração paga pelos cofres públicos.


Esse último aspecto é da maior importância.


O pacto social que se espera seja celebrado no Brasil – e do qual nos distanciou ainda mais a Emenda Constitucional em comento – exige que a comunidade dos ativos prestigie e proteja a comunidade dos aposentados e pensionistas que, a seu tempo, deram o contributo para o funcionamento do mecanismo conhecido como solidariedade entre gerações;


A pessoa que já percebesse, quantias superiores ao teto não sofreria nenhuma redução dos seus benefícios.


Diga-se, aliás, em abono desse critério que ele nada tem de original.


Foi adotado na Espanha e aceito sem qualquer pelo Tribunal Constitucional, que a entendeu plenamente compatível com a garantia da irredutibilidade, que figura no art. 50 da Constituição daquele país, a manutenção do valor dos benefícios maiores sem qualquer reajustamento no período de 1983 a 1989, ainda que a legislação tivesse concedido reajustes aos benefícios de menor valor [11].


É que, se percebe remuneração que se aproxima do limiar do teto ou que, até mesmo, ultrapassa o limite máximo da remuneração dos agentes públicos qualquer pessoa ficará sujeita, quando do cálculo do respectivo benefício – momento da concessão, portanto – ao limite que, então, estiver vigorando, nos termos da lei.


O tal teto será a máxima cobertura previdenciária constitucionalmente deferida.


Aliás, esse teto é coerente com outro, fixado pelo § 2º do art. 40 que assim estabelece:


“§ 2º Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião da sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.”


Considerado como suficiente para a manutenção do padrão de vida do servidor inativo e do pensionista, o limite do benefício será o limite da remuneração que, para o cargo, é paga ao trabalhador da ativa, limite que se sujeita, é claro, ao valor máximo a ser fixado nos termos do art. 37, XI, da Lei Fundamental.


A legislação pode estabelecer certo padrão máximo de cobertura que, uma vez atingido ou ultrapassado, não mereça qualquer incremento.


A alguém poderia causar estranheza que estou analisando o assunto como se fossem idênticas as situações dos servidores públicos e dos trabalhadores em geral. Isto é, que, de minha parte, estaria sendo ignorada a elementar distinção entre o regime geral e o regime próprio, aquele destinado aos trabalhadores e este último incumbido de proteger os servidores do Estado e suas projeções.


Mas ao raciocinar assim deliberadamente, danço conforme a música, como se diz.


Os autores das emendas constitucionais sustentaram, o tempo todo, que estavam eliminando diferenças entre o regime geral e o regime próprio.


Salvo em alguns poucos dispositivos, seguem sendo mantidas as diferenças que impedem o cumprimento da diretriz da universalidade da cobertura e do atendimento.


Um futuro pacto previdenciário, sobre manter a solidariedade entre gerações – que é o motor do sistema de seguridade social – deverá operar como efetivo instrumental de redução das desigualdades sociais.


Talvez não seja mais adequada ao padrão de desenvolvimento nacional a garantia da integralidade do provento aos servidores públicos que se aposentam, bem como aos respectivos dependentes que percebem pensões.


É possível que além do teto dos benefícios do regime geral, se deva estabelecer uma graduação.


A aposentadoria e a pensão serão graduadas por meio de alíquotas diferenciadas de tal modo que, quanto menor a remuneração do trabalhador e do servidor, maior há de ser o benefício.


Tal sistemática, é fácil de ver, se associa com a diretriz da distributividade das prestações, insculpida com tintas fortes no inciso III, do art. 194, da Constituição.


O direito atual e as reformas previdenciárias em comento ignoraram a técnica da distributividade.


Abstraída a razão econômica que animou as reformas previdenciárias – razão sem razão, pois nenhuma confiável conta foi apresentada à sociedade – sem que haja certa igualação entre os beneficiários da seguridade social, dando eficácia ao objetivo da distributividade, não será possível a formulação de um pacto social que projete tranqüilidade para todos no futuro.


O direito exige que se encontrem fórmulas de distributividade que conduzam, como deseja e comanda o constituinte, a redução das desigualdades sociais (art. 3º. III, da Constituição)


O sistema de seguridade social deveria estar aparelhado para funcionar como mecanismo de distribuição da renda nacional.


Mas, pela sua estrutura, que guarda vestígios do velho contrato de seguro, funciona mediante contribuição direta do trabalhador.


Em nenhum seguro o sistema funciona com base na seguinte fórmula: quanto maior o prêmio (contribuição social) menor a indenização (aposentadoria e pensão).


Em verdade, a única distinção possível entre beneficiários, a única que não afronta a isonomia da proteção social, como consagrada pela Constituição de 1988, é a que toma por base o risco da atividade exercida pelo trabalhador.


Quando prejudicar a saúde e a integridade física do trabalhador (art. 201, § 1o) ou quando provocar a invalidez ( art. 40, § 1º, I) o maior risco – acidente de serviço, moléstia profissional ou doença grave, etc… – deverá justificar a melhor cobertura que a comunidade social proporcionará ao sujeito de direito previdenciário.


A diferenciação entre prestações segundo o exclusivo critério econômico colocaria em segundo plano o critério social, em inexplicável inversão de valores.


É tempo de concluir.


Conquanto não devessem ter sido promulgadas, é um fato que se integraram à realidade jurídica pátria as Emendas Constitucionais n. 20, de 1998, n. 41, de 2003, e n. 47, de 2005, que introduziram no direito brasileiro as reformas previdenciárias.


Esses Textos ignoram assim a natureza como a índole do direito previdenciário, objeto de todos os seus preceitos


Como sublinhei no texto que escrevi a respeito, [12] o direito previdenciário é direito em formação, que o dia-a-dia vai conformando e que se aperfeiçoa, segundo regras inicialmente fixadas pelo quadro normativo, ao longo das etapas sucessivas da vida dos segurados.


E assim é em razão das variações que o risco social pode apresentar no longo período de tempo dentro no qual a atividade laborativa é exercida pelo segurado.


Com a idade, aumenta o risco da doença; com a velhice, aumenta o risco da morte, etc… Como afirma PONTES DE MIRANDA, o direito expectativo é como o “direito ao direito que vai vir”, direito que expecta, sublinha o mestre genial em sua linguagem singular. Enfim, digo eu, é um direito a ter direitos.


O Convênio n. 157, de 1982, da Organização Internacional do Trabalho, em seu artigo 7, cuida do sistema de conservação de direitos em curso de aquisição, inclusive considerando que, no tempo, podem variar quanto à natureza e o período os regimes previdenciários a que irá se submeter o trabalhador.


Estamos, pois, diante de conceito distinto e inconfundível com a categoria do direito adquirido. A seguridade social – para conferir seguridade – adjudica ab initio certo estatuto de proteção em favor do sujeito, estatuto esse que deve ser preservado no curso do tempo, a fim de atuar diante das contingências sociais cobertas.


Assim sendo, quaisquer alterações no estatuto de proteção somente deveria ser aplicada após a promulgação das novas regras sobre aqueles que se filiarem a partir daí, sendo vedada – por incompatível com a natureza mesma dos direitos em curso de aquisição – a retroatividade de normas restritivas de direitos.


Destarte, nenhuma das modificações constitucionais implementada pelas Emendas Constitucionais n. 20, de 1998, n. 41, de 2003, e n. 47, de 2005, poderia valer para a massa segurada que já então se encontrava em atividade


Isso nos reconduz ao ponto inicial desta exposição, relativo ao vício de encaminhamento de propostas de emenda constitucional que afrontam os direitos sociais consagrados pelo constituinte originário.


A Ordem Social, diz o art. 193 – Disposição Geral que abre aquele Título da Constituição – objetiva o bem estar e a justiça sociais.


Destinada a provocar uma autêntica reviravolta nas políticas econômicas e sociais, desde aquelas que se destinam a preparar o terreno para a consagração dos objetivos do pleno emprego e da livre iniciativa (art. 170, da Constituição ) até o advento da Justiça Social. 


O art. 195, da Lei Suprema, não cogita – por ser incompatível com os claros termos da Ordem Social – de regressão das conquistas sociais já elevadas à dignidade constitucional. Dá importante chancela jurídica ao vetor que CANOTILHO denominou, com exatidão, proibição de retrocesso.


Ao reverso, o preceito só conta com providências aptas a garantir a manutenção e a expansão da proteção social.


Aliás, o art. 3º, da Constituição, resume e compendia um estágio superior a que deve tender a República ao afirmar:


Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II – garantir o desenvolvimento nacional;


III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;


IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”


Todas as políticas econômicas e sociais serão, evidente e certamente, contaminadas por esses objetivos que consagram certo e bem definido modelo de desenvolvimento – do homem todo e de todos os homens – único apto a conquistar, para a pátria, a civilização do amor, de que nos fala, incessantemente, PAULO VI.


Todavia, todos esses valores tão caros ao povo e à Constituição foram ignorados pelas Emendas Constitucionais em referência, cujo cortejo de conseqüências graves, dentre as quais merece destaque a introdução do sinistro fator previdenciário, ainda não se perfez integralmente.


Não pode o Poder Legislativo, ao reformar a Constituição, investir contra toda a trabalhosa tessitura dos direitos sociais engendrada pelo constituinte originário.




Notas:
[1] GERARD LYON-CAEN, Manuel de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale, Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence 1955, p. 309

[2] FRANCISCO DE FERRARI, Los Princípios de la Seguridad Social, Buenos Aires, Depalma, 1972, p. 143.

[3] Cf. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, Convênios y Recomendaciones Internacionales del Trabajo, Ginebra, Oficina Internacional del Trabajo, 1985, p. 884.

[4] PATRICIO NOVOA FUENZALIDA, Derecho de Seguridad Social, Santiago. Editorial Jurídica de Chile, 1977, p. 101.

[5] Cf., sobre o tema , WAGNER BALERA , ‘O valor social do Trabalho“, in Revista LTr, ano 58, número 10, p. 1167-1178.

[6] O tema é melhor desenvolvido no meu A Seguridade Social na Constituição de 1988, São Paulo, RT, 1989.

[7] JOÀO XXIII, Carta Encíclica Pacem in Terris , de 11 de abril de 1963.

[8] J.M.ALMANSA PASTOR ( Derecho de la Seguridad Social, Madrid, Tecnos, segunda edição, 1977, volume I, p. 156 a 160), considera a solidariedade (interdependência recíproca ou vinculação dos membros do grupo que convivem socialmente) como princípio fundamental da relação jurídica de seguridade social. Aceita a diretriz com toda essa amplitude, a mesma albergaria, naturalmente, o princípio da seletividade e distributividade de que cuida a nossa Carta Magna.

[9] ALVARO VILLAÇA AZEVEDO, Curso de direito civil: teoria geral das obrigações, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1987, p. 132.

[10] Projeto de Lei do Senado n. 96/2000 – Diário do Senado Federal, de 13 de abril de 2000.

[11] MANUEL ALONSO OLEA e JOSE LUIS TORTUERO PLAZA, Instituciones de Seguridad Social, Madri, Editorial Civitas, 1995, p. 318 e 320/321.

[12] Notas sobre a reforma constitucional da Previdência Social, in Revista da Associação Paulista do Ministério Público n.º 14, janeiro de 1998, p. 28 e seguintes.


Informações Sobre o Autor

Wagner Balera

Livre-Docente de Direito Previdenciário na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professor-Titular de Direitos Humanos da mesma Universidade.


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