Resumo: O presente artigo tem por intuito apresentar aspectos gerais do instituto da licitação na lei nº 8.987/95 apresentando os artigos mais importantes da lei para a aplicação do tema na prática.
Palavras-chave: Concessões. Licitações. Serviços Públicos. Contratos Administrativos.
Abstract: This article presents an introduction on the administrative bidding process under Brazilian law (8.987/95) presenting the most important articles on the practical applying of the law.
Keywords: Concessions. Licitation. Public Service. Administrative Contracts.
Sumário: Introdução. 1. Licitação na Lei n° 8.987/95. Conclusão. Referências.
Introdução
O instituto da licitação serve como uma salvaguarda ao erário no sentido de garantir o uso dos recursos públicos de acordo com os princípios constitucionais que regem a administração pública, além de permitir a isonomia entre os interessados em contratar com o poder público.
O presente artigo pretende apresentar aspectos gerais da aplicação do instituto das licitações na concessão de serviços públicos fazendo uma abordagem dos principais artigos que regem o tema na lei de concessões de serviços públicos nº 8.987/95.
1. Licitação na Lei n° 8.987/95
Inicialmente, verificamos o comando emanado pelo art. 14 da Lei, que nada mais é que a repetição do que preceitua o art. 3° da Lei de Licitações, referindo-se aos princípios de observância obrigatória.
“Art. 14. “Toda concessão de serviço público, precedida ou não de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório”.
Em termos do procedimento adotado, a Lei n° 8.987/95 exige licitação, na modalidade de concorrência. Conforme visto anteriormente, essa modalidade exige um procedimento mais elaborado, sendo o mais adequado em se tratando de concessão de serviço público, visto que esta deve atender ao interesse público e aos princípios já elencados, e assim a concorrência se torna o procedimento que mais atende a esses anseios, devido suas peculiaridades. Conforme preleciona André de LAUBADÈRE em sua obra Traité Theorique et Pratique de Contrats Administratifs[1].
“destinada a proteger os interesses financeiros da Administração, permitindo-lhe celebrar contrato com particular, disposto a aceitar as condições de preço mais favoráveis para a coletividade pública. Este objetivo supõe, primeiramente, a abertura, para o maior número possível de empreiteiros ou fornecedores, de um sistema de competição que os conduza a se apresentarem e a fazerem propostas à Administração; esta idéia de competição vai animar a primeira fase da operação de adjudicação, a saber, a participação na concorrência; ela é informada pelos princípios da publicidade e da livre concorrência”.
Deve ser ressaltado, que o comando específico para a realização de concessões através da concorrência tem caráter de norma geral, preceituada pelo art. 22, XVII CRFB/88, que institui à União legislar em caráter privativo, não podendo os entes federados, em suas atribuições legislativas, suprimir o procedimento de concorrência para concessões de seus serviços públicos ou realização de obras públicas.
A Lei n° 9.427/96, que instituiu a ANEEL e também disciplina a concessão de serviços públicos de energia elétrica, previu que além da concorrência, poderá ser utilizada a modalidade Leilão quando na exploração de potenciais hidráulicos. A Lei n° 9.427/97 foi mais além, o que gerou vício de constitucionalidade por adentrar em competência privativa da União visto que em seu art. 55 delegou à Agência Nacional de Energia Elétrica a possibilidade de utilizar-se de “procedimentos próprios de contratação, nas modalidades de consulta e pregão”, e sendo assim, à Agência estaria sendo permitido criar normas de procedimento licitatório reservadas ao legislador.
O art. 15 da Lei de Concessões enunciou os critérios de julgamento das propostas no procedimento de licitação, portanto, a Lei n° 9.648/98 alterou o artigo, ficando estabelecidos os seguintes critérios:
“ I- o de menor valor da tarifa;
II- o da maior oferta (de pagamento ao Poder Concedente)
III- a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos itens i, ii e vii;
IV- o da melhor proposta técnica, com preço fixado no edital;
V- o da melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa com o de melhor técnica;
VI- o de melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; e
VII- o de melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação das propostas técnicas.”
Inicialmente deve ser observado que o critério de julgamento deve atender ao princípio do julgamento objetivo das propostas, que por sua vez devem constar de forma clara no instrumento convocatório. O julgamento técnico se faz na fase preliminar ao certame, e estes serão incluídos no edital conforme ao art. 18, inciso IX, “ os critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros a serem utilizados no julgamento técnico e econômico-financeiro da proposta”. MARIA SYLVIA DI PIETRO[2] aduz:
“A melhor interpretação era no sentido de que o julgamento técnico se insere como uma fase preliminar ao julgamento do preço. Em muitos casos, a complexidade do serviço a ser concedido é incompatível com a escolha exclusivamente pelo critério do preço, o que justifica que somente sejam avaliados os preços das empresas que tinham sido aceitas e classificadas, previamente, em uma fase preliminar de avaliação dos critérios técnicos exigidos no edital”.
Quanto ao julgamento do preço, este deverá emanar do edital, esclarecendo os critérios de julgamento para o menor preço, atendendo a igualdade entre os licitantes.
Ainda, pelo entendimento extraído do §2° do art. 15, tem-se que o edital de licitação conterá os parâmetros exigidos para o julgamento de propostas técnicas, restando demonstrado a discricionariedade deixada pelo legislador em favor da Administração Pública, que por sua vez é responsável pela elaboração do edital (lei interna da licitação).
Por fim, os parágrafos 3° e 4° do art. 15, respectivamente se referem à desclassificação de proposta atentatória aos interesses do poder público que não atenda as condições mínimas exigidas no edital, julgamento desclassificatório este, que deverá atender aos critérios objetivos de julgamento. O outro parágrafo por sua vez, institui um favorecimento à empresa brasileira que participe do certame licitatório e por ventura, estando em igualdade de condições com empresa estrangeira, tenha sua proposta empatada.
O art. 16 expõe o principio da exclusividade, que por sua vez é exceção e deverá ser fundamentado pelo poder público em ato administrativo anterior ao certame licitatório, quando na utilização da outorga de serviço público a concessionário com exclusividade, para que assim, justificadamente, e baseado na inviabilidade técnica e econômica, excepcione a regra da livre concorrência impressa no art. 175, § 4° da Constituição Federal.
O art. 17 tem em seu escopo o intuito de sobrelevar o principio da isonomia entre os concorrentes, vedando o favorecimento pelo poder público a qualquer um deles através de incentivos tributários ou qualquer outro tipo de privilégio que torne a proposta de um, vantajosa sobre a de outro. Ainda, a preservação da moralidade administrativa está garantida por esse artigo, na medida em que afasta da competição entidade que necessite de subsidio do poder público para obter êxito no procedimento licitatório e assim viabilizar sua proposta.
No que tange ao edital, esse deve conter as exigências do art. 18, e por ser o instrumento convocatório a lei interna da licitação, devem ser observados os princípios e ainda os requisitos a serem observados no certame e na posterior homologação do vencedor, contendo o objeto, as obrigações que serão devidas pelo concessionário, seus direitos e aspectos financeiros do contrato. A ausência desses requisitos ou ofensa aos princípios da licitação poderá tornar o edital nulo, seja mediante anulação ou revogação pela própria administração pública ou por anulação do Poder Judiciário quando devidamente provocado.
O legislador atento às vicissitudes enfrentadas por uma empresa que assume a concessão de um serviço público, tal qual o aporte de capital elevado, dentre outros riscos inerentes a atividade, previu a possibilidade da formação de consórcios para que assim, empresas legalmente constituídas nessa modalidade societária possam juntas, na forma da lei, prestar o serviço público. O art. 19, porém além de permitir essa formação de consórcio, também elegeu algumas garantias para que este não ocorra de forma arbitrária, e sendo assim, ao longo de seus quatro incisos estabeleceu que cada uma das consorciadas deve apresentar prova de sua capacitação técnica, idoneidade financeira, regularidade jurídica e fiscal, além de vetar a participação de uma empresa em mais de um consorcio, evitando que essa empresa participe do certame com mais de uma proposta. Além, está prevista a solidariedade das consorciadas, cabendo ao poder concedente escolher dentre as empresas, aquela(as) que irão responder pelos atos do consórcio.
Nessa esteira, o art. 20 trouxe um comando discricionário ao poder concedente, que poderá fazer previsão no edital para que o consórcio se estabeleça em empresa antes da celebração do contrato. Para tanto cite-se os comentários da doutrina especializada.
MARIA SYLVIA DI PIETRO[3]:
“A justificativa para a norma é muito clara: como a concessionária vai gerir serviço público ou executar obra pública, administrando paralelamente patrimônio público, e como a empresa faz jus ao equilíbrio econômico-financeiro, podendo, para fazer valer desse direito, exigir sua recomposição pela alteração das cláusulas financeiras, é evidente que não há conveniência em misturar recursos públicos e privados, destinados uns e outros a finalidades diversas. O próprio controle da entidade fica muito mais difícil, senão impossível, se a mesma empresa desempenha um serviço público e, ao mesmo tempo, um serviço privado. A situação torna-se mais complexa quando se trata de consórcio de empresas”[4].
Ainda, “sempre que no interesse do serviço a ser concedido for necessário ou conveniente que os compromissários constituam empresa única, não é facultada, mas obrigatória, a previsão da exigência no edital, e pelo mesmo motivo, quando for desnecessária ou inconveniente a constituição de nova empresa, desaparecerá a faculdade.”
O art. 21 determina que o vencedor da licitação venha a ressarcir o poder concedente quando este houver realizado estudos acerca da viabilidade da concessão, levantamento de projetos, obras ou investimentos efetuados, vinculados a concessão, de utilidade para a licitação. Trata-se de uma novidade da lei n° 8.987/95, visto que a Lei de Licitações somente fazia previsão do ressarcimento com os custos relativos às cópias reprográficas dos documentos constantes do edital da licitação.
Com o intuito de materializar o direito de petição previsto na Constituição Federal, o art. 22 da Lei de Concessões afim de dar maior transparência no procedimento licitatório, assegurou a qualquer pessoa a obtenção de informações sobre os atos, pareceres, decisões e contratos relativos às concessões e licitações.
No que concerne às hipóteses de dispensa de licitação, as Leis 8.987 e 9.074 silenciaram-se, e tendo a Lei n° 8.666 previsto tais hipóteses e sendo esta de aplicação subsidiária ao instituo das concessões no que tange ao seu procedimento licitatório, ficou claro que as mesmas hipóteses de dispensa previstas na Lei de Licitações se aplica a Lei de Concessões. Todavia, há divergência doutrinária nesse sentido, ficando registrada a opinião da Profª MARIA SYLVIA DI PIETRO[5], quando afirma:
“Considero inaceitável esse entendimento, porque a dispensa de licitação, ao contrário da inexigibilidade, ocorre em situações em que o legislador faculta a contratação direta, embora haja possibilidade de competição. Em contrato como a concessão de serviço público, de natureza extremamente complexa, envolvendo grande volume de recursos e bens públicos, e com duração longa para permitir ao concessionário a recuperação dos investimentos, não se justifica a contratação direta, a não ser em casos de inexigibilidade de licitação. Aliás, examinando-se o elenco do art. 24 da Lei 8.666, verifica-se que as hipóteses de dispensa de licitação, válidas para outros tipos de contrato, são incompatíveis com a concessão e a permissão de serviço público”.
E assim, a autora ainda destaca a legislação paulista, na Lei n° 7.835/92, na qual estão elencadas as três hipóteses de dispensa em seu art. 4°, quais sejam: No caso de guerra, grave perturbação da ordem ou calamidade pública; nos casos de emergência, quando caracterizada a urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança das pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e quando não acudirem interessados à licitação e esta não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas neste caso as condições preestabelecidas.
É flagrante que tais hipóteses se configuram casos de inexigibilidade apesar de serem tratadas como dispensa, pois a competição estaria impedida por circunstâncias excepcionais e não por simples inviabilidade de competição. E ainda, o §2° determina que em tais hipóteses (incisos I e II do art. 4° da referida lei paulista) seja a concessão realizada mediante permissão, visto que esta atende aos anseios da medida excepcional por ser de natureza precária, podendo ser revogada a qualquer tempo quando cessada a necessidade que instituiu a concessão com caráter de urgência.
Conclusão
O presente artigo não tem por intuito esgotar o tema e se apresenta como um norte para os acadêmicos de direito que buscam entender os aspectos da lei de licitações aplicáveis às concessões de serviços públicos.
Verifica-se que há reprodução de vários artigos da lei de licitações no diploma aqui exposto, devendo ser aplicada de forma subsidiária quando diante do caso concreto na análise da concessão de serviços públicos.
Forense, 1997.
Informações Sobre o Autor
Tamoio Athayde Marcondes
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, mestrando em Administração Pública pela Universidade de York – Reino Unido