Antes de adentrarmos na análise de cada segmento nominado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no que diz respeito às relações jurídicas entre os menores, necessária se faz uma rápida análise destas relações interpessoais. Vejamos.
As relações jurídicas são formas qualificadas de relações interpessoais, indicando, assim, a ligação entre pessoas, em razão de algum objeto, devidamente regulada pelo direito. Desta forma, o Direito da Criança e do Adolescente, sob o aspecto objetivo e formal, representa a disciplina das relações jurídicas entre Crianças e Adolescentes, de um lado, e de outro, a família, a comunidade, a sociedade e o próprio Estado.
CHIOVENDA considerava relação jurídica aquela “entre duas ou mais pessoas, regulada pela lei e formada pela verificação de um fato, ensinando que podem estabelecer-se, não só entre indivíduos, como entre os indivíduos e o Estado.[1]”.
Por seu turno, como integrantes da Escola italiana, também tinham a relação jurídica como pressuposto da concepção de Direito tanto CARNELUTTI, ao distinguir as relações jurídicas ativas e passivas, relacionando as primeiras a atos jurídicos cujos titulares são sujeitos de um poder e as segundas aos titulares do dever[2] como CALAMANDREI, ao ampliar seu conceito de regulamentação jurídica dos conflitos de interesses entre dois sujeitos também para terceiros, inclusive pessoas fictas, numa verdadeira colaboração de interesses, unitária, complexa e continuativa para o atingir de uma determinada finalidade[3].
PONTES DE MIRANDA, por sua vez, ensinava que “o dever jurídico é correlato do direito: ao plus, que é o direito, corresponde o minus do dever. Há de haver relação jurídica base, ou relação jurídica interna à eficácia (relação intrajurídica), para que haja direito e, pois dever. Quem está do lado ativo da relação jurídica é o sujeito do direito; quem está no lado passivo, é o que deve, o devedor (em sentido amplo)”.[4]
GODOFREDO TELLES JÚNIOR concebe relação jurídica como o vínculo entre pessoas segundo a norma jurídica, distinguindo as relações de coordenação e de subordinação: as primeiras em que as pessoas se tratam de igual para igual e as segundas, em que uma das partes, o governo da sociedade política, por força de sua função de mando, faz sobrepor a sua vontade sobre a da outra parte.[5]
Desta forma, na precisa lição de MOACYR AMARAL SANTOS, a relação jurídica expressa um direito e uma obrigação, sendo o primeiro o interesse em sentido substancial, ou seja, o núcleo ou conteúdo de um direito subjetivo.[6]
Portanto, pelas lições de PÉRICLES PRADE[7], a relação jurídica expressa um direito e uma obrigação, sendo o primeiro o interesse em sentido substancial, ou seja, o núcleo ou conteúdo de um direito subjetivo.
Para PAULO AFONSO GARRIDO DE PAULA[8], “Somente com a Constituição de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente é que se concebe Crianças e Adolescentes como partícipes de relações jurídicas, conceito que baliza a definição de regras específicas de proteção à infância e juventude, representando o início de uma mudança cujo resultado final somente poderá ser verificado no futuro”.
ALYRIO CAVALLIERI[9] conceitua Direito do Menor como “conjunto de normas jurídicas relativas à definição da situação irregular do menor, seu tratamento e prevenção”, e RAFAEL SAJÓN[10], por seu turno, o conceitua como “El Derecho de Menores como ‘um conjunto de normas jurídicas que tienen por objeto regular la actividade comunitaria en relación com el menor’, es uma rama Del Derecho que regula la protección integral Del menor para favorecer, em la medida de lo posible, el mejor desarrollo de la personalidad del mismo y para intergralo, cuando llegue a sua plena capackidad, em lãs mejores condiciones físicas, intelectuales, emotivas e Morales, a la vida social normal”.
Percebemos que a intenção dos doutrinadores e do próprio legislador foi, sempre, criar uma doutrina da proteção integral não somente para a Criança, como, ainda, para o Adolescente, ambos ainda em desenvolvimento, posto que, somente com o término da adolescência é que o menor completará o processo de aquisição de mecanismos mentais relacionados ao pensamento, percepção, reconhecimento, classificação etc.
Ora, se o marco da passagem da infância para adolescência, ainda que temporariamente inconstante, é a puberdade, a inexistência de um episódio tão marcante entre a adolescência e a idade adulta imprime maiores e invencíveis dificuldades. A adolescência representa uma fase do desenvolvimento cognitivo, iniciada na infância e que se entende até a idade adulta, caracterizada principalmente pelo raciocínio hipotético, capacidade de pensar sobre problemas e realidades, assimilação de padrões e normas adultos e pelo ressurgimento da sexualidade recalcada anteriormente.[11]
Com isso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, sabiamente, se preocupou em envolver não somente a família, mas, ainda, a comunidade, a sociedade e o próprio Estado, para que todos, em conjunto, exerçam seus direitos e deveres sem oprimir aqueles que, em condição inferior, viviam a mercê da sociedade. Mas, qual a razão dessa inclusão tão abrangente?
Pois bem, a intenção do Estatuto da Criança e do Adolescente foi conferir ao menor, de forma integral, todas as condições para que o mesmo possa desenvolver-se plenamente, evitando-se, com isso, que haja alguma deficiência em sua formação.
Desta forma, a melhor solução apresentada pelo legislador foi incluir todos os segmentos da sociedade, para que ninguém ficasse isento de qualquer responsabilidade, uma vez que a doutrina da proteção integral apresentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente exige a participação de todos, sem qualquer exceção.
Da participação da família
Para entendermos um pouco mais essa abrangência, analisaremos cada um dos segmentos envolvidos nesse processo de desenvolvimento, abordando, assim, num primeiro prisma, a responsabilidade da família, pois, dentre todos os envolvidos, é a que está mais perto do menor e, com isso, deve estar sempre atenta para fornecer ao mesmo as melhores condições para o seu desenvolvimento.
Vale aqui trazer a lição de RUI BARBOSA[12], para quem “A pátria é a família amplificada. E a família, divinamente constituída, tem por elementos orgânicos a honra, a disciplina, a fidelidade, a benquerença, o sacrifício. É uma harmonia instintiva de vontades, uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivendo de almas entrelaçadas. Multiplicai a célula, e tendes o organismo. Multiplicai a família, e tereis a pátria. Sempre o mesmo plasma, a mesma substância nervosa, a mesma circulação sangüínea. Os homens não inventaram, antes adulteraram a fraternidade, de que o Cristo lhes dera a fórmula sublime, ensinando-os a se amarem uns aos outros: Diliges proximum tuun sicut te ipsum”
Afinal de contas, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a base do desenvolvimento do menor está na família, onde ele deverá encontrar guarida para todas as suas necessidades. A melhor saída, com isso foi o fortalecimento da família, para que o menor pudesse sempre obter retorno imediato dos seus anseios. DANIEL HUGO d’ANTONIO[13], citado por Roberto João Elias, ao discorrer sobre a questão da importância da família, assim prescreve:
Entretanto, é cediço que a raiz do problema está na família. Esta deve ser, por todos os modos, fortalecida. Assim, os seus membros menores não serão privados da assistência que lhes é devida. Daniel Hugo d’Antonio ressalta que uma política integral sobre a menoridade deve, necessariamente, harmonizar-se com a política familiar, porque a família constitui o elemento básico formativo, onde se deve preparar a personalidade do menor (Derecho de menores, p. 9). O jurista argentino refere-se a vários congressos latino-americanos que chegaram a essa conclusão.
Por certo que no seio da família é que o menor terá melhores condições de encontrar o abrigo necessário para todas as suas necessidades, recebendo, ainda, toda a proteção que lhe é peculiar, o afeto que lhe servirá de norte, o aprendizado de vida que, com certeza, lhe dará o rumo a seguir. É, sem dúvida, no seio da família, que o menor estará efetivamente protegido, ao menos é o que se espera.
Todavia, temos que ter sempre em mente que a família, por si só, não é elemento suficiente para cumprir essa tarefa, uma vez que suas funções devem ser observadas por cada componente. ALLAN BLOOM[14], discorrendo sobre o tema, afirma que a família “exige a mais delicada mistura de natureza e de convenções, do humano e do divino para que preencha suas funções”. Para o autor, a família requer autoridade e sabedoria para a formação de seres humanos civilizados, mas, entende que a mesma está dividida e esvaziada, pois teria perdido o seu lado sagrado, entregando-se ao utilitarismo. Falta-lhe, assim, fé, tendo abandonado o seu papel de transmissora de tradição, pois “Quando a crença desaparece, conforme ocorreu, a família guarda na melhor das hipóteses uma unidade transitória. As pessoas jantam, brincam e viajam juntas, mas não pensam juntas. É raro que haja vida intelectual em qualquer residência, muito uma vida que inspire os interesses essenciais da existência. A televisão educativa assinala a maré alta da vida intelectual da família”.
Portanto, o que temos, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não é tão somente uma família, mas, sim, pessoas envolvidas emocionalmente e plenamente comprometidas com o desenvolvimento pleno do menor. Do contrário, a situação estará sujeita à ruína, o que não se pretende.
DALMO DE ABREU DALLARI[15], discorrendo sobre o tema, apresenta suas considerações sobre a inclusão da família nesse rol de responsáveis diretos pela proteção integral tão necessária à Criança e ao Adolescente. Vejamos:
A responsabilidade da família, universalmente reconhecida como um dever moral, decorre da consangüinidade e do fato de ser o primeiro ambiente em que a criança toma contato com a vida social. Além disso, pela proximidade física, que geralmente se mantém, é a família quem, em primeiro lugar, pode conhecer as necessidades, deficiências e possibilidades da criança, estando, assim, apta a dar a primeira proteção. Também em relação ao adolescente, é na família, como regra geral, que ele tem maior intimidade e a possibilidade de revelar mais rapidamente suas deficiências e as agressões e ameaças que estiver sofrendo.
Por isso, é lógica e razoável a atribuição de responsabilidade à família. Esta é juridicamente responsável perante a criança e o adolescente, mas, ao mesmo tempo, tem responsabilidade também perante a comunidade e a sociedade. Se a família for omissa no cumprimento de seus deveres ou se agir de modo inadequado, poderá causar graves prejuízos à criança ou ao adolescente, bem como a todos os que se beneficiariam com seu bom comportamento e que poderão sofrer os males de um eventual desajuste psicológico ou social.
Com essa visão é que o Estatuto da Criança e do Adolescente olha para o menor sempre pensando em sua inserção no seio familiar, seja na família natural, ou, ainda, acaso essa possibilidade não esteja presente, e como segunda opção, em uma família substituta, onde, ao que se espera, também receberá toda a proteção que lhe é peculiar.
Da participação da comunidade
Com toda certeza, seria extremamente injusto e arriscado por parte do legislador colocar somente sobre a família todas as obrigações decorrentes da doutrina da proteção integral, inerentes ao menor. Afinal de contas, para que se cumpram todas as obrigações de que necessitam os menores, a família carece de auxílio, razão pela qual o Estatuto da Criança e do Adolescente tratou de repartir o fardo com outros segmentos da sociedade, dentre eles, a própria comunidade.
Mas, o que podemos definir como comunidade? CURY, GARRIDO & MARÇURA[16], de forma extremamente direta e simplista, a define como sendo um “Grupo social próximo à criança ou adolescente (vizinhos, escola, igreja, etc.)”.
A intenção do legislador não foi outra senão a de abarcar não somente a família, responsável direta pelo desenvolvimento dos menores, como, ainda, aqueles que estão mais próximos destes, como, por exemplo, os moradores próximos, seja da própria rua como do bairro, os integrantes das escolas, envolvendo, assim, professores, diretores, demais funcionários, a igreja, formada por uma camada específica da sociedade, que mantém um contato mais próximo e salutar com os menores.
Discorrendo sobre o tema, o iminente jurista DALMO DE ABREU DALLARI[17], aborda a questão da inclusão da comunidade no rol de responsáveis pelos menores. Vejamos:
As entidades aí referidas são as formas básicas de convivência. Ao acrescentar a comunidade à enumeração constante da Constituição, o legislador apenas destacou uma espécie de agrupamento que existe dentro da sociedade e que se caracteriza pela vinculação mais estreita entre seus membros, que adotam valores e costumes comuns. Foi bem inspirada essa referência expressa à comunidade, pois os grupos comunitários, mais do que o restante da sociedade, podem mais facilmente saber em que medida os direitos das crianças e dos adolescentes estão assegurados ou negados em seu meio, bem como os riscos a que eles estão sujeitos.
É a comunidade quem recebe os benefícios imediatos do bom tratamento dispensado às crianças e aos adolescentes, sendo também imediatamente prejudicada quando, por alguma razão que ela pode mais facilmente identificar, alguma criança ou algum adolescente adota comportamento prejudicial à boa convivência.
Assim, a preocupação é que tanto os de casa – a família -, como os de perto – a comunidade -, possam agir em conjunto visando a proteção integral da criança e do adolescente, para que os mesmos possam ter todas as condições que lhes são peculiares como pessoas em desenvolvimento.
Da participação da sociedade
Na aplicação da doutrina da proteção integral o que vemos é que o Estatuto da Criança e do Adolescente foi além, pensando ainda mais alto do que todos imaginavam, fazendo com que participasse dessa empreitada todos aqueles que, mesmo de longe, acabam sendo direta ou indiretamente atingidos pelos resultados dessa proteção integral.
Com isso, abarcou da mesma forma a própria sociedade, de forma genérica, evitando-se, desta maneira, que alguém possa alegar ignorância ou irresponsabilidade para com esse segmento da sociedade.
Ora, quando falamos de sociedade forçosamente o que vemos é uma enorme quantidade de adultos acometidos de cegueira quando se fala de Criança e Adolescente. Isso mesmo, pois esses adultos, formadores da sociedade, não compreendem ou não querem compreender os menores, seja por conveniência ou, até mesmo, por ignorância.
MARIA MONTESSORI[18], discorrendo sobre o tema, nos traz brilhantes ensinamentos ao dizer que “O Adulto não tem compreendido a criança e o adolescente; em conseqüência, trava contra eles uma luta perene. O remédio não consiste em fazer o adulto aprender alguma coisa ou integrar uma cultura diferente. Não. É preciso partir de uma base diferente. É necessário que o adulto encontre em si mesmo o erro ignorado que o impede de ver a criança”. MONTESSORI prossegue sua veemente acusação dizendo que “O adulto tornou-se egocêntrico em relação à criança: não egoísta, mas egocêntrico, porquanto encara tudo que se refere à vida psíquica da criança segundo seus próprios padrões, chegando assim a uma incompreensão cada vez mais profunda. É esse ponto de vista que o leva a considerar a criança um ser vazio, que o adulto deve preencher com seu próprio esforço, um ser inerte e incapaz, pelo qual ele deve fazer tudo, um ser desprovido de orientação interior, motivo pelo qual o adulto deve guiá-lo passo a passo, do exterior. Enfim, o adulto é como que o criador da criança e considera o bem e o mal das ações desta do ponto de vista de suas relações com ela. O adulto é a pedra-de-toque do bem e do mal. É infalível, é o bem segundo o qual a criança deve moldar-se; tudo que na criança se afasta das características do adulto é um mal que este se apressa em corrigir”. Outra não poderia ser a conclusão de MONTESSORI senão a de que “com essa atitude que, inconscientemente, anula a personalidade da criança, o adulto que age convencido de estar cheio de zelo, amor e sacrifício”, resultando, desta forma, um resultado totalmente diverso e nefasto para a sociedade.
Assim, estes indivíduos, formadores desta sociedade, devem estar atentos para a forma de agir em relação à Criança e ao Adolescente, evitando-se, assim, erros fatais, como os que salientamos linhas atrás.
Mas, da mesma forma com que precisamos o que seria a comunidade, indagamos: como seria definida a sociedade? Para essa definição, vez mais trazemos à colação os ensinamentos de CURY, GARRIDO & MARÇURA[19], os quais, ainda de forma extremamente direta e simplista, apresentam a solução, esclarecendo tratar-se de um “Conjunto de pessoas físicas e jurídicas que compõem o corpo social”.
A intenção do legislador, por certo, foi incluir nesse rol de obrigações, além da família e da comunidade, todos aqueles que fazem parte da sociedade, sem qualquer exceção, uma vez que o interesse passa a ser de todos na medida que o menor, recebendo todas as condições para desenvolver-se adequadamente, não trará, regra geral, desconforto para a sociedade, pois o resultado desse investimento pessoal será a formação de um adulto responsável, ou seja, de um ótimo cidadão, o que atingirá, mesmo que indiretamente, toda a sociedade.
Brilhantes são os ensinamentos do iminente jurista DALMO DE ABREU DALLARI[20], o qual, de forma extremamente clara e precisa, aborda a questão da inclusão da sociedade no rol dos responsáveis pela proteção dos menores. Vejamos:
Finalmente, cabe dizer alguma coisa sobre a responsabilidade da sociedade em geral, segundo a expressão do art. 4º do Estatuto.
A solidariedade humana é uma necessidade natural e um dever moral de todos os seres humanos. No quarto século antes de Cristo o filósofo grego Aristóteles escreveu que o homem é um “animal político”, querendo dizer, com isso, que o ser humano, por sua natureza, não vive sozinho, tendo sempre a necessidade da companhia dos semelhantes. Através dos séculos isso foi reafirmando por muitos pensadores, tendo sido ressaltado que, além das necessidades materiais, existem outras que são comuns a todos os seres humanos e que impedem as pessoas de se realizarem sozinhas, vivendo em completo isolamento.
Atualmente, com base na observação dos fatos e utilizando conhecimentos científicos, pode-se afirmar que a vida em sociedade é uma exigência da natureza humana. Com efeito, o ser humano é um animal que, após o seu nascimento, por muitos anos não consegue obter sozinho os alimentos de que necessita para sobreviver. E, no mundo de hoje, com a maioria das pessoas vivendo nas cidades, são muito raros os que produzem os alimentos que consomem, sendo necessária toda uma rede de produtores, transportadores e distribuidores para evitar que muitos morram de fome.
Outras necessidades materiais, como um lugar de habitação e trabalho abrigado dos rigores da natureza, vestimentas protetoras, meios de locomoção, tudo isso faz parte das necessidades materiais, que só podem ser atendidas mediante uma troca de bens e de serviços.
Ao lado disso, existem necessidades espirituais, intelectuais e afetivas que a pessoa humana só satisfaz na convivência com outras pessoas. Entre estas se inclui a necessidade de expor os pensamentos e de dialogar, que, com maior ou menor intensidade, é sentida por todas as pessoas.
Como fica evidente, todos dependem de muitos outros para sobreviver, e não há uma só pessoa que não receba muito, direta ou indiretamente, das demais. Os que são mais pobres recebem menos e os que vivem com maior conforto e gozam de padrão de vida mais elevado recebem muito mais, não havendo, entretanto, quem nada receba dos outros.
Aí está o fundamento da solidariedade e da responsabilidade. Como as crianças e os adolescentes são mais dependentes e mais vulneráveis a todas as formas de violência, é justo que toda a sociedade seja legalmente responsável por eles. Além de ser um dever moral, é da conveniência da sociedade assumir essa responsabilidade, para que a falta de apoio não seja fator de discriminações e desajustes, que, por sua vez, levarão à prática de atos anti-sociais.
Ora, como vimos, viver em sociedade é uma característica peculiar de todo indivíduo, o qual, quer queira ou não, acaba se relacionando, tanto para suprimento das necessidades básicas, como, ainda, para as necessidades intelectuais e espirituais. A esse respeito, trazemos à colação os ensinamentos de J. FRANKLIN ALVES FELIPE[21], que aborda o assunto da seguinte maneira:
O homem, ser eminentemente social, convive em grupos, dentre os quais se destacam a Família, a Igreja e a Escola. Desponta-se a família, a nosso ver, como a mais importante das instituições sociais. Berço natural da pessoa, a família é o lugar ideal para a formação e educação dos filhos. A família faz uma comunidade próspera se nasce e cresce fecunda. Onde, todavia, perde a sua unidade, se esmorece e deteriora, aí fatalmente haverá um Estado enfraquecido.
O que constatamos é que a sociedade, desta forma, não pode ficar de fora das responsabilidades inerentes ao desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, pois, mesmo de forma genérica, age no dia-a-dia das pessoas e, com isso, precisa atuar como co-participante desse desenvolvimento tão necessário para o menor.
Com isso, não se há de falar em exclusão de responsabilidade, mas, ao contrário, da participação ativa de todos os segmentos visando um crescimento adequado do menor, e, com isso, a obtenção, para todos, de ótimos frutos.
Da participação do Estado
Pela visão ampla do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente com esses envolvidos não seria suficiente, posto que poderia faltar-lhes condições para o exercício pleno da doutrina da proteção integral. Para que eventuais falhas pudessem ser supridas e para que todos os até então envolvidos pudessem ter plenas condições de cumprir suas obrigações para com os menores, o ECA fez por bem em incluir no rol dos responsáveis por essa proteção integral o próprio Poder Público.
MARIA DE FÁTIMA CARRADA FIRMO[22], discorrendo sobre a necessidade de participação do Poder Público, assim prescreveu, verbis:
A vista da nova política de proteção integral da criança e do adolescente, prevista nas normas constitucionais, impõe-se a atuação do Estado de forma não só reparativa, quando já instalou uma situação irregular, ou seja, já houve infringência de direitos, mas, também, de forma preventiva, isto é, de maneira a garantir condições físicas, mentais, morais, espirituais e sociais para que a criança e o adolescente usufruam de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana.
Ora, quando falamos em Poder Público, ou seja, em Estado, temos que ter em mente a definição que nos foi apresentada por CURY, GARRIDO & MARÇURA[23], abarcando, desta forma o “Conjunto de poderes e instituições, em todos os níveis”.
Essa inclusão torna-se mais do que necessária, posto que a família, a comunidade e sociedade, por si só, não possuem plenas condições para o cumprimento das obrigações que lhes são inerentes frente aos menores, face às disposições contidas no ECA. Ora, o que temos, então, nada mais é do que o um “munus” público, ou seja, a obrigatoriedade do próprio Estado em auxiliar a família, a comunidade e a sociedade, nas obrigações decorrentes do Estatuto da Criança e do Adolescente, fornecendo-lhes condições para que o menor possa ser atendido em todas as suas necessidades previstas no ECA.
Discorrendo sobre o tema, trazemos à baila, vez mais, os ensinamentos de DALMO DE ABREU DALLARI[24], para quem todos os setores da organização pública são responsáveis pela adoção de providências frente aos menores. Vejamos:
Ao mencionar o dever do Poder Público em relação à criança e ao adolescente, o Estatuto quer referir-se ao Estado, por todas as suas expressões. Evidentemente, não se poderia atribuir responsabilidade, por meio de lei, a uma entidade que não tivesse competência constitucional para tratar do assunto. Por esse motivo, é importante verificar o que dispõe a Constituição sobre competências em relação a crianças e adolescentes.
No art. 24, está prevista a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre “proteção à infância e à juventude” (inc. XIV). Esse dispositivo não se refere aos cuidados e à proteção da infância e da juventude, mas apenas à legislação, sendo oportuno esclarecer que não ficou excluída a possibilidade de leis municipais sobre a matéria, pois a própria Constituição, no art. 30, estabelece que compete aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual.
Na realidade, não existe qualquer disposição constitucional reservando à União, aos Estados e aos Municípios a competência para a prestação de serviços visando, especificamente, à garantia dos direitos ou à proteção da infância e da juventude. E, pelo art. 23, que enumera as matérias para as quais a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal são conjuntamente competentes, encontram-se vários incisos que incluem os cuidados de crianças e adolescentes.
Em tal sentido podem ser referidos, especialmente, o inc. II, que manda cuidar da saúde e assistência pública, e o inc. V, mandando proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Merece destaque o inc. X, que dá a todos a competência comum para combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.
Assim, pois, todos esses setores da organização pública são responsáveis pela adoção de providências que ajudem as crianças e os adolescentes a terem acesso aos seus direitos, recebendo a necessária proteção.
De extrema importância, assim, a participação efetiva do Poder Público, seja ele na esfera Municipal, Estadual ou Federal, fornecendo condições para que os demais segmentos da sociedade possam, em conjunto, exercer de forma eficaz a doutrina da proteção integral prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Da participação, em conjunto, de todos os segmentos
Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a família, a comunidade, a sociedade e o Estado estarão trabalhando juntos para que os menores possam ser atendidos em todas as suas necessidades, evitando-se, assim, desvios e conseqüências desastrosas para todos.
Como vimos, existe uma necessidade primordial – que é a proteção integral – que deve ser observada quando falamos dos direitos e deveres dos menores, a qual, obrigatoriamente, envolve todos os elementos participantes desse contexto, quais sejam, a família, a comunidade, a sociedade e o próprio Estado.
Discorrendo sobre o tema, LIBORNI SIQUEIRA[25], apresenta, de forma resumida, a definição dos quatro componentes em debate, os quais foram incorporados no artigo 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Vejamos:
Transcreve, com breve mudança, o art. 227 da Constituição Federal. Verificamos que se colocou no mesmo grau a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público, como se todos se equivalessem.
O Poder Público é um poder institucionalizado. Os órgãos que o constituem têm estrutura e competência próprias reguladas pelo Direito e a Lei.
Daí por que o art. 226 da Constituição Federal diz que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
A comunidade, numa conceituação aceita, é o pequeno grupo de pessoas residentes na mesma localidade e sob a égide da mesma cultura. Poder-se-ia conceituar que a família é uma comunidade em sentido estrito.
Sociedade em geral abarca todas as comunidades no seu entrecruzamento relacional, embora nos afigure como forma de abstração.
O instrumento de que dispõe a família para integrar a criança no grupo maior – a sociedade – é a socialização que a faz pessoa humana. Absoluta prioridade está subordinada a uma série de fatores sociais e a uma escala de valores.
Os direitos que o artigo especifica são os fundamentais, não havendo necessidade do casuísmo empregado.
Por certo que existem algumas condições que podem ser atendidas mais de perto por esta ou aquela categoria constante do dispositivo em estudo. Como exemplo, podemos citar à educação de forma geral, a qual torna-se muito mais eficaz quando é aplicada dentro do lar, com a família. Neste aspecto, por exemplo, os pais têm a grande responsabilidade pela instrução e educação dos filhos, e, sobretudo, devem dar-lhes o devido exemplo, pois de nada adianta a adoção de medidas punitivas aos pais negligentes se estes não se conscientizem dos seus deveres.
Importante notarmos a necessidade de um maior envolvimento de cada uma das categorias, cada qual fazendo a sua parte, se envolvendo e dando condições para que os menores possam se desenvolver adequadamente, tendo as mínimas condições para um convívio salutar em sociedade. Com isso, o resultado final certamente será dos mais fabulosos, pois os frutos a serem colhidos serão dos melhores e ganhará com isso, não somente o próprio menor, mas a família, a comunidade, a sociedade e o próprio Estado.
Informações Sobre o Autor
Moacyr Pereira Mendes
formado pela Faculdade de Direito de Itu, em 1986. Possui pós-graduação “Lato Sensu” em Direito Processual Civil, pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (1998), especialização em Direito Ambiental, pelas Faculdades Metropolitanas Unidas, especialização em Direito da Criança e do Adolescente, pela ESA – Escola Superior da Advocacia e Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na subárea de Direito Difusos e Coletivos, concluída em dezembro de 2005. É advogado autônomo em Sorocaba e professor universitário pela UNISO – Universidade de Sorocaba – Fundação Dom Aguirre e UNIP Universidade Paulista – Campus Sorocaba