Segurança Jurídica e Tributação:
A União, os Municípios e o Distrito Federal têm competência para criar tributos. Mas, para que os contribuintes não fiquem à mercê do arbítrio destas pessoas políticas, ela deve desenvolver-se dentro de certos paradigmas, que nossa Carta Fundamental minuciosamente traçou.
Entre nós o fenômeno tributário não pode ser estudado apenas na legislação infraconstitucional.
O Estado, ao exercer a tributação, deve observar os limites que a ordem constitucional lhe impôs, inclusive no que atina com os direitos subjetivos públicos das pessoas.
Com estes preceitos, a Constituição determinou de modo negativo, isto é, através de proibições, o conteúdo possível das leis tributárias e, indiretamente, dos regulamentos, das portarias, dos atos administrativos tributários, etc.
A União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal, ao fazerem uso de suas competências tributárias são obrigados a respeitar os direitos individuais e suas garantias. O contribuinte tem a faculdade de, mesmo sendo tributado pela pessoa política competente, ver respeitados seus direitos públicos subjetivos, constitucionalmente garantidos.
No Estado de Direito, os governantes sujeitam-se ao império da lei. Nele , o Pode Público age “secundun legem” e, em suas relações com os governados, submete-se a um regime de direito, pauta sua conduta por regras que, com outorgarem e garantirem os direitos individuais, apontam os meios que ele poderá validamente empregar para a consecução de seus fins.
O Estado de Direito confere aos indivíduos a titularidade de direitos públicos subjetivos e, portanto, de posições jurídicas ativas que podem ocupar nos eventuais confrontos que venham a ter com a autoridade pública e com outros particulares.
O Estado de Direito é aquele que, tanto quanto os particulares, respeita as leis e decisões judiciais.É preciso ainda que as leis sejam votadas por Parlamentos livres e que o Poder Judiciário seja composto por juízes independentes, que não temam contrariar, com suas decisões, os interesses do Estado.
A Constituição Brasileira acolheu esta idéia central de sujeição e acomodamento do Estado ao Direito.Ao tratar dos direitos fundamentais, garantiu a igualdade de todos perante a lei, a inviolabilidade da propriedade privada, a liberdade de opinião, a liberdade de ir e vir da pessoa, a liberdade de consciência, a liberdade de associação e reunião, etc.
A Constituição confere a toda e qualquer pessoa, vários direitos, irrenunciáveis e imprescritíveis, concernentes “à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º).O exercício de tais direitos cria situações jurídicas ativas que são verdadeiros direitos subjetivos, oponíveis a qualquer pessoa, inclusive ao Estado.
A atividade estatal, desenvolve-se dentro das linhas traçadas pelo ordenamento constitucional e deve respeitar os direitos públicos subjetivos das pessoas.
Os direitos do homem são respeitados só enquanto alvo de tutela pelo ordenamento jurídico.Mas, efetivamente, tais direitos só se transformam em direitos subjetivos quando o ordenamento jurídico os garante, dando aos indivíduos os meios próprios necessários para constrangerem as demais pessoas e o Estado a respeitá-los.
Direitos Fundamentais e Tributação:
O Estado, ao exercer a tributação, deve observar os limites que a ordem constitucional lhe impôs, inclusive em relação aos direitos subjetivos públicos das pessoas.
A União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal, ao fazerem uso de suas competências tributárias, são obrigados a respeitar os direitos individuais e suas garantias.O contribuinte tem a faculdade de, mesmo sendo tributado pela pessoa política competente, ver respeitados seus direitos públicos subjetivos, constitucionalmente garantidos.
O “estatuto do contribuinte”:
Os direitos fundamentais, evidentemente, também amparam o contribuinte contra os Poderes do Estado, inclusive o Legislativo. Daí serem inconstitucionais as normas jurídicas que, a pretexto de exercitarem competências tributárias, impedirem ou tolherem o pleno desfrute dos direitos públicos subjetivos dos contribuintes.
Estes direitos fundamentais formam, no que atina à tributação, o chamado estatuto do contribuinte. Segundo Paulo de Barros Carvalho, “o estatuto do contribuinte é a somatória, harmônica, organizada dos mandamentos constitucionais sobre matéria tributária, que, positiva ou negativamente, estipulam direitos, obrigações e deveres do sujeito passivo, diante das pretensões do Estado. E quaisquer desses direitos, deveres e obrigações, porventura encontrados em outros níveis da escala jurídico-normativa, terão e achar respaldo de validade naqueles imperativos supremos, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.”
O estatuto do contribuinte impõe limitações aos Poderes Públicos, inibindo-os de desrespeitarem os direitos subjetivos das pessoas que devem pagar tributos. A Fazenda Pública não poderia ser impedida de fazer o mesmo. O estatuto do contribuinte exige que a tributação, livre de qualquer arbitrariedade, realize a idéia de Estado de Direito. Às várias possibilidades de atuação da Fazenda Pública há de corresponder a garantia dos direitos de cada contribuinte. Quanto mais gravosa a intervenção tributária, tanto mais cuidadosamente deverá ser protegida a esfera de interesses dos indivíduos.
Dentro da idéia de que o contribuinte mantém uma relação de igualdade jurídica com o Fisco e de que ambos têm direitos e deveres recíprocos, está tramitando no Congresso Nacional projeto de “ Código de Defesa do Contribuinte”, que visa a tornar eficazes os valores consagrados no sistema constitucional tributário brasileiro.
É que a tributação deve desenvolver-se dentro dos limites que a Carta Suprema traçou.Este objetivo é alcançado, basicamente, respeitando-se os direitos fundamentais do contribuinte e aquela faixa de liberdade das pessoas, onde a tributação não pode se desenvolver.
O legislador ordinário da União, de cada Estado, de cada Município e do Distrito Federal encontra na CF, perfeitamente delimitada, sua área de tributação.É impossível o estudo da competência tributária, no direito positivo brasileiro, sem uma análise aprofundada da Constituição, especialmente na parte em que ela elenca e assegura os direitos fundamentais.
As pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira arbitrária e sem obstáculo algum, diante dos contribuintes. Por força do art. 5ºXIII da CF, as leis tributárias não podem criar embaraços abusivos ao livre exercício do trabalho.
No Brasil, os tributos devem ser criados ou aumentados pelo Poder Legislativo, o que equivale a dizer que devem ser aprovados pelos representantes de todos os contribuintes em potencial. É inafastável a idéia de que os direitos fundamentais, constitucionalmente reconhecidos, refreiam as competências que as pessoas políticas receberam para tributar.
De fato, como o Direito visa à obtenção da “res justa”, de que nos falavam os antigos romanos, todas as normas jurídicas, todas as normas jurídicas devem procurar tornar segura a vida das pessoas e das instituições.
A segurança jurídica exige que a lei tributária seja estritamente interpretada.Estando em pauta, na tributação, a liberdade e a propriedade das pessoas, as leis tributárias não se compadecem com uma interpretação extensiva ou analógica, mas demandam uma interpretação estrita, pra que resultem melhor defendidos os direitos e garantias dos contribuintes.
Nossa Constituição veda às pessoas políticas instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Se é vedado instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, é vedado instituir tratamento igual entre contribuintes que se encontrem em situação diversa.
O Princípio da Segurança Jurídica exige, ainda, que os contribuintes tenham condições de antecipar objetivamente seus direitos e deveres tributários, que, por isto mesmo, só podem surgir de lei, igual para todos, irretroativa e votada pela pessoa política competente. Assim, este princípio acaba por desembocar no princípio da confiança na lei fiscal, que, “traduz-se, praticamente, na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer e computar os seus encargos tributários com base exclusivamente na lei”.
Não podemos deixar de mencionar, ainda, o princípio da boa-fé, que impera também no direito tributário e irradia efeitos tanto sobre o fisco quanto sobre o contribuinte, exigindo que ambos respeitem as conveniências e interesses do outro e não incorram em contradição com sua própria conduta, na qual confia a outra parte.
As Contribuições (art. 149 e seus parágrafos da CF/88_)
Art. 149. Compete exclusivamente À União instituir contribuições sociais , de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts.146,III e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195 e parágrafo 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
Pela leitura deste artigo percebemos que a Constituição Federal prevê três modalidades de contribuições: as interventivas, as corporativas e as sociais. Todas elas Têm natureza tributária, mesmo porque, com a expressa alusão aos arts. 146,III, e 150, I e III da CF, fica óbvio que deverão obedecer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que informam a tributação no Brasil.
Portanto, essas contribuições são verdadeiros tributos
Ao contrário do que fez com os demais tributos, a Constituição, ao cuidar destas contribuições, não declinou, a não ser incidentalmente, quais devem ser suas hipóteses de incidência e bases de cálculo.
Em su artigo 49, a CF não apontou a regra-matriz destas contribuições, antes contentou-se em indicar as finalidades que devem atingir; a saber: a intervenção no domínio econômico, o atendimento a interesse de categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas e o custeio da seguridade social.
Segundo Carraza ( p. 554), “As contribuições ora em exame não foram qualificadas, em nível constitucional, por suas regras-matrizes, mas, sim, por suas finalidades.
Em razão do exposto, o legislador ordinário da União está autorizado, pela CF a instituir impostos ou taxas para tender a uma das aludidas finalidades, desde que não invada a competência tributária dos Estados, dos Municípios ou do Distrito Federal, nem atropele os Direitos Fundamentais dos contribuintes.
Ao instituir tais contribuições, a União não poderá invadir o campo tributário que a CF reservou às outras pessoas políticas. Antes, deverá observar estritamente o princípio da reserva das competências tributárias, elegendo, como hipótese de incidência dos gravames, apenas fatos que a Constituição permitiu sejam alvo de tributação federal.
Os ingressos advindos da arrecadação destes tributos devem necessariamente ser destinados à viabilização ou ao custeio de uma das atividades mencionadas no art. 149 da CF, pouco importa se a atividade é desempenhada pela Própria União ou por terceiro, delegatário. A elas não se aplica a vedação do art.167, IV da CF.
O art. 167,IV refere-se especificamente a impostos e não a contribuições. E, mesmo que, como nós , fazemos, se considere que tais contribuições , em última análise, são impostos qualificados pela finalidade, o que as aparta desta espécie tributária é justamente a finalidade.
Embora, em regra, a destinação do produto da arrecadação é irrelevante para caracterizar o tributo, as contribuições , ainda que venham a assumir a roupagem de imposto pressupõem, por comando da CF, a vinculação da receita obtida a órgão, fundo ou despesa. Tal vinculação é imprescindível, até porque é ela que vai confirmar a natureza da contribuição, possibilitando o controle de sua constitucionalidade.
A finalidade é o caminho mais seguro para a identificação do regime jurídico das contribuições. O eventual desvio desta destinação acarretará a injuridicidade da própria cobrança.
Se o contribuinte puder demonstrar que a contribuição a seu cargo não teve o produto de sua arrecadação aplicado naquela finalidade apontada na lei que a instituiu, ele tem o direito de subtrair-se ao seu pagamento ou, quando for o caso, de repetir o que pagou, observados, aí, apenas, os prazos prescricionais.
É a destinação do produto da arrecadação que preserva a natureza constitucional das contribuições.Esta determinação existe para proteger o contribuinte de arbitrariedades, como o desvio do produto arrecadado ou ausência do motivo que ensejou a criação desta figura.
A destinação das contribuições deve ser dada pela própria lei instituidora, sendo inconstitucional eventual delegação que esta, a propósito, venha a fazer, ainda que a outra lei, como a orçamentária.
CPMF- Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira
A CPMF (contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira), criada pela Lei 9.311/1996(que buscou fundamento de validade da Emenda Constitucional 12/1996) e prorrogada pela Lei 9.539/1997.
A Contribuição “provisória” sobre movimentação financeira – CPMF, surgiu para o custeio dos problemas de saúde pública no país, ganhando, hodiernamente, foro de eternização, uma vez que não se cogita abrir mão dos vultosos valores arrecadados com o indigitado gravame.
Não obstante a divergência doutrinária quanto à natureza jurídica do tributo, segundo o professor Sabbag (p.99-101) a CPMF é uma contribuição previdenciária prevista no parágrafo 4º do art. 195 da CF/88 (contribuição previdenciária residual).
Assim, como contribuição previdenciária nova, deve obedecer ao art. 154, I da CF/88, que trata da competência residual da União. E isso só pode ocorrer mediante Lei Complementar.
Requisitos:
Art. 154, I, da CF/88:
Deve ser insitituída mediante Lei Complementar;
Não pode ter a mesma base de cálculo ou fato gerador de imposto já existente;
Deve ser não-cumulativa(não se admite a cobrança de imposto em “cascata”).
Art. 195, parágrafo 6º da CF/88:
Prazo(Art. 195, parágrafo 6º, da CF/88): Princípio da Anterioridade Nonagesimal ou Mitigada- Refere-se ao prazo para cobrança das contribuições previdenciárias que forem instituídas. Esse prazo é de 90 dias. Porém, só é válido para contribuições parafiscais na modalidade de contribuição social-previdenciária.
Publicação e vigência: 90 dias. A partir destes 90 dias possui eficácia.
Perspectiva Crítica acerca das Inconstitucionalidades Materiais da CPMF:
A CPMF é contribuição social cuja competência tributária fora atribuída à União pela Emenda Constitucinal nº 12/96. O prazo de validade era de 24 meses com alíquota constitucional máxima de 0,25%, tendo a referida Lei utilizado o teto de 0,20%, tão-somente, na ocasião. A receita de tal tributo seria destinada ao Fundo Nacional de Saúde.
Cim a aprovação da Emenda Constitucional nº21/99, prorrogou-se o tributo, com alíquota estipulada em 0,38% para os 12 primeiros meses, e 0,30% para os 24 meses restantes, sendo a diferença dessa alíquota em relação à anterior destinada ao custeio do Sistema de Previdência e Assistência Social.
A Emenda Constitucional nº31/2000, que instituiu o Fundo de Combate e Erradicação à Pobreza, para vigorar até 2010, incluiu, entre outras fontes de recursos, uma parcela de adicional de 0,08% sobre a CPMF, aplicável entre 18 de junho de 2000 e 17 de junho de 2002.
A Emenda Constitucional nº37/02, editada em 12 de junho de 2002, ao alterar os arts. 84 e 85 do ADCT, prorrogou a referida exação até 31 de dezembro de 2004, devendo ser observadas as seguintes alíquotas:
0,38%, nos exercícios financeiros de 2002 e 2003;
0,08% no exercício financeiro de 2004.
Entretanto, a Emenda Constitucional nº 37 apresentou-se inquinada de inconstitucionalidades materiais, quando exigiu o pagamento imediato do tributo, isto é, no dia seguinte a 18 de junho de 2002, data delimitada para o término da validade do tributo à luz da Emenda Constitucional nº 31/2000, burlando a aplicação da noventena.
Alegou-se, na ocasião, que não se tratava de aumento nem de instituição, mas de mera “prorrogação” do tributo, não havendo que se obedecer ao período de carência trimestral. Tal alegação, que serviu de sustentáculo para a declaração de constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 37/2002 pelo STF não merece guarida por se apresentar falaciosa, escamoteando interesses políticos de manutenção de carga tributária que permeiam a existência da indigitada contribuição “provisória”.
No entanto, apesar de a Emenda Constitucional nº37/2002 ter sido declarada constitucional pelo STF, tal Emenda ofendeu o Princípio da anterioridade, que representa direito e garantia individual (do contribuinte), sendo, portanto, cláusula pétrea, não passível de modificação por Emenda (Art. 60, parágrafo 4º, IV, CF).
Nem se diga que, além da inconstitucionalidade material acima ventilada, houve também inconstitucionalidade formal na elaboração da Emenda, pois, em clara afronta ao art. 60, parágrafo 2º da CF/88, a Emenda Constitucional nº37/2002, após ser modificada no Senado Federal, exatamente com relação ao postulado da “noventena”, não retornou à Câmara, que já a aprovara, com respeito à noventena, a fim de dar cumprimento ao critério regimental de revisão.
Ademais, com a CPMF, exsurge cristalino o fenômeno chamado “bis in idem”,que é inconstitucional, à medida que o tributo é cobrado com base em fato gerador coincidente com o IOF, qual seja, a movimentação financeira. No mesmo passo, transborda outra inconstitucionalidade, pois o art. 157, II da CF/88 estabelece a repartição de 20% do valor arrecadado com os Estados e Distrito Federal, quando a CPMF, na verdade, foi instituída com previsão de destino de 100% de seu valor a determinado Fundo.
A CPMF ainda não será permanente, contudo, foi mais uma vez prorrogada, consoante o art. 90 do ADCT(EC Nº42 /2003). Logo, será cobrada até 31 de dezembro de 2007, como conseqüência da vigência da Lei nº 9311/96. Até a data referida, a alíquota será de 38%, contrariando a dicção da redação antiga que previa a sua redução para 0,08% em 2004.
Assim, a CPMF é tributo, segundo a melhor doutrina, demasiadamente inconstitucional, tendo forte vocação para se protrair eternamente, sob a cancela do Judiciário e a subserviência do contribuinte indefeso, que aguarda ansioso pela melhoria do sistema de saúde pública no País.
Segundo Sacha Calmon Navarro Coelho,” A Constituição Federal de 1988 introduziu no sistema tributário brasileiro a técnica dos impostos afetados a finalidades específicas dando-lhes o nome de contribuições como pode ser demonstrado os artigos 149 e 195, caput e incisos I, II e III da CF/88.
O caso da contribuições interventivas é muito gravem porquanto as corporativas pesam apenas sobre os membros de dada corporação, advogados, médicos, sindicalizados em geral. As contribuições do artigo 195 ao menos estão vocacionadas para a seguridade social, e a licença para tributar o jogo, a folha de salários , o lucro líquido e o faturamento bruto das empresas ou receita bruta, como se queira, está predicada na Constituição. Já há a previsão dos fatos geradores, dos contribuintes e do destino da arrecadação. Nada disso há em relação às contribuições de intervenção. A doutrina diz que só devem pagá-las as pessoas beneficiárias da intervenção.
O Judiciário não tem feito esforços para vedar a multiplicidade sempre crescente destas contribuições. Para cada despesa da União se está a se inventar um contribuição, num movimento totalmente contrário ao artigo 167, inciso IV da CF/88, que proíbe a vinculação do produto da arrecadação dos impostos a órgão, fundo, programa ou despesa. Para Sacha Calmon, essas contribuições não passam de impostos específicos, pois o fato gerador delas, é uma situação da vida independentemente de qualquer atuação estatal relativa à pessoa do contribuinte pagante.
Este é o caso da CPMF. Antes dela esteve a viger o Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), que tinha o mesmo fato gerador e fora criado com base na competência residual da União para instituir impostos novos, além dos que originariamente lhe foram atribuídos pelo poder constituinte. A questão é que o IPMF não tinha predeterminação quanto ao destino da arrecadação. Era imposto porque tinha fato gerador de imposto e não tinha predeterminação quanto ao destino da arrecadação. A CPMF foi chamada de contribuição para poder vincular a sua arrecadação às despesas do Ministério da Saúde, em favor do sistema de saúde pública. A Constituição no art. 167, IV, proíbe a vinculação, salvo os casos ressalvados, dos impostos a órgão, fundo, programa ou despesa. A razão de ser deste artigo é simples e singela. Baseia-se no Princípio da Separação de Poderes, tão caro aos ideais republicanos Ao Legislativo cabe produzir o direito, e ao Executivo aplicá-lo corretamente. No Presidencialismo, o Executivo governa. Para administrar o Executivo precisa de meios para atingir seus fins. NA medida em que o Legislativo, em matéria Tributária, pudesse vincular os recursos advindos da cobrança dos impostos a órgãos, fundos, programas e despesas, com isso retiraria do Executivo o manejo dos recursos, segundo as necessidades e prioridades fixadas pelo mesmo. Seria invadir competência reservada a um outro Poder da República, daí a proibição expressa. Todavia, como a proibição se refere a impostos, que são espécies por demais conhecidas no gênero tributo, ficaram livres da vedação as denominadas contribuições e também as taxas. A escolha de fins determinados para afetar a receita de impostos, entre nós , necessita de licença na Lei Maior e é uma opção exclusiva do legislador da Constituição. No Direito Tributário da Constituição de 1988, as contribuições especiais são três para financiar os deveres do Estado em três áreas: a da seguridade social (previdência, saúde e assistência social), a da intervenção no domínio econômico e social e a da manutenção da s entidades representativas das categorias econômicas e de seus órgãos de classe.
As políticas de intervenção estão prestes a desaparecer em face de um mundo que prega a diminuição do tamanho do Estado, as privatizações e a desregulamentação estatal da iniciativa privada. A preservação na Constituição dessas contribuições está em contradição com o artigo 170 da mesma.
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I-soberania nacional;
II-propriedade privada
III-função social da propriedade;
IV-livre concorrência;
V-defesa do consumidor;
VI-defesa do meio ambiente;
VII-redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII-busca do pleno emprego;
IX-tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Sacha Calmon é decididamente contra políticas fiscais regionais e setoriais, mormente com impostos indiretos. Diz que incentivos financeiros, creditícios, de infra-estrutura são os mais indicados.
As contribuições corporativas nasceram com o facismo e os governos autoritários ou intervencionistas do entreguerras (1920 a 1940). Em verdade, as próprias categorias econômicas e sindicais deveriam ter a liberdade de se organizarem e se autodisciplinarem com contribuições estatutárias, votadas pelos seus próprios membros e pagas pelos mesmos, sema intermediação do Estado.
Ambas deveriam desaparecer. Além disso as interventivas são pagas pelos que nada têm a ver com os benefícios ou malefícios da intervenção e freqüentemente são repassadas aos consumidores de bens e serviços.’
A especificidade das contribuições previdenciárias e assistenciais sinalagmáticas- Tributos vinculados à atuação estatal- Diferenças entre elas e as contribuições especiais com natureza de impostos:
Dentre as sociais destacam-se as previdenciárias, pagas por todos os segurados proporcionalmente aos seus ganhos, para garantirem serviços médicos, auxílios diversos e aposentadorias. Estas são as verdadeiras contribuições que podem ser incluídas na espécie dos tributos vinculados a uma atuação específica do Estado relativamente à pessoa do contribuinte. Os fatos geradores são prestações do Estado.Para obter tais prestações do Estado, específicas e pessoais, os segurados obrigatórios pagam contribuições compulsórias ao mesmo. A facultatividade aqui é mínima e residual. A contribuição é , por exemplo, obrigatória para todos os empregados do setor privado e público. Nas contribuições previdenciárias, o caráter sinalagmático da relação jurídica é irrecusável. Nas demais contribuições, inclusive as sociais, este aspecto inexiste. São idênticas, estas últimas contribuições , aos impostos. São impostos afetados a fins determinados com o nome de contribuições. Examinando-se o fato gerador de todas elas percebe-se que são todas manifestações de capacidade contributiva e que, mesmo quando tal aspecto esteja obscurecido, inexistirá atuação do Estado direta, pessoal, especificamente relacionada à pessoa do contribuinte:
a) Nas sociais latu sensu, pagas de direito pelos empregadores, mas repassadas aos consumidores, os fatos jurígenos são lucro, faturamento, pagamento de salários e receita de jogos. São fatos do contribuinte. Inexiste atuação estatal a ele voltada. A receita vai para o Caixa da Seguridade Geral para atender às pessoas;
b) Nas de intervenção, paga-se porque vamos aos cines,por exemplo. Nos ingressos que compramos para irmos ao cinema, uma parcela vai para o órgão estatal de fomento do cinema nacional. Mas ir ao cinema não são fatos do Estado. Inexiste relação ao pagante atuação estatal especificamente voltada a ele. Na verdade, são impostos.
c) Nas corporativas, paga-se um quantum fixo per capita e o que se recebe em troca, de modo específico, é quase nada.O Estado apenas empresta o seu poder de tributar a esses órgãos de classe. Mostra-se claramente a face do imposto.
É claro que a finalidade, nas contribuições,por si só, não as autonomiza como subespécie tributária. Para que haja uma contribuição social verdadeira, como subespécie, diversa da contribuição de melhoria, é necessário que a atuação do Estado eleita como fato gerador seja um atuar mediato ou imediato do Poder Público, específico e relativo à pessoa do contribuinte.A atuação do Estado se dá sempre especificamente, relativamente à pessoa do contribuinte. Este é o fundamento dos tributos vinculados a atuações estatais específicas.
Os fins constitucionalmente predeterminados revelam uma diretriz constitucional.Nem o legislador, nem o administrador podem adestinar ou tredestinar o produto da arrecadação das contribuições, sob pena de crime de responsabilidade e nulidade do ato administrativo, ainda que normativo, no caso do Executivo. No caso do legislativo, a lei será considerada inconstitucional, por ser contrária à Constituição. O constituinte sempre soube que as contribuições tinham natureza de imposto. Tanto quem para criar as contribuições sociais, além das que declinou no art. 195, exigiu o rito jurídico próprio dos impostos residuais.
O art. 5º do CTN está superado pela Constituição de 1988, pois só reconhece como contribuição a de melhoria.
Diante dessas considerações, a doutrina deverá criar uma nova sistematização das espécies tributárias que seja suficientemente hábil para explicar a Constituição, sem abandonar a teoria dos tributos vinculados e não-vinculados, em troca de critérios estritamente formais.
Uns tributos possuem fatos geradores que são atuações do Estado. A base de cálculo expressa essa atuação estatal. Outros tributos possuem fatos geradores que são manifestações do contribuinte e não são vinculados a ações Estatais, e , porque se ligam a fatos que são signos presuntivos de capacidade contributiva, as bases de cálculo deles medem a materialidade do fato gerador.
Segundo Geraldo Ataliba, “cabe indagar em que medida esses princípios foram acolhidos pela Constituição Federal de 1988. Não temos dúvida que, quanto aos impostos, é total a acolhida constitucional ao princípio da capacidade contributiva.
Quanto às contribuições, que não a de melhoria, diríamos que a intensidade com que se acolheu seu princípio informador foi mais tênue, exatamente porque a Constituição, não oferecendo os parâmetros estritos e no caso da própria contribuição de melhoria- deu ao legislador uma liberdade realmente significativa.
Daí entendemos que o legislador pode adotar hipótese de incidência tanto de verdadeira contribuição como de imposto, tendo-se por configurada a contribuição- para efeitos do regime jurídico derrogador- com a invocação das finalidades constitucionalmente prestigiadas.
O nomen iuris é um rótulo que o legislador arbitrariamente apõe aos institutos que cria e modela. Nesse sentido, pode-se dizer que ele é livre para dar qualquer nome aos institutos e pode inclusive, equivocar-se, criando institutos a que atribui designações impróprias.
Por isso, um tributo, designado contribuição, no Brasil, pode ser efetivamente uma contribuição, entendida como espécie de tributo vinculado, dotada de hipótese de incidência típica, ou pode ser imposto; quer dizer: o que constitucionalmente é designado por contribuição, no Brasil, pode ser hipótese de incidência de verdadeira contribuição ou de imposto.. Nesse caso, submete-se ao regime jurídico-constitucional do imposto.”
A destinação é também fundamental porque permitirá, em determinados casos, que a mesma hipótese de incidência seja concomitantemente utilizada para um imposto da União e para uma das “contribuições” a que alude o art. 149 da CF.
Quando a Constituição Federal vinculou determinada hipótese de incidência ou base de cálculo a um certo tipo de contribuição, ela o fez de modo a impedir que o legislador infraconstitucional instituísse outra, de espécie diversa, valendo-se destes mesmos indicadores.
Por meio de contribuições de intervenção no domínio econômico a União usa de institutos tributários para direcionar os contribuintes a certos comportamentos, comissivos ou omissivos, úteis ao interesse coletivo.
Apenas quem explora, sob regime de direito privado, a atividade econômica objeto de regulação estatal pode ser compelido a recolher a esécífica contribuição de intervenção no domínio econômico.
As contribuições interventivas não poderão ter materialidade de tributos de competência tributária dos Estados
Segundo Mizabel Derzi, a União, deve levar em conta os princípios gerais da atividade econômica, arrolados e disciplinados no art.170 a 181 da CF.
Para atender a estas finalidades a União poderá criar contribuições de intervenção no domínio econômico. Tais contribuições, só podem atingir setores delimitados da atividade econômica.
As contribuições interventivas não poderão ter materialidade de tributos de competência tributária dos Estados, dos Municípios ou do Distrito Federal.
Se, pois, a União, criando contribuições, adota hipótese de incidência que pertence aos Estados ou Municípios, comete seu legislador inconstitucionalidade por invasão de competência.
Não tem sentido admitir que a Constituição deu uma competência aos Estados e Municípios e a retirou em outra disposição(art. 149). Seria desfigurar a CF entender que ela consente que a invocação da palavra “ contribuição” afaste todos os obstáculos à legislação da União, inclusive os circunscritores de seu campo material de competência.
O termo contribuição não é senha para que a União crie qualquer tributo. Há necessidade de correlação lógica entre as causas e fundamentos da intervenção no domínio econômico e a instituição do tributo em estudo. São justamente tais causas e fundamentos que justificam a própria instituição da contribuição interventiva.
Todos esses detalhes devem figurar na lei instituidora da contribuição.
Para a higidez jurídica da contribuição, não basta que a lei instituidora mencione a finalidade que deve alcançar. É preciso que a finalidade venha efetivamente a ser alcançada.
As contribuições de intervenção no domínio econômico só poderão ser exigidas de quem efetivamente vier a se beneficiar atuando num dado setor econômico ou de quem, ao assim proceder, causar especial detrimento à coletividade.
Ao disciplinar o aspecto quantitativo desta contribuição, deverá garantir esta adequação racional entre o valor do tributo e a dimensão econômica dos prejuízos que a atividade minerais causar aos Estados, aos Municípios ou ao Distrito Federal.
Esta contribuição não poderá destruir o equilíbrio econômico-financeiro do ato de concessão ou de autorização.
A Emenda Constitucional nº33 , de 11/12/2001, em seu art. 1º inseriu três parágrafos ao art. 149 da CF, permitindo que as contribuições interventivas venham a incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustíve, deverá atender aos seguintes requisitos:
I- “A alíquota de contribuição poderá ser:
A) diferenciada por produto ou uso;
B) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b;
II- Os recursos arrecadados serão destinados:
A) Ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;
B) Ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;
C) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transporte.”
Na verdade, os parágrafos encartados nos artigos 149 e 177 da CF limitaram-se a descrever a materialidade de exações que, de intervenção no domínio econômico, têm apenas o nome. Prevêem, sim, a criação de impostos, cujas receitas, conquato destinadas a determinados fins, não justificam, de per si, a criação de tributos (contribuições) com características interventivas.
Por mais relevantes que possam ser, a concessão de subsídios, o financiamento de programas ambientais e o financiamento de infra-estrutura de transportes, não têm como pressuposto o escopo de intervir no domínio econômico.Representam apenas metas políticas, que, como tais, devem ser atendidas, não com contribuições interventivas, mas com as receitas gerais da União, representadas basicamente pelos impostos.
Conclui-se que, as contribuições interventivas previstas na Emenda Constitucional nº33/2001, são, na realidade, novos impostos federais, que, deveriam, ao serem instituídos, obedecer às diretrizes do art. 154,I, da CF(instituição por meio de Lei complementar, observância do princípio da não- cumulatividade e necessidade de hipóteses de incidência e bases de cálculo diversas dos impostos mencionados nos arts.153,155 e 156 da CF/88), sem prejuízo do disposto no art. 157,II da CF/88.
A Constituição Federal deu aos contribuintes o direito subjetivo de só serem compelidos a suportar novos impostos, se observados os ditames do supracitado art. 154, I da CF/88.
Na medida em que a EC Nº33/2001 permitiu que a União, por meio de lei ordinária, criasse novos impostos, ainda que rotulados de contribuições de intervenção no domínio econômico, sem atender ao princípio da não-cumulatividade e sem que o produto de sua arrecadação fosse compartido com os Estados e o Distrito Federal, acabou desconsiderando cláusulas pétreas, quais sejam, as que impedem o amesquinhamento da forma federativa do Estado e dos direitos e garantias individuais, inclusive dos contribuintes.Invadiu o campo das limitações materiais à atuação do poder constituinte derivado.
A Emenda Constitucional nº12, de 15/08/1996, pulicada no D.ºU de 16/08/1996, que incluiu um art. 74 ao ADCT:
“Art. 74. A União poderá instituir contribuição provisória sobre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
§1º. A alíquota da contribuição de que trata este artigo não excederá a vinte e cinco centésimos por cento, facultado ao poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições e limites fixados em lei.
§2º.À contribuição de que trata este artigo não se aplica o disposto nos arts. 153, §5º, e 154, I da Constituição.
§3º. O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde.
§4º. A contribuição de que trata este artigo terá sua exigibilidade subordinada ao disposto no art. 195§ 6º, da CF e não poderá ser cobrada por prazo superior a dois anos”.
Ocorreu, nesse caso, inconstitucionalidade pela inclusão de uma nova disposição constitucional transitória a uma Constituição que já tinha quase 10 anos de existência.
Além disso, a EC Nº 12/1996 , sob o pretexto de atender aos problemas da saúde pública no país, autorizou a União a criar uma “ contribuição provisória sobre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira”, chamada CPMF. Mas feriu várias cláusulas pétreas.
A CPMF é uma contribuição para a seguridade social que encontra fundamento de validade no § 4º do art. 195 da CF/88.
O contribuinte tem o direito subjetivo de só pagar uma nova contribuição para a seguridade social se ela observar o disposto no art. 154,I da CF/88. Qualquer nova contribuição, para ser válida deve; ser criada por meio de lei complementar, obedecer ao princípio da não-cumulatividade, não ter hipótese de incidência e base de cálculo idênticas às dos impostos arrolados nos arts.153,155 e 156 da CF, obedecer ao princípio da capacidade contributiva e ter 20% do produto de sua arrecadação ratados entre os Estados e o Distrito Federal (art. 157,II, da CF).
A EC Nº12/1996, ao autorizar a criação da CPMF, que é uma nova contribuição, mandou desconsiderar estes requisitos.
A CPMF, segundo essa EC, além de poder ser instituída por meio de lei ordinária, não precisava ser não-cumulativa(art. 74, §2º, do ADCT), nem obedecer ao princípio da capacidade contributiva, e sua base de cálculo coincide com a do IOF(Imposto Sobre Operações Financeiras), um dos discriminados na Constituição(art. 153, V).
O produto da arrecadação da CPMF ia, à época, integralmente para o Fundo Nacional de Saúde(art.74, §3º do ADCT), o que afrontava o direito subjetivo dos Estados e do Distrito Federal a dele participarem(art.157,II da CF).
A possibilidade de a alíquota da CPMF ser alterada, dentro dos limites da lei, pelo Presidente da República feria os princípios da estrita legalidade tributária e da independência e harmonia dos poderes.
Entretanto, o STF, em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde- CNTS, decidiu, por maioria de votos, que a Emenda Constitucional 12/1996 não padece de nenhuma das inconstitucionalidades aqui apontadas.
Isso incentivou a União a editar a lei federal 9.311, de 24/10/1996, criando a CPMF, que passou a ser exigida em 24/01/1997, pelo prazo de 13 meses. Com isto, a referida contribuição seria devida sobre movimentações financeiras que ocorressem até 23/02/1998.
Outras inconstitucionalidades:
Em 12/12/1997 foi editada a Lei 9539 de 15/12/1997, prorrogando a incidência da CPMF, por mais 11 meses. E no dia 24/02/1998 a CPMFcontinuou sendo cobrada, sem solução de continuidade.Entretanto, em termos jurídicos, a referida lei não prorrogou o prazo da cobrança da CPMF deveria ter tido sua exigibilidade subordinada ao disposto o art. 195,§ 6º, da Constituição.
Qualquer alteração que se produza na norma jurídica tributária, como ocorreu, acarreta o nascimento de um novo tributo.Esse novo tributo só poderia ser exigido após decorridos 90 dias da data da publicação da lei que o instituiu, ou seja, a nova CPMF só deveria ter sido exigida após 24/05/1998, o que não aconteceu.
Agressão ao Estatuto do Contribuinte:
Em 24/01/1999 a CPMF deixou de ser exigível, porque completou o prazo de vigência dos supra-referidos atos normativos.
Os contribuintes estavam em sossego, quando se viram surpreendidos com a edição da EC N21, publicada no DOU em 19/03/1999, que incluiu no ADCT um art.75, do seguinte teor:
“Art.75. É prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira e de que trata o art. 74, instituída pela Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei 9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência é também prorrogada por idêntico prazo.
§1º. Observado o disposto no §6º do art. 195 da CF, a alíquota da contribuição será de trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses, e de trinta por centésimos nos meses subseqüentes, facultado ao Poder Executivo reduzi-la total ou parcialmente, nos limites aqui definidos.
§2º. O resultado do aumento da arrecadação, decorrente da alteração da alíquota, nos exercícios financeiros de 1999,2000 e 2001, será destinado ao custeio da previdência social.
§3º. É a União autorizada a emitir títulos da dívida pública interna, cujos recursos serão destinados a custeio da saúde e da previdência social, em montante equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não realizada em 1999”.
Em razão disso a CPMF voltou a ser exigida , a partir de 17/06/1999. Essa cobrança era totalmente inconstitucional pelos seguintes motivos:
– Uma EC não podia restabelecer a eficácia de lei cujo prazo de vigência já fluíra;
Nos termos do art. 2º da LICC, não se destinando `a vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. E o §2º deste diploma diz que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
Assim as leis desaparecem mediante explícita ou implícita revogação.
Como é sabido as leis costumam ser editadas com prazo de vigência indeterminado.Neste caso continuam a produzir efeitos até serem revogadas por meio de outras leis que, expressa ou implicitamente, venham a regular, de modo diverso, as matérias nelas disciplinadas. Esta é a modalidade clássica de revogação.
Todavia a revogação também se dá quando a própria lei limita, expressamente, o tempo de sua vigência, contendo implícito o preceito revogatório.
A revogação também pode dar-se pela fluição do lapso de tempo expressamente nela apontado, previsto para sua vigência. Uma vez revogada, a lei desaparece do cenário jurídico, a ele não mais podendo retornar.
No caso concreto, as Leis 9.311/1996 e 9.539/1997, tendo sido já revogadas, não poderiam ter sido ressuscitadas, nem mesmo por uma emenda constitucional Além disso, foi a própria EC 12/1996 que limitou a cobrança da CPMF em dois anos. Expirado esse prazo, automaticamente caducariam leis que, eventualmente, pretendessem prorrogar a exigência da exação, viabilizando o princípio da segurança jurídica.
Esse princípio impede que o contribuinte seja surpreendido com a prorrogação de exigência fiscal já exaurida no tempo, e, portanto, já desaparecida.
É certo que exigências fiscais podem ser renovadas. Mas só havendo nova criação do tributo, observados os ditames constitucionais adequados, que,no caso concreto, não se fizeram presentes.
– A EC 21/1999 padecia de inconstitucionalidade formal, já que não obedeceu ao devido processo legislativo, traçado pela constituição:
O art. 60,II,§§2º e 3º:
Art.60. A constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(…)II- do Presidente da República;(…).
§2º. A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§3º.A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados, com o respectivo número de ordem”.
Nenhuma proposta de EC poderá ser discutida e aprovada, total ou parcialmente, por somente uma das Casas Legislativas. É necessário que ambas aprovem o conteúdo integral da proposta, para que ulteriormente haja a promulgação.
Se a proposta for emendada em qualquer uma das Casas legislativas, deverá retornar à outra, para conhecimento e apreciação.
No caso concreto não houve esta imprescindível coincidência de vontades das duas casas do Congresso Nacional.
A Emenda Constitucional 21/1999 originou-se da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 34/1998, do senador Élcio Álvares, protocolada em 18/11/1998.
A PEC 34/1998, após várias discussões e emendas, foi aprovada em segundo turno, no Senado Federal, em 19/01/1999, sendo, nesta mesma data, encaminhada à Câmara dos Deputados.
Tinha a seguinte redação:
“As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do §3º do art. 60 da CF, promulgam a seguinte Emenda ao texto Constitucioanal:
Art.1º. É incluído o art. 75 do Ato das Disposições Constitucionais transitórias, com a seguinte redação:
Art. 75. É prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira de que trata o art. 74, instituída pela Lei 9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei 9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência é também prorrogada por idêntico prazo.
§1º. Observado o disposto no §6º do art. 195 da CF, a alíquota da contribuição será de trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses , e de trinta centésimos, nos meses subseqüentes, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nos limites aqui definidos.
§2º. O resultado do aumento da arrecadação, decorrente da alteração da alíquota, nos exercícios financeiros de 1999,2000 e 2001, será destinado ao custeio da previdência social.
§3º. É a União autorizada a emitir títulos da dívida pública interna, cujos recursos serão destinados ao custeio da saúde e da previdência social, em montante equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não realizada em 1999, hipótese em que o resultado da arrecadação verificado no exercício financeiro de 2002 será integralmente destinado ao resgate da dívida pública federal.”
“Art.2º. Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação”.
Mas, na Câmara dos Deputados, a PEC 34/1998 passou a denominar-se PEC 637/1999. Recebeu várias Emendas, foi votada e aprovada em dois turnos, sendo seu texto final imediatamente encaminhado para promulgação em 19/03/1999.
Facilmente pode-se verificar que havia um descompasso entre a Emenda Constitucional e o texto aprovado pelo Senado Federal: A Câmara dos Deputados excluiu as expressões “ou restabelecê-la” e hipótese em que o resultado da arrecadação verificado no exercício financeiro de 2002 será integralmente destinado ao resgate da dívida pública federal”, dos §§1º e 3º, respectivamente. Apesar disso, o projeto aprovado na Câmara não retornou àquela Casa Legislativa, para a imprescindível reapreciação.
Essa inconstitucionalidade formal impedia que a CPMF fosse validamente exigida.
– não era dado à EC criar tributo, aí incluída a CPMF:
– não era dado à emenda constitucional criar ou aumentar tributos. Tal matéria foi reservada, pelo constituinte originário de 1988, `a lei da pessoa política competente. Mas emenda constitucional não é lei no sentido estrito da palavra.
Quando a Constituição Federal proclama ser vedado às pessoas políticas exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça está implicitamente estatuindo que a criação e o aumento de tributos dependem da edição deste ato normativo, observado o processo de elaboração que lhe é próprio.
Tal processo exige a co-participação dos Poderes Legislativo e Executivo, a quem cabe sancionar, promulgar e fazer publicar as leis tributárias(art. 84,IV, da CF). Sem tal co-participação nenhum tributo pode ser instituído ou aumentado.
É o próprio contribuinte que tem o direito constitucional subjetivo de só ser tributado com base em lei, elaborada de acordo com o adequado processo.
Nem mesmo artifícios dialéticos sustentavam a eventual tese de que a EC 21/1999 teria, ainda que por via oblíqua, criado uma nova CPMF.
– a eventual criação de nova CPMF só seria possível por meio de lei complementar:
A União, pode instituir contribuições sociais para a seguridade social.A CPMF é uma contribuição social para a seguridade social, que, não estando prevista nos incisos I a III do art. 195 da CF, só podia encontrar fundamento de validade no § 4º deste mesmo artigo.
Assim, deveria ter sido criada por meio de lei complementar, que:
a)a submetesse ao princípio da não-cumulatividade;
b)não lhe desse hipótese de incidência e base de cálculo idênticas ás dos impostos arrolados nos arts.153,155 e 156 da CF;
c)destinasse 20% do produto de sua arrecadação aos Estados e ao Distrito Federal.Esta situação inconstitucional foi mantida pela Emenda Constitucional 21/1999.
-a cobrança de um tributo com as características da CPMF atentava contra o princípio da capacidade contributiva:
A cobrança de um tributo como a CPMF atentava contra o magno princípio da capacidade contributiva, veiculado na primeira parte do §1º do art. 145 da CF.
A CPMF é, então, um verdadeiro imposto. E imposto é tributo fundado na capacidade contributiva;isto é, só pode ser instituído na presença de indício de riqueza. Nem o IPMF nem a CPMF incide sobre qualquer manifestação de riqueza”.
Além disso, além das outras inconstitucionalidades da nova CPMF, ela desconsiderava o primado da capacidade contributiva.
Mas a CPMF continuou. A EC Nº31, de 14/12/2000, introduziu no ADCT dois artigos (arts.79 e 80) que instituíram, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e erradicação da Pobreza:
I- a parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de oito centésimos por cento, aplicável de 18 de junho de 2000 a 17 de junho de 2002,na alíquota da contribuição social de que trata o art. 75 do ADCT”.
Retornou-se em caráter retroativo, à alíquota originária de trinta e oito centésimos por cento. A EC em questão majorou o tributo, o que, feriu também o Estatuto do Contribuinte.
Dentro do escopo governamental de tornar permanente o que nasceu provisório, a EC37/2002 introduziu um artigo 84 ao ADCT, prorrogando a cobrança da CPMF até 31/12/2004, bem como a vigência da Lei 9.311/1996 e a alíquota do tributo (trinta e oito centésimos por cento).
No mesmo sentido, a EC 42/2003 introduziu um artigo 90 ao ADCT, tornando a “prorrogar” a cobrança da CPMF, agora até 31/12/1997, e mantendo, por igual período, a vigência da Lei 9.311/1996 (com suas alterações) e a alíquota do tributo (trinta e oito centésimos por cento).
Informações Sobre o Autor
Luciana Colares Figueiredo
Advogada em Belo Horizonte/MG, formada pela Universidade Federal de Viçosa/MG, Especialista em direito civil e processual civil pela UNIPAC