Com a Proclamação da República, nosso sistema constitucional consagrado, na Constituição de 1891, obedeceu à preocupação de delimitar as esferas de competências. Estabelecia a Constituição as competências para as entidades federativas. Tínhamos as competências exclusiva e privativa(1) da União(Art. 7º) e a competência exclusiva dos Estados(Art. 9º) e a competência cumulativa(2) em favor das duas entidades.
A Educação não é matéria de competência exclusiva ou privativa da União. Não está registrada no elenco de matérias enumeradas no artigo 7o. Será prescrita como elemento orgânico e matéria do Poder Legislativo, através de atribuição ao Congresso Nacional, que o exerce com a sanção do Presidente da República (Artigo 16).
Como veremos, a Educação vai ser enumerada entre as 35 atribuições do Congresso Nacional, no inciso que determina a competência privativa de “legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal, bem como sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na Capital forem reservados para o governo da União”(Artigo 34, inciso 30). Seguindo a tradição do Império, enfatiza-se, mais uma vez, a nível nacional, o ensino superior.
No Artigo 35 da Constituição de 1891, o legislador incumbe ao Congresso, mas não privativamente (ressalta o próprio texto constitucional), as seguintes atribuições (…): (a) animar, no país, o desenvolvimento das letras, artes, e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e o comércio, sem privilégios que tolham a ação dos governos locais (Artigo 35, 2o); (b) Criar instituições de ensino superior e secundários nos estados (Artigo 35, 3o) e (c) Prover a instrução secundária no Distrito Federal (Artigo 35, 4o).
Observamos que o legislador, ao estabelecer a incumbência privativa ao Congresso nas ações de animar, criar e prover não tenciona tolher a ação dos governos locais, portanto, não quer embaraçar a capacidade legislativa dos Estados. Poderíamos dizer que, aqui, há uma semente para a idéia que temos hoje de competência concorrente em matéria educacional, em que o Congresso participaria com normas gerais sem negar as peculiaridades dos Estados-Membros.
Apesar de a técnica de delimitar as esferas de competências das entidades federativas (União e Estados) ser uma herança imperial problemática e, parcialmente resolvida com o Ato Adicional de 1834, a Constituição de 1891 não defende explicitamente, para os Estados, a competência para legislação em matéria educacional.
Subentende-se, porém, que a tarefa educacional dos Estados não terá a intervenção do Governo Federal conforme determina o dispositivo constitucional: “Incumbe a cada estado prover, expensas próprias, as necessidades de seu governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar” (Artigo 5o). No artigo seguinte diz que “O Governo Federal não poderá intervir em negócios peculiares aos estados”, salvo, entre outros casos, para manter a forma republicana federativa (Artigo 6o, 2o). A emenda Constitucional, de 3 de setembro de 1926, reforçará a forma republicana como princípio constitucional a assegurar a integridade nacional (Artigo 6o, II, a) e autonomia dos Estados.
Como vimos, acima, a Constituição de 1891, atenta ao princípio federativo para a unidade nacional, ressalva que as ações do Congresso Nacional, no tocante à educação, não serão privativas, mas cumulativas, ou seja, levam em conta a ação dos governos locais. Todavia, se nos demorarmos na leitura do texto constitucional, chegaremos, de logo, à desconfiança de que a União é de um grau de intervenção muito forte, quando diz que, entre as atribuições contidas no artigo 35, terá o Congresso de criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados (Artigo 35, 3o). Nessa condição passiva, estaria também o Distrito Federal que sofrerá a intervenção federal ao se determinar que o Congresso incumbe “prover a instrução secundária do Distrito Federal” (Artigo 35, 4o), nivelando-o, portanto, aos Estados-Membros. Aos Estados, na verdade, sobra a responsabilidade social pela organização do sistema primário de ensino.
Do ponto de vista de capacidade legislativa, os Estados, também, não gozam de autonomia federativa na República Velha(3).Tomemos, agora, o Título II, Dos Estados. Lá, cinco artigos tratam de elementos orgânicos para os Estados, ressaltando, de início, que “cada estado reger-se-á pela Constituição e pelas leis que adotar, respeitados os princípios constitucionais das União” (Artigo 63). Mas, a União interfere na ação legislativa dos Estados, numa flagrante ação intervencionista e centralizadora, no que toca à elaboração das constituições estaduais. Determina o legislador que “o estado que até o fim do ano de 1892 não houve decretado a sua Constituição, será submetido, por ato do Congresso, à de um dos outros, que mais conveniente a essa adaptação parecer, até que o estado sujeito a esse regime e reforma, pelo processo nela determinado” (Artigo 2o, Disposições Transitórias). Retoricamente, o texto assinala que “à proporção que os estados se forem organizando, o Governo Federal entregar-lhes-á a administração dos serviços, que pela constituição lhe competirem, e liquidará a responsabilidade da administração federal no tocante a esses serviços e ao pagamento do pessoal respectivo” (Artigo 3, Disposições Transitórias).
Desde o primeiro momento da República Federativa, houve um processo de anulação das prerrogativas dos Estados-Membros. A tendência de não se explicitar as competências dos estados pode ser percebida quando do Decreto 01 ao se prescrever que as províncias brasileiras, agora reunidas pelo “laço da federação”, ficam constituindo os Estados do Brasil(4). Com tal omissão, os Estados, como entidades autônomos, ficam, federativamente, enfraquecidos.
Destaquemos, também, do Decreto da proclamação provisória da República Federativa, o seguinte: a soberania dada aos Estados, prerrogativa que não corresponde à historicidade de nossa Federação, difere do modelo norte-americano em que os Estados se uniam numa aliança com o governo federal; aqui, esta aliança foi condicionada por um decreto, ou seja, decima para baixo, em que se reconhecia, nos Estados, não uma soberania, mas uma autonomia federativa e, vale dizer, uma autonomia outorgada pelo regime republicano, em que pese o movimento federalista esboçado pelas rebeliões provinciais e sufocadas pelo regime imperial.
Interessante acompanhar o movimento posterior dos revolucionários de 15 de novembro de 1889, que através do Decreto no 7, de 20 de novembro de 1889, anularam, formalmente, as competências legislativas dos estados no tocante à instrução pública e a seus estabelecimentos de ensino, como era assegurado no Ato Adicional de 1834 ao declarar, naquele decreto, que as assembléias provinciais ficam extintas e fixa, provisoriamente, as atribuições dos governadores dos Estados(5).
Os decretos subseqüentes, como os de no 802, de 4 de outubro de 1890 e de 848, de 11 de outubro de no 1.030, de 14 de novembro de 1890, limitam-se a estabelecer elementos orgânicos dos Estados, como a aprovação da emissão constituinte estadual e a consagração da dualidade de jurisdições do poder inicial.
O decreto no 510, de 22 de junho de 1890, contendo o projeto da Constituição Federal, será substituído pelo Decreto no 914, de 23 de outubro de 1890, que traz na versão original artigo 34, a ser promulgado como o de 35 na Constituição de 1891, que assim reza: “Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente animar, no país, o desenvolvimento da educação pública, a agricultura, a indústria e a imigração” (Artigo 34, 1o, Decreto 914) e “Criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados” (Artigo 34, 2o), sem salientar, porém, a participação ativa dos estados.
É particularmente importante o resgate do processo constituinte que veio a promulgar, em 1891, a Constituição Federal. Até a promulgação da Constituição, questões como centralização e descentralização política, soberania e autonomia federativa, particularmente referente aos recursos do tesouro nacional, estiveram presentes nos debates e no desenvolvimento dos trabalhos da constituinte.
No plano municipal, observamos que, com a Constituição republicana de 1891, reconheceu-se, formalmente, por força do regime federativo, a autonomia municipal. O Artigo 68 e o único a tratar, na Constituição de 1891, sobre a organização municipal, diz que “Os estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse” (Artigo 68). A partir desta disposição constitucional, os Estados vão procurar reforçar, do ponto de vista jurídico, a tese da autonomia municipal, mas ainda muito no plano normativo ou superestrutural, sem que isso signifique, portanto, uma repercussão de ordem prática junto às franquias locais(6).
Na prática, não houve autonomia municipal no Brasil durante os quarenta nos em que vigorou a Constituição de 1891 por conta de três fatores: (a) hábito do centralismo; (b) a opressão do coronelismo e (c) a incultura do povo.
Foram estas três fatores transformaram os Municípios em feudos de políticos, no que Helly Lopes Meirelles(1993) compara a um “rebanho dócil ao seu poder político”(7). Se a incultura do povo, o que nos faz lembrar o analfabetismo, era base de sustentação do coronelismo(8) nos Estados, por que estes fortaleceriam a autonomia municipal? Era tempo para uma reação política, o que só veio a acontecer com a chamada República Nova(9).
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LEI Nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996 (Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério)
Notas:
1 – A competência exclusiva não admite a repartição da capacidade de legislar. A privativa pressupõe delegação de poderes.
2 – A competência comulativa torna a capacidade legislativa comum a duas ou mais entidades do Estado Federal.
3 – Entendemos, aqui, o período republicano brasileiro compreendido entre a proclamação da República, em 1889, e a Revolução de 1930.
4 – Amaro CAVALCANTI, Regime federativo e a República brasileira, p.43
5 – Id., Ibid., p.44.
6 – Helly Lopes MEIRELLES, Direto municipal brasileiro, p.31
7 – Id., Ibid., p.31-32.
8 – Movimento orgárquico gerado pelos “coronéis”, chefes políticos, em geral, proprietários de terra, no interior do País, especialmente o Nordeste.
9 – Período republicano brasileiro compreendido entre a vitória da Revolução de 1930 e a implantação do Estado Novo, em 1937.
Informações Sobre o Autor
Vicente Martins
Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) com mestrado em política Educacional pela em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC)