Resumo: Este artigo trata da lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Polícia Rodoviária Federal e as repercussões do Pedido de Providências 1461/2013-22 no Conselho Nacional do Ministério Público.
Palavras-chave: Termo Circunstanciado de Ocorrência, Polícia Rodoviária Federal, Pedido de Providências, Conselho Nacional do Ministério Público.
Abstract: This article deals with the issuance of Termo Circunstanciado de Ocorrência by the Federal Highway Police (Polícia Rodoviária Federal) and the repercussions of Measures Application nº. 1461 / 2013-22 in the National Council of the Public Ministry.
Keywords: Termo Circunstanciado de Ocorrência, Federal Highway Police, Arrangements Order, National Council of the Public Ministry.
Sumário: Introdução. 1. Termo Circunstanciado de Ocorrência e sua Lavratura pelo Policial Rodoviário Federal. 2. Pedido de Providências 1461/2013-22 no CNMP. Considerações Finais
Introdução
Este artigo abordará a lavratura de Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO) pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), tratando da decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no pedido de providências nº. 1461/2013-22[1], que admitiu a viabilidade de convênios e termos de cooperação entre o Ministério Público e a PRF para que esta lavre TCOs e analisando aspectos jurídicos deste documento.
1. Termo Circunstanciado de Ocorrência e sua Lavratura pelo Policial Rodoviário Federal
A Constituição Federal de 1988 (CF88) trouxe para o ordenamento jurídico nacional, em seu artigo 98, inciso I, o instituto da infração penal de menor potencial ofensivo (IMPO), que engloba delitos considerados “leves” pela lei que tratar da matéria e que deve(ria)m possuir procedimento simplificado, dentre outras medidas. A Lei 9.099/95 regulamentou a matéria tratando dos Juizados Especiais Criminais em seu Capítulo III e, em seu artigo 61, delimitou as IMPO como as “contravenções penais e crimes com pena máxima igual ou inferior a 2 anos, independente da cominação de multa”.
O artigo 69 da lei, que trata da fase preliminar (pré-processual) das infrações de menor potencial ofensivo, coloca que “a autoridade policial que tomar conhecimento lavrará termo circunstanciado”, apontando que tal documento será encaminhado ao Juizado imediatamente, indicando autor do fato e vítima, além de eventuais requisições de exames periciais necessários para elucidação do fato. Merece destaque ainda que o termo circunstanciado afasta a prisão em flagrante e a exigência de fiança, o que significa dizer que o autor do fato, após a lavratura do ato, será liberado, exigindo-se apenas que seja firmado um termo de ciência da data da audiência preliminar no Juizado (artigo 71).
Toda a celeuma sobre a competência para a confeccionar o TCO girou em torno da definição da amplitude da expressão “autoridade policial” na referida lei. Historicamente, a legislação brasileira sempre teve a expressão “autoridade policial” como o delegado de polícia, como se percebe ao analisar o Código de Processo Penal (CPP), que preceitua que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais (artigo 4º) e a CF88, que coloca que a polícia civil (que exerce a função de polícia judiciária, ressalvada a competência da União) é dirigida por delegado de polícia de carreira.
Por outro lado, a Doutrina e a Jurisprudência, ao se debruçar sobre a matéria, avançaram no sentido de compreender que, pelo menos no caso da Lei dos Juizados Especiais, que é regida pelos princípios da informalidade, economia processual e celeridade, dentre outros, a expressão autoridade policial compreende o agente dos Órgãos de Segurança Pública que atua no policiamento ostensivo ou investigativo[2], dentre eles o Policial Rodoviário Federal. Na esteira deste entendimento, diversos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação elaboraram Provimentos e Instruções abraçando o entendimento de que autoridade policial não se restringe a figura do delegado de polícia[3].
Observa-se ainda que a Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95, coordenada pela Escola Nacional da Magistratura, o Colégio Permanente dos Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, em 1995, e o Colégio dos Desembargadores Corregedores de Justiça do Brasil em seu XVII Encontro Nacional admitiram a possibilidade que “autoridade policial, na melhor interpretação do artigo 69 da Lei 9.099/95, é também o policial de rua”[4], evidenciando que a lavratura de tal documento não é atribuição exclusiva da polícia judiciária.
Especificamente sobre a lavratura de Termos Circunstanciados pela Polícia Rodoviária Federal, este órgão passou a celebrar Termos de Cooperação com os Ministérios Públicos Estaduais para definir critérios para elaboração de tal documento. Em Santa Catarina, por exemplo, o Ministério Público Estadual e a Polícia Rodoviária Federal firmaram Termo de Cooperação, em 29 de outubro de 2009, para que os PRFs continuem a lavrar Termos Circunstanciados de Ocorrência e Boletim de Ocorrência Circunstanciados (BOC)[5] quando da ocorrência de IMPOs nas rodovias federais[6].
Ainda sobre os Termos de Cooperação e sua legalidade, a Advocacia Geral da União (AGU), no bojo de Ação Civil Pública impetrada pelo Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Estado de Goiás, defendeu a possibilidade de lavratura pela PRF de TCO e BOC e a legalidade de Termo de Cooperação celebrado entre a Superintendência da Polícia Rodoviária Federal e o Ministério Público do Estado de Goiás. A 9ª Vara da Seção Judiciária de Goiás terminou por entender pela legalidade do Termo de Cooperação e julgou improcedente a ADI[7].
De fato, o que ocorre no cenário jurídico nacional é que as Superintendências Regionais da Polícia Rodoviária Federal vêm realizando acordos de cooperação com os Ministérios Públicos Estaduais (MPEs). Com a finalidade de impedir que qualquer Ministério Público Estadual lavrasse tais acordos, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) protocolou Pedido de Providências perante o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão que compete o controle da atuação administrativa do Ministério Público (artigo 130-A, §2º da CF88).
2. Pedido de Providências 1461/2013-22 no CNMP
O Conselho Nacional do Ministério, como órgão que realiza o controle da atuação administrativa, ou seja, atuação não relacionada com a atividade fim, do Ministério Público, tem o poder de definir diretrizes e normas regulamentares sobre questões relacionadas com o Ministério Público e é o órgão adequado para receber reclamações contra membros ou órgãos deste ente (artigo 130-A, §5º da CF88). Deste modo, a ADPF ingressou com procedimento administrativo perante o CNMP para que este declarasse a ilegalidade de os MPEs celebrarem acordos de cooperação.
Durante a 17ª Seção Ordinária do CNMP, ocorrida em 1º de setembro de 2014, o Plenário do Conselho julgou improcedente tal pedido, entendendo que tais Acordos de Cooperação são válidos[8]. O voto-vista do Conselheiro Fábio George, que foi acompanhado pelo relator Luiz Moreira, apontou que a lavratura do TCO não se confunde com o desenvolvimento de atividades típicas de investigação criminal, sendo restrita apenas à “realização de mero ato administrativo de anotação de um fato visualizado por servidor público”, havendo apenas a indicação de testemunhas, não existindo a possibilidade de indiciamento de eventuais responsáveis.
A análise do pedido de providências ainda levou em conta a atribuição da PRF de lavrar termos circunstanciados em seu Regimento Interno (artigo 1º, inciso VII da Portaria 1.375/2007) e o fato de que permitir que as Polícias Rodoviária Federal, Militar, Rodoviária Estadual, Legislativa e Ambiental de “confeccionarem realizarem ato administrativo que atestem fatos que são potencialmente infrações de menor lesividade enfraqueceria a atuação estatal de pacificação social”. Deste modo, pode-se inferir que, para o CNMP, o TCO e o BOC possuem natureza jurídica de um Boletim de Ocorrência (BO) mais robusto, considerando que apenas regista fatos e os encaminha para o Titular da Ação Penal definir o que fazer, assim como parte da Doutrina[9].
Considerações Finais
Percebe-se que a lavratura de Termos Circunstanciados de Ocorrência por Policias Rodoviários Federais passou pela evolução de um árduo e longo processo desde 1995 e que culminou na análise da legalidade, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, dos Termos de Cooperação entre os Ministérios Públicos Estaduais e as Superintendências de Polícia Rodoviária Federal. O entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a matéria levou em conta o anacronismo da posição de restringir à constatação de fatos aparentemente criminoso ao delegado de polícia, os princípios reitores da Lei 9.099 e as vantagens de se possibilitar que o agente que se depara com a atividade criminosa possa documentar tal atividade e encaminhar ao Titular da Ação Penal para que este defina como proceder perante o Poder Judiciário.
Por outro lado, destaca-se que a elaboração de TCOs por parte da Polícia Rodoviária Federal ainda deve avançar, notadamente no sentido de aceitar a natureza jurídica de tal documento e sua real importância, considerando que o TCO auxilia em muito a Sociedade e o Sistema de Persecução Criminal ao desafogar instâncias e agilizar a prestação do serviço de Segurança Pública por parte dos órgãos responsáveis pela repressão de delitos.
Por fim, destaca-se que a confecção de TCOs pelas Polícias Preventivas se alinham com os ideais de Ciclo Completo na repressão de infrações penais, que colocam, resumidamente, que “a polícia que se deparar com o um fato delituoso deverá processar totalmente a ocorrência”[10], entregando-a diretamente ao Poder Judiciário e ao Titular da Ação Penal.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Vaz Silva
Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Anhanguera-Uniderp Graduado em Direito pela Furg Professor de Direito na Universidade do Contestado Campus Concórdia Policial Rodoviário Federal.