Sumário: § 1. Introdução. § 2. A necessidade de proteger o trabalhador exposto à agentes nocivos. § Providências adotadas. § 4. Adicionais de insalubridade e Periculosidade e seus reflexos § 5.Instituição da Aposentadoria Especial. § 6. Benefício Previdenciário. § 7. Como a questão é tratada em outros países? § 8. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A aposentadoria especial faz parte, desde a edição da Lei nº 3.807, de 5 de setembro de 1960, do rol de benefícios oferecidos pelo regime geral de previdência social. Em verdade trata-se de uma aposentadoria por tempo de contribuição, porém concedida com significativa redução do número de anos necessários à aposentadoria comum. Enquanto para a aposentadoria por tempo de contribuição o trabalhador tem que comprovar 30 ou 35 anos de contribuição, conforme trate-se de mulher ou homem, obtém-se a aposentadoria especial, conforme o caso, aos 15, 20 ou 25 anos de atividade insalubre, penosa ou perigosa. A matéria sofreu muitas alterações legais e normativas e, hoje, está disciplinada nos arts.57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, não obstante o § 1º do art. 201 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional número 20, de 1998, prever, para a hipótese, a edição de Lei Complementar. A eficácia das atuais disposições é mantida pelo art. 15 da mencionada EC 20/98, enquanto não for editada uma lei complementar dispondo sobre a questão. Releva observar que a instituição do benefício não foi precedida de estudos técnicos que a justificasse em razão da necessidade de redução do número de anos de trabalho sujeito a exposição, bem como de quantos anos deveria ser essa redução. Não se contesta a necessidade de adoção de medidas especiais de proteção a esses trabalhadores, porém é inegável que deveriam ter sido precedidas de estudos capazes de indicar alternativas e seus impactos, não só em relação à capacidade financeira do sistema previdenciário mas, principalmente, quanto à sua capacidade de influir na prevenção de acidentes e melhoria dos ambientes de trabalho.
A Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS teve origem no Projeto de lei apresentado pelo então Deputado Aluízio Alves, em 1947, e no PL nº 2.119, de 1956, de iniciativa do Poder Executivo. O primeiro, no dizer do próprio autor[1], como resultante “do exame dos projetos então em curso na Câmara dos Deputados, da consulta à legislação passada e em vigor, do estudo das condições gerais do País …” Nenhum deles previa esse tipo de benefício, tendo sido incluído no texto aprovado por iniciativa e decisão dos parlamentares. As buscas empreendidas nos arquivos do Congresso Nacional, tanto em Brasília como no Rio de Janeiro, resultaram infrutíferas em relação a emenda que propôs a criação do benefício e o seu autor. As buscas empreendidas visavam, mais que a identificação do autor da emenda, encontrar as justificativas apresentadas para a emenda, pois dela poderiam ser extraídas informações importantes acerca da existência de estudos técnicos sobre o assunto, no Brasil ou no exterior, ou a indicação da existência de instituto semelhante em legislação alienígena, tomada como paradigma, ou ainda, de onde teria partido a reivindicação – dos trabalhadores ou do patronato. Como a preocupação com a saúde e a segurança do trabalhador é assunto que envolve não só questões de ordem previdenciária, mas também de ordem trabalhista e de saúde pública, fez-se necessário avaliar as duas principais medidas adotadas pela sociedade brasileira em favor de quem trabalha exposto a agente nocivo – adicionais de insalubridade, penosidade e periculosidade e aposentadoria especial, a respeito de sua eficácia como instrumento de melhoria das condições ambientais de trabalho ou de proteção ao trabalhador. Com a expectativa de poder motivar estudiosos do assunto e demais interessados a debater o tema e divulgar seus entendimentos e contribuições para a regulamentação do imperativo constitucional que exige a edição de uma lei complementar, são apresentados algumas alternativas que modificam substancialmente as regras atuais, com ênfase na prevenção e na melhoria dos ambientes de trabalho mediante a participação ativa dos principais atores do processo – trabalhador, empregador e Governo.
A aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei n°. 8.213/1991, “será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito à condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei”. Alvo de diversas alterações legislativas ao longo do tempo, a aposentadoria especial requer uma análise criteriosa e contextualizada dos requisitos necessários à sua concessão. Conforme pacificado na jurisprudência, o direito à percepção do benefício deve ser analisado de acordo com as normas legais vigentes à época da realização do trabalho, sob pena de afronta ao direito adquirido do segurado. Desse modo, apesar de a Lei n° 9.032/1995 – que alterou a redação do art. 57 da Lei n° 8.213/1991 – exigir a comprovação do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, a jurisprudência do E. STJ é uníssona no sentido de que tal exigência não pode ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência (cf. REsp. 41/4083/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, STJ, 5ªT., um., DJ 02/09/2002, p.230).
Logo, para as atividades executadas antes de 29/04/1995 (data da publicação da Lei n°. 9.032/1995), não é necessária a comprovação do contato permanente e habitual com os agentes insalubres. Isto é, até o advento do referido diploma, o reconhecimento da especialidade poderia ocorrer com a comprovação do exercício da atividade especificada nos decretos regulamentares (caracterização por enquadramento profissional), ou, ainda, por meio da demonstração – por qualquer meio de prova, exceto nos casos de ruído e calor – da exposição do trabalhador aos agentes insalubres, sendo irrelevante a análise do caráter da exposição (se habitual e permanente ou ocasional e intermitente).
Após 28/04/1995, além das alterações já delineadas, extinguiu-se o enquadramento por categoria profissional e passou-se a exigir a comprovação da efetiva exposição. A sujeição aos agentes, até então jure et jure, foi afastada, cabendo ao segurado a comprovação por qualquer meio de prova.
A partir de 05/03/1997, passou-se a exigir documentação específica para a comprovação da exposição aos agentes insalubres, a saber, formulários próprios, preenchidos com base em laudo técnico de condições ambientais. Isso, em razão da edição do Decreto n° 2.172/1997, que regulamentou a Medida Provisória n° 1.523/1996, posteriormente convertida na Lei n°. 9.528/1997 – que, de seu turno, alterou art. 58 da Lei n° 8.213/1991, conferindo-lhe quatro novos parágrafos.
Percorrido esse longo caminho por entre as diversas alterações legislativas, é de se ressaltar que, para caracterização da exposição em razão do enquadramento profissional, devem ser utilizados o Decreto n° 53.831/1964 (Quadro Anexo, segunda parte) e o Decreto nº. 83.080/79 (Anexo II), até 28/04/1995. Para os agentes nocivos, considerar-se-ão, até 05/03/1997, os referidos Decretos (Quadro Anexo, primeira parte, quanto ao primeiro, e Anexo I quanto ao segundo). Entre 06/03/1997 e 28/05/1998, utilizar-se-á o Decreto n° 2.172/1997 (Anexo I). Ademais, afora essas possibilidades, é possível também a constatação da especialidade por meio de perícia técnica (Súmula 198 do extinto TFR – STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhildo, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003, p. 320).
No que tange ao enquadramento do ruído, pacificou-se o entendimento de que até 05/03/1997 são aplicados, em concomitância, os Decretos n. 53.831/1964, 72.771/1973 e 83.080/1979. Logo, consideram-se especiais as atividades em que o segurado esteve exposto a ruído superior a 80 dB.
De 06/03/1997 a 19/11/2003 – em razão da aplicação dos Decretos n° 2.172/1997 (até 06/05/1999) e do Decreto n°. 3.048/1999 (até 18/11/2003) – o ruído será considerado nocivo quando superior a 90 dB.
A partir de 19/11/2003, será considerada especial a atividade quando o ruído for superior a 85 dB (Decreto n°. 3.048/1999, alterado pelo Decreto n° 4.882/2003).
Convém ressaltar, na linha das decisões do E. TRF/4ª Região, que a utilização de EPI (equipamento de proteção individual) no ambiente de trabalho – ainda que o laudo técnico mencione a neutralização dos efeitos nocivos – não possui o condão de afastar a especialidade da atividade se a exposição ao ruído ocorreu acima dos limites de tolerância estabelecidos (TRF4, APELREEX 2009.70.01.000490-1, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 04/03/2010). Nesse passo, vale destacar também a Súmula 9 da Turma Nacional de Uniformização dos JEF’s.
A NECESSIDADE DE PROTEGER O TRABALHADOR EXPOSTO A AGENTES NOCIVOS
É direito do trabalhador exercer sua função em ambiente saudável e seguro. Hoje, esses direitos estão assegurados na própria Constituição Federal, no Capítulo dos Direitos Sociais. Observe-se que o legislador constituinte, além de assegurar as conquistas já alcançadas nessa área, dispôs ser necessário perseguir-se a melhoria das condições de trabalho ao determinar como direito do trabalhador a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Reconhece que o risco é inerente ao trabalho, todavia estabelece que sejam adotadas políticas públicas voltadas para a sua redução. Nessa mesma direção caminhou o legislador constituinte ao dispor que o empregador é obrigado a contratar seguro contra acidentes de trabalho em favor de seus empregados, sem prejuízo de ter que indenizá-los na hipóteses de ter incorrido em dolo ou culpa5. Se é direito do trabalhador, é obrigação do Estado intervir para assegurar o seu cumprimento. O ponto de partida da intervenção do Estado Brasileiro nas condições de trabalho deu-se em 1.919, por meio do Decreto nº 3.724[2], de 15 de janeiro desse ano, que criou o Seguro de Acidentes do Trabalho, a cargo da iniciativa privada, assegurando ao trabalhador que tenha sofrido dano à sua saúde ou integridade física, ou à sua família, uma indenização correspondente. A criação, em 1934, de Inspetorias de Higiene e Segurança no Trabalho – IHST, no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, também constitui marco importante no desenvolvimento da política de proteção ao trabalhador adotada ao longo das décadas seguintes, cujos resultados foram pouco significativos no sentido de melhorar o ambiente de trabalho e reduzir os riscos do trabalhador sofrer acidente ou doença ocupacional, pelas razões que procuraremos mostrar ao longo do trabalho, não obstante este limitar-se a uma das vertentes, qual seja, a da concessão de aposentadoriasespeciais.
PROVIDÊNCIAS ADOTADAS
2.1 INTRODUÇÃO
Antes da instituição de medidas que pudessem compensar o trabalhador pelo desempenho de atividades nocivas à saúde, os trabalhadores demandavam por proteção. Esse fato impunha a necessidade de encontrar uma solução adequada para extinguir ou, ao menos, aliviar a tensão. Ninguém desconhecia que cabia às empresas a assunção dos riscos da atividade e a responsabilidade pelas conseqüências das enfermidades e acidentes sofridos pelos trabalhadores, já que dependia delas a manutenção de ambientes de trabalho saudáveis e seguros. Ao Governo recaía a responsabilidade pelo estabelecimento de normas reguladoras, regras de prevenção e melhoria do ambiente de trabalho, parâmetros de tolerância, fiscalização, punição quando houvesse descumprimento das normas e o estabelecimento de compensação pelo dano causado. Entretanto, a falta de empenho para solucionar o problema e a provável conveniência do momento proporcionaram a comercialização dos riscos, mediante a adoção de medidas paliativas populistas e a acomodação dos atores envolvidos. As soluções dadas podem ser sintetizadas em fases distintas:
a) a instituição de adicionais de insalubridade e periculosidade; e
b) a instituição de aposentadoria especial, consistente em redução do tempo de trabalho necessário para aposentação dos trabalhadores que trabalham expostos a agentes nocivos.
2.2 INSTITUIÇÃO DE ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE E SEUS REFLEXOS
A instituição de adicionais de insalubridade[3] de 10% (dez por cento), 20% (vinte por cento) ou 40% (quarenta por cento) sobre o salário mínimo, conforme o grau de insalubridade seja considerado, respectivamente, mínimo, médio ou máximo, constituiu-se numa das primeiras medidas adotadas em benefício dos trabalhadores que exerciam suas funções expostos a agentes nocivos ou em ambientes insalubres
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT[4], instituída pouco tempo depois, em 1º de maio de 1943, recepcionou o adicional de insalubridade antes mencionado e instituiu o adicional de periculosidade, que consiste num adicional equivalente a 30% (trinta por cento) do salário do trabalhador.
Ainda assim, não há como deixar de reconhecer que o Governo, ao criar os adicionais de insalubridade, institucionalizou a comercialização da saúde do trabalhador, pois deixou claro que não é permitido expor o trabalhador a agentes nocivos à sua saúde ou integridade física, mas pode fazê-lo desde que o compense financeiramente.
O que se depreende dessa providência é que ela foi excepcionalmente vantajosa para a empresa e altamente prejudicial aos interesses maiores do trabalhador e da sociedade brasileira, pois proporcionou:
a) ao empregador, mediante o simples pagamento dos adicionais, a liberação de sua responsabilidade pelas conseqüências decorrentes do oferecimento aos empregados de um ambiente inseguro e insalubre, e nem tiveram que comprometer-se a investir em prevenção e melhoria do ambiente de trabalho;
b) ao trabalhador a possibilidade de receber o adicional, como complemento de remuneração, em compensação à necessidade dele trabalhar em ambiente inadequado; e
c) ao governo a possibilidade de posar de magnânimo. Beneficiou o trabalhador em função perigosa ou ambiente insalubre com a concessão do adicional remuneratório, ao mesmo tempo que dava às empresas, argumentos para furtarem-se de suas responsabilidades pelas conseqüências dos eventos decorrentes das condições ambientais inadequadas e da necessidade de investimentos em prevenção de acidentes e melhoria das condições ambientais.
As empresas ganharam valioso instrumento de negociação com os seus empregados. Para assegurar o recebimento do plus salarial, os trabalhadores viam-se compelidos a não reclamarem melhorias das condições ambientais de trabalho. Os que não recebiam o adicional, em vez de aumento salarial, lutavam para serem por ele contemplados. Ninguém reivindicava melhoria no ambiente de trabalho pois isso poderia constituir-se em redução salarial. Assim foi que a medida acabou proporcionando um efeito colateral muito danoso ao trabalhador: – a profissionalização de maus dirigentes sindicais que transacionam com as empresas em relação aos riscos ambientais sem levarem em conta os reais interesses dos trabalhadores, visando obterem permanência indefinida no poder e conservarem o direito aos adicionais, já que eles próprios não sofrem prejuízos à integridade física.
É importante distinguir insalubridade de periculosidade, pois tratam-se de situações muito diferentes. A primeira diz respeito aos danos causados à saúde do trabalhador pela exposição cumulativa no tempo, onde a probabilidade da ocorrência é quase certa. O art. 189 da CLT[5] manda considerar como insalubres as atividades e operações que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância, fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição. A segunda – periculosidade – a um evento incerto que nenhuma relação tem com o tempo de exposição. O evento temido tanto pode ocorrer no primeiro momento de exposição do trabalhador, como nunca ocorrer. Diferentemente da insalubridade, não tem nenhum efeito cumulativo. O risco é igual para todos independentemente do tempo de exposição. É o art. 193[6] da CLT que define o que deve ser considerado atividade ou operação perigosa. A Lei trabalhista proíbe, não obstante de forma tímida e indireta, o trabalho insalubre, ao estabelecer regra de transição até obter o resultado pretendido. Pior, não estabeleceu qualquer punição para quem deixa de cumprir a norma, apenas impôs que, quem a descumprir obriga-se a pagar um adicional ao trabalhador.
É o que se depreende da leitura do art.191[7] da CLT, que dispõe sobre a eliminação ou a neutralização da insalubridade mediante a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância estabelecidos ou uso de equipamentos de segurança. Questão que demanda mais análise é definir a natureza do adicional de insalubridade. Seria ele de natureza indenizatória, na medida em que reconhece a ocorrência, em potencial, de dano à saúde ou a integridade física do trabalhador; ou compensatória, em razão da possibilidade de prejuízo à saúde ou integridade física, ou ainda, simplesmente de natureza trabalhista? Por ora essa questão fica em aberto por não caber neste opúsculo. Como normalmente acontece quando não se estuda todos os ângulos da questão e nem se avalia as conseqüências do ato que se pretende adota, o ônus dessa inconseqüência social ficou por conta da sociedade na forma de reparos financeiros sobre a forma de assistência médica e benefícios por incapacidade.
Com o passar do tempo percebeu-se que a simples concessão dos adicionais de insalubridade e periculosidade já não satisfaziam os trabalhadores, até porque os valores devidos foram sendo absorvidos pelos reajustes salariais, passando a constituir-se, apenas, em uma parcela da remuneração que o empregador estava disposto a pagar para ter o empregado a seu serviço. O grande número de acidentados e de trabalhadores afetados por doenças ocupacionais preocupava e exigia providências. Assim, sem considerar a insuficiente presença da empresa nas atividades de prevenção de acidentes do trabalho e melhoria das condições do ambiente de trabalho, é que foi incluído, entre os benefícios da previdência social, a aposentadoria especial que será estuda no título seguinte.
2.3 INSTITUIÇÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL
2.3.1 INTRODUÇÃO
A Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS[8], originada de um projeto de lei apresentado em 1947 pelo então Deputado Aluízio Alves e do PL nº 2.119, de 1956, apresentado pelo Poder Executivo, consolidou, numa só, as diferentes leis de Previdência Social que dispunham sobre a administração, o custeio e os benefícios de cada um dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões então vigentes.
Essa lei, além de unificar a legislação e uniformizar as regras aplicáveis aos contribuintes, segurados e dependentes, instituiu, também, o benefício de aposentadoria especial, devido aos segurados que trabalham sujeitos a agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou integridade física, conforme a agressividade da sujeição, durante 15, 20 ou 25 anos. Para fazer jus ao benefício o trabalhador teria que contar com 50 anos de idade.
Releva registrar que o projeto inicial não contemplava a criação desse benefício. Foi introduzido pelo Congresso Nacional como forma de retirar o trabalhador do ambiente nocivo de trabalho antes que sua saúde fosse afetada.
2.3.2 O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
O benefício previdenciário a que denominou-se aposentadoria especial, não obstante o louvável o objetivo da medida, foi criado sem qualquer estudo técnico que o recomendasse como medida de proteção ao trabalhador exposto, de prevenção e melhoria das condições dos ambientes de trabalho, nem do seu impacto em relação à situação financeira e atuarial do regime. Questões elementares e básicas deixaram de ser consideradas. Tratava-se de um instrumento eficaz de proteção ao trabalhador ou uma medida fundamentalmente compensatória do dano causado? Continha algum estímulo às ações de prevenção de dano e promoção de condições saudáveis? Seria mantido o equilíbrio atuarial e financeiro do regime ou conviria impor alguma contribuição adicional aos respectivos empregadores?
Mais uma vez, preferiu-se a forma mais simples e cômoda de enfrentar o problema: transferi-lo para a sociedade.
A instituição da aposentadoria especial, não obstante tratar-se de um benefício que tem relação com o ambiente de trabalho, foi instituído como benefício previdenciário.
Repete-se aqui o que foi dito em relação à instituição dos adicionais de insalubridade e de periculosidade. Houvesse o legislador sido incisivo na proibição do trabalho em ambiente nocivo e não haveria necessidade desse benefício. Se houvesse estabelecido um prazo para a eliminação ou a neutralização da insalubridade do ambiente de trabalho e punição severa para quem não o cumprisse, em vez de admitir sua continuidade mediante simples pagamento de adicional ao trabalhador exposto, repetimos, não haveria necessidade de instituição do benefício especial. Sua instituição deve ter sido motivo de muitas comemorações por parte dos patrões dos trabalhadores que a ela passaram a ter direito, em razão das inúmeras vantagens por eles usufruídas. Além das vantagens já obtidas quando da instituição dos adicionais tratados no subtítulo anterior, vamos arrolar mais algumas, sem pretender esgotá-las:
– não foi onerado em qualquer contribuição adicional, não obstante o significativo acréscimo das despesas do sistema previdenciário;
– ganhou um novo e poderoso instrumento de barganha com os trabalhadores – a união de esforços nos sentido de convencer o Governo a manter ou até ampliar o universo das categorias de trabalhadores da empresa com direito ao benefício;
– ganhou a possibilidade de liberar-se, sem os ônus próprios da demissão imotivada, dos empregados mais antigos (e por isso com maiores salários) ou mais idosos;
– pôde reforçar a aliança com os trabalhadores e seus representantes no sentido de manter o status ambiental da empresa, livrando-se de cobranças por investimentos em prevenção e melhoria da qualidade do ambiente de trabalho;
– obteve um excelente mecanismo para reestruturação da empresa, mediante o favorecimento de obtenção da aposentadoria especial de trabalhadores que contem tempo de contribuição suficiente; etc. É conhecido, entre os iniciados, a facilidade com que grandes empresas conseguiram reestruturar-se e adequar o seu quadro de pessoal às realidades impostas pela nova ordem mundial, motivadas pela globalização da economia e abertura do mercado interno à competição internacional, mediante o encaminhamento ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, devidamente instruídos com todos os documentos necessários á obtenção da aposentadoria especial, inclusive do laudo técnico adequado à comprovar a exposição, de quantos já contavam com tempo mínimo de contribuição para esse benefício, embora muito distante do mínimo necessário para a aposentadoria comum. Se a função exercida pelo trabalhador durante todo o trabalho na empresa ou os ambientes de trabalho onde foram desenvolvidas davam direito ao benefício especial ou não, era um detalhe facilmente superável por um laudo criteriosamente elaborado e aceito tanto pelo empregador como pelos empregados. Uma solução muito boa para o trabalhador ameaçado de demissão e ótima para a empresa, que com o mecanismo adotado atendeu ao objetivo de redução dos custos sem qualquer ônus, já que estes puderam ser socializados. A legislação imperfeita e a falta de controle institucional muito contribuiu para que o sistema previdenciário assumisse a conta, como se os recursos públicos, em vez de pertencer ao púbico, não pertencesse a ninguém. Mesmo os empregadores de hoje têm muitos motivos para comemorar a manutenção desse benefício, pois seus fundamentos não sofreram grandes alterações.
Para o trabalhador, a possibilidade de aposentar-se precocemente, sem qualquer contribuição adicional, sem prejuízo do complemento remuneratório proporcionado pela insalubridade, periculosidade ou penosidade de seu trabalho, deve ter sido motivo de grande júbilo. A imprevidência natural da maioria dos brasileiros faz com que se considere melhor trabalhar em ambiente insalubre por alguns anos e depois gozar, ainda no início da idade madura, e, portanto, por bastante tempo, de merecida e compensatória aposentadoria, do que exigir ambiente de trabalho, ou o próprio trabalho, capaz de preservar sua integridade em sentido amplo, ou seja, de proporcionar bem-estar físico, mensal e social.
Essa imprevidência tornou-se aliada do patrão, pois fez com que passasse a ser importante para ele, trabalhador, vigiar a empresa para que se mantenha dentro dos padrões que propiciam a concessão dessa aposentadoria. Um incentivo importante para perpetuação no poder dos dirigentes sindicais “profissionais”.
Ao trabalhador interessava aposentar-se o mais rapidamente possível, pois o valor desta passava a constituir-se em renda adicional, já que nada o impedia de continuar a trabalhar, na mesma ou em outra atividade, inclusive na mesma empresa e sem mesmo necessidade de rescindir-se o contrato de trabalho. Só recentemente a legislação impôs restrições, mas ainda assim, de continuidade de trabalho em ambiente insalubre.
Se o objetivo fundamental do benefício era o de retirar o trabalhador do ambiente nocivo de trabalho antes que sua saúde fosse afetada, esse objetivo nem sempre era alcançado, pois a Lei não o proibiu de continuar trabalhando sujeito aos mesmos agentes nocivos que motivaram a sua aposentadoria e, sua imprevidência ou necessidade de obtenção de mais rendas o fazia continuar exposto.
Aos governantes que criaram o benefício os aplausos precipitados dos “beneficiados da hora” e a responsabilidade pelas dores e lágrimas das vítimas da imprevidência.
A medida teria sido muito mais eficaz se tivesse vindo acompanhada de outras que impusesse ou incentivasse a prevenção e melhoria dos ambientes de trabalho. Essas medidas poderiam ser de várias formas, como por exemplo, a instituição de contribuição adicional para custear o benefício, mediante a fixação de alíquota básica, sujeita à acréscimo ou redução consoante à nocividade do ambiente de trabalho. Poder-se-ia determinar avaliação periódica da evolução da saúde do trabalhador para controlar eventual comprometimento e, em caso, positivo, seu imediato afastamento do ambiente causador, garantida a remuneração e a estabilidade no emprego por tempo determinado, tudo por conta da empresa, admitida a contratação de seguro específico. Claro que parte dos custos poderiam ser socializados, mediante o oferecimento de condições especiais de financiamento para substituição de equipamentos obsoletos ou inadequados por outros melhores e mais seguros ou mediante a concessão de outros incentivos fiscais, como isenção ou redução de impostos ou abatimento do valor dos investimentos em prevenção ou melhoria do ambiente de trabalho da base de impostos ou contribuições.
É ilusório pensar que os empresários priorizem investimentos em prevenção e melhoria das condições ambientais de trabalho quando não há qualquer pressão por parte dos trabalhadores ou do Governo para que o faça. Menos ainda se a legislação lhe concede vantagens a longo prazo e se os trabalhadores e seus sindicatos, maiores interessados, os incentivem a manterem suas fábricas em condições ensejadoras, tanto dos adicionais de insalubridade e periculosidade como da aposentadoria especial. A verdade é que sem qualquer contrapartida da empresa ou do empregado o legislador transferiu para a sociedade brasileira o custo da antecipação das aposentadorias dos trabalhadores em empresas que não lhes oferecem ambientes salubres e seguros. A inexistência ou insuficiência de estudos sobre as alternativas existentes e seus efeitos em relação à efetiva proteção do trabalhador e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, indicando os pontos positivos e os negativos de cada uma, bem como aquelas que poderiam ser consideradas como as mais adequadas, talvez tenha sido a causa da ausência de medidas complementares para tornar a medida um instrumento não só de amparo ao trabalhador, mas efetivo em relação à busca de ambiente saudável de trabalho.
CONCLUSÃO
O modelo de proteção adotado no Brasil em favor do trabalhador que trabalha sujeito a agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou integridade física encontra-se totalmente superado e deve ser totalmente modificado ou extinto.
Como afirma Celso Barroso Leite, “já não há mais lugar para a aposentadoria especial entre os benefícios de uma previdência racional e atualizada”.
A eventual extinção desse benefício e a incorporação dos adicionais de insalubridade e periculosidade no salário dos trabalhadores que atualmente os recebem e a sua eliminação da legislação trabalhista não trariam quaisquer prejuízos aos trabalhadores, mas sim benefícios.
Eliminados os entraves inibidores da união de esforços para um objetivo comum, todos os atores com interesse na questão do trabalho saudável se uniriam para eliminar os riscos a que os trabalhadores estão expostos e os maiores beneficiados seriam os próprios trabalhadores, que hoje trabalham expostos a condições adversas, e seus familiares.
A sociedade e governo devem unir esforços para encontrar uma solução mais criativa e que seja eficaz em relação ao seu objetivo. Pode ser que a solução seja a extinção desse tipo benefício que, antes de dignificar, estigmatiza o trabalhador. Nesse caso, todo o esforço deve ser canalizado para a proteção do trabalhador enquanto em atividade, acompanhando e avaliando periodicamente o comportamento do seu organismo em relação aos agentes nocivos presente no seu ambiente de trabalho. Se a solução não for a sua extinção, seja por razões técnicas ou seja por razões políticas, então precisa ser profundamente reformulado, não só porque assim determina a CF mas, também, porque demonstrou ser totalmente ineficaz enquanto instrumento de política de prevenção e melhoria do ambiente de trabalho. É preciso ampliar a luta para que o ambiente de trabalho seja salubre. Defender o modelo atual é admitir como lícita e moral a venda da saúde do trabalhador.
A sociedade e trabalhador brasileiro já atingiu um nível de desenvolvimento e compreensão que exige mudanças capazes de nos tirar dos desconfortáveis primeiros lugares nas estatísticas de acidentes de trabalho fatais ou graves. Com vontade política, e um pouco de determinação técnica, não será difícil adequar a legislação aos reais interesses dos trabalhadores e da sociedade.
A exposição a temperaturas acima de valores admitidos legalmente como compatíveis com o exercício das atividades laborais se constitui em condição que propicia a aposentadoria especial conforme o que preceitua o Anexo IV do Regulamento da Previdência Social (Decreto 3048/99)
CÓDIGO AGENTE NOCIVO TEMPO DE EXPOSIÇÃO
2.04 TEMPERATURAS ANORMAIS
a) trabalhos com exposição ao calor acima dos limites de tolerância estabelecidos na NR 15, da Portaria 3.214/78
25 anos
É oportuno nos reportarmos ao que estipula o Anexo 3 da NR 15 citado no Regulamento antes referido.
– para ambientes, internos ou externos, sem carga solar IBUTG = 0,7tbn + 0,3 tg
– para ambientes externos com carga solar IBUTG = 0,7tbn +0,1tbs + 0,2 tg
onde:
tbs = temperatura de bulbo seco
tbn = temperatura de bulbo úmido natural
tg = temperatura de globo
Ocorre que a Instrução Normativa INSS/84, de 17/12/2002 (atualmente em vigor), restringiu, em seu art. 181, o campo de abrangência fixado pelo Dec. 3048/99, passando a considerar apenas as exposições “originadas exclusivamente por fontes artificiais” ( ou seja, aquelas em que não haja participação do calor oriundo do sol) determinando ainda que somente a fórmula para ambientes sem carga solar seja utilizada.
Segundo consta do livro “PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário”, do eminente professor e médico, Dr. Paulo Gonzaga, louvou-se a IN nº 84 do INSS na Orientação Jurisprudencial nº 173, do TST, a qual abaixo se transcreve:
Adicional de Insalubridade. Raios Solares: Indevido.
“Em face da ausência de previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto ( art.195 da CLT e NR 15 MTb Anexo 7)”
COMO A QUESTÃO É TRATADA EM OUTROS PAÍSES
A aposentadoria especial, nos moldes em que foi concebida no Brasil não encontra similar na legislação dos países mais desenvolvidos, certamente, porque não tem sustentação técnica e nem doutrinária. Nem por isso há menos preocupação quanto à segurança e condições ambientais de trabalho nesses países. Casos em que não há tecnologia para evitar o prejuízo à saúde do trabalho implicam, não raro, o banimento da atividade, como é o caso do amianto, cuja exploração e uso foram banidos de vários países.
Primeiramente, é bom lembrar que a aposentadoria é um seguro de renda destinado àqueles que perderam sua capacidade de trabalho e está relacionado, essencialmente, à velhice. O limite de idade para a concessão desse benefício é, portanto, um dos princípios universais em que se baseiam os sistemas previdenciários em todo o mundo. A quase totalidade dos países o adota. E, na maioria dos casos, a concessão da aposentadoria pressupõe o não-retorno do trabalhador ao mercado de trabalho.
O limite de idade é um critério adotado pelos sistemas previdenciários de quase todos os países do mundo. Em 1995 eram, apenas, sete países que não o utilizavam: Benin, Brasil, Egito, Equador, Irã, Iraque e Kuwait. Esses países adotavam a aposentadoria por tempo de serviço. Em 1999, tão-somente quatro países não a adotavam: Brasil, Irã, Iraque e Equador. Dessas listas, somente o Brasil não condiciona a aposentadoria por tempo de contribuição ao afastamento do mercado de trabalho. São raros os países que adotam procedimento diferenciado para a concessão de aposentadoria aos trabalhadores em atividades insalubres e, ainda assim, salvo raras exceções, mediante a redução do limite mínimo de idade para aposentadoria. A legislação da República da Eslovênia admite redução de até 3 anos de idade, enquanto que as da Ucrânia, de Azerbaijão, da Romênia, da China, Moldova e de Cuba dispõem que, satisfeitas as demais condições para a concessão da aposentadoria comum, esta é reduzida em até 5 anos. A da Armênia, em até 10 anos, sendo a redução superior a 5 anos somente é admitida em casos de condições extremamente insalubres. Também as legislações da Bulgária e da Argélia permitem alguma redução da idade para aposentadoria. A Rússia reduz a idade de aposentadoria se o trabalho for exercido na região norte do país ou em atividades penoso ou perigosa, enquanto o Uruguai credita anos adicionais em razão de trabalho em atividades penosas. As legislações da Alemanha, da África do Sul, dos Estados Unidos da América, da Estônia, da Franca e do Reino Unido nada dispõem sobre a questão.
A legislação do Kuwait prevê aposentadoria mediante comprovação de 20 anos contribuição em atividade penosa, exceto se o segurado mudar do setor público para o setor privado.
Em Portugal os riscos profissionais estão afetos ao Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais (CNPRP), e não ao Regime Geral de Seguridade Social. Cabe ao CNPRP, assegurar a prevenção, o tratamento, a recuperação e a reparação de doença profissional. Tanto o diagnóstico como o reconhecimento de incapacidades resultantes de doença profissional e a concessão dos benefícios são de sua exclusiva responsabilidade. Os benefícios relativos a doenças profissionais são constituídos por indenizações, enquanto a vítima se encontra em processo de reabilitação, e pensões, quando verificada a incapacidade parcial ou absoluta para o trabalho habitual, ou incapacidade absoluta para qualquer trabalho.
No Chile, os benefícios concedidos em razão do seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais são os subsídios de incapacidade laboral, indenizações, pensão por invalidez parcial, pensão por invalidez total e grande invalidez. Em relação aos acidentes ou doenças de origem não-profissional, são assegurados a pensão por invalidez e a aposentadoria por invalidez.
Na Espanha, a gestão dos acidentes do trabalho e das doenças profissionais são de responsabilidade das Mútuas de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. As mútuas são associações constituídas por empresários que assumem responsabilidade conjunta em relação a essas questões, colaborando de forma significativa na gestão da seguridade social.
No México, os sucessos relativos aos riscos profissionais dão direito a pensões (ramo Invalidez e Vida) ou subsídios financeiros. O financiamento do ramo de Riscos Profissionais é realizado apenas pela contribuição patronal, enquanto nos outros ramos, o financiamento é tripartite (contribuição patronal, do Estado e dos trabalhadores). Os subsídios constituem a prestação por incapacidade temporária para trabalhar, equivalente ao nosso “auxílio-doença”, que deverá durar, no máximo, 52 semanas. Se neste prazo o segurado não tiver recuperado a capacidade para retomar o trabalho anterior será declarado total ou parcialmente incapaz
Ver Decreto 53.832, De 25 de março de 1964.
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Suelen Queiroz