Resumo: No atual contexto econômico e social, a publicidade vem ganhando força. Porém, alguns fornecedores supervalorizam seu direito de liberdade de imprensa, em detrimento do princípio da dignidade da pessoa humana do consumidor, e veiculam publicidades abusivas, abominadas pelas leis brasileiras. Nesse cenário, o presente trabalho se propõe a analisar o conflito entre os princípios supracitados e elucidar as consequências advindas da veiculação desse tipo de publicidade, bem como as restrições e sanções a elas atribuídas. Para concretização desse trabalho, realizou-se um estudo de natureza qualitativa, por meio da utilização de pesquisa exploratória e bibliográfica.*
PALAVRAS-CHAVE: Direito do consumidor. Publicidade abusiva. Bebidas alcoólicas.
Abstract: In this current economic and social context, advertising is gaining strength. However, some suppliers overvalue their right of freedom of the press, to the detriment of the principle of human dignity of the consumer, and convey abusive advertising, abominated by Brazilian law. In this scenario, this work aims to analyze the conflict between the above principles and to elucidate the consequences arising from the placement of such advertising as well as the restrictions and penalties attributed to them. To accomplish this work, we carried out a qualitative study, through the use of exploratory research and literature.
Keywords: Consumer right. Abusive advertising. Alcoholic drinks.
Sumário: 1. Introdução. 2. Aspectos constitucionais do direito do consumidor. 3. Conceitos básicos. 3.1. Consumidor. 3.2. Fornecedor. 3.3. Produto e serviço. 3.4. Oferta, publicidade e propaganda. 3.5. Publicidade enganosa e abusiva. 4. Publicidades abusivas de bebidas alcoólicas. 5. Sanções à publicidade abusiva. 5.1. O CONAR. 5.2. Das penalidades. 5.3. Da regulamentação da publicidade de bebidas alcoólicas. 6. Direito comparado. 7. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Diante da crescente importância que tem se dado à publicidade no contexto econômico e social, em virtude do seu caráter comercial e persuasivo, alguns fornecedores têm se aproveitado dessa facilidade de comunicação para supervalorizar seu direito de liberdade de imprensa e de expressão. Não raro veiculam publicidades subversivas e agressivas em relação à coletividade, sobrepondo seu produto ou serviço à dignidade da pessoa humana, princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro.
Por ofender valores morais e/ou provocar distorção na capacidade decisória do consumidor, a publicidade abusiva é abominada pelo sistema jurídico nacional. O que se pretende é não só punir os adeptos dessa prática consumerista, mas principalmente proteger o polo mais vulnerável da relação: o consumidor, motivo pelo qual a própria lei fornece meios de defesa para a sociedade e impõe restrições e sanções a esse tipo de publicidade.
Nesse sentido, o presente trabalho intenciona refletir sobre a abusividade das publicidades de bebidas alcoólicas, seja por seu aspecto social, moral ou jurídico, especialmente frente ao conflito de princípios existente entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o da liberdade de imprensa. Propõe também a analisar o fenômeno do exponencial crescimento do consumo de bebidas alcoólicas, notadamente entre os mais jovens, tendo como questões de pesquisa as seguintes indagações: a) Qual o papel da publicidade no fenômeno estudado? b) Como adequar a liberdade de imprensa e de expressão ao princípio da dignidade da pessoa humana? c) É possível que o consumo do álcool sofra processo inverso, assim como ocorreu com o cigarro? d) Qual o papel do Legislativo no controle do consumo saudável?
Com o objetivo de fomentar a discussão em torno da colisão de princípios supracitada e elucidar as consequências advindas da veiculação de publicidades abusivas de bebidas alcoólicas, realizou-se um estudo de natureza qualitativa, por meio da utilização de pesquisa exploratória e bibliográfica.
2. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DO CONSUMIDOR
As relações de consumo evoluíram consideravelmente ao longo do tempo. O que antes era um primitivo escambo, hoje vai além de complexas operações de compra e venda. Mas esta nova forma de vender e comprar, fruto da transformação do panorama econômico, trouxe em seu âmago um capitalismo agressivo, que impôs não só um ritmo elevado na produção, erigindo um novo modelo social, qual seja, a sociedade de consumo, como também trouxe em seu bojo o poderio econômico das macro empresas de impor seus produtos e mercadorias ao consumidor. Dessa forma, instaurou-se um novo processo econômico, causando profundas e inesperadas alterações sociais.
Diante do avanço tecnológico dos meios de produção, o consumidor passou a ser a parte fraca da relação de consumo necessitando de uma legislação que resguardasse não apenas os direitos básicos, mas também que punisse aqueles que o desrespeitassem.
Neste seara, a constituinte de 1988 curvou-se ante aos anseios da sociedade e ao enorme trabalho dos órgãos e entidades de defesa do consumidor. O artigo 5º, XXXII da Carta Magna[1], por exemplo, trata dos deveres individuais e coletivos, onde estabelece que dentre os deveres impostos ao Estado brasileiro, está o de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. No artigo 24[2] é atribuída a competência concorrente para legislar sobre danos ao consumidor. No capítulo da Ordem Econômica, em seu artigo 170, V[3], a defesa do consumidor é apresentada como um dos motivos justificadores da intervenção do Estado na economia. E, ainda no bojo da Constituição de 1988, preleciona o artigo 48 do ato de suas disposições transitórias que "o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da data da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor". Embora o prazo não tenha sido respeitado, o comando constitucional o foi e, em 11 de setembro de 1990, ocorreu a promulgação da Lei 8.078, o Código de Defesa do Consumidor.[4]
No Estado Democrático de Direito, não é novidade alguma que a Constituição seja a lei máxima, que submete todas as pessoas, incluindo os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.[5] Tal Norma Hipotética Fundamental prevê a necessidade da proteção dos direitos do consumidor, tanto como direito fundamental, quanto como princípio da ordem econômica, reconhecendo sua importância principalmente nos planos da cidadania e da economia.
Além de ocuparem o ápice da pirâmide jurídica, as normas constitucionais são dotadas de imperatividade de seus comandos, que obrigam todas as pessoas físicas, jurídicas, de direito público ou privado.
Ademais, é forçoso reconhecer que os princípios constitucionais, alicerces sobre os quais se constroi o sistema jurídico, conduzam à interpretação não só do próprio texto magno, como também do CDC.
No que tange aos princípios, entende Luís Roberto Barroso[6] que:
“Na sequência histórica, sobreveio a ascensão dos princípios, cuja carga axiológica e dimensão ética conquistaram, finalmente, eficácia jurídica e aplicabilidade direta e imediata. Princípios e regras passaram a desfrutar do mesmo status de norma jurídica, sem embargo de serem distintos no conteúdo, na estrutura normativa e na aplicação.”
Dos princípios constitucionais que afetam diretamente o direito do consumidor, alguns merecem destaque:
Soberania – É o exercício de poder de uma nação sobre seu território. Nos dizeres de Rizzatto Nunes[7], “a soberania de um Estado implica em sua autodeterminação com independência territorial, de modo que pode, por isso, por e impor normas jurídicas na órbita interna e relacionar-se com os demais Estados do Planeta, na ordem internacional”. Seguindo este pensamento, tratados internacionais podem ser incorporados ao sistema jurídico nacional, mas devem respeitar todas as normas e princípios constitucionais, dentre os quais o primeiro é a soberania.
Os princípios da cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político, liberdade, justiça, solidariedade, isonomia, direito à vida, segurança, propriedade, direito à intimidade, vida privada, honra e imagem, princípio da informação, princípios gerais da atividade econômica, eficiência e publicidade, também serão objeto de comentários específicos nos parágrafos a seguir.
Cidadania – a defesa do consumidor expressa-se como exercício da cidadania, vez que tal princípio é o conjunto de direitos e deveres diretamente ligados à participação política e defesa os direitos civis, sociais e econômicos[8]. É, portanto, elemento fundamental da ordem jurídica.
Dignidade da pessoa humana – É o último arcabouço da guarida dos direitos individuais e o primeiro fundamento de todo sistema constitucional.[9] É o epicentro do extenso catálogo de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.[10] É um valor inerente à qualidade humana; é uma margem protetiva dos direitos individuais, a qual o Estado não pode ultrapassar.[11] Entretanto, para que este princípio seja respeitado, devem-se assegurar os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal, sem os quais não há possibilidade de vida digna: educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.
Conforme entendimento de Ana Paula de Barcellos[12], o efeito pretendido pelo princípio da dignidade da pessoa humana consiste, em termos gerais, em que as pessoas tenham uma vida digna. Em termos materiais, é necessário que se respeite um mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade.
Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa – São a base dos direitos fundamentais, tais como: o direito de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, os direitos sociais previstos no artigo 6º e 7º da Constituição Federal, os direitos previdenciários, dentre outros.[13]
Pluralismo político – É citado no próprio preâmbulo da Constituição e decorre do Estado Democrático de Direito e da sociedade pluralista, impondo que o país conte com diferentes correntes políticas, assegurando o exercício da democracia e da soberania por parte do cidadão.
Liberdade – O consumidor é livre para agir e escolher, bem como o fornecedor o é de empreender. Consequentemente, o Estado deverá intervir na produção e na distribuição de produtos e serviços para garantir essa liberdade. O objetivo constitucional da construção de uma sociedade livre significa que, sendo a situação real de necessidade, o Estado pode e deve intervir para garantir a dignidade humana.
Justiça – É a busca da harmonia e paz social. A justiça é objetivo da República e fundamento da ordem jurídica; soma-se ao princípio da intangibilidade da dignidade humana para garantir que qualquer pretensão tenha como base uma ordem justa.
Solidariedade – Trata-se de um dever ético que se impõe a todos os membros da sociedade, de assistência entre os seus, na medida em que compõem um único todo social.
Isonomia – É a igualdade entre todos atribuída pela própria Constituição em seu artigo 5º, caput:
“Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
A interpretação adequada desse princípio consiste em tratar igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade. Entende Alexandre de Moraes[14] que:
“O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça”.
Assim, se a lei discriminar ou desigualar, se estiver dentro desse conceito, não estará ferindo o princípio da isonomia, mas sim cumprindo-o.
Quando a lei consumerista coloca o consumidor em posição diferenciada em relação ao fornecedor, como é o caso da inversão do ônus da prova, essa desigualdade é justificada pela vulnerabilidade do consumidor, sendo perfeitamente constitucional. Nas palavras do doutrinador Rizzatto Nunes[15]:
“O reconhecimento da fragilidade do consumidor no mercado está ligado à hipossuficiência técnica: ele não participa do ciclo de produção e, na medida em que não participa, não tem acesso aos meios de produção, não tendo como controlar aquilo que compra de produtos e serviços; não tem como fazê-lo e, na medida em que não tem como fazê-lo, precisa de proteção. É por isso que quando chegamos ao CDC há uma ampla proteção ao consumidor com o reconhecimento de sua vulnerabilidade (no art. 4º, I).”
Direito à vida – É o mais fundamental dos direitos, já que constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.[16] É um bem inestimável e um fundamento, do qual decorrem todos os outros direitos. O Código de Defesa do consumidor (CDC) em vários momentos protege expressamente a vida do consumidor, sua saúde e incolumidade física, como e o caso de quanto proíbe a colocação de produtos com alto grau de periculosidade no mercado de consumo.
Segurança – Da segurança jurídica extraem-se os princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da inafastabilidade do controle jurisdicional e do juiz natural.
Propriedade – O indivíduo não pode ser privado de seus bens ou ter sua propriedade confiscada. Todavia esse princípio, assim como todos os demais, não é absoluto, podendo vir a ser violado em virtude da supremacia do interesse público sobre o particular.
Direito à intimidade, vida privada, honra e imagem – Alexandre de Moraes[17], citando Manuel Gonçalves Ferreira Filho, explica que a intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais elementos humanos, inclusive objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc. Preleciona Luís Roberto Barroso[18] que a honra procura proteger a dignidade pessoal do indivíduo, sua reputação diante de si próprio e do meio social em que está inserido.
Informação – O direito de informar é uma prerrogativa constitucional concedida às pessoas físicas e jurídicas. Não deve, porém, violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. O direito de se informar é uma prerrogativa concedida às pessoas. Decorre, por óbvio, da existência da informação. Entretanto, se necessário ao exercício profissional, é resguardado o sigilo da fonte. No âmbito constitucional o direito de ser informado é menos amplo do que no sistema infraconstitucional de defesa do consumidor, pois decorre sempre do dever que alguém tem e informar. O CDC estabelece ao fornecedor a obrigatoriedade de informar ao consumidor acerca de seu produto ou serviço.
Cumpre ressaltar também que, como a informação está ligada ao princípio da moralidade, extrai-se daí o conteúdo ético necessário que deve pautar a informação fornecida. Por isso não se pode falsear a informação, seja por afirmação ou por omissão, seja manipulando frases ou imagens para confundir, iludir ou tornar ambígua ao destinatário da informação.
Princípios gerais da atividade econômica – Dispõe o artigo 170 da Constituição Federal princípios gerais para a atividade econômica, in verbis:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Da leitura desse artigo é possível entender que o mercado de consumo aberto pertence à sociedade e em benefício dela é que se permite a exploração. Extraem-se também outras diversas interpretações: que o lucro não pode ser ilimitado, vez que decorre da exploração permitida, podendo então ser refreado sempre que puder ocasionar dano ao mercado e à sociedade; que monopólios e oligopólios não são permitidos; e que o risco da atividade mercantil é sempre do empreendedor, não podendo ser repassado ao consumidor.
Observe-se que a defesa do consumidor é elevada a princípio, além de ser direito fundamental, por estar inserida no artigo 5º do texto constitucional. Isso significa que a defesa do consumidor é o norte que direciona a interpretação das normas aplicáveis à economia e ao mercado como um todo.
Eficiência – Refere-se não só à obrigação de manter o serviço adequado, obrigação esta estampada no inciso IV do parágrafo único do artigo 175 da Carta Magna, mas também à obrigação de manter um serviço realmente eficiente e à disposição das pessoas, seja diretamente ou por meio de concessionárias ou permissionárias.
Publicidade – Deve respeitar os valores éticos e sociais da família e pautar-se primordialmente no princípio da moralidade. Assim, à lei federal compete estabelecer meios de defesa contra a publicidade de produtos e serviços em geral.
Diante de tantos princípios e normas constitucionais diretamente ligadas às relações de consumo, Gisele de Lourdes Friso[19] assim explica:
“Certamente, a era individualista do direito está terminando e dando espaço para as novas diretrizes do Direito, mais voltado para a função social e para as questões difusas e coletivas, aplicando-se o princípio da socialidade, fortemente presente no novo Código Civil e no próprio Código de Defesa do Consumidor.”
Assim, o que se verifica é que direitos do consumidor no Brasil têm seu fundamento na Constituição Federal, tanto como direito fundamental, quanto como princípio de ordem econômica.
3. CONCEITOS BÁSICOS
Antes de adentrar no cerne do estudo, faz-se mister esclarecer previamente alguns conceitos básicos referentes ao tema proposto.
Logo nos primeiros artigos do referido código, há um claro conceito de consumidor, fornecedor, produto e serviço, in verbis:
“Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”[20]
Apesar de o Código de Defesa do Consumidor, de 1990, apresentar redação ontológica, ou seja, da própria redação do texto legal é possível extrair tais conceitos, a seguir se discorrerá sobre os intervenientes da relação de consumo.
3.1 CONSUMIDOR
O conceito de consumidor adotado pelo código, segundo entendimento de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin[21], foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando em consideração tão somente a pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, no mercado de consumo adquire bens ou contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria ou de outrem, e não para o desenvolvimento de outra atividade negocial.
Infere-se, pois que toda relação de consumo envolve basicamente duas partes bem definidas: o adquirente e o fornecedor ou vendedor do produto ou serviço. Tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor que, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços.
O foco desta conceituação está na perspectiva que se deve adotar, ou seja, no sentido de considerar o consumidor como vulnerável.
O professor Fábio Konder Comparatto, citado por José Geraldo de Britto Filomeno no livro “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor- comentado pelos autores do anteprojeto”[22], pondera que consumidores são aqueles “que não dispõem de controle sobre bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes (…), isto é, os empresários”.
Duas grandes tendências do consumerismo interpretam o artigo 2º do CDC: a dos finalistas e a dos maximalistas. Cláudia Lima Marques[23] observa que
“para os finalistas, (…) o consumidor e a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado (…). Logo, convém delimitar claramente quem merece essa tutela e quem não a necessita (…) Propõem, então, que se interprete a expressão ‘destinatário final’ do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4º e 6º.”
Segundo essa hipótese, consumidor seria apenas aquele que adquire o bem para utilizá-lo em proveito próprio, satisfazendo sua necessidade pessoal e não para revenda, tampouco para reinseri-lo na cadeia produtiva. É quem adquire o produto ou serviço e encerra a relação de consumo.
Os maximalistas, segundo a referida autora, na mesma obra, “veem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não profissional.” Assim, só não é consumidor quem adquire para vender ou incorporar em um outro produto que será vendido posteriormente, ou seja, consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, devendo ser interpretada o mais extensivamente possível,
“não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome; por exemplo, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte dos visitantes, o advogado que compra uma maquina de escrever para o seu escritório, ou mesmo o estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família.”
A experiência demonstrou que a adoção absoluta de uma dessas visões não atendia ao próprio espírito do Código. Imaginar o Código de Defesa do Consumidor como um código geral de consumo no entendimento dos maximalistas era o mesmo que esvaziar o campo de atuação do Código Civil. Do mesmo modo, aplicar as normas consumeristas tomando por base a intocável noção de destinação econômica, sem se ater à própria vulnerabilidade do adquirente, afrontaria aos princípios e normas gerais ali insertos.[24] Dessa forma, a jurisprudência pátria criou o conceito mitigado de consumidor, que abranda o rigor do critério finalista em algumas situações e concentra-se na noção de vulnerabilidade, para que se possa aplicar o CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários quando evidenciada a relação de consumo[25].
Dessa forma, para identificar se alguém é ou não consumidor no caso concreto, deve-se responder aos seguintes questionamentos: o produto é disponibilizado para o público em geral? Se a resposta for afirmativa, provavelmente será uma relação de consumo. O produto servirá para atividade fim ou meio? Se for útil à atividade fim, é provável que não configure relação consumerista. Por fim, deve-se levar em conta se há o conhecimento das técnicas de produção por parte do comprador e sua capacidade econômica. Entende o STJ da seguinte forma:
“Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus polos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido.” (Recurso Especial n] 476.428/SC, j. de 19/04/2005, in DJU de 09/05/2005, p. 390).
O parágrafo único do artigo 2º do CDC, por sua vez, tem por foco a universalidade, o conjunto de consumidores, desde que relacionados a um determinado produto ou serviço.
Os interesses envolvidos, nesse caso, caracterizam-se por uma pluralidade de titulares, em número indeterminado (ou grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou à parte contrária por uma relação jurídica base) e pela indivisibilidade do objeto do interesse, cuja satisfação aproveita em conjunto e a postergação a todos prejudica.
Para efeitos práticos, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Na letra da Lei, “para fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às praticas nele previstas”.[26]
Assim, são exemplos de consumidores as pessoas expostas a informação ou publicidade enganosa e/ou abusiva. E, ainda que ninguém reclame concretamente contra ela, não significa que o anúncio deixe de ser abusivo ou enganoso, nem que o Ministério Público não possa ir contra ele.
3.2 FORNECEDOR
O caput do artigo 3º, CDC, dá um panorama da extensão das pessoas enumeradas como fornecedoras.
Nos dizeres de José Geraldo de Brito Filomeno[27], fornecedor é “o protagonista das sobreditas ‘relações de consumo’ responsável pela colocação de produtos e serviços à disposição do consumidor”.
Note-se que não há exclusão de qualquer pessoa jurídica, já que o objetivo do Código é atingir todo e qualquer modelo.
É importante centrar a atenção na atividade, que pode ser típica ou eventual, porque ela é que designará se em um dos polos da relação jurídica está o fornecedor. Assim, é possível que a venda de um produto, ainda que feita por um comerciante, não implique relação de consumo regulada pelo CDC. É o caso, por exemplo, de uma pessoa física que vende seu automóvel usado; nesse caso, falta a figura do fornecedor.
Ao lado da pessoa jurídica, a lei coloca a pessoa física e o ente despersonalizado. Dessa afirmação extrai-se que apesar de uma pessoa poder falir, seus produtos e resultados dos serviços continuarão sob a proteção da lei consumerista. Outras hipóteses nesse sentido são aquelas em relação à pessoa jurídica que, mesmo quebrada, continua suas atividades; ou até mesmo a figura do camelô, que embora não constitua pessoa jurídica, desenvolve atividade comercial.
No que tange à pessoa física, o profissional liberal prestador de serviço não escapou da égide da Lei 8078/90, tampouco aquelas pessoas que desenvolvem atividade eventual ou rotineira de venda de produtos, sem ter-se estabelecido como pessoa jurídica.
É curioso observar também que o conceito de fornecedor utilizado pelo Código de Defesa do Consumidor é um conceito lato, ou seja, fornecedor “é gênero do qual o fabricante, o produtor, o construtor, o importador e o comerciante são espécies”[28]. Assim, quando se quer responsabilizar todos, usa-se o termo “fornecedor”; do contrário, utiliza-se de termo designativo particular.
3.3 PRODUTO E SERVIÇO
Embora o próprio código utilize o termo “produto”[29], mais viável seria entender como “bens”, por ser este mais abrangente, designando o resultado da produção no mercado de consumo das sociedades capitalistas contemporâneas.
No entendimento de José Geraldo Brito Filomeno[30], “produto (entenda-se “bens”) é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final.”
Não se pode olvidar que tais bens podem ser móveis ou imóveis, material ou imaterial, ou seja, a lei se preocupa em garantir que a relação jurídica de consumo esteja assegurada para toda e qualquer compra e venda realizada. Por meio de conceitos genéricos, a lei pretende que nada lhe escape.
Uma novidade que trouxe a lei consumerista no que se refere aos produtos foi sua classificação quanto à duração, que há muito já era conhecida no mercado. Duráveis, são aqueles que sobrevivem a muitos usos. Não duráveis são os consumidos em um ou poucos usos[31].
Hodiernamente o mercado contemporâneo utiliza a expressão “produto descartável” para aproximar o produto “durável” em sua forma de desgaste ao produto “não durável” em sua forma de extinção[32].
Ressalte-se que em casos de desgaste natural não se pode falar em vício do produto.
Serviço[33], por sua vez, entende-se pela atividade ou benefícios que são oferecidos à venda, ou seja, é a atividade prestada no mercado de consumo. Por ser tipicamente uma atividade, visa uma finalidade e se esgota tão logo praticada. Porém, o mercado criou os chamados serviços duráveis, que são os serviços contínuos em decorrência de contrato, ou os que deixarem como resultado um produto.
Frise-se que o código exclui os serviços gratuitos ao exigir expressamente a existência de remuneração para caracterização do serviço que gera relação de consumo. Isso significa que, se houver remuneração, ainda que indireta, como é o caso daquela que é embutida na remuneração de outros serviços prestados ou produtos fornecidos pelo fornecedor, por exemplo, estará o serviço submetido às regras do CDC.[34]
A expressa exclusão de serviços prestados em relações de caráter trabalhista ocorre por motivos óbvios, vez que a relação instaurada nesse âmbito tem conotação diversa da instaurada nas relações de consumo.[35]
Importante salientar desde logo que a figura do contribuinte não se confunde com consumidor. Neste conceito não se inserem os tributos, taxas e contribuições de melhoria, incluídas nas relações de natureza tributária. Tarifas, sim, são pagas pelo serviço prestado pelo Poder Público, diretamente ou mediante concessão ou permissão.
3.4 OFERTA, PUBLICIDADE E PROPAGANDA
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin[36], citando Jacques Guestin & Bernard Desché, afirma que oferta é “uma manifestação de vontade unilateral através da qual uma pessoa faz conhecer sua intenção de contratar e as condições essenciais do contrato.”
Não se faz necessário, entretanto, um projeto completo de contrato, basta que sejam fixados os elementos essenciais do negócio proposto: a coisa e o preço. Em outras palavras, pode-se afirmar que qualquer método, técnica e instrumento que aproxime o consumidor dos produtos e serviços colocados à sua disposição no mercado pelos fornecedores podem ser chamados de oferta.
O artigo 427 do Código Civil preleciona que “a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso” [37].
Porém, o referido diploma legal preceitua que, para obrigar o solicitante, a oferta tem que ser firme, precisar a coisa que está sendo oferecida à compra e venda, ter preço certo e ser dirigida a pessoa determinada. Por isso, anúncios publicitários em jornais, revistas, outdoor etc. não são oferta de proposta e sim um “convite á oferta”, de modo que não vincula o proponente.
Para o código de Defesa do Consumidor, entretanto, a característica marcante da oferta é dirigir-se a um número indeterminado de consumidores. Além disso, toda oferta relativa a produtos e serviços vincula o fornecedor, obrigando-o ao cumprimento do que oferecer. A proibição de que o fornecedor se recuse a cumprir a oferta, proferida no artigo 35, CDC, é uma consequência lógica do artigo 30.
No que tange aos elementos da oferta e apresentação, os artigos 30 e 31 do CDC são bem claros ao elenca-los: informações claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa; quanto aos produtos e serviços em relação à suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade e origem; quanto aos riscos que apresentam à saúde e à segurança do consumidor.
Publicidade é uma ferramenta de comunicação que possibilita aos produtores, vendedores e prestadores de serviço fazerem com que os consumidores tomem conhecimento das características de seus produtos e ao mesmo tempo permite a utilização dos recursos disponíveis para tornar o anuncio atraente e, desta maneira, convencer os receptores da mensagem das necessidades e vantagens de se adquirir o que é ofertado.[38] Não é apenas informação, é persuasão. Ao veicular-se um anúncio publicitário não se espera apenas informar o consumidor, mas sim vender o que está sendo anunciado, ou seja, o termo “publicidade” tem um caráter comercial, negocial.[39]
Publicidade seria, então, a arte de despertar no público o desejo da compra, levando-o à ação, ou seja, possui escopo comercial. Diferencia-se do termo "propaganda", que do ponto de vista doutrinário refere-se à propagação de informações de cunho ideológico: político, religioso, cívico, filosófico, etc.[40] Fora isso, além de paga, a publicidade identifica seu patrocinador, o que nem sempre ocorre com a propaganda. O objetivo de lucro, de vantagem econômica, está na origem da distinção.
O Código de Defesa do Consumidor não cuida de propaganda. Seu objeto é tão somente a publicidade.[41]
Cumpre observar também que a publicidade pode ser dividida em institucional ou promocional. Institucional quando se anuncia a própria empresa, ou seja, a marca. Seus objetivos são alcançados em longo prazo, vez que não há a preocupação com a venda do produto em si, não há a preocupação de levar o mercado a comprar tantas unidades do produto, pois a preocupação é com a marca e não com o modelo.
De modo diverso, a publicidade promocional busca vender produtos e anunciar serviços, ou seja, visa a um objetivo imediato, seus resultados são esperados em curto prazo.
Dois elementos são essenciais em qualquer publicidade: difusão e informação. Um é o elemento material da publicidade, seu meio de expressão; o outro é o seu elemento finalístico, no sentido de que é informando que o anunciante atinge o consumidor. Sem difusão não há que se falar em publicidade, de vez que o conhecimento de terceiros é inerente ao fenômeno.[42]
3.5 PUBLICIDADE ENGANOSA E ABUSIVA
Dispõe o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor que:
“Artigo 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedade, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória, de qualquer natureza, que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§3º Para os efeitos desse Código, a publicidade é enganosa quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.”
A proibição da publicidade enganosa ou abusiva, ou seja, perniciosa ao consumidor, é ampla e flexível. Isso porque o legislador demonstrou total repúdio em relação a esse tipo de publicidade, vez que prejudica não só o consumidor, mas também a sanidade do próprio mercado. Ressalte-se que será ilícito o anúncio que, apesar de não violar expressamente a Lei nº 8078, contrariar as determinações das normas estabelecidas pelo próprio setor.
A publicidade enganosa provoca uma distorção no processo decisório do consumidor, levando-o a adquirir produtos e serviços que, se estivesse mais bem informado, possivelmente não o faria. Assim, não se exige prova da enganosidade real, bastando a mera enganosidade potencial, bem como é irrelevante a boa fé do anunciante, pois o que se busca é a proteção do consumidor e não a repressão do comportamento enganoso do fornecedor.
Diante do conceito de enganosidade é que se pode afirmar, por exemplo, que uma publicidade pode ser completamente correta e ainda assim ser enganosa, seja deixando margem a uma interpretação errônea por parte do consumidor, seja por deixar de mencionar informação importante. Assim, se um anúncio tem mais de um sentido, basta que um deles seja enganoso para que toda a mensagem seja considerada enganosa ou abusiva.
Existem dois tipos de publicidade enganosa: a por comissão e a por omissão. Na publicidade enganosa por comissão, o fornecedor afirma algo capaz de induzir o consumidor em erro, isto é, este tipo de publicidade decorre de um informar positivo que não corresponde à realidade do produto ou serviço. Já na publicidade enganosa por omissão, o anunciante deixa de afirmar algo relevante e que, por isso mesmo, induz o consumidor em erro. O repúdio por ambas espécies de publicidade enganosa é o mesmo.
No que tange ao exagero publicitário, quando a publicidade ilícita de modo geral é apresentada com caráter subjetivo ou jocoso não permite que seja objetivamente encarada como vinculante. Antônio Herman de Vasconcelos, citando Waldírio Bulgarelli[43], afirma que “a regra geral que se colhe na maior parte dos países industrializados é a de que as expressões exageradas de caráter inofensivo, em que os clientes não acreditam, estão excluídas do campo dos enganos prejudiciais dentro de limites variáveis.” Podendo ser medido objetivamente, se de fato não corresponder à verdade, será enganoso.
O foco da publicidade abusiva, diferentemente do da enganosa, não é a concorrência desleal, e sim essencialmente o consumidor. Desta forma, é abusivo tudo aquilo que ofende a ordem pública, que não é ético, que é opressivo ou inescrupuloso, bem como o que causa dano substancial aos consumidores. A abusividade deve ser avaliada sempre tendo em vista a potencialidade do anúncio em causar um mal.
Esse tipo de prática mercadológica pode apresentar-se sem qualquer enganosidade e ainda assim ser prejudicial ao consumidor e ao mercado, vindo, portanto, a ser proibida. Isso porque a atividade publicitária, bem como seu resultado, devem respeitar a intimidade, as instituições e os símbolos nacionais, o interesse social, a dignidade da pessoa humana, as autoridades instituídas e o núcleo familiar. Essas determinações são exigências constitucionais, na medida em que se impõem a todos como garantias fundamentais.
Exemplos de publicidades abusivas são aquelas que discriminam o ser humano sob qualquer ângulo ou pretexto, ou as que utilizam do medo e da superstição para persuadir o consumidor a adquirir o produto ou serviço, ou ainda as que incitem a violência, a agressividade contra outras pessoas, animais ou bens. Também são exemplos a publicidade antiambiental e a indutora de insegurança, especialmente quando seu destinatário é a criança.
As publicidades cujo público alvo são as crianças foram normatizadas pela Câmara Internacional de Comércio. Segundo tais normas, esses anúncios devem ser verazes e claramente identificáveis como tal; não devem aprovar a violência ou aceitar comportamentos que contrariem as regras gerais de comportamento social; não se pode criar situações em que se passe a impressão de que alguém pode ganhar prestígio com a posse de bens de consumo, que enfraqueçam a autoridade dos pais, contribuam para situações perigosas para as crianças, ou que as incentivem a pressionarem outras pessoas a adquirirem bens.[44]
4. PUBLICIDADES ABUSIVAS DE BEBIDAS ALCOÓLICAS
Conforme explicitado no capítulo anterior, o artigo 37 do CDC traz um rol exemplificativo de publicidades abusivas, cujo conteúdo embora não afete diretamente o bolso do consumidor, ofende importantes valores e princípios sociais. Desta feita, esse tipo de conteúdo publicitário desrespeita valores fundamentais da sociedade, bem como atinge o consumidor, coletiva ou difusamente considerado, em sua característica primordial: a dignidade.
A publicidade de bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos e agrotóxicos, por acarretar riscos extremos para as pessoas, suas famílias e meio ambiente, deve ser regulamentada por lei de modo que se garanta a possibilidade de defesa contra todas as práticas, serviços e produtos abusivos nocivos à saúde e ao meio ambiente.
A campanha publicitária abusiva é, em suma, antiética, pois não condiz com a vida em sociedade no estado Democrático de Direito, uma vez que ofende a boa fé e o respeito que devem permear toda relação jurídica, vez que afronta a moral, os bons costumes, bem como diferencia pessoas e grupos e se aproveita do medo, ignorância e superstição das pessoas. Em nome do lucro a qualquer preço, as empresas, por vezes, violam a dignidade do cidadão ao veicular anúncios que hostilizem ou segreguem grupos sociais.[45]
Daí a hodierna preocupação com a sociedade das massas, de consumo e com a homogeneização do comportamento.
Dentre os vários exemplos de publicidade abusiva de bebidas alcoólicas, os mais notórios e reiteradamente exibidos são os que incitam à discriminação de gênero, em que a mulher é tida como objeto de consumo masculino, cuja vontade individual é reduzida e submetida ao desejo dele. Campanhas publicitárias que se utilizam da nudez e da sensualidade femininas para vender produtos são abusivas, porque colocam as mulheres em situação vexatória e incitam comportamentos depreciativos contra elas. Quando a mulher é vista como objeto, como acontece nesse tipo de publicidade, inúmeros problemas sociais são desencadeados, tal como o aumento significativo dos casos de violência.[46]
Diante do notório aumento de pessoas que bebem em excesso, é impossível conceber uma política pública para reverter essa alarmante situação sem combater o estímulo exercido pela publicidade, especialmente a de cerveja, que associa seu consumo a imagens e situações atraentes, divertidas, bonitas ou eróticas.
Isso se deve ao fato de que a publicidade é capaz de interferir na liberdade de escolha, especialmente dos mais jovens, devida sua vulnerabilidade. A partir dessas constatações, a proibição de publicidade de cerveja passou a ser defendida como medida capaz de reduzir os problemas relacionados ao consumo excessivo de álcool pelos jovens. Porém, embora tal proposta seja eficaz para reduzir o alcoolismo, ela tem provocado reação de setores midiáticos, que alegam tratar-se de censura ou cerceamento de sua liberdade de expressão.
Ocorre que interesses empresariais não devem se sobrepor a interesses sanitários. A interferência do Estado na economia integra a evolução do direito para conciliar o capitalismo com a promoção do bem estar social, ou seja, não é intervenção arbitrária. Se orientadas a proteger eficientemente e na justa medida os interesses sociais, as restrições às empresas são plenamente justificáveis, isto é, um direito é passível de ser sacrificado, desde que resulte na proteção de outro ainda mais relevante.[47]
Ainda que se reconheça sua importância, a publicidade não pode gozar da mesma proteção legal que merecem as manifestações artísticas, literárias, políticas, jornalísticas ou religiosas, pois os valores que justificam a defesa intransigente destas, absolutamente, não estão presentes na mensagem cuja finalidade seja meramente venal, de fim comercial.[48]
Cabe lembrar que, desde 1996, restringiu-se a propaganda de bebidas de alto teor alcoólico, sem que fosse abalado o prestígio da democracia brasileira.
Impensável é que em uma sociedade verdadeiramente democrática se dê prevalência aos interesses econômicos ao invés da saúde de jovens que são persuadidos cotidianamente a consumir bebidas alcoólicas.
O consumo excessivo e os efeitos sociais desse excesso relacionam-se intimamente aos anúncios revestidos de mensagens subversivas, cuja linguagem é analógica e de fácil assimilação, que estimulam a venda de bebidas alcoólicas, pois além de ofertar um produto cujos efeitos são nocivos, na maioria das vezes associam o consumo de seus produtos à imagem do erotismo e de pessoas saudáveis, bem sucedidas, bonitas e felizes, criando, dessa forma, uma falsa ideia de poder, conquista, bem estar, o que cria um vínculo psicológico nos espectadores, vez que associam todas essas vantagens ao sucesso pessoal e às vantagens de se ingerir uma determinada marca de bebidas, caracterizando, assim, a abusividade desses anúncios.[49]
O conteúdo das mensagens publicitárias atua no processo de tomada de decisão do indivíduo para o consumo de álcool. O indivíduo tende a gostar e se identificar com as situações descritas nas propagandas. Desta forma, a resposta afetiva (gostar), a lembrança e a exposição a essas mensagens aumentam a probabilidade de um consumo mais intenso e precoce de bebidas alcoólicas entre os adolescentes.[50]
O código do CONAR (Conselho de auto-regulamentação publicitária), instituição representante do setor publicitário, e que determina regras para a propaganda de todos os produtos, deixa claro que a propaganda de álcool não deve ser associada à sexualidade. Logo, a indústria de propaganda de álcool está desrespeitando seu próprio código.
Mais alarmante ainda que a própria abusividade da publicidade, são os problemas causados pelo consumo excessivo de bebidas, incitados por esse tipo de anúncio. O estímulo ao consumo excessivo de substâncias que trazem riscos e fazem com que o consumidor se comporte de forma prejudicial à sua saúde e segurança, bem como daqueles que estiverem próximos da pessoa sob forte influência do álcool, devem sofrer medidas restritivas por parte do Estado a fim de reduzir problemas como a violência no trânsito, violência doméstica, doenças como alcoolismo, cirrose e hepatite alcoólica, além do desgaste emocional que provoca ao próprio indivíduo e às pessoas próximas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que o uso abusivo do álcool está associado a acidentes de trânsito, quedas, queimaduras, lesões associadas a atividades esportivas e recreativas, violência interpessoal e 6,2% de todo o ônus com assistência à saúde.[51]
Entretanto, para que sejam alcançados de forma contumaz e definitiva os objetivos de garantir o bem-estar e a segurança do cidadão em consonância aos preceitos constitucionais, faz-se necessário que Estado, cidadãos e os órgãos de controle unam seus esforços no sentido de que haja uma real conscientização de todos dos males que o consumo excessivo de bebidas pode trazer e consequentemente alguns hábitos sejam mudados.
Cada vez mais, a indústria do álcool utiliza-se da associação de seus produtos com a sexualidade, os símbolos nacionais, eventos esportivos, musicais e culturais, entre outros, para apresentar as bebidas alcoólicas como uma parte normal e integral da vida e da cultura dos jovens. E os jovens tendem a responder a esse marketing agressivo em um nível emocional, mudando suas crenças e expectativas em relação ao beber.
Se o artigo 67 do Código de Defesa do consumidor afirma ser infração penal fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva, então caberia pena às indústrias de bebidas alcoólicas. Porém, não é esse o entendimento da maior parte dos juristas, que consideram tais publicidades como meramente indutivas. Ora, se consideradas indutivas, ainda assim não perde seu caráter abusivo, segundo entendimento do artigo 37 do mesmo código.
Como qualquer psicotrópico, o álcool atua imediatamente no cérebro e atinge a capacidade de agir, sentir, pensar, além de ser forte potencial a causar dependência, causando assim graves prejuízos à saúde e segurança não só do consumidor, como também da coletividade. A título exemplificativo, basta observar as estatísticas que apontam um índice de trinta mil pessoas que morrem por ano em decorrência de acidente no trânsito causado por condutor alcoolizado, além de estar o alcoolismo associado a 50% dos acidentes com morte, 50% dos homicídios, 25% dos suicídios e 52% dos casos de violência doméstica.[52]
Os números gerais impressionam. Estudos mostram que o álcool é o fator de risco de mortalidade mais importante na América Latina, entre 27 fatores estudados pela Organização Mundial da Saúde, à frente até mesmo do tabaco. Ademais, há um importante corpo de evidências relacionando o consumo de álcool em faixa etária mais precoce com uma série de problemas futuros, desde uma maior probabilidade de uso abusivo de bebidas alcoólicas até consumo de outras substâncias psicotrópicas e alguns problemas de saúde.[53]
Se comparado com o cigarro, que recebeu larga restrição em sua publicidade, ele apresenta um potencial de dano consideravelmente menor que o do álcool. Basta pensar no sentido de que seria quase impossível um fumante causar um acidente automobilístico tão somente pelo fato de ter fumado um cigarro. Assim, diante do tratamento dispensado à publicidade de fumígenos, é razoável que, por conta dos prejuízos que podem ser causados pelo consumo do álcool, a veiculação de publicidade de bebidas alcoólicas também venha acompanhada da respectiva advertência, bem como da ostensiva e adequada informação acerca dos malefícios que possivelmente poderá causar esse tipo de produto, sob pena de violar, inclusive, o direito á vida e saúde pública previstos no caput do artigo 5
º e no artigo 196, ambos da constituição Federal.
Advogam as indústrias do álcool em favor de suas práticas comerciais fundamentadas no princípio da liberdade de expressão de pensamento, vez que a publicidade é uma forma de manifestação. Segundo elas, o objetivo da publicidade não é aumentar o consumo, e sim promover a troca e a fidelidade à marca. No entanto, esta afirmação pode suscitar dúvidas em situações específicas. Em relação ao carnaval, por exemplo, a indústria cervejeira admite, em seu relatório anual, a existência de aumento do consumo como resultado de um esforço maior em publicidade. Em relação à questão da fidelidade, estudos já demonstraram que apresentar fidelidade a uma marca, isoladamente, pode predizer consumo em maior quantidade de álcool. A resposta afetiva positiva que o público de crianças e adolescentes tem em relação às propagandas, associada com o consumo futuro ou atual de álcool, pode levantar dúvida sobre as afirmações da indústria de que esta não busca aumento do número de consumidores entre os menores de idade.[54]
Ademais, embora a censura tenha sido proibida desde o nascedouro da Constituição Cidadã, ela mesma impôs limites à veiculação desse tipo de publicidade, em seu artigo 220, quando permitiu que as pessoas e as famílias se defendessem da publicidade nociva à sua saúde e segurança.
Na primeira reunião ordinária do conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, ocorrido em 06 de março de 2006, na capital federal, o tema de estudo do item V da pauta de trabalhos era “O álcool e os meios de comunicação”. Nesta reunião, destacou-se que a força da publicidade, unida à densidade de locais de venda[55], ao número de horas de funcionamento dos pontos de comércio de bebidas e ao fato de que o preço do álcool no Brasil é um dos mais baratos do mundo, são motivos suficientes para explicar os danos à população brasileira causados pelas bebidas alcoólicas e fatores relevantes para se levar em conta em políticas efetivas em relação ao abuso de álcool.
Cumpre ressaltar também que, embora o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil só seja legalmente permitido após os 18 anos de idade, raramente um adolescente recebe uma negativa ao pedir uma dose nos mais variados pontos de venda. A oferta é farta e os obstáculos são poucos.
Na mesma ocasião, o Professor Doutor Ronaldo Laranjeira[56] preconizou a adoção de restrições severas à publicidade de bebidas alcoólicas, sob a égide de três argumentos:
“O primeiro aspecto que considero muito importante seria uma forma de regularmos o debate, a expressão da palavra, porque, como falei, quem tem dado as informações sobre álcool para a população brasileira, especialmente para os jovens, é a indústria do álcool.
O segundo argumento é que a propaganda influencia e educa principalmente os setores mais jovens da sociedade, para quem álcool significa festa. Falar contra o álcool – eu o faço e muitas vezes sou ridicularizado – é impopular. Impopular deveria ser falar que álcool é festa. O que dizer dos 4% de pessoas que morrem e dos 20% de famílias vitimadas pela violência doméstica por causa do álcool? É a mesma coisa, o mesmo fenômeno. Por tudo isso, faz sentido restringir a propaganda, porque educa da pior forma possível a consciência com relação ao álcool.
O terceiro aspecto é que a propaganda estimula o consumo. Quanto maior a exposição de propaganda aos adolescentes, maior o consumo. Isso é muito importante saber, principalmente num País onde o acesso à educação de saúde é tão restrito. Não se deve deixar uma geração de brasileiros exposta à propaganda do álcool.”
Na supracitada audiência pública, o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Doutor José Inácio Pizani, reiterou a posição da entidade em defesa da liberdade de expressão, destacando a importância da publicidade para a sustentação dos meios de comunicação que dependem exclusivamente da receita por ela proporcionada, como é o caso da radiodifusão. Lembrou, ainda, que a Constituição em vigor garante a liberdade de expressão comercial independentemente de censura. A defesa da liberdade de expressão em todas as suas formas foi sustentada pelo dirigente da ABERT, e é esposada pelo conjunto de associações que congregam anunciantes, agências de publicidade, veículos de comunicação e profissionais do setor.[57]
A questão é: se foi aprovado que o consumo de cigarro deveria ser reduzido, o que justificou a repressão à propaganda de produtos de tabagismo, por que não se estabelece mais severas restrições ao consumo de bebidas alcoólicas, em virtude de suas deletérias consequências sobre o organismo humano?
A resposta pode estar no crescente poder de influência da indústria de bebidas, particularmente da indústria cervejeira. A circulação monetária proporcionada por este tipo de publicidade aplaca, de certa forma, a força crítica da mídia. Afinal, é a mídia que fatura com a publicidade desta indústria. O resultado é uma tácita mancomunação da mídia com a indústria cervejeira, sem que os aspectos éticos e morais da questão sejam minimamente observados. Assim, a propaganda de bebidas alcoólicas é veiculada sem observância ética.
Segundo informações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), um levantamento apresentado pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), durante a I Conferência Pan americana de Políticas Públicas sobre o álcool, ocorrida em novembro de 2005, em Brasília, apontou que o álcool é usado frequentemente por mais de 40% dos estudantes do ensino fundamental e cerca de 19 milhões de brasileiros são dependentes da referida droga. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), desde o início da década de 70 o consumo do álcool no Brasil cresceu mais de 70%.[58]
Os dados são alarmantes. Em outro estudo realizado pelo SENAD, três mil pessoas foram entrevistadas em cento e quarenta e três cidades para traçar o padrão de consumo de bebidas alcoólicas pela população brasileira. Conforme relatório final[59]:
“63% consomem algum tipo de bebida alcoólica
45% dos problemas familiares e conjugais estão ligados ao hábito de beber de alguma pessoa da família
28% disseram ter sido passageiro de veículo com motorista que dirigia alcoolizado
11% foram agredidos fisicamente por alguém que estava sob efeito do álcool
96% são favoráveis à restrição da propaganda do álcool
54% apoiam o aumento dos impostos sobre as bebidas alcoólicas”
Levando-se em conta que os números são mais persuasivos que as palavras, outros estudos podem ser amplamente citados[60]:
“Outro estudo, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) sobre o uso de bebidas alcoólicas e violência doméstica em 2.372 domicílios, mencionou situações de violência em 749 deles (31,6%). Na metade desses casos o agressor estava embriagado.
Em 2004, o Brasil consumiu 8,5 bilhões de litros de cerveja, com uma média de 47,6 litros/ano por habitante. O país é o quinto produtor mundial de cerveja, atrás apenas da China, Estados Unidos, Alemanha e Rússia.
As cervejarias investem cada vez mais em propaganda e marketing. Só a Ambev investiu em 2004 cerca de R$ 370 milhões de reais em publicidade. Ao todo, as cervejarias gastaram, em divulgação, R$ 5,33 a cada cem litros produzidos, o que chegou a R$ 438,2 milhões em campanhas publicitárias. Em 2002, no entanto, o investimento em publicidade havia sido de R$ 3,4 a cada cem litros.”
Não se pode olvidar também dos incalculáveis problemas de saúde decorrentes do abusivo consumo de bebidas alcoólicas, tais como: tumores no trato aero digestivo (cavidade oral, faringe, hipofaringe, laringe e esôfago), aumento do risco de câncer de fígado, cólon e mama, cirrose hepática, pancreatite crônica e distúrbios psiquiátricos.
A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo divulgou resultado da pesquisa relacionada ao consumo abusivo de álcool na referida Unidade da Federação:[61]
“Lei seca diminuiu violência. Houve redução das taxas de homicídio e de acidentes no trânsito nos 16 municípios da Região Metropolitana de São Paulo que adotaram a lei que regulamenta o horário de funcionamento dos estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas, medida que ficou conhecida como “Lei Seca”. A taxa média de homicídios dolosos anterior à adoção da Lei Seca nessas cidades era de 55,3 homicídios para cada 100 mil habitantes. Após a implantação da lei, a taxa caiu para 39,3 para cada 100 mil – uma queda de 28,8%. Os municípios que não adotaram a Lei Seca apresentaram, no mesmo período, redução de 19,8%.
Barueri foi a primeira cidade a implantar a lei seca no Estado, em 2001, obrigando os bares a fechar às 23 horas e, nos finais de semana, às 2 horas. Na década de 90, estava entre as três mais violentas da Grande São Paulo. Logo após a implantação da lei e de outras ações, conseguiu reduzir em 54% os acidentes de trânsito e em 60% os homicídios – e já não figura entre as dez mais violentas”.
Outra preocupação da mais extrema relevância, é que, de olho nas crianças, potenciais futuros consumidores, a indústria do álcool veicula anúncios que induzem o consumo de bebidas utilizando imagens lúdicas que povoam o imaginário infantil.
Anúncios nem sempre compatíveis com sua capacidade de compreensão, naturalmente atraentes por meio da magia criada com cores, músicas e situações engraçadas, levam crianças a acreditar no que a televisão transmite.[62]
De que forma os pais poderiam explicar aos filhos que crianças não podem tomar cerveja, se até bichinhos como caranguejos, siris e tartarugas se deliciam com o conteúdo de uma latinha da bebida?
Não há razoabilidade em inserir elementos lúdicos em anúncios voltados para o público adulto, mas como o frango da Sadia, o cachorrinho da Cofap e os bichinhos de pelúcia da Parmalat deram retorno de marketing melhor que o esperado, os publicitários não vão parar de usar imagens de animais na publicidade. Primeiro porque, além de simpáticos, atraem a atenção dos telespectadores, especialmente crianças, depois porque ajudam a convencer o “consumidor do futuro” de que ele necessita consumir aquele determinado produto. É aí que mora o perigo.[63]
Fábio Fernandes, presidente e diretor de criação da F/Nazca, agência responsável pela criação de algumas propagandas que incluem elementos lúdicos em publicidade de cerveja, defende a classe publicitária ao negar que não há intenção de atrair a atenção de futuros consumidores: “não pretendemos atingir um público específico, mostramos apenas um ambiente engraçado e descontraído, para rejuvenescer a marca”.[64]
Calcado na ideia de garantir o melhor interesse da criança e do adolescente, deve-se levar em conta, no momento da aplicação das leis, a criação de políticas públicas voltadas às crianças e aos adolescentes, e de desenvolvimento de ações do Poder Público e privado, o atendimento a todos os direitos fundamentais dessas pessoas, o que inclui uma infância e adolescência livre de pressões e imperativos comerciais.[65]
Assim, a exposição da criança às formas de mídia deve favorecer o seu desenvolvimento como um todo e nunca prejudica-lo, como ocorre quando ficam expostas às mensagens comerciais que não lhe são dirigidas. Isso porque devido ao seu desenvolvimento crítico incompleto e sua natural credulidade, a criança sofre restrições na sua liberdade de escolha, substituindo seus desejos espontâneos por apelos de mercado.[66]
O CDC determina expressamente, em seu artigo 37, §2º, que a publicidade não pode se aproveitar da deficiência de julgamento e experiência da criança, sob pena de ser considerada abusiva e, portanto, ilegal. Daí porque a publicidade dirigida ao público infantil não é ética, vez que suas características valem-se de subterfúgios e técnicas de convencimento perante um ser hipervulnerável, incapaz de se defender de tais artimanhas. Nesse sentido, é o entendimento do constitucionalista Vidal Serrano Nunes Júnior:[67]
“Tratando-se de publicidade dirigida ao público infantil, quer nos parecer que tal disposição seja irrealizável, já que, exatamente por se tratar de um ser em processo de formação, a criança não possui os predicados sensoriais suficientemente formados para a plena intelecção do que seja a publicidade, quais os seus objetivos e como dela se proteger. […] Assim, toda e qualquer publicidade dirigida ao público infantil parece inelutavelmente maculada de ilegalidade, quando menos, por violação de tal ditame legal.”
Por isso, é imprescindível que a criança seja preservada do bombardeio publicitário em sua infância, de maneira que possa desenvolver-se plenamente e alcançar a maturidade da idade adulta com capacidade de exercer plenamente seu direito de escolha. Essa limitação à atividade publicitária em nada prejudica a garantia constitucional à liberdade de expressão, especialmente porque qualquer garantia constitucional é passível de limitação e a proteção ao desenvolvimento sadio da infância é bem que merece maior amparo do que a busca de satisfação pecuniária por parte do mercado.
Luiz Lara, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), defende que “não será pela via do cerceamento de liberdades que caminharemos para um mercado crescentemente maduro e saudável. A ABAP continuará com o diálogo com a opinião pública”.[68]
No tocante à colisão de princípios, cumpre observar que eles expressam valores a serem preservados ou fins públicos a serem realizados. A atividade do intérprete é definir a ação a ser tomada. Em uma ordem democrática, princípios estão frequentemente em tensão dialética, por isso deve-se agir com ponderação, ou seja, deve-se aferir o peso de cada um, à vista das circunstâncias.[69]
É bem verdade que a liberdade de expressão é uma das mais importantes garantias constitucionais; um dos pilares da democracia. Mas esse direito não só não é absoluto, como sua garantia está mais atrelada ao direito de opinião. A democracia dá guarida ao direito de opinar, de lançar a público o pensamento que se tem subjetivamente; garante também a liberdade de criação, mas quando se trata de apontar fatos objetivos, prestar informações de serviços públicos ou oferecer produtos e serviços no mercado, há um limite ético que controla a liberdade de expressão: a verdade.
Reitera-se: não existe ampla garantia para a liberdade de criação e expressão em matéria de publicidade, contrariando um caro interesse dos anunciantes de bebidas alcoólicas: o desejo de difundirem livremente discursos persuasivos e sedutores sobre seus produtos, sem qualquer intervenção do Estado.
O artista goza de garantia constitucional para criação de suas obras, mas o publicitário não. O anúncio publicitário, em si, é um produto realizado pelo profissional, mas sua razão de existir se funda em algum produto ou serviço que se pretende vender. Dessa maneira, se vê que a publicidade não é produção primária, mas instrumento de venda desta e se o próprio produto primário tem limites precisos em lei, com mais força de razão o anúncio que dela fala.[70]
Em outras palavras, a liberdade de criação e expressão da publicidade está limitada à ética que dá sustentação à lei. O texto constitucional é suficientemente preciso ao determinar que a liberdade de expressão não se confunde com a liberdade econômica de promover discursos comerciais, pois a primeira se concretiza a partir de um direito humano de todo cidadão, enquanto a segunda é tão relativa que a própria Carta Constitucional tece uma série de restrições, permitindo, inclusive, o controle público para a proteção dos consumidores.[71]
Por isso, a publicidade não só não pode oferecer uma opinião, como deve sempre apresentar a verdade objetiva do produto e do serviço e as maneiras de uso, consumo, suas limitações, os riscos para a população em geral etc. sob pena de tornar-se não um meio para o exercício da liberdade do consumidor e sim um meio de violação da autonomia desse indivíduo e da liberdade dele, em virtude do incômodo que o excesso de publicidade tem gerado.
Liberdade de expressão, informação e comunicação, no contexto constitucional de 1988, não se relaciona com a liberdade de fazer propaganda comercial, porque por trás do discurso publicitário não há nada ideológico, cultural, religioso ou intelectual, nem mesmo contribui para a democracia ou para a emancipação do ser humano na mensagem comercial, apenas vontade de lucrar.
Nunca é demais lembrar também que até mesmo os princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência já sofrem diversas restrições pelo texto constitucional, sob diversas justificativas: dignidade da pessoa humana, defesa do consumidor, proteção da criança e da família, saúde etc. O contribuinte atribuiu estes outros princípios de muito maior peso e que, por isso, funcionam como limitadores das liberdades econômicas. Esta é a razão pela qual a liberdade de fazer publicidade é uma liberdade demasiadamente limitada.[72]
5. SANÇÕES À PUBLICIDADE ABUSIVA
A CF/88 em seu artigo 5°, inciso XXXII, dispõe que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Descreve ainda a defesa do consumidor como um dos princípios norteadores da atividade econômica, expresso em seu art. 170, inciso V. Assim, a defesa do consumidor é colocada como direito individual e, portanto, como um dos caracteres da dignidade humana, relacionada ao indivíduo enquanto consumidor em uma relação de consumo.
Portanto, cabe ao Estado e à sociedade a proteção ao consumidor, nas relações de consumo, pois esta defesa é consentânea com a dignidade da pessoa humana.
Com este ideário, o Código de Defesa do Consumidor (CDC)- Lei 8.078/90- prescreve diversos meios de proteção ao consumidor e de respeito às suas escolhas, à sua vida, segurança, dignidade, saúde, à imediata reparação e buscando a sua satisfação com a harmonização dos interesses conjuntamente com os fornecedores e o Poder Público. A lei dispõe também sobre a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor e os meios de eliminar esta desigualdade, motivo pelo qual a boa-fé contratual é um princípio básico da lei consumerista, por meio da busca da lealdade, da informação correta e da transparência por todos os atores envolvidos na relação de consumo. [73]
A publicidade atinge os direitos do consumidor de forma difusa, nos termos do art. 81, inciso I do CDC, pois uma vez que uma publicidade é veiculada em um meio de comunicação de massa, não se pode determinar a quantidade de pessoas que será influenciada por ela, sendo ainda transindividual e indivisível, ou seja, causado algum dano, torna-se impossível mensurar as frações ideais deste dano.
Em se tratando da publicidade de bebidas alcoólicas, já na Carta Magna de 1988 tratou o constituinte de revelar sua preocupação com a matéria ao determinar a necessidade da regulação por lei específica de tal assunto em seu art. 220, especialmente no § 4°, in verbis:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.”
Tal regulamentação veio por meio da Lei 9.294/96, porém a questão foi tratada de forma tímida.
5.1 O CONAR
Por volta de 1980, agências de publicidade fundaram uma organização não governamental- o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR)- para atender denúncias de autoridades, associados, consumidores, ou formulados pelos integrantes da própria diretoria. A partir de então, o tema em tela passou a ser tratado de maneira mais complexa e meticulosa, atentando sempre para o bem estar e segurança do consumidor, alvo desse tipo de publicidade.[74]
O objetivo precípuo da organização era promover a liberdade de expressão publicitária, impedir que a publicidade enganosa ou abusiva causasse constrangimento ao consumidor ou a empresas, e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial. Os processos éticos instituídos pelo CONAR têm sua origem nessas reclamações. Assim, presumida a boa-fé dos responsáveis e assegurado o duplo grau de jurisdição, a atividade publicitária é controlada, fiscalizada e punida por meio da aplicação do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária e dos preceitos da ética publicitária.[75]
É a própria autorregulamentação que expressamente declara que seus preceitos têm de ser respeitados por todos os que estiverem envolvidos na atividade publicitária, tais como o anunciante, a agência de publicidade, o veículo de divulgação, o publicitário, o jornalista e qualquer outro profissional de comunicação envolvido no processo publicitário. Ademais, as regras de autodisciplina da atividade publicitária são também destinadas a ser usadas como parâmetro pelo Poder Judiciário no exame das causas envolvendo publicidade, sendo fonte subsidiária da legislação existente.[76]
Para as propagandas de cerveja e vinho, as indústrias seguem a autorregulamentação. Isso porque, apesar da edição da lei 9.294, de 15 de julho de 1996, que regulamenta o horário de veiculação das propagandas de bebidas alcoólicas, livres das 21:00h às 6:00h, cervejas e vinhos não se enquadram nas restrições legais, vez que a lei considera bebida alcoólica aquela com concentração alcoólica acima de 13° Gay Lussac. Daí porque a autorregulamentação é aplicada para a publicidade dessas bebidas.[77]
Dentre os preceitos instituídos pelo CONAR, destacam-se:
“1- o slogan não deverá empregar apelo de consumo em seu enunciado;
2- crianças e adolescentes não devem figurar, de qualquer forma, em anúncios, qualquer pessoa que neles apareça deverá ser e parecer maior de 25 anos de idade;
3- os anúncios não deverão favorecer a aceitação do produto como apropriado para menores;
4- deverão evitar a exploração do erotismo;
5- não conterão cena, ilustração, áudio ou vídeo, que apresente a ingestão do produto;
6- não deverá induzir, de qualquer forma, ao consumo abusivo e irresponsável de bebidas alcoólicas;
7- não devem tornar o consumo do produto um desafio nem tampouco menosprezar os que não bebem;
8- não devem dar a impressão de que o produto está sendo recomendado ou sugerido em razão de seu efeito sobre os sentidos;
9- não devem associar positivamente o consumo do produto à condução de veículos;
10- não associarão os produtos ao desempenho de qualquer atividade profissional;
11- não associarão os produtos a situações que sugiram agressividade, uso de armas e alterações de equilíbrio emocional;
12- não se utilizarão de imagens, linguagem ou idéias que sugiram ser o consumo do produto sinal de maturidade ou que contribua para o êxito profissional, social ou sexual;
13- não se utilizarão de uniformes de esportes olímpicos como suporte à divulgação de suas marcas;
14- O anúncio deverá apresentar cláusula de advertência contendo uma das seguintes frases:
– "EVITE O CONSUMO EXCESSIVO DE ÁLCOOL"
– "BEBA COM MODERAÇÃO"
– "APRECIE COM MODERAÇÃO"
– "SE BEBER NÃO DIRIJA”
– “ESTE PRODUTO É DESTINADO A ADULTOS”
– “BEBA SEM EXAGEROS”- “BEBA COM RESPONSABILIDADE”
– ou outras que reflitam a responsabilidade social da publicidade.
15- Estarão desobrigados da inserção de cláusula de advertência os formatos abaixo especificados que não contiverem apelo de consumo do produto:
a. a publicidade estática em estádios, sambódromos, ginásios e outras arenas desportivas que somente poderão identificar o produto, sua marca ou slogan;
b. a simples expressão da marca, seu slogan ou a exposição do produto que se utiliza de veículos de competição como suporte;
c. as "chamadas" para programação patrocinada em rádio e TV, inclusive por assinatura, bem como as caracterizações de patrocínio desses programas;
d. os textos-foguete, vinhetas de passagem e assemelhados.
16- Em cinemas, teatros e salões os anúncios não estarão sujeitos a restrições de horário quando o espetáculo for classificado apenas para maiores de idade, observando, no que couber, as normas aplicáveis ao meio TV;
17- A publicidade de "cerveja sem álcool" destacará, obrigatoriamente, tal característica. Não sofrerá restrição de horário de veiculação e estará desobrigada da "cláusula de advertência“;
18- A publicidade em pontos-de-venda deverá ser estruturada de forma a não influenciar crianças e adolescentes, e conterá advertência de que o produto se destina exclusivamente a público adulto, bem como apelo de consumo moderado. Os equipamentos de serviço, assim compreendidos as mesas, cadeiras, refrigeradores, luminosos etc., ficam dispensados das "cláusulas de advertência" se não contiverem apelo de consumo.”[78]
A despeito dessa regulamentação tão criteriosa, a publicidade enganosa e abusiva ainda é muitas vezes empregada por alguns fornecedores, o que constitui crime e, se identificada, medidas administrativas e penais devem ser tomadas, para que os direitos dos consumidores não sejam lesados por aqueles que buscam o lucro fácil e em desconformidade com a lei, vez que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não visa apenas punir os fornecedores, mas sim proteger o polo mais vulnerável da relação, ou seja, o consumidor. Colima-se igualar as partes desiguais, para que se harmonizem as relações de consumo.
5.2. DAS PENALIDADES
Administrativamente, cabe ação civil pública, que visa coibir as práticas ilícitas, suspensão liminar da publicidade e a cominação de multa, além do meio cautelar de controle que é a contrapropaganda. Contrapropaganda significa anunciar, às expensas do infrator, objetivando impedir a força persuasiva da publicidade enganosa ou abusiva, mesmo após a cessação do anúncio publicitário.[79]
Penalmente, as sanções cabíveis estão previstas nos artigos. 63, 66, 67, 68 e 69 do CDC[80], in verbis:
“Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade. (…)”
Aqui se trata de crime próprio, vez que só pode ser cometido pelo fornecedor, embora seja o conceito de fornecedor bastante amplo, podendo incluir desde o fabricante até o comerciante e distribuidor, pois tal crime é passível de ser cometido em qualquer fase da cadeia de consumo.[81]
O que se quer proteger, com esse artigo, é a saúde, a vida e a segurança do consumidor, daí a afirmação de que a tentativa é inadmissível e que pode ser o crime praticado de forma dolosa ou culposa.
“Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços. (…)”
Outra vez se trata de crime próprio, pois o sujeito ativo deve ser um fornecedor ou patrocinador da oferta. Pode ser praticado na modalidade dolosa ou culposa e apenas na modalidade comissiva é admitida tentativa. O que se resguarda, nesse caso, é o mercado de consumo em geral, em relação ao direito de informação.[82]
“Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva. (…)”
O que se quer resguardar nesse artigo é o mercado de consumo em geral, em relação ao mercado de informação e se exige que o sujeito ativo seja um fornecedor ou aquele que faz a publicidade. Nesse caso, porém, a tentativa é admissível e o crime é sempre doloso, não admitindo, pois, a forma culposa. Todavia, é possível que haja responsabilização pelo dolo eventual.[83]
“Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança. (…)”
Da mesma forma que o artigo anterior, o artigo em estudo tem como sujeito ativo tanto o fornecedor quanto o publicitário e o veículo de comunicação. O zelo aqui é pela integridade física, vida e segurança do consumidor. Também não admite modalidade culposa, mas tentativa e dolo eventual, sim.
“Art.69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade. (…)”
Nesse caso, somente o fornecedor que efetuou a publicidade pode ser responsabilizado, pois se trata de crime omissivo e, portanto, não admite tentativa. O que se protege com esse artigo é o mercado de consumo em geral, em relação ao direito de informação.
Processualmente, a defesa do consumidor em juízo pode ser efetivada ou individualmente ou a título coletivo, sendo que nesta última modalidade a defesa em juízo será concorrente por meio: a) do Ministério Público; b) da União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; c) das entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à tal; d) as associações legalmente constituídas. Estas defesas se dão no âmbito estatal de regulação, através da jurisdição estatal.[84]
Fora do âmbito estatal há o CONAR, encarregado de fazer valer o Código Brasileiro de Auto regulamentação Publicitária. Este código de ética baseia-se nos princípios da responsabilidade social, da honestidade, da concorrência leal, do respeito às leis do país, e de não desmerecer a confiança do publico.
Feita a denúncia, o Conselho de Ética do CONAR – o órgão de fiscalização, julgamento e deliberação no que se relaciona à obediência e cumprimento do disposto no Código – se reúne e a julga, devendo garantir amplo direito de defesa ao acusado. Procedente a denúncia, o CONAR recomenda aos veículos de comunicação a suspensão da exibição da peça ou sugere correções à propaganda, podendo ainda advertir anunciante e agência.[85]
5.3. DA REGULAMENTAÇÃO DA PUBLICIDADE DE BEBIDAS ALCOÓLICAS
No Brasil, a Lei que regulamenta a propaganda de bebidas alcoólicas é a Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996, que faz restrições de horário, de local e de conteúdo para as peças publicitárias. Porém, essa regulamentação não atinge a integralidade das bebidas alcoólicas, visto que só são assim consideradas aquelas com teor de álcool superior a 13º Gay-Lussac. Ou seja, não alcança a cerveja, a bebida alcoólica mais consumida no país. Assim, as cervejas e as bebidas de baixo teor alcoólico são reguladas somente pelo CONAR, que pelo caráter voluntário não tem sido eficaz em evitar abusos na propaganda de cervejas.[86]
Embora a propaganda comercial de bebidas alcoólicas no Brasil já seja objeto de previsão legal, tanto na Carta Magna quanto em leis e decretos, quais sejam: CF, art. 220; § 4º; Lei 8.078/90, art. 37, caput e §§ 1º e 2º; Lei 8.389/01, art. 2º, caput e alínea b; Lei 9.294/96, art. 1º, caput e § único e arts. 4º, 5º, 6º; Decretos nº 2018/96 e 2181/96,[87] o controle do conteúdo e da frequência da publicidade de álcool pelo próprio grupo de produtores da publicidade dá margem a interpretações subjetivas e falha em seu objetivo de proteger públicos vulneráveis, bem como de evitar mensagens que incentivem o consumo irresponsável e exagerado de álcool. Por isso, diversos projetos de lei visam recrudescer tais dispositivos.[88]
Um deles está em tramitação nas câmaras legislativas e visa estabelecer um controle mais severo sobre a publicidade de bebidas a fim de adequar o controle estatal ao que é exercido atualmente pelo CONAR. Dentre as medidas de maior relevância do P.L. 2.733 está a restrição do horário de exibição dos anúncios de bebidas com teor alcoólico menor ao horário noturno, uma vez que a Lei 9.294/96 não fazia esta limitação em nível tão severo. Como consequência, os anúncios de cervejas também entrarão neste rol.[89]
A Medida Provisória nº 415 de 2008, recentemente convertida na Lei 11.705 de 19.06.2008, e popularmente chamada de "lei seca" aponta a preocupação do Estado em minimizar os estragos provocados pelo excesso no consumo de bebidas.[90]
Tais medidas restritivas por parte do Estado certamente trarão efeitos imediatos consideráveis na redução dos males causados pela bebida, entretanto, para que sejam alcançados de forma contumaz e definitiva os objetivos de garantir o bem-estar e a segurança do cidadão em consonância aos preceitos constitucionais, faz-se necessário que Estado, cidadãos e os órgãos de controle unam seus esforços no sentido de que haja uma real conscientização de todos dos males que o consumo excessivo de bebidas pode trazer e consequentemente alguns hábitos sejam mudados.[91]
A ANVISA lançou em consulta pública uma nova regulamentação para a publicidade de bebidas alcoólicas. Está prevista a inclusão de frases de impacto nas propagandas além do aviso “beba com moderação”, já existente. Serão obrigatórias mensagens do tipo “cerca de 70% dos acidentes fatais são causados pelo consumo de álcool” e outras que relacionam o consumo de álcool ao câncer de fígado, lesões cerebrais e problemas mentais em bebês. [92]
Também não serão autorizadas propagandas que usem termos imperativos, por exemplo: “beba”, “experimente” e “tome”. A Resolução da ANVISA reproduz, em parte, a autorregulamentação do CONAR, que não permite a utilização de símbolos infantis nos comerciais, a exemplo da tartaruga falante já usada em comerciais de cerveja. A publicidade também não poderá associar o álcool à prática de esportes, ao sucesso e à integração social. Uma das propostas mais polêmicas é que até mesmo matérias jornalísticas sobre bebidas alcoólicas tragam as advertências.[93]
Frases que poderão constar das embalagens e propagandas de bebidas:
– Acidentes de trânsito após o consumo de álcool são uma das maiores causas de morte em todo o mundo. Se beber, não dirija.
– A ingestão de álcool durante a gravidez é causa de retardo no desenvolvimento mental do bebê.
– O álcool é causa de inúmeras doenças, como câncer de fígado e lesões cerebrais.
– O álcool causa dependência física e psíquica.
– O consumo de bebidas pode causar dependência, sendo proibida a venda aos menores de 18 anos.[94]
Tramitam no Senado Federal dois projetos de autoria do senador Wellington Dias (PT) que têm como objetivo restringir a venda e a publicidade de bebidas alcoólicas no país. Se aprovados os dois projetos, o Brasil passa a ter uma das mais severas legislações contra bebidas alcoólicas do mundo.
O primeiro projeto do senador Wellington Dias, o PLS 307/11, reduz o limite de teor alcoólico previsto na legislação, alterando o artigo 1º da Lei 9.294. Dessa forma, serão classificadas como bebidas alcoólicas todas aquelas com teor igual ou superior a 0,5º Gay Lussac.
Além disso, em relação às cervejas, o projeto determina que todas elas, mesmo quando tiverem teor alcoólico menor que 0,5º Gay Lussac, estarão submetidas às restrições da lei. Dessa forma, se pretende limitar inclusive a publicidade das cervejas sem álcool, para evitar que seja promovida a marca.
Assim, se esse projeto for aprovado, as emissoras de rádio e televisão só poderão transmitir propagandas de cerveja e bebidas ice, entre outras, no horário das 21h às 6h. Além disso, as peças publicitárias não poderão associar o consumo desses produtos "ao desempenho saudável de qualquer atividade" e a "imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade das pessoas". O mesmo valerá para propagandas estáticas em estádios.
As mesmas modificações estão previstas em outro projeto de autoria de Wellington Dias, o PLS 703/11. A diferença é que esse projeto, apresentado em novembro, proíbe a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em postos de combustível, em logradouros públicos e em eventos organizados pelo governo, entre outras medidas.[95]
Pela análise dos temas em sociologia, notamos uma clara preocupação crítica atualmente com a sociedade de massas, de consumo e com a homogeneização do comportamento.
Assim, em nome do consumo e do lucro a qualquer preço, não pode a empresa, nem seus prepostos da área de marketing e propaganda, violar à dignidade do cidadão, ao veicular anúncio de produtos ou serviços que ofendam o indivíduo ou que busquem a segregação e a hostilização de determinados grupo sociais; o cerne da vida em sociedade é a solidariedade entre os membros, a despeito das posições pessoais de cada um.[96]
6. DIREITO COMPARADO
Tamanha a preocupação com o controle da publicidade e da promoção do álcool, que a questão atinge proporções globais. O principal objetivo desse controle é poupar crianças e adolescentes dos abusos publicitários de bebidas alcoólicas, bem como assegurar-lhes o direito de crescer em um meio salvo das consequências negativas do consumo do álcool.
As publicidades transfronteiriças da União Européia, por exemplo, são regulamentadas pela Televisão sem Fronteiras, em cujo artigo 15 estabelece as seguintes restrições na publicidade de álcool: "it may not be aimed specifically at minors or, in particular, depict minors consuming these beverages; Não pode ser dirigida especificamente aos menores e, em particular, apresentar menores a consumir tais bebidas; it shall not link the consumption of alcohol to enhanced physical performance or to driving; não deve associar o consumo de álcool a melhoria do rendimento físico ou à condução; it shall not create the impression that the consumption of alcohol contributes towards social or sexual success; não deve criar a impressão de que o consumo de álcool favorece o sucesso social ou sexual; it shall not claim that alcohol has therapeutic qualities or that it is a stimulant, a sedative or a means of resolving personal conflicts; não deve sugerir que o álcool tem propriedades terapêuticas ou que é um estimulante, um sedativo ou um meio de resolver conflitos pessoais; it shall not encourage immoderate consumption of alcohol or present abstinence or moderation in a negative light; não deve encorajar o consumo imoderado de álcool ou da abstinência ou moderação em uma luz negativa; it shall not place emphasis on high alcoholic content as being a positive quality of the beverages." não devem dar elevado teor de álcool como sendo uma qualidade positiva de uma bebida.[97]
Esse artigo é implementado em cada país da União Européia por meio de órgãos de autorregulação.
Em Singapura, não é permitida a exibição de publicidade alcoólica durante programas destinados a crianças e jovens. Em Hong Kong essa proibição abrange todos os programas de família. E na Malásia, em 1995, foi proibida a publicidade de bebida alcoólica no rádio e na televisão. Jornais, revistas e carrinhos de supermercado estão autorizados a prosseguir com esse tipo de publicidade.[98]
Propagandas de bebidas alcoólicas são, em geral, proibidas, conforme lei sueca. Entretanto, bebidas de classe 1 ou “cerveja leve” não sofrem qualquer restrição. Ocorre que cervejas médio e forte (a partir de 3,5% de teor alcoólico), que compartilham um nome com cervejas leves, podem se beneficiar com isso.[99] Desde 2005, os jornais têm permitido propagandas de vinho, mas esses anúncios contém avisos que estão redigidos menos fortemente que os avisos sobre tabaco, por exemplo: “Evite beber durante a gravidez”, em oposição a “Fumar mata”. A publicidade de destilados, vinhos e cervejas com graduação alcoólica superior a 2,25º Gay-Lussac é permitida somente nos pontos de venda e em revistas para comerciantes. Revistas estrangeiras para o público em geral também podem trazer a propaganda. No entanto, essa lei está sendo duramente contestada nos tribunais suecos, visto que é considerada, por muitos produtores e profissionais de marketing, incompatível com as regras da União Européia.[100] Ademais, a Suécia proíbe há anos toda publicidade dirigida às crianças.[101]
Na Alemanha, a lei federal de proteção aos menores de idade disciplina publicidade em televisão, rádio e em locais públicos, como cinemas e discotecas.[102] Proíbe propagandas dirigidas a menores e que incentivem o consumo imoderado de álcool. Todas as bebidas alcoólicas estão sujeitas às suas regras. [103]
Na Bulgária, duas leis regulamentam a propaganda de álcool: a lei de saúde pública e a lei de rádio e televisão. Ambas disciplinam a propaganda em mídia eletrônica (rádio e TV) e em revistas e jornais, tanto no caso de marketing direto como no caso de marketing indireto. Propagandas direcionadas a menores de 18 anos são proibidas.[104]
Na Colômbia, em 2006, a comissão nacional de TV, uma entidade autônoma com uma fatia governamental, passou determinações que proíbem publicidade direcionada a menores de 18 anos e/ou sugiram que as bebidas alcoólicas ajudem a resolver problemas.[105]
Na Finlândia, a publicidade de bebidas alcoólicas é regulamentada através de lei, que regulamenta propagandas e outras formas de promoção das bebidas alcoólicas. Estabelece diferenças entre bebidas com médio teor alcoólico (entre 1,2 graus Gay Lussac (GL.) e 22 GL.) e de forte teor alcoólico (acima de 22 GL).[106] As regras proíbem propagandas direcionadas a crianças e adolescentes, bem como o incentivo ao consumo abusivo de álcool e a promoção de que álcool é refrescante.[107]
Na França, uma lei federal regulamenta a publicidade e atinge qualquer bebida com teor alcoólico acima de 1,2 GL. Não é permitida publicidade de álcool na televisão ou no cinema. A publicidade de bebida alcoólica como patrocinadora de algum evento costuma ser proibida.[108] As mensagens de publicidade permitidas devem referir-se apenas às qualidades da bebida alcoólica, como sua origem, composição, meio de produção. Uma mensagem de saúde deve estar incluída em cada propaganda. E nenhuma publicidade pode ser dirigida aos jovens.[109]
No Reino Unido, a autorregulamentação e o controle ético das propagandas são de responsabilidade do Advertising Standards Authority (ASA), cuja missão é estabelecer um código de autorregulamentação publicitária e criar um comitê para avaliar e julgar propagandas que recebem denúncias de violações. Existem códigos de auto-regulamentação, um para as emissoras de rádio e TV, incluindo TV a cabo, e outro para os demais meios de comunicação. Em relação ao álcool, ambos são semelhantes nas restrições, sendo o primeiro mais detalhado. As peças publicitárias não podem: sugerir que a bebida seja essencial para o sucesso social ou sexual; associar a bebida com firmeza, agressão e comportamento anti-social; sugerir que o álcool tem efeitos terapêuticos; colocar ênfase no teor alcoólico da bebida; ou encorajar o abuso.[110] Ademais, a propaganda de bebidas não deve incluir crianças ou ser dirigida às pessoas com menos de 18 anos de idade. Interessante notar que, a partir de 1965, os destilados tinham deixado de ser anunciados na televisão, em função de um acordo entre os produtores e as emissoras. No entanto, o acordo foi abandonado em 1995.[111]
Na Austrália, o Advertising Standards Bureau (ASB) é um órgão independente, responsável por administrar a autorregulamentação publicitária e manter o controle ético das propagandas. Atualmente, várias modificações fizeram com que o processo do ASB seja mais rígido, incluindo uma revisão da publicidade antes de ela ir ao ar. Com o fim do Advertising Standards Council, em 1996, a Associação Australiana dos Anunciantes Nacionais implantou um código de ética para a propaganda em geral. Para a publicidade do álcool em particular, a Associação permitiu que a indústria adotasse um código próprio, voluntário, denominado Código de Publicidade de Bebidas Alcoólicas. Pelo código, as propagandas de bebida não podem: ter apelo forte e evidente para crianças e adolescentes; sugerir que o consumo de álcool contribui para o sucesso pessoal, profissional ou sexual; sugerir que a bebida traz benefício à saúde; desafiar ou provocar as pessoas a experimentarem determinada bebida; e mostrar qualquer associação entre consumo de álcool e condução de veículos.[112]
Na Nova Zelândia, até o ano de 1992, apenas a publicidade de patrocínio era permitida na TV e no rádio. A partir desse ano, houve uma desregulamentação do setor, que passou a ser controlado por um código de auto-regulamentação promovido pela indústria alcooleira. Na TV, a publicidade de patrocínio é permitida em qualquer horário, porém é geralmente evitada próximo dos programas infantis. A propaganda “completa” da bebida só é permitida após as 21h. No rádio, não há qualquer restrição de horário. [113]
Os três países são membros do European Advertising Standards Alliance (EASA), composto por representantes dos órgãos responsáveis pela autorregulamentação de 23 países europeus e 6 países de fora da Europa, do qual o Brasil também faz parte. O EASA tem o objetivo de harmonizar as regras da autorregulamentação e os processos de julgamento e controle ético das propagandas em geral. Por essa razão, as regras específicas para as propagandas de bebidas alcoólicas são muito semelhantes em todos os países membros.[114]
Em linhas gerais, as regras proíbem as propagandas de veicular mensagens direcionadas ao público de crianças e de incentivar o consumo abusivo e irresponsável de bebidas alcoólicas.
Na Argentina, a Lei Federal antialcoolismo nº 24.788, em seu artigo 6, proíbe qualquer tipo de propaganda que se direcione pessoas com menos de 18 anos, que os mostre menores bebendo, que encoraje a violência ou, ainda, que sugira que as bebidas alcoólicas melhoram a performance física, sexual ou intelectual. A lei também exige que todas as campanhas de bebidas alcoólicas na televisão ou revistas tenham um aviso de “beber com moderação” ou “proibido vender para menores de 18 anos”[115]. In verbis:
“ARTICULO 6:
Queda prohibida toda publicidad o incentivo de consumo de bebidas alcohólicas, que:
a) Sea dirigida a menores de dieciocho (18) años;
b) Utilicen en ella a menores de dieciocho (18) años bebiendo;
c) Sugiera que el consumo de bebidas alcohólicas mejora el rendimiento físico o intelectual de las personas;
d) Utilice el consumo de bebidas alcohólicas como estimulante de la sexualidad y/o de la violencia en cualquiera de sus manifestaciones;
e) No incluya en letra y lugar visible las leyendas "Beber con moderación". "Prohibida su venta a menores de 18 años".[116]
Nos Estados Unidos, organismos autorreguladores criam normas para a propaganda ética de álcool. A exemplo dessa autorregulamentação, mensagens criativas da publicidade de álcool não deve ser projetadas para atrair as pessoas com idade inferior a 21 anos, tais como quando se utiliza personagens de desenhos animados; a publicidade não deve encorajar o consumo irresponsável, nem promover marcas com base no teor de álcool.[117] Há constante busca na proteção à criança e adolescente. A autorregulamentação é acompanhada de perto pelo governo e por grupos interessados da sociedade e sofre constantes modificações. Além disso, os municípios e estados, por pressão das comunidades, por vezes possuem regulamentos específicos para a publicidade, como por exemplo em ralação à quantidade de outdoors com propaganda de álcool permitida. Na esfera federal, a publicidade de bebidas é regulada pelo Federal Alcohol Administration Act. A lei proíbe a associação com atividades esportivas, bem como a utilização de atletas famosos consumindo álcool. Também são vedados: o direcionamento a menores; a associação com maturidade; o uso da graduação alcoólica elevada como um atrativo; e a sugestão de que a bebida tem propriedades terapêuticas ou melhora o desempenho físico. Existem, ainda, leis estaduais e três códigos de auto-regulamentação, um para cada ramo da indústria alcooleira (cervejas, vinhos e destilados).[118]
Na Áustria, houve o banimento da publicidade de destilados na TV e no rádio, bem como da propaganda que associe álcool com crianças, condução de veículos e esporte, ou que promova o uso abusivo do produto. Também proíbe-se o patrocínio de programas de rádio ou televisão por empresas produtoras de bebidas alcoólicas. Ademais, há um código de auto-regulamentação, implementado pelo Conselho Austríaco de Propaganda, que proíbe a publicidade que estimule o abuso, que seja direcionada a crianças ou adolescentes, que associe álcool com sucesso ou que contenha alusões a efeitos estimulantes ou terapêuticos da bebida alcoólica.[119]
Não há publicidade comercial na TV estatal da Bélgica. Há banimento da propaganda de destilados na TV comercial e de qualquer bebida alcoólica no rádio. Em outros meios de comunicação, regras voluntárias proíbem o encorajamento do “beber em excesso” e vedam a propaganda direcionada aos menores de 21 anos.[120]
Até o ano de 2003, a propaganda de bebidas alcoólicas estava banida da TV e do rádio dinamarquês. Atualmente vigora um código de auto-regulamentação, que controla o conteúdo da publicidade e segue as normas-padrão da União Européia: a propaganda não deve ser dirigida a menores nem sugerir que o álcool é benéfico para a saúde ou melhora a capacidade física ou mental. O código também impede a associação do álcool ao esporte, o patrocínio de eventos esportivos e a publicidade em revistas esportivas.[121]
O Chile tem uma nova lei, em vigor desde janeiro de 2004, que regula o comércio de bebidas alcoólicas, fixando inclusive limites de horário para o funcionamento dos bares e lojas nas diversas comunidades. Em relação à propaganda, a lei proíbe somente a indução ao consumo por menores, sem outras restrições de conteúdo ou de associação com o esporte. Adicionalmente, há um código de auto-regulamentação. [122]
Desde 1989, a publicidade de álcool na África do Sul é regulada por um código produzido pela Associação Industrial para o Uso Responsável do Álcool, entidade que congrega os maiores produtores de bebidas da África do Sul. Em 1996, o código foi adotado pela autoridade estatal responsável pela propaganda em geral. A publicidade do álcool é permitida em qualquer meio de comunicação, sem restrições de horário, porém não pode ser veiculada pouco antes, durante ou logo após programas infantis. Em relação ao conteúdo, são proibidos: o apelo ao público jovem; a inclusão de menores de 25 anos de idade bebendo; e a promoção de comportamentos agressivos ou anti-sociais.[123]
Na Suíça, publicidade de álcool na TV e no rádio é proibida. Nos outros meios de comunicação, é possível fazer propaganda, desde que seja do tipo “concreta”, ou seja, faça referência apenas às características do produto (composição, processo de produção etc.). Representações de estilo de vida, tais como pessoas caminhando na praia, praticando esportes ou confraternizando em um bar, são proibidas.[124]
Na Grécia, há limitação do número diário de peças de propaganda de bebidas alcoólicas por cada emissora de rádio e TV. [125]
Por força de lei irlandesa, as emissoras de rádio e TV são proibidas de veicular anúncios de destilados. Da mesma forma, as outras bebidas não podem ser anunciadas antes de programas esportivos, e a mesma propaganda não pode aparecer mais de duas vezes por noite em cada canal. Para os outros meios de comunicação, vigora um código voluntário de auto-regulamentação.[126]
A partir de 1990, por força de lei, as bebidas com graduação alcoólica superior a 20º GL não podem ser anunciadas na TV espanhola. Adicionalmente, há um código de auto-regulamentação e leis regionais fazem restrições suplementares.[127]
Na Itália, o conteúdo da publicidade é regulado por um código voluntário similar ao britânico. Desde 2001, vigora uma lei que proíbe a publicidade de álcool na TV e no rádio entre 16 e 21h. A lei veda a propaganda direcionada a menores em qualquer meio de comunicação e a veiculação de anúncios na TV no período de 15 minutos antes até 15 minutos após um programa infantil. [128]
Em Portugal, uma lei de 1983 proibia a propaganda de álcool no rádio e na TV entre 18 e 22h. Em 1995, esse horário foi alterado para 19 às 22h 30m. A publicidade de cervejas é proibida em cinemas, instituições de ensino, eventos culturais ou esportivos e revistas direcionadas para menores. Ademais, a indústria alcooleira tem seu próprio código de auto-regulamentação.[129]
Alguns países como Ucrânia, Quênia, França, Índia e Noruega, mais radicais em relação a essa problemática, proibiram toda a publicidade do álcool na televisão e outdoor.[130]
7. CONCLUSÃO
Nos últimos anos, a preocupação em torno da publicidade abusiva de bebidas alcóolicas assumiu contornos mais amplos, conferindo maior preocupação com a homogeneização do comportamento social. Especialmente após o advento da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa do consumidor, houve um crescente interesse não só em punir os infratores das normas que regulamentam a publicidade no Brasil, como também em proteger o polo mais vulnerável das relações comerciais: o consumidor.
Tal preocupação deve-se ao fato de que esse tipo de conteúdo publicitário desrespeita valores fundamentais da sociedade e atinge o consumidor em seu âmago. Ao hostilizar grupos sociais, se aproveitar do medo e superstição das pessoas, ofender a moral, os bons costumes, a boa fé e o respeito que devem permear toda e qualquer relação jurídica, esse tipo de prática consumerista reveste-se de total ausência de ética. Por óbvio, não podem as empresas violar a dignidade do cidadão em nome do lucro a qualquer preço.
É imperioso observar que tem crescido exponencialmente o número de pessoas que bebem em excesso. Dessa forma, a implementação de políticas públicas para reverter essa alarmante situação é tão necessária quanto urgente. Impossível será, porém, se não for combatido o estímulo exercido pela publicidade, especialmente a de cerveja, que associa o consumo do álcool a imagens e situações eróticas, bonitas, atraentes e engraçadas.
Por interferir na liberdade de escolha do consumidor, a proibição de publicidade de toda e qualquer bebida alcoólica passou a ser defendida como medida capaz de arrefecer a problemática em torno do consumo excessivo de álcool pelos jovens. Embora eficaz, tal proposta tem provocado a reação de setores midiáticos que sentem ameaçada sua liberdade de expressão.
Além disso, o abuso desse tipo de substância psicotrópica traz riscos não só para o consumidor, que se comporta de forma prejudicial à sua saúde e segurança, mas também para aqueles que estiverem próximos dele. Dessa forma, o estímulo ao consumo do álcool deve sofrer restrições por parte do Estado para que assim se possa vislumbrar a redução de problemas como a violência no trânsito e doméstica, doenças como o alcoolismo e a cirrose, além do desgaste emocional provocado ao próprio indivíduo e às pessoas próximas.
Ocorre que a circulação monetária proporcionada por esse tipo de publicidade aplaca a força crítica da mídia. Ademais, a oferta é farta e os obstáculos são poucos.
No intuito de coibir essas práticas ilícitas, no âmbito estatal pode-se lançar mão de defesa individual ou coletiva para suspender liminarmente a publicidade, cominar multa e decretar que seja veiculada a contrapropaganda, sem prejuízo das sanções penais. Fora da jurisdição do Estado, o CONAR se encarrega de fazer valer o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que se baseia no respeito às leis do país, na honestidade e leal concorrência, dentre outros princípios.
A falha dessa regulamentação é que ela não atinge a integralidade das bebidas alcoólicas, vez que somente são assim consideradas aquelas com teor alcoólico superior a 13º Gay-Lussac, ou seja, a bebida mais consumida do país, a cerveja, encontra-se fora desse rol.
Ainda que a publicidade de bebidas alcoólicas já seja objeto de previsão legal na Constituição Federal e em leis e decretos, é forçoso concluir que se o próprio grupo de produtores da publicidade é quem controla o conteúdo veiculado e a frequência de exibição, então há larga margem para interpretação subjetiva, ocasionando falhas no objetivo de proteger o consumidor vulnerável, bem como de evitar mensagens que incentivem o consumo exagerado e irresponsável do álcool.
Embora não seja intenção desse trabalho oferecer elementos conclusivos acerca do tema proposto, é interessante suscitar que, se o cigarro, que apresenta potencial lesivo consideravelmente menor que o do álcool, sofreu severas restrições em sua publicidade, maior motivo teria, então, o recrudescimento das leis que regulamentam a publicidade de bebidas alcoólicas, por suas deletérias consequências sobre o organismo humano.
Ao longo da pesquisa procurou-se tecer algumas reflexões jurídicas, éticas e sociais em torno da publicidade abusiva de bebidas alcoólicas, especialmente no que se refere ao aparente conflito de princípios existente entre a dignidade da pessoa humana e a liberdade de expressão. Delineou-se também algumas críticas a tais publicidades no que tange à sua influência para o crescimento do consumo excessivo de álcool no Brasil, críticas estas que podem ser consideradas pontos de partida para a atuação do Legislativo no recrudescimento das leis que regulamentam a publicidade do álcool.
Acadêmica de Direito no Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho (ICF)
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