Aspectos jurídicos do seguro obrigatório

Primeiramente para entendermos sobre o contrato de seguro, precisamos compreender o que representa o direito das obrigações que se concentra num vínculo de natureza pessoal resultante de um liame jurídico estabelecido entre credor e devedor, conferindo ao sujeito ativo o poder de exigir do último uma prestação (que pode ser de dar, de fazer ou não fazer).

A força jurígena da obrigação utiliza o processo como ferramenta hábil para solução de litígios, operando através da jurisdição, tendo como partes, habitualmente, o autor ou demandante que corresponde ao titular do suposto direito material que pretende ver reconhecido e o réu ou demandado que é o titular da resistência à pretensão do autor deduzida em juízo.

Cumpre ao abordarmos o direito das obrigações e, ainda distinguir os direitos absolutos e direitos relativos, principalmente para compreendermos as peculiaridades que distanciam, sobretudo, os direitos reais dos direitos obrigacionais.

Convém ab initio recordar a máxima do direito civil: a que todo direito corresponde a uma dever, sendo aplicável tanto para os direitos absolutos para os direitos relativos.

Os direitos absolutos se manifestam em uma relação entre sujeito certo e determinado, titular do dever tendo como objeto um bem. Por essa razão, o dever correspondente afeta a todas as pessoas vivem na sociedade  e com as quais o sujeito do direito possa vir a entrar em contato.

São direitos erga omnes que é uma expressão latina que quer dizer “a todos”.

No caso dos direitos absolutos, o dever correspondente é sempre um dever negativo, posto que se consagre em inação, ou em uma “abstenção” de qualquer ato que possa estorvar o direito. (In Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis, 3.ed., Rio de Janeiro; B.L.Garnier, 1876,p.LXV).

No entanto, cumpre esclarecer que a inação ou abstenção não implica em privação de um direito do sujeito a quem o dever incumbe. É curial que respeitar o direito de propriedade, significa respeitar o direito de usar, gozar, fruir e dispor, no justo limite dos direitos de cada um.

Evidentemente, o direito de propriedade, por ser absoluto, opera efeitos erga omnes, alcançando a todos.  Em contrapartida, os direitos obrigacionais por serem relativos manifestam-se em uma relação linear, polarizada entre dois sujeitos certos e determinados que possui como objeto sempre um fato, uma conduta do devedor.

É determinado ou ao menos determinável o titular e o objeto do dever correspondente. E, por essa razão, ab initio os direitos relativos, só operam efeitos entre as partes da relação direta contida entre o sujeito do direito e o sujeito do dever. Por isso, são oponíveis intra partes, ou inter partes.

Assim, diferentemente dos direitos absolutos que exigem uma inação e o respeito erga omnes, correspondente a um dever negativo. Os direitos relativos exigem sempre um dever positivo vez que se materializa em um fato da pessoa obrigada, mesmo que este seja uma abstenção.

Nos direitos relativos, o sujeito do dever sempre se priva de um direito que tinha anteriormente ao qual voluntariamente cedeu ou renunciou em favor do sujeito de direito, ou que perdeu em virtude de lei.

Elpídio Donizetti e Felipe Quintella advertem que a distinção entre os direitos absolutos e direitos relativos não possui apenas importância teórica, ao revés, é relevantíssimo na órbita prática, sendo a chave mestra para solucionar problemas jurídicos corriqueiros. (In Donizetti, Elpídio; Quintella, Felipe. Curso Didático de Direito Civil, São Paulo: Editora Atlas, 2013, p.227).

Concluindo, o direito absoluto trava-se numa relação jurídica entre o titular do direito real e toda a coletividade, recaindo sobre um bem e que não importa em privação na esfera jurídica do titular do dever correspondente.

Já o direito relativo, por sua vez, é o que trava uma relação jurídica entre sujeitos determinados e recai sobre um fato, e que importa em privação na esfera jurídica do titular do dever correspondente.

A fonte de obrigação constitui o ato ou fato que lhe dá origem. Em síntese, podemos apontar que os fatos jurídicos que dão origem aos vínculos obrigacionais. Sem dúvida, a lei[1] é a fonte de todas as obrigações por vezes como fonte imediata, e, outras vezes, como mediata.

Há duas espécies de seguro um fundado no contrato e respaldado pela lei e, outra segunda espécie de seguro fundado na lei (fonte imediata), tendo sua origem em ato ilícito (seja doloso ou culposo).

De fato, o contrato de seguro[2] se enquadra na categoria de oneroso-aleatório[3], o que difere completamente do tipo oneroso-comutativa (onde as prestações são certas e determinadas).

Por sua vez, os denominados contratos aleatórios são aqueles onde existe a álea, ou seja, a sorte e pelo menos um dos contratantes, não pode antever as vantagens que receberá em decorrência da prestação: caracteriza-se, enfim, pela incerteza.

Frise-se que o contrato aleatório tem em sua essência o risco. Posto que basicamente dependa de evento futuro e incerto, embora seja previsível. A execução do seguro é sempre diferida. É sempre celebrado por adesão, sujeitando-se às cláusulas à aprovação prévia da SUSEP, não havendo espaço para negociação. Frise-se que a jurisprudência do STJ tem considerado como nula por abusividade a cláusula que autoriza a seguradora a rescindir unilateralmente o contrato de seguro-saúde.

O contrato de seguro tem sua fonte direta no contrato e enquanto a lei corresponde à fonte indireta. Mas, no seguro obrigatório este não decorre de contrato. A Lei 6.294/1974[4] é sua fonte imediata das obrigações decorrentes do seguro obrigatório.

Qualquer seguradora responde pelo pagamento da indenização em virtude do seguro obrigatório, pouco importando que o veículo esteja a descoberto, eis que a responsabilidade em tal caso decorre do próprio sistema legal de proteção, ainda que esteja o veículo identificado, tanto que a lei comanda que a seguradora que comprovar o pagamento da indenização pode haver do responsável o que efetivamente pagou.

Este seguro natureza de contribuição parafiscal, o pagamento do seguro deve ser integral. O seguro obrigatório, por interpretação do Superior Tribunal de Justiça, constitui-se em contribuição parafiscal. Desta forma, também se torna irrelevante ser ou não identificado o veículo causador do acidente.

Algumas obrigações que emanam diretamente da lei são obrigações propter rem como a obrigação alimentícia, taxas condominiais, o pagamento de IPTU.

O seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre é comumente chamado de seguro DPVAT e que indeniza[5] vítimas de acidentes causados por veículos que têm motor próprio (automotores) e circulam por terra ou por asfalto (via terrestre).

O site eletrônico do seguro DPVAT (http://www.dpvatsegurodotransito.com.br/ ) atenta por excluir por excluir tanto os danos materiais (colisão, roubo ou furto de veículo) quanto alguns veículos (trens, barcos, bicicletas e aeronaves).

O seguro obrigatório DPVAT deriva diretamente da lei e indiretamente do ato ilícito provocado no acidente. E, em razão disso, não cabe dispor sobre o valor do prêmio e da indenização. Posto que seja a lei a fixar o custeio e o quantum indenizatório devido em favor da vítima.

Sua fonte primacial é o tributo anualmente pago por cada proprietário de veículo terrestre, na quitação da cota única da primeira parcela do IPVA. Lembrando que o proprietário inadimplente do veículo poderá ter problemas com a fiscalização por não se encontrar licenciado.

Ao contrato de seguro se aplicam as disposições do CDC por ser a matéria securitária considerada serviço, nos moldes do art. 3º., segundo parágrafo deste diploma legal. Ao segurado é reconhecida sua vulnerabilidade o que permite ao Judiciário adequar às condições preestabelecidas aos ditames do interesse social.

À luz do art.5º da Lei 6.194/74, que prevê: O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado", pelo o que se pode afirmar que o seguro DPVAT não é seguro de responsabilidade civil fundado na teoria da culpa, mas sim seguro obrigatório de danos pessoais, em relação ao qual, em matéria de prescrição deveria se levar em conta a regra do art.205, do C.C./2002.

Em caso de acidente automobilístico, o proprietário não terá cobertura, não estando, contudo, isento de também ressarcir as indenizações pagas às vítimas.

O seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não visa garantir a indenização inclusive as vítimas que não possuam vínculo jurídico com o proprietário do veículo automotor e tem o propósito eminentemente social operando como estipulação em favor de terceiro.

É expressivo o cunho social do seguro obrigatório DPVAT e segue a contemporânea tendência da responsabilidade pressuposta[6]. Inexiste relação entre o efetivo pagamento do tributo e o dever de indenizar a vítima, principalmente quando o atropelado ou passageiro prejudicado não possuíam obrigação ou responsabilidade pelo pagamento.

A questão temporal logo nos remete a prescrição da pretensão de receber a indenização decorrente do seguro obrigatório. Durante muito tempo, defendeu-se que o prazo seria de dez anos conforme o art. 205 do C.C. de 2002. Em face da ausência de prazo específico, caberia então a aplicação do prazo geral.

Porém, entendimento diverso foi adotado pelo STJ principalmente preocupado com a uniformização matéria, apesar da omissão da Lei 6.194/1974, mas o art. 206, terceiro parágrafo do C.C. prevê o prazo prescricional de três anos a contar do próprio evento morte, independentemente do local do sinistro.

Também nessa ocasião dá-se o início da contagem da prescrição para os sucessores da vítima. Ocorrendo invalidez permanente conta-se não, necessariamente na data do acidente mas quando o lesado teve inequívoco conhecimento de sua incapacidade o que coincide com o reconhecimento em laudo pericial pelo Instituto Médico Legal.

Finalmente referente às indenizações decorrentes das despesas com assistência médica e suplementares, o termo inicial deve ser contado a partir de cada despesa, desde que relacionada com o acidente. Há, contudo a possível suspensão da prescrição quando houver pedido administrativo antes de consumir o prazo de três anos. Ocorrerá o reinício da contagem do prazo prescricional quando o segurado for comunicado da recusa de pagamento de indenização, ou se este for aquém do devido.

Em síntese, existem três hipóteses autorizadoras da indenização pelo seguro obrigatório, a saber: 1) morte; 2) invalidez permanente; 3)despesas com assistência médica e suplementares[7].

Aduz a Lei 6.194/1974 em seu art. 3º: “Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2º compreendem as indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e complementares, nos valores que se seguem, por pessoa vitimada: a) 40 (quarenta) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente do país, no caso de morte; b) idem em caso de invalidez permanente; c) até 8 (oito) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no país como reembolso à vítima no caso de despesas médicas e complementares devidamente comprovadas”.

Cumpre destacar a diferença entre invalidez e deformidade (esta se apresenta como apresenta como alteração limitada à forma ou à aparência de um membro, sem qualquer restrição funcional). Por outro lado, a lesão que gera debilidade ou invalidez de função, é reconhecível mesmo que o membro ou órgão esteja intacto.

Desta forma, se resultou apenas em deformidade sem o comprometimento de função, a vítima resta afastada a indenização pelo seguro obrigatório DPVAT.

A vítima do sinistro poderá propor indenizatória contra o causador do acidente, fundada na responsabilidade aquiliana ou contratual, a depender do caso concreto.

Outra tormentosa questão é saber o valor máximo da indenização por invalidez permanente era previste de até quarenta salários-mínimos. Houve vozes que sustentaram a inconstitucionalidade do dispositivo em razão da vinculação ao salário-mínimo e, ainda pela afronta ao art. 7º, inciso IV da CF/1988[8].

A vedação constitucional é plenamente justificável por pretender resguarda o salário-mínimo, desindexando-o de qualquer fim.

A partir da vigência da Medida Provisória 340 editada em 29/12/2006 mais tarde convertida em Lei 11.482/2007 que deu nova redação ao art. 3º da Lei 6.194/1974 restou estabelecido que em caso de invalidez permanente seria de até R$ 13.500,00( treze mil e quinhentos reais).

Concluímos que a sutil redução do quantum indenizatório operado em 2006 posto que antes vigorava o limite em quarenta salários-mínimos que correspondiam a quatorze mil reais.

O art.12 da lei disciplinadora do seguro obrigatório prevê: “Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2º desta lei compreendem as indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica suplementares nos valores que se seguem, por pessoa vitimada”. O art. 12 se refere ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) que expedirá as normas disciplinadoras e tarefas que atendam à lei.

A Medida Provisória 451 de 15/12/2008 previu que os danos cobertos pelo seguro se referem à invalidez permanente, pouco importante se total ou parcial, sendo afastada a possibilidade da gradação por norma editada pelo CNSP[9].

Todavia, a Medida Provisória 451/2008 convertida em Lei 11.945/2009 passou a classificar as incapacidades de forma a atender a nova redação do art. 3º ea Lei 6.194/1974 prevendo a invalidez permanente e a parcial, dividindo esta em completa e incompleta.

Dessa forma, se incluiu a vigente lei do seguro obrigatório uma tabela que propõe a respectiva proporcionalidade a fim de melhor interpretar o texto legal.

O interessante é notar que caso o acidente de trânsito tenha ocorrido até 15/12/2008 pouco importava a gradação da invalidez ( se era total ou parcial). A vítima do sinistro tinha direito ao recebimento de R$ 13.500,00(treze mil e quinhentos reais).

Porém, se ocorresse o sinistro após 16/12/2008, tratando-se de invalidez permanente parcial, o pagamento do seguro DPVAT deveria observar a dita proporcionalidade.

É muito debatida a constitucionalidade na aplicação da tabela de proporcionalidade, sobretudo pelo homenageado princípio da dignidade da pessoa humana, que representa um dos fundamentos da república brasileira.

Os adeptos da inconstitucionalidade da tabela adjeta à lei[10] afirmam que o homem não pode ter seus membros, sentidos e funções valorizadas como se fossem peças expostas no açougue.

O critério da proporcionalidade tenta em vão aplicar a justiça ao caso concreto sendo inegável que exista agradação da invalidez. Além disso, sem que se faça uma comparação do ser humano à coisa, é evidente e inconteste que o coração como órgão é mais importante do que os pulmões e os rins.  Existem casos comprovados de sobrevivência humana mesmo ante a privação de rim ou pulmão.

E se existe a gradação de importância para os órgãos humanos, não há como fugir da aferição do grau de debilidade, concluindo-se então se ocorre a invalidez total ou parcial.

Nos aspectos processuais temos a fixação de competência do Juizado Especial Cível em razão de pedido indenizatório pelo seguro DPVAT mediante as três hipóteses legais.

Frise-se que apesar do rito sumariíssimo dos Juizados Especiais é possível a realização de prova pericial de pouca complexidade de qualquer forma recomenda-se a comprovação da invalidez por exame de corpo de delido pelo Instituto Médico Legal (IML)[11].

Os documentos necessários para pedir indenização e deverão ser apresentados a um dos pontos de atendimento autorizados no site. As exigências variam de acordo com o tipo de cobertura solicitada.

Em situações especiais, a seguradora poderá solicitar outros documentos ou informações complementares para garantir o pagamento correto.

Documentos básicos são: 1) Boletim de Ocorrência ou Certidão de ocorrência policial[12] (original ou fotocópia autenticada, frente e verso) – nesse documento deverá conter o carimbo e a assinatura do Delegado de Policia e/ou escrivão), número da placa, chassi, nome do proprietário do veículo, descrição do acidente, nome completo da vítima e data do ocorrido. 2) Autorização de pagamento / Crédito de indenização – O formulário deverá conter somente os dados do beneficiário e de que forma (conta corrente ou conta poupança) que este deseja receber a indenização ou reembolso. 3) Documentação da vítima (fotocópia, frente e verso) – Carteira de identidade/RG da vítima ou documento substitutivo (certidão de nascimento ou certidão de casamento ou carteira de trabalho ou carteira nacional de habilitação) e CPF. 4) Documentação do(s) beneficiário(s) (fotocópia, frente e verso) – Carteira de identidade/RG ou documento substitutivo (certidão de nascimento ou certidão de casamento ou carteira de trabalho ou carteira nacional de habilitação), CPF (deverá estar regularizado junto a Receita Federal, pois a pendência implicará no cancelamento do pagamento da indenização) e comprovante de residência (conta de luz, gás ou telefone) ou declaração assinada pelo(s) beneficiário(s) informando os dados completos do endereço (CEP inclusive).
Leia em: http://www.tudosobreseguros.org.br/sws/portal/pagina.php?l=389#IML
A indenização decorrente de acidente automobilístico terrestre tem provocado relevantes debates sobre a interpretação e aplicação dos dispositivos legais, sobretudo fomentadas pelo crescimento significativo de ações decorrentes do não pagamento ou mesmo pagamento parcial.

Buscou-se, portanto, estabelecer as diretrizes do entendimento jurídico a ser observado no caso de ações de cobranças em que se pleiteia o pagamento de indenização ou complementação pelo Seguro DPVAT.

Sustentar a constitucionalidade da tabela de proporcionalidade dos valores indenizatórios não ofende ao princípio da dignidade humana ou mesmo humilha a vítima do acidente. Diversamente, permite que o julgamento, auxiliado pela norma, possa aplicar a justiça no caso concreto, não permitindo que situações semelhantes, tenham indenizações dotadas de valores significativamente diferentes.

Destaco ainda que, o inconformismo com o laudo médico não impede que a vítima do acidente provoque a jurisdição diante da inferioridade do valor a ser pago, bastando apenas que utilize o procedimento compatível com a necessidade de prova a ser produzida.

Ao seguir o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e ainda dos Tribunais superiores busca o intérprete da norma aplicar a ferramenta processual prevista no art. 543 – C, sétimo parágrafo do CPC[13] sendo hábil em garantir confiança e homogeneidade das relações jurídicas submetidas ao Judiciário brasileiro, principalmente para melhor atender a relevância social contida no seguro obrigatório DPVAT.

De qualquer forma é importante frisar que a ausência do pedido administrativo de indenização não impede a medida jurisdicional que pleiteia a indenização, e nesse sentido, verificam-se os seguintes assentos jurisprudenciais: “A inexistência de pedido administrativo não é óbice ao ajuizamento de ação de cobrança relativa ao seguro DPVAT. TJRS. Apelação Cível Sexta Câmara Cível Nº 70032813339 Comarca de Porto Alegre APELANTE: Leandro Luís Cardoso Turcato APELADO: CENTAURO SEGURADORA S.A. Publicado em 23/11/09;  Apelação Cível Nº 70032143505, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 30/09/2009) APELAÇÃO CÍVEL. DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE. PEDIDO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. SENTENÇA DESCONTITUÍDA”. E, ainda, Apelação Cível 859661-0, TJPR, 9a.C.Cível. Segurado não precisa esgotar a via administrativa.

Enfim, o contrato de seguro é reconhecidamente um dos contratos mais desenvolvidos, complexos e relevantes do direito privado brasileiro. O contrato de seguro representa no fundo a socialização dos riscos.

A determinação dos riscos deve ser analisada sob o enfoque da função social dos contratos, com respeito à boa-fé objetiva e no sentido da proteção da dignidade da pessoa humana. Não podendo o segurado aderente ficar em situação de extrema desvantagem ou de onerosidade excessiva.

No caso do DPVAT que representa um dos seguros de responsabilidade civl obrigatório, onde a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente do terceiro prejudicado (art. 788 do C.C.).

Prevê a súmula 257 do STJ que mesmo a falta de pagamento do prêmio desse seguro obrigatório não é motivo para a recusa do pagamento da indenização por segurado privado.

 

Referências
TARTUCE, Flávio. Direito Civil 3. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em espécie. 8.ed. São Paulo: Editora Método, Grupo Gen, 2013.
JÚNIOR, Edmilson Cruz. Seguro Obrigatório: Aspectos Obrigacionais e processuais p. 95-110. In Direito das Obrigações: Reflexões no Direito Material e Processual. São Paulo: Editora Método, 2012.
  
Anexo
Modelo de petição Ação de Cobrança de indenização
Fulano de Tal, qualificação ( nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio, portador de identidade número…, expedida por…, em…, inscrito CPF/MF nº ……, vem por seus procuradores in fine assinados, com escrito sito à  …., cidade, CEP, onde receberão intimações e notificações, vem à presença de Vossa Excelência, propor a presenta AÇÃO DE COBRANÇA relativa a relação securitária obrigatória, conhecida popularmente como DPVAT, contra.. Siclano S/A, pessoa jurídica de direito privado, CNPJ nº…, estabelecida com filial sito à ….., bairro…, cidade …., CEP …, na pessoa de seu representante legal, expondo adiante os fatos e fundamentos do presente pedido conforme:
a) Dos fatos
O demandante fora vítima de acidente de trânsito ocorrido em… na rua …. , na cidade… envolvendo os veículos ( descrever os veículos, contendo o número de placas e chassis), resultando lesões gravíssimas irreversíveis, conforme se verifica do auto de exame complementar de lesões corporais, e ainda do lado do Instituto Médico-Legal (IML), cuja perícia definitiva fora realizada em … (conforme documento em anexo).
A gravidade de tais lesões sofridas produziu no demandante invalidez permanente, devidamente comprovada por exame médico realizado pelo Departamento Médico Legal na data de… e cuja cópia segue em anexo.
Apesar de comprovada invalidez, o demandante requereu administrativamente o pagamento do seguro obrigatório junto à companhia de seguros, ora demandada, o qual foi solicitado toda a documentação necessária, que fora tempestivamente apresentada.
Porém, até o presente momento, o demandante nada recebeu por conta de pagamento referente à indenização do seguro DPVAT a que tem direito. Segundo o art. 5º da Lei 6.194/1974 e ainda a doutrina e jurisprudência majoritária para o recebimento da indenização do seguro obrigatório, basta a simples prova do acidente e do dano decorrente, devendo então, a Seguradora participante do Consórcio, efetivar o pagamento do seguro devido ao demandante, vez que totalmente preenchidos os requisitos legais.
Ex positis conforme prevê a Lei 6.194/1974 que regulamenta o DPVAT, o valor a ser pago no caso de invalidez permanente é o equivalente a R$ 13.500,00 ( treze mil e quinhentos reais).
b)Da tempestividade da ação
Entende o demandante que sua pretensão indenizatória não se encontra prescrita considerando que a sua invalidez permanente fora declarada tão somente em…., conforme consta no Auto de Exame de Corpo de Delito do IML que subsidia a exordial, pois é sabido que não é mero fato de sofrer acidente de trânsito que gera o direito à indenização por invalidez ou debilidade e, sim, a efetiva constatação dos danos que são irreversíveis, após todas as tentativas de reversão com tratamentos médicos, cirúrgicos, fisioterápicos e, então, quando os peritos tiveram condições de concluir que o demandante como vítima está ou não inválida.
Diante do exposto, verifica-se então o fato gerador de indenização por invalidez se concretizou somente em….. e, portanto, nesta data, começou a fruir o prazo prescricional de três anos, pois, antes do implemento da condição de debilidade ou invalidez, conforme estabelecida em lei federal que rege o seguro obrigatório DPVAT não poderia correr prazo prescricional, da mesma forma que contra o menor de idade, o prazo prescricional de eventual direito, começa a fluir somente a partir de sua maioridade civil.
c)Do Direito
O demandante tem sua pretensão totalmente amparada pela Lei 6.194/1974 e, em particular pelo art. 3º, alínea b, in litteris:
“Art 3° Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2 desta Lei  compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por  despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se  seguem, por pessoa vitimada: (Artigo alterado pela MP 340/06 e posteriormente pela MP  451/08, transformada na Lei 11.945/09).
I – R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos) – no caso de morte; (Incisos alterados pela MP 340/06, transformada na Lei 11.482/07).
II – até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) – no caso de invalidez permanente; e (Incisos alterados pela MP 340/06, transformada na Lei 11.482/07)
III – até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) – como reembolso à vítima no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas. (Incisos alterados pela MP 340/06, transformada na Lei 11.482/07).”
Portanto, conforme os termos da lei, se não houver dúvida justificável quanto ao nexo de causalidade entre o acidente e as lesões provocadas mediante a simples verificação dos documentos exigidos (prova de invalidez e registro de ocorrência policial) qualquer outra exigência é ilegal além de desumana.
Art 5º da Lei 6.194/74:
“O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado.”
E, nesse sentido há farto material jurisprudencial inclusive apontando que mesmo que não haja pagamento do referido seguro obrigatório, mesmo assim, persiste o direito do demandante, vítima, de obter a indenização prevista.
E, como o laudo médico do IML atesta claramente a invalidez permanente de membro ou função é prova suficiente e cabal para garantir o pagamento da indenização do seguro obrigatório no valor integral.
E, ainda sendo cabível a correção monetária e juros legais pretendidos, conforme prevê a Súmula 14 das Egrégias Turmas Recursais, in litteris:
“SÚMULA Nº 14 – DPVAT (revisada em 19/12/2008) VINCULAÇÃO SALÁRIO MÍNIMO. – É legítima a vinculação do valor da indenização do seguro DPVAT ao valor do salário mínimo, consoante fixado na Lei nº 6.194/74, não sendo possível modificá-lo por Resolução. A alteração do valor da indenização introduzida pela M.P. nº 340 só é aplicável aos sinistros ocorridos a partir de sua vigência, que se deu em 29/12/2006.”
d)Do requerimento
Diante do exposto, urge requerer:
a) a procedência do presente pedido indenizatório.
b) a citação da demandada, via postal, na pessoa de seu representante legal, no endereço supracitado, para querendo, comparecer à audiência de instrução e julgamento a ser designada por Vossa Excelência, bem como contestar a presente ação, sob pena de revelia e confissão de todos os fatos que lhes foram imputados, na forma da lei.
c) Além da farta prova documental já anexada à exordial, o demandante protesta por todos os meios de provas em Direito admitidos, bem como a inversão do ônus da prova, com fulcro no art. 6º, VIII do CDC.
d) Seja logo afastada a prescrição a presente ação, posto que sej declaradamente tempestiva em razão do implemento da condição suspensiva, ou seja, a final conclusão de laudo pericial declarando a invalidez permanente, condição sine qua non, implementou-se somente em 12 de dezembro de 2006.
e) Condenação da requerida ao pagamento das custas e despesas processuais, se houver, bem como aos honorários advocatícios fixados em vinte por cento sobre o valor total da condenação, no caso de a demandada recorrer da decisão de primeiro grau.
Dá-se à causa o valor de….
Nestes termos,
Aguarda Deferimento.
Local, data
Assinatura advogado
OAB
 
Notas:
 
[1] A lei exige do segurador capacidade especial: tem que ser pessoa jurídica para tal fim legalmente autorizada. O ente público responsável por autorização é a SUSEP – Superintendência de Seguros Privados do Brasil.

[2] Seguro é o contrato pelo meio do qual uma das partes se obriga a proteger interesse de outra, referente a pessoas ou coisas, contra riscos predefinidos, e mediante o recebimento de uma quantia chamada prêmio. (art. 757 do Código Civil). As partes são chamadas de segurado ( aquele cujo interesse é protegido) e segurador ( quem protege o interesse).

[3] Há doutrinariamente quem defenda que o seguro é contrato comutativo posto que o risco  corresponda a certos cálculos atuariais ( Ernesto Tzirulnik, Flávio Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel).

[4] Ficou a cargo da Lei 6.194/74, com sucessivas alterações levadas a efeito pela Lei 8.441/92, mais recentemente pela Lei 11.482, de 31 de maio de 2007, e Medida Provisória nº 451, de 15 de dezembro de 2008, regulamentar o seguro obrigatório previsto na alínea "l" do artigo 20 do Decreto – Lei 73/66.

[5] O Código Civil de 2002 reduziu sensivelmente o prazo prescricional para cobrança de seguro obrigatório disciplinado pela Lei 6.194/1974, posto que de vinte anos passou para três anos conforme o art. 206, terceiro parágrafo, inciso IX do C.C.

[6] A responsabilidade civil pressuposta é uma resposta a necessidade de pacificação social, e não de mero instrumento indenizatório. É, enfim, a responsabilidade sem culpa à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

[7] As vítimas de acidentes de trânsito e seus beneficiários têm à sua disposição o SAC DPVAT – 0800-0221204 –, que atende gratuitamente ligações de todo o Brasil. Além disso, no site oficial do DPVAT Seguro de Trânsito existe a seção Fale Conosco, que recebe o e-mail da vítima ou de seus beneficiários, esclarecendo dúvidas e prestando informações e também dispõe do atendimento online.
Leia mais em: http://www.tudosobreseguros.org.br/sws/portal/pagina.php?l=389#IML
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[8] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – fundo de garantia do tempo de serviço; IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (…).

[9] A intervenção estatal nas atividades securitárias remonta de vários anos. Desde Decreto 24.782 de 1934 quando fora criado o Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização (DNSPC). O mesmo Decreto-Lei 73/66 instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados e criou também o CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados. Trata-se de órgão responsável de fixar as diretrizes e normas da política de seguros privados, é composto pelo Ministro da Fazenda (presidente), representante do Ministério da Justiça, representante do Ministério da Previdência Social, Superintendente da Superintendência de Seguros Privados, representante do Banco Central do Brasil e representante da Comissão de Valores Mobiliários.

[10] Quem recebe e quanto: Cobertura – Quem tem direito (beneficiários) – Valores de indenização
Morte                                               – Familiares ou herdeiros legais        – R$ 13.500,00 por acidentado(1)
Invalidez permanente                   – Somente o próprio acidentado      – até R$ 13.500,00 por acidentado(2)
Despesas médico-hospitalares   – Somente o próprio acidentado       – até R$ 2.700,00 por acidentado(3)
(1) Estes valores não são divididos entre as vítimas do mesmo acidente. São pagos individualmente
(2) O valor da indenização de invalidez permanente varia conforme a gravidade da lesão
(3) O valor do reembolso médico-hospitalar varia conforme o total de despesas comprovadas

[11] O laudo pericial médico do IML não representa essencial para a propositura da ação de cobrança de seguro, posto que a incapacidade decorrente do sinistro poderá ser atestada por outros meios de prova. É o entendimento da Primeira Câmara Cível do TJMT.

[12] TJMS, Apelação Cível: AC 3945 MS 2010.003945-9  (…)E M E N T A           –   APELAÇÃO CÍVEL -COBRANÇA DE SEGURO DPVAT -PROVA PERICIAL QUE CONCLUIU QUE AS LESÕES SOFRIDAS FORAM PRODUZIDAS POR ATROPELAMENTO EM ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO -PROVA DO ACIDENTE -PROVIMENTO. (…) Aduz-se que a ausência de boletim de ocorrência não importa na improcedência da demanda. 

[13] Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Acrescentado pela L-011.672-2008) (…) § 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. (…).


Informações Sobre os Autores

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.

Denise Heuseler

Professora assistente, bacharel em Direito pela UNESA, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Civil, Advogada, Tutora da FGV On-line. Membro do Conselho do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ)


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