Resumo: O presente artigo visa tratar da idade na responsabilidade criminal. No Brasil, a idade mínima para se punir o indivíduo criminalmente se dá aos 18 anos. Têm sido inúmeras as discussões relativas à redução do limite de 18 para 16 anos. Para aprofundar tal assunto faz-se necessário introduzir conceitos relativos à responsabilidade, imputabilidade e culpabilidade, além de explicar os critérios utilizados para a adoção de tal limite etário. Faz-se, também, de grande valia, apresentar dados relativos à criminalidade juvenil, compreendendo a real situação da criminalidade no país. Ainda demonstra-se necessário apresentar a legislação vigente relativa à criança e ao adolescente: o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz em seu conteúdo não somente os direitos garantidos à criança e ao adolescente, mas também as medidas punitivas a serem tomadas com o menor de 18 anos que cometa algum ato infracional – as medidas sócioeducativas. O principal objetivo da presente pesquisa é de demonstrar os aspectos controversos relativos à redução da maioridade penal.[1]
Palavras-chave: Responsabilidade, Imputabilidade, Criminalidade.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Ato Ilícito e a Responsabilidade Criminal; 2.1 Definição da Legislação Brasileira; 2.2 Desenvolvimento Mental Incompleto; 2.3 Sistemas de Idade na Responsabilidade Penal; 2.4 Maioridade/Menoridade Penal; 2.5 Índices de Criminalidade no Brasil; 2.6 Principais Argumentos para a Redução da Maioridade Penal e suas Contra-Razões; 3. Considerações Finais; 4. Referências
1 INTRODUÇÃO
A criminalidade é um fenômeno que vem atingindo todas as sociedades e, no Brasil, tem-se divulgado que os índices de criminalidade juvenil têm crescido de forma incontrolada. Repare que “criminalidade” distingue-se de “criminalidade juvenil”, isto porque as infrações cometidas por crianças e adolescentes têm punição diversa dos crimes cometidos por adultos.
Essa distinção de punição é a denominada “maioridade penal”, que no Brasil se dá aos 18 anos de idade e consiste na definição legal de qual a idade em que o indivíduo passará a ser responsabilizado criminalmente por seus atos. Tal limite etário é estabelecido pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código Penal.
A definição de determinada idade como limite etário de responsabilização penal do indivíduo é baseada em estudos e possibilitou a definição de três critérios: o psicológico; o biológico; e o biopsicológico. O Brasil adota o critério puramente biológico para estabelecer o limite etário da responsabilidade penal, bastando o mero desenvolvimento mental incompleto para que se determine a inimputabilidade do indivíduo, sendo desnecessário outro tipo de exame ou averiguação.
2 O ATO ILÍCITO E A RESPONSABILIDADE CRIMINAL
Para que se configure um ato ilícito é necessário que o ato seja definido na Lei Penal – tipificação – deve contrariar a norma jurídica – antijuricidade – e, ainda, ser passível de responsabilização ao agente – culpabilidade, este é o elemento que liga o autor do ato com a responsabilidade pelo ilícito cometido. Tais elementos são indispensáveis para que o ato seja configurado como crime.
A responsabilidade criminal é configurada pela responsabilização do indivíduo que arcará com as consequências penais do ilícito criminal cometido. Para compreender se ele é responsável ou não pelo ato valer-se-á de sua imputabilidade e, portanto, de sua culpabilidade. A culpabilidade refere-se a um juízo de reprovação quanto a um ato ilícito cometido, podendo responsabilizar o sujeito apenas se ele tiver ferido algum tipo da norma penal, devendo ser reprovável a conduta do indivíduo, que no momento do ato poderia ter agido de outra forma. Nesse sentido o professor Miguel Reale Jr. citado por Rogério Greco (2009, p.89) ensina que “reprova-se o agente por ter optado de tal modo que, sendo-lhe possível atuar de conformidade com o direito, haja preferido agir contrariamente ao exigido pela Lei”.
A culpabilidade atua não só como critério para a definição de crime, mas também como um princípio medidor da responsabilidade penal, isto é, para que se atribua o resultado de um ilícito ao agente deve ser constatado que ele tenha agido com dolo ou culpa, se não for constatado não há crime, pois não configura um fato típico. Se constatado o dolo ou a culpa, a culpabilidade do agente deverá ser analisada pelo julgador a fim de se encontrar a pena que seja correspondente e proporcional ao ato cometido, assim é definido no art. 59 do CP e o julgador deverá analisar as condições judiciais do caso concreto para encontrar uma pena-base para o ilícito cometido.
Ao se falar do conhecimento do fato e do conhecimento da antijuricidade entra-se na esfera da imputabilidade. A lei presume que o menor de 18 anos possui o desenvolvimento mental incompleto (art. 27 do CP) configurando a menoridade uma causa excludente da culpabilidade. A imputabilidade consiste na possibilidade de se atribuir ao agente o fato ilícito que praticou, isto é, se ele não possui nenhum aspecto que o livre da culpabilidade pelo ato ilícito praticado. Mirabete (2008, p.193) refere-se à imputabilidade da seguinte forma:
“De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada imputação, de onde provém o termo imputabilidade, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade. Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável.”
Deste modo, pode-se dizer que a imputabilidade é a capacidade que o indivíduo tem de entender o caráter ilícito do ato que praticou e sua capacidade de controlar-se de acordo com esse entendimento, isto é, se ele possui condições não somente de entender a ilicitude do fato, mas também se sabe se portar e se controlar diante do fato. Capez (2005, p.296) cita que o agente deve ter “condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito” e acrescenta “deve ter totais condições de controle sobre sua vontade”. Assim, todo agente é imputável pelo ato que cometeu, mas se faltar qualquer dos elementos da imputabilidade (entendimento do caráter ilícito ou possibilidade de agir de maneira diferente), configura-se uma causa excludente ou dirimente podendo tornar-se inimputável.
2.1 Definição na legislação brasileira
A legislação brasileira definiu a idade da responsabilidade penal na Constituição Federal, art.228; no Código Penal, art. 27; e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu art. 104, caput, classificando como indivíduos penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, determinando, ainda, que tais indivíduos fiquem sujeitos à Lei Especial – o ECA.
2.2 Desenvolvimento mental incompleto
O desenvolvimento mental incompleto trata da presunção de imaturidade dos menores de 18 anos, podendo-se inferir que os menores de 18 anos não têm capacidade de entendimento quanto à prática de um fato típico e ilícito. Desta forma, pode-se dizer que o indivíduo menor de 18 anos pode até ter consciência da ilicitude que praticou, entretanto, presume-se que ele não tem maturidade mental e emocional completa, sendo que as condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito não estão completamente formadas neste indivíduo, não se podendo considerar que ele tenha total discernimento quanto às suas decisões e quanto às suas vontades, por isso é considerado inimputável.
Vale ressaltar que apesar de não estarem sujeitos às normas penais, os menores de 18 anos, quando praticarem qualquer ato descrito como crime ou contravenção penal, estão sujeitos às medidas sócio-educativas e aos procedimentos definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, não ficando sem punição.
2.3 Sistemas da idade na responsabilidade penal
A idade penal não é adotada de qualquer forma, ela possui um fundamento que a justifica. São três os critérios possíveis para a definição da inimputabilidade: o Sistema Biológico; o Sistema Psicológico; e o Sistema Biopsicológico.
a) Sistema Biológico ou etimológico: Segundo este sistema, o indivíduo que apresenta algum tipo de doença mental, desenvolvimento mental retardado ou incompleto será considerado inimputável, sem ser necessário qualquer tipo de exame ou averiguação quanto a essa anomalia e se está relacionada com o ato ilícito que cometeu. Mirabete (2008, p. 207) afirma que “aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável, não se indagando se essa anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a inteligência e a vontade do momento do fato”.
O sistema biológico é o sistema adotado no Brasil no caso dos menores de 18 anos, presumindo-se legalmente como inimputável o agente menor de 18 anos, mesmo que este tenha conhecimento quanto à ilicitude do ato que cometeu, isto porque a mera comprovação de sua idade cronológica o faz inimputável, sem necessitar de qualquer outro tipo de comprovação.
b) Sistema Psicológico: Neste sistema não se considera qualquer doença mental do agente, mas considera apenas a capacidade de entender o caráter ilícito do fato, isto é, se no momento do ilícito praticado o agente tinha condições de entender o caráter criminoso de seu ato e de controlar suas vontades. Se comprovada a total inimputabilidade do agente ele será absolvido, de acordo com o art. 386 do CPP e no caso de comprovada perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. Tal critério não tem adoção no sistema penal brasileiro.
c) Sistema Biopsicológico: Este sistema combina os dois sistemas anteriores, devendo ser verificado se o agente possui alguma doença mental ou se seu desenvolvimento mental é incompleto ou retardado e, caso o seja, será averiguado se no momento do ato ilícito ele tinha capacidade de entender o caráter ilícito do ato que cometeu. Será considerado inimputável se constatada alguma doença mental ou se constatado que no momento do crime ele não tinha capacidade de entendimento ou de agir de acordo esse entendimento. Tal critério foi adotado pelo Código Penal brasileiro no art. 26, caput, quando se refere à doença mental ou ao desenvolvimento mental retardado.
2.4 Maioridade/Menoridade Penal
A contagem da idade penal se inicia à partir do momento em que se completa 18 anos, havendo jurisprudência no sentido de que o agente deve ser considerado imputável a partir do 1º instante do dia do seu 18º aniversário, independente do horário de nascimento. A prova da menoridade deverá ser feita pela Certidão de Nascimento, admitindo-se também outros tipos de provas idôneas, desde que comprovada por documentação, conforme a Súmula 26 do STJ. Se o crime ocorreu quando ainda era menor de idade e o resultado ocorreu após completados 18 anos o indivíduo não responderá penalmente pelo fato. Mirabete (2008, p.216) ressalva que quando o agente tiver 17 anos e cometer crime permanente e a consumação do ato não tiver sido cessada após completar 18 anos, responderá penalmente pelo ilícito cometido.
O limite para a idade penal é diferente em diversos países, Mirabete (2008, p. 214) cita outros países que também têm o limite mínimo de 18 anos para a responsabilização penal e cita ainda países com idade diferenciada:
“Esse mesmo limite de idade para a imputabilidade penal é consagrado na maioria dos países (Áustria, Dinamarca, Finlândia, França, Colômbia, México, Peru, Uruguai, Equador, Tailândia, Noruega, Holanda, Cuba, Venezuela, etc.). Entretanto, em alguns países podem ser considerados imputáveis jovens menor de idade, como: 17 anos (Grécia, Nova Zelândia, Federação Malásia); 16 anos (Argentina, Birmânia, Filipinas, Espanha, Bélgica, Israel); 15 anos (Índia, Honduras, Egito, Síria, Paraguai, Iraque, Guatemala, Líbano); 14 anos (Alemanha, Haiti); 10 anos (Inglaterra). Algumas nações, porém, ampliam o limite até 21 anos (Suécia, Chile, Ilhas Salomão, etc.). Entretanto, há países em que funcionam tribunas especiais (correcionais), aplicando-se sanções diversas das utilizadas em caso de adultos.”
2.5 Índices de criminalidade no Brasil
O maior dos argumentos para aqueles que desejam a redução da maioridade penal no Brasil é o de que a criminalidade juvenil tem tomado conta do país. Existe sim a criminalidade juvenil no Brasil, mas ela não ultrapassa os índices dos crimes cometidos por adultos. Vale ainda lembrar os tipos de crime em que os menores se envolvem – crimes violentos, contra a vida, tráfico, furto, roubo, etc. – para poder compreender o perfil do jovem infrator.
Independente do tipo de crime cometido, faz-se necessário lembrar que a sociedade precisa não de uma solução momentânea e passageira, mas de algo que realmente possa resolver o problema da criminalidade juvenil: não seria necessário estruturar o País para então cobrar a responsabilidade daqueles que estão em fase de desenvolvimento? A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente determinam que é obrigação da família, da sociedade e do Poder Público assegurar os direitos fundamentais da criança e do adolescente, propiciando assim educação, cultura, esporte e lazer, dando a ele o direito a uma vida digna. Entretanto, não é o que se percebe. A criança e o adolescente infrator normalmente não têm qualquer tipo de estrutura, assim não tem como cobrar deles aquilo que eles não conhecem – a dignidade. Resende e Duarte (2003, p. 24) neste sentido asseveram:
“A experiência da Promotoria da Justiça da Infância e Juventude do DF comprova que a maioria absoluta dos adolescentes infratores é oriunda das camadas menos privilegiadas, cujas famílias têm pouca ou nenhuma fonte de renda para a sobrevivência. Além disso, vários desses adolescentes são vítimas de violência física e moral dentro de seus próprios lares, pois provêm de famílias desestruturadas, acabando por reproduzir esses comportamentos na sociedade.”
E ainda apresentam os seguintes dados quanto ao perfil do jovem infrator:
“Agosto/97: 7,12% são analfabetos e 71,01% não concluíram o ensino fundamental, dos quais 45,97% estão cursando o 1º grau menor e 25,04% estão cursando o 1º grau maior. Cumpre destacar, também, que, em todo país, apenas 3,96% dos adolescentes sob medida sócio educativa concluíram o ensino fundamental.” (Caderno 1 DCA – SNDH – MJ – Atendimento ao adolescente em conflito com a lei – Coleção Garantia de Direito)(RESENDE E DUARTE, 2003, p. 25)
Desta forma, percebe-se que os índices de criminalidade juvenil estão intimamente ligados com o baixo grau de escolaridade que existe nas classes econômicas mais baixas. O que demonstra a necessidade de o governo investir em sua estrutura básica, abrangendo, principalmente, a educação.
2.6 Principais Argumentos para a Redução da Maioridade Penal e suas Contra-Razões
a) Discernimento entre o Certo e o Errado: Há quem sustente que os jovens da atualidade são muito bem informados e que qualquer pessoa tem entendimento quanto ao que é certo e o que é errado. Entretanto, tal raciocínio pode levar a entender que uma criança de 8, 10, 12 anos, que já compreende o que é “do bem” ou o que é “do mal”, teria capacidade de responder por seus atos sem nem mesmo ter entendimento quanto ao que significa responsabilidade, o que significa uma sanção penal.
Compreender o que é certo e o que é errado é totalmente diferente de ter entendimento quanto às relações sociais. O amadurecimento ocorre de acordo com a evolução e o critério biológico, que determina a idade penal aos 18 anos, se justifica. A criança passa por uma fase de aprendizagem, que se estende à sua adolescência. A criança e o adolescente se encontram na fase de formação física e psicológica, são mais alheios às condições sociais e mais adaptáveis ao aprendizado, à possibilidade de mudanças na formação de seu caráter e sua personalidade.
O argumento de que qualquer pessoa sabe o que é certo e o que é errado e de que as informações chegam de forma muito dinâmica aos jovens e crianças é frágil e facilmente derrubado pelo simples fato de que qualquer pessoa em fase de desenvolvimento é facilmente reeducada e adaptada àquilo que se deve fazer, quando não lhe foi demonstrado ainda quando criança. Deve-se buscar melhores condições sociais (educação, esporte, lazer – direitos garantidos pela CF) para o desenvolvimento da criança e do adolescente e não simplesmente reduzir a idade penal, colocando jovens junto à adultos que já passaram de sua fase principal de formação. Nesse sentido salienta Alyrio Cavallieri (2003, p. 8):
“Se a cadeia não está cumprindo sua missão, por que levar mais alguém para dentro dela? Consideramos que, de cada cem menores presos, cerca de 70 têm idade entre 16 e 18 anos. Como 80% de seus crimes são contra o patrimônio, punidos com pena de reclusão, calcule-se a quantidade de jovens que aumentaria a superlotação das penitenciárias.”
b) O Direito ao Voto: Muito se ouve quando se trata da redução da idade penal que o jovem de 16 anos já pode votar, portanto também já pode responder criminalmente por seus atos.
Vale ressaltar que o voto aos 16 anos é um direito. Já a capacidade de ser punido criminalmente é uma obrigação que se dá simplesmente por disposição legislativa, é compulsória, não podendo optar por fazê-lo ou não. A possibilidade de votar faz parte do período de formação da pessoa, ressaltando-se, ainda, que grande parte dos jovens infratores é proveniente de classes menos favorecidas e, quase sempre, nem mesmo se importam em votar ou não. Nesse sentido, Saraiva (2003, p. 58) salienta que
“A legislação brasileira fixa diversos parâmetros etários. Não existindo uma única idade em que se atingiria, no mesmo momento, a “maioridade absoluta”. Define que um adolescente pode trabalhar a partir dos 14 anos e, no plano eleitoral, estabelece que o cidadão para concorrer a vereador deve ter idade mínima de 18 anos; 21 para Deputado, Prefeito ou Juiz de Paz; 30 anos para Governador, e 35 anos para Presidente, Senador ou Ministro do STF ou STJ. Não há critério subjetivo de capacitação e sim decisão política.”
Defender a redução da idade penal baseando-se na faculdade que o adolescente de 16 anos tem é incoerente, a legislação brasileira fixa idades diferentes para situações diversas, a maioridade civil, a exemplo, é de 21 anos, não podendo o adolescente casar antes disso sem a autorização dos pais. Fixar a idade penal com os mesmos fundamentos para a fixação da idade em outros atos da vida civil é um argumento frágil já que tais atos não têm relação entre si.
2.7 A Execução do Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estado e a sociedade têm a obrigação de propiciar à criança e ao adolescente um crescimento digno. Valendo-se ressaltar que a falta de vontade política dos governantes na implementação de políticas básicas é um dos principais fatores responsáveis pelo aumento nos índices de criminalidade no Brasil. Em se tratando da falta de vontade estatal Nunes citado por Leal e Piedade Jr. (2003, p.34 e 35) salienta:
“Traçando-se uma analogia, pode-se comparar, mutatis mutandis, que há uma doença (criminalidade) com suas causas correlatas (fome, miséria, discriminação, falta de estrutura familiar etc.). No Brasil, não se enfrentam as causas da doença. Combatem-se apenas os efeitos. Não se investe no social, na escola, na saúde, na moradia, em suam: na melhoria de vida da população. Pelo contrário, o que se vê é um Estado algoz de seus súditos, com voracidade fiscal inigualável, sem qualquer reciprocidade. Um Estado omisso nas questões sociais, que se aproveita da boa-fé do povo para manipular opiniões e fazer acreditar que a melhor solução para os problemas é sempre a que ele (Estado) profetiza ser. O que dizer de um Estado que prefere construir prisões a construir escolas?”
A não redução da idade penal não implica a impunidade do jovem infrator. Os atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes têm sua punição, que pode até chegar à privação da liberdade. Entretanto a sanção para os indivíduos em desenvolvimento deve ser diversa dos adultos. Além do que, o sistema penitenciário do Brasil já não tem suportado a atual superlotação, a introdução de jovens nesse sistema apenas “contaminaria” o indivíduo em desenvolvimento com a falta de ilusão geralmente presente no sistema penitenciário.
O ECA prevê sanções para os indivíduos em desenvolvimento, são as chamadas medidas sócio-educativas. Elas possuem rigidez às vezes semelhante à sanção penal, entretanto, sua finalidade de reeducar, de dar uma segunda oportunidade e de propiciar uma vida digna ao final do cumprimento da pena é de maior relevância, isto porque os indivíduos que são submetidos a tais sanções estão em fase de desenvolvimento, tendo maior chance de readaptação e aprendizado. Essas medidas estão elencadas nos arts. 112 à 125, compreendendo aspectos materiais e formais.
O Juiz da Infância e da Juventude antes de determinar qualquer medida ao indivíduo infrator, deve ouvir os pais ou responsáveis da criança, a fim de esclarecer os fatos que deram origem ao fato. Em determinados casos o menor deverá ser examinado pro médico ou psicólogo, para que se possa indicar qual a medida indicada, podendo necessitar inclusive de tratamento.
Na hipótese de colocação em família substituta, os possíveis interessados na responsabilidade também deverão ser analisados, isto para que o lar em que for recebido possua alguma estrutura para dar-lhe assistência.
No encaminhamento aos pais ou responsável mediante termo de responsabilidade faz-se necessário adverti-los quanto ao não cumprimento de seus deveres, podendo inclusive perder o poder familiar e sofrer sanção penal se não cumprirem com suas responsabilidades.
A orientação, apoio e encaminhamento temporário serão aplicados aos adolescentes cuja conduta não seja adequada. Para os tratamentos, serão ouvidos profissionais especializados antes do encaminhamento.
Tais medidas protetivas, têm o caráter de advertir quanto ao ato infracional praticado e buscar dentro da convivência social da criança ou do adolescente o entendimento para tal comportamento e evitar que se repita. Assim, se o menor sofre maus tratos em casa, a título de exemplo, é função do Juiz antes de aplicar a medida condizente ao seu ato infracional, afastá-lo dos maus tratos e determinar o tratamento psicológico ou médico que o menor necessite.
A medida sócio-educativa de advertência é a mais leve das medida sócio-educativas, sendo aplicada quando da prática de atos infracionais menos graves e sem grandes efeitos à sociedade, ela só poderá ser feita pelo Juiz, necessitando da presença dos pais ou responsáveis do menor infrator. O adolescente deve ser informado que a reincidência da prática infracional pode ser sancionada com a internação ou semi-liberdade por até 3 anos.
A medida de obrigação de reparar o dano é aplicada aos atos infracionais que venham à causar prejuízo material à sociedade ou à vítima, devendo restituir o a coisa ou ressarcir o dano, compensando o prejuízo da vítima. Sempre que possível, o objeto do ato infracional deve ser restituído, porém, se houver causado algum outro dano a compensação deverá ser feita em dinheiro. Caso o infrator não possua bens o Juiz da Infância e da Juventude poderá aplicar outra medida. Vale ressaltar, ainda, que os pais ou responsáveis são responsáveis pela reparação civil, podendo ser acionados pelas vítimas a fim de restituir o dano.
A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas de interesse geral e são feitas de forma gratuita, tendo um efeito mais educacional, com o intuito de que o infrator se redima perante à sociedade. Tal medida não pode ultrapassar 6 meses e deve ser praticada em entidades assistenciais, hospitais, escolas. Vale lembrar que se praticar outras infrações poderá sofrer a mesma medida, devendo ser cumprida ao final da primeira. Em relação aos locais em que o infrator prestará serviço, não podem ser prejudiciais à sua saúde e deverão ser observadas as suas aptidões para determinar o local. Por último, vale ressaltar que
a prestação de serviços à comunidade não poder exceder à 8 horas semanais, não podendo prejudicar a freqüência escolar do indivíduo ou sua jornada de trabalho.
A liberdade assistida consiste na medida sócio-educativa a ser aplicada a menores reincidentes em infrações leves, com o intuito de acompanhar e auxiliar o reincidente. Em alguns casos de crimes mais graves, quando se percebe que é melhor deixá-lo com a família também pode ser estabelecida a liberdade assistida. Deverá ser designado uma pessoa capacitada para acompanhar o caso e o prazo mínimo é de 6 meses, podendo ser prorrogado a qualquer tempo.
O regime de semi-liberdade só poderá ser aplicado mediante o devido processo legal, podendo ser aplicado desde o início da sanção, se comprovada que tal punição é adequada e suficiente. Tal medida tem o intuito de possibilitar ao jovem a realização de suas atividades e de reinseri-lo na sociedade, sendo que é obrigatória a escolarização e a profissionalização do indivíduo. Tal medida não possui prazo determinado, podendo-se utilizar das disposições da medida de internação.
A medida sócio-educativa de internação se assemelha bastante à sanção penal, entretanto é uma medida extrema a ser utilizada nos casos excepcionais de maior gravidade do ato infracional. É uma medida privativa de liberdade, devendo-se respeitar o fato de o indivíduo menor de idade ser uma pessoa em desenvolvimento. Para a aplicação de tal medida a infração deve ser grave e deve haver um estudo, a fim de se saber se o melhor para a reeducação do indivíduo é a internação ou a convivência familiar. Tal medida não pode ser aplicada em nenhuma hipótese à criança, apenas ao adolescente. Durante a internação será permitido ao adolescente a realização de atividades externas, desde que não haja determinação judicial contrária. Não há prazo determinado para a internação, devendo ser avaliada a cada seis meses e não podendo exceder a 3 anos, atingido esses três anos o indivíduo deverá ser liberado ou colocado nos regimes de semi-liberdade ou liberdade assistida. Ao completar 21 anos o indivíduo será liberado compulsoriamente, mas para qualquer outro tipo de desinternação é imprescindível a autorização do Juiz da Infância e da Juventude, devendo ainda ser ouvido o Ministério Público.
Deste modo, pode-se perceber que a legislação brasileira não deixa de punir o menor infrator. A legislação especial – o Estatuto da Criança e do Adolescente – traz punições a todos os tipos de infrações que venham a ser cometidas pelo menor infrator.
Demonstrados os dispositivos do ECA e demonstradas as medidas sócioeducativas, percebe-se que o que falha na legislação brasileira é uma maior eficácia na aplicação da Lei. É necessário que se crie uma Lei de Execução, uma Regulamentação do Estatuto, necessitando também de algumas alterações em seu conteúdo, em sua forma de aplicabilidade e na distinção dos casos, das infrações cometidas e suas respectivas penas. Sendo que tal regulamentação, por si só, através da maior aplicabilidade de seus institutos poderia então solucionar o problema da criminalidade juvenil, caindo por terra as idéias de que a redução da maioridade penal seria a solução para que se reduza os índices de criminalidade juvenil no Brasil.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pôde-se perceber com maior facilidade que a redução da idade na responsabilidade criminal é desnecessária e uma ilusória solução para os índices de criminalidade no país. Como fora dito, a criminalidade no Brasil tem crescido como um todo, e não apenas a criminalidade juvenil que tem alcançados índices elevados. No entanto a redução da idade penal não seria a solução para o problema da criminalidade. A base do problema da criminalidade encontra-se nas estruturas sociais do país. A saúde, a educação, a dignidade, as estruturas básicas que o Estado deve propiciar ao seu povo, no Brasil, tem sido precária.
Acreditar que a redução para 16 anos resolveria o problema é utópica. Não são necessárias novas leis para a solução desse problema, o Brasil já tem legislação suficiente para enfrentá-lo. Entretanto, o que se necessita é de governantes com vontade política, que se encontrem efetivamente comprometidos com o bem estar da população. Reduzir a idade da responsabilidade criminal é uma medida imediatista, uma pseudo-solução, que não contribuirá nem a curto, nem a longo prazo com a redução dos índices de criminalidade. A real solução para se reduzir os índices de criminalidade juvenil encontra-se na efetiva atuação do Estado, garantindo à população em geral os direitos fundamentais e a consciência de que a aplicação dos institutos penalizadores existentes no ECA são suficientes para se reeducar e punir o jovem ou a criança.
Informações Sobre o Autor
Anne Neves de Oliveira
Advogada nas áreas empresarial e trabalhista especialista em Direito Penal pela Fesurv e Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás